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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.2 Florianópolis dez. 2004

 

RESENHAS

 

Psicologia Organizacional e do Trabalho na Espanha: desafios e contribuições1

 

 

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Pós-doutorando pela Universidad Complutense de Madrid (CAPES-MEC). Professor da Universidade Federal do Ceará (tupinamb@ufc.br)

 

 

Parafraseando os organizadores do estudo ora resenhado, diríamos que escrever um livro sobre a Psicologia do Trabalho e das Organizações pode se constituir em uma tarefa ousada ou redundante. Ousada por pretender resumir em algumas centenas de páginas o volume de conhecimentos agregados nas últimas décadas sobre as organizações. Redundante, ou desnecessária, em razão da existência de um número considerável de trabalhos que tratam dos múltiplos aspectos das organizações. Os referidos autores nos esclarecem que o seu estudo escapa às duas classificações, uma vez que lograram elaborar e sistematizar uma síntese da literatura temática examinada. Por outro lado, o estudo possibilita ao pesquisador, incursões que permitam o aprofundamento nos temas de interesse. Ademais, o estudo em questão é um adequado meio para a atualização da pesquisa teórica e aplicada por aqueles que se iniciam nesta seara do conhecimento; para os conhecedores do tema, mostra-se um material significativo de atualização e ampliação em seus respectivos estágios de pesquisa.

As etapas do desenvolvimento da Psicologia do Trabalho e das Organizações, segundo a vertente espanhola que orienta o curso do atual trabalho, estão, guardadas as especificidades históricas locais, de acordo com aquelas observadas em outras realidades nacionais.

1. primeiro desenvolvimentos: aspirações, realidades e desenvolvimento da Psicotécnica e da Orientação Profissional na Espanha;

2. lenta recuperação no período do pós-guerra civil espanhola (1900-1936): retorno da psicotécnica e implantação da Psicologia Industrial como Psicologia Aplicada (1940-1968);

3. institucionalização da Psicologia do Trabalho e Industrial na Universidade, impulso da pesquisa e configuração do papel profissional da Psicologia do Trabalho e das Organizações (1968-1979);

4. consolidação da Psicologia do Trabalho e das Orgamzações em suas vertentes científica, acadêmica e profissional: abundância, institucionalização, universalidade, difusão e profissionalização (1980-1991), e finalmente

5. expansão e maturidade da Psicologia Orgarnizacional e do Trabalho (POT) na Espanha, ampliada ao marco europeu (Peiró em Rodríguez e Alcovar, 2003: 19).

Considerando as contribuições anteriores desta área da Psicologia, os colaboradores aportam novas abordagens, agora informados acerca das profundas transformações em escala global, na esfera econômica, no âmbito empresarial e no mundo trabalho.

También son relevantes los cambios demográficos en nuestras sociedades, los cambios sociales, culturales y de los valores. No por tópicas, dejan de ser importantes cuestiones como la globalización, la multiculturalidad, y la interconexión e interdependencia de las sociedades, la flexibilidad laboral o la crisis del estado del bienestar (Peirá em Rodríguez e Alcovar, 2003: 20-21).

Os autores do estudo ora examinado levaram em devida conta o novo contexto europeu para apresentar as suas reflexões. Na configuração da União Européia, pressupõe-se uma Psicologia do Trabalho e das Organizações atenta às inflexões desta realidade. É de se observar inclusive a intenção de definir contornos de possível unidade nesta área, guardadas as diferenças locais, em direção ao desenvolvimento de uma psicologia no marco europeu; e em perspectiva, um contraponto à hegemonia da psicologia anglo-saxónica.

Tal situação exige respostas ágeis e válidas dos pesquisadores, para assim construírem pontes entre as diferentes etapas da área, dando um sentido ao que se conseguiu até então e ao que está em processo: "eso permite disponer de una visión y una orientación para la intervención profesional ante las demandas e interrogantes que actualmente plantean trabajadores, empresas, clientes, usuarios y la sociedad en general, en lo que ai trabajo y las organizaciones se refiere" (Peiró em Rodríguez e Alcovar, 2003: 22).

O livro "Introdución a la Psicología de las Organizaciones", organizado pelos professores Franciso Gil Rodríguez e Carlos Maria Alcover, consiste, assim, numa bem-sucedida tentativa de reunir temáticas sobre diversos aspectos nucleares da Psicologia das Organizações. Dele podem fazer bom uso tanto os iniciantes da área que queiram identificar seus diferentes temas e caminhos quanto os já dedicados ao campo de investigação, uma vez que dispõem neste livro de um quadro atualizado do estado da arte. Não se trata, pois, de uma obra limitada às fronteiras espanholas. Para esta conclusão é suficiente atentar para a rica bibliografia de cada um dos diversos capítulos, que demonstra o equilíbrio entre colaborações circunscritas à Espanha, ampliadas à Europa e a outras realidades, principalmente a estadunidense.

É preciso destacar o esforço intelectual dos professores organizadores do presente estudo e da equipe de colaboradores. Fazendo face ao volume de ensaios e trabalhos teóricos e empíricos elaborados até ao momento, este livro lega aos interessados na temática um amplo resultado de síntese, levando a bom termo uma das mais árduas tarefas que se nos apresentam no trabalho acadêmico. Pode-se constatar isso a partir do desenho dos capítulos que compõem a obra. Nesse sentido, a nossa apresentação, sem esgotar os seus conteúdos - tendo em vista os limites do nosso texto -, pretende ser também um convite à leitura integral da obra.

Esta se divide em quatro partes. A primeira intitula-se "El estudio psicosocial de las organizaciones", e traz colaborações de diversos autores, que buscam estabelecer as bases conceituais, históricas e metodológicas da Psicologia Organizacional. A segunda parte, "El disefio de las organizaciones", apropria-se de conceitos sobre a organização, atualizando-os e considerando, para tanto, as influências da globalização e da multinacionalidade na concepção, na organização e na realização do trabalho organizacional, seja ele de natureza concreta ou virtual. Trata, em suma, daqueles aspectos que configuram as realidades organizacionais, ou seja, estrutura, novas tecnologias, equipes de trabalho, processos de socialização, inovações, mudanças e desenvolvimento organizacional. Um fator preponderante nas regiões mais desenvolvidas do planeta, mas que não pode ser ignorado nos países de outras regiões, é aqui tratado, nomeadamente a transformação das estruturas e sistemas organizacionais, bem como seus métodos e processos de trabalho em face da magnitude e da velocidade das mudanças econõmicas, tecnológicas, sociais, políticas e culturais presentes na última década do século XX. Mas ainda que "virtualizado" o mundo, há a necessidade de se contmuar a compreendê-lo com a ajuda dos tópicos já mencionados e tradicionalmente discutidos nas organizações de outrora, ou seja, a problemática da socialização e das mudanças organizacionais, tópicos esses desenvolvidos, respectivamente, por Rafael Roda Fernández e Alfredo Munoz Adánez nos capítulos 8 e 9 da segunda parte.

"Procesos y funcionamiento organizacional" compõe a terceira parte do livro e, segundo os organizadores, o seu núcleo principal. Nela, são tratadas temáticas voltadas para o microssistema organizacional, e também aquelas que já encontraram um porto seguro na psicologia das organizações, como por exemplo os estudos sobre comunicação, cultura, clima, tomada de decisões, conflitos e negociação. Também está contemplado o tema da aprendizagem organizacional, abordado no 14º capítulo. No quadro atual de câmbios rápidos e profundos na sociedade e nas organizações, Gil Rodríguez justifica a íntima relação entre tais câmbios com a aprendizagem organizacional: "Las organizaciones que aprenden son capaces de descifrar su entorno, anticipar hechos futuros y adaptarse a las condiciones cambiantes. La capacidad para aprender más, y más deprisa que las demás organizaciones es la principal, y posiblemente la única, ventaja competitiva sostenible" (p: 415).

Ainda de destaque é a nova leitura que proporciona o capítulo 10 acerca do conhecido tema da liderança. Tal conceito, usado com exagerada freqüência no âmbito da administração, muitas vezes de modo abusivo, teve, em 'relação a outros conceitos - como o da motivação, entre outros -, pouca relevância para as pesquisas da psicologia. A despeito do questionável rigor de determinados trabalhos sobre liderança, devem-se reconhecer os esforços teóricos e empíricos que buscavam sua atualização, posto que "dirigir e liderar" continuam aceites enquanto conceitos nucleares para a compreensão das relações e do comportamento organizacional. Isso se constata no curso da pesquisa empreendida pelos projetos internacionais com marcada influência acadêmica, cuja abordagem conceituai se funda na perspectiva intercultural; é o caso dos projetos GLOBE e EKU.

A quarta parte do livro, "Resultados organizacionales", examina a eficácia organizacional, observando as variáveis extra-organizacionais e a sociedade na determinação deste outrora "assunto exclusivamente interno." Examina-se, por fim, os desafios que a organização moderna apresenta para que o psicólogo e outros cientistas sociais atuem com o necessário êxito. Como qualquer outro sistema social, as organizações têm sido objeto de intervenções que visam melhorar o seu funcionamento e otimizar os seus resultados, considerando o seu entorno.

Gil Rodríguez, Alcover de La Hera e Barrasa Notário, em seu capítulo conclusivo "Intervención en las Organizaciones", reafirmam o valor heurístico da obra, oferecendo ao leitor uma rigorosa síntese de diversos modelos de intervenção organizacional de interesse dos psicólogos, os quais pressupõem, apoiados na trama dos capítulos anteriores.

 

 

Recebido: 21/09/04
Revisado: 15/12/04
Aceito: 22/12/04

 

 

1. RODRIGUEZ, F. G.; ALCOVER, C. M. Introducción a la Psicología de las Organizaciones. Madri:Aliaza Editorial, 2003. 559 p.

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