SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Psicologia Organizacional e do Trabalho na Espanha: desafios e contribuições índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.2 Florianópolis dez. 2004

 

RESENHAS

 

Aprendendo com parcerias entre professores e alunos1

 

 

Elizabeth UlrichI; Olga Mitsue KuboII

IMestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina em Convênio com a Universidade do Oeste de Santa Catarina. Professora da Fundação Municipal Faculdade da Cidade de União da Vitória - FACE (face@face.br)
IIDoutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (ok@cfh.ufsc.br)

 

 

Onde existe educação não há distinção de classe.
(Confúcio)

 

 

Professores e alunos jogam no mesmo time? A dissertação de mestrado de Nádia Kienen, "Percepção das relações entre trabalho e saúde de professores e alunos universitários", destaca a necessidade de considerar a relação aluno/professor como uma relação de parceria, Em um relacionamento onde existe colaboração e outras decorrências advindas de uma convivência mais harmoniosa, é possível modificar comportamentos na direção de estabelecer melhores relações entre aluno e professor que, por sua vez, melhorarão as condições de saúde de ambos.

A obra de Nádia Kienen é importante quando, por exemplo, mostra a perspectiva de que as relações de coerção ou de parceria interferem na promoção da saúde de professores e alunos. A autora destaca a relação aluno/professor como "parceiros de trabalho" em que a capacitação dos alunos pressupõe o seu papel ativo durante a aprendizagem. Esta perspectiva produz a autonomia do aluno, aumentando a possibilidade de que ocorram novos comportamentos, mais apropriados às múltiplas situações profissionais e pessoais. Destaca também os efeitos do uso da coerção como forma freqüente nas relações acadêmicas, produzindo ansiedade, falta de envolvimento e alterações no estado de saúde tanto do professor quanto do aluno.

A autora procura focar a saúde docente, e também a discente, de uma perspectiva sistêmica na produção de conhecimento, em que o tipo de interação entre professores e alunos é de parceria. Embasadaem várias pesquisas, a autora demonstra algumas condições de saúde dos alunos que vão além de suas características individuais. Cita pesquisas que abordam temas como o uso da coerção em sala de aula produzindo fracasso escolar (Viecili, 2002), e situações aversivas que resultam em medo e ansiedade (Skinner, 1972; Sidman, 2001). Menciona também a relação entre perfeccionismo com padrões de realização acadêmica e tensão emocional, demonstrando que quanto maior o nível de perfeccionismo maior o nível de depressão e ansiedade - e que estes estáo associados a níveis acadêmicos mais baixos (Arthur e Hayward, 1997). Portanto, caracterizar relações entre professores e alunos no ambiente acadêmico possibilita identificar aspectos que podem estar influenciando negativamente as condições de saúde dos alunos.

Professores podem estar adoecendo muito antes de estarem incapacitados para o trabalho. Citam-se estudos sobre fontes de estresse em professores, como a pesquisa de Reinhold (1985), e também sobre fontes de estresse em professores de ensino fundamental. Nesse estudo foi demonstrada uma tendência dos professores a acharem que os " problemas no trabalho são causados principalmente por fatores externos, e que providências para melhorar a situação deveriam vir do ambiente de trabalho. Duran (1982) caracteriza padrões de interação verbal entre professores e alunos universitários, e avalia deficiências ou inadequações dos repertórios envolvidos em tais interações. A conclusão foi a de que há uma grande dificuldade na comunicação entre aluno e professor. O professor é o "verbalizador" quase exclusivo na situação de sala de aula, e o aluno é aquele recolhido na passividade do seu silêncio ou ineficácia de suas iniciativas verbais. Por meio desses exemplos, a autora mostra que o adoecer dos professores é um processo gradativo, e muitas vezes alguns fatores importantes, tais como o tipo de interações estabelecidas entre professores e alunos e o modo como as condições de ensino se estabelecem, são ignorados.

A autora demonstra que as relações de coerção ou de parceria interferem nas condições de saúde de professores e alunos. Esta afirmação está baseada em resultado de sua pesquisa, na qual foram sujeitos 23 alunos do sexto semestre do curso de Psicologia de uma universidade pública localizada no Vale do Itajaí-SC, e sete de seus professores. Os professores foram entrevistados e os alunos responderam a um questionário. Os dois instrumentos de coleta de dados foram elaborados a partir de uma análise de variáveis a respeito de quatro aspectos: características gerais do sujeito, condições de trabalho, relações de trabalho e condições de saúde. A amplitude das variáveis avaliadas e o volume das informações disponíveis trazem um mapa amplo, e a possibilidade para a realização de pesquisas complementares, que poderão aprofundar alguns dos aspectos estudados.

Para Kienen (2003), os tipos de controles exercidos no ambiente acadêmico influenciam significativamente as relações entre professores e alunos. Da escola primária até aos cursos de graduação e pós-graduação, os professores preocupam-se mais com as técnicas coercitivas para manter a disciplina do que com métodos efetivos de instrução. Fatores aversivos podem produzir alunos disciplinados, obedientes, aplicados e eventualmente informados, mas por outro lado proporcionam uma oportunidade para que os mesmos se ajustem a fatores desagradáveis e dolorosos. Os alunos, ao agirem eficazmente sob ameaças, submetem-se à dor e tornam-se elementos passivos na situação escolar. A pessoa que é submetida a situações aversivas apresenta comportamentos de fuga, esquiva, raiva e ressentimento, e para de se comportar dessa forma assim que esse controle aversivo cessa. Neste tipo de relacionamento, além de haver sentimentos negativos, há também falta de interação entre alunos e professores. Em razão disso, produzem-se sentimentos de desamparo e depressão, que podem gerar uma baixa de produtividade e alterações nas suas condições de saúde. Porém, quando do comportamento decorre uma recompensa, a tendência é a de que aquele seja repetido. Relações nas quais professores e alunos se sentem recompensados pelas próprias aprendizagens e por transformações sociais que produziram no meio em que atuam são mais saudáveis e eficazes.

A autora discute, ainda, as decorrências da relação entre professores e alunos ser uma de parceiros de trabalho, isto resulta num envolvimento em que se dará a modificação do comportamento direcionado à resposta mais adequada a situações-problema, melhorando as condições de saúde de ambos. Relações amistosas e reforçadoras, caracterizadas por respeito ao ritmo e à forma de aprender do aluno, geram mudanças comportamentais que o tornam mais capaz de atuar em seu ambiente social. O envolvimento do professor como facilitador, ao cumprir seu papel de educador, cria condições para que o aluno seja capaz de transformar informações em novas condutas, e auxilia a formar profissionais mais conscientes de sua função social. Relações de confiança, nas quais professor e aluno se tornam partes ativas e integrantes do processo, melhoram o ensino, principalmente pela abolição da punição, que é substituída pelo reforço positivo. Com estas condições de trabalho, torna-se possível construir condições de saúde de professores e alunos melhores e mais saudáveis.

A autora conclui que existem formas de tornar o ensinar e o aprender mais efetivos e mais saudáveis. O professor deve maximizar as condições de aprendizagem e minimizar as dificuldades e custos que haveria para os alunos, caso eles tivessem de aprender sozinhos. O ideal seria que os estudantes se dedicassem às atividades acadêmicas por as desejarem, por estarem interessados no que estão fazendo. Indicar o que o aluno faz corretamente faz grande diferença na convivência estabelecida em uma sala de aula e na eficiência do ensino. Um estudante, ao perceber seus progressos, sentir-se-á reforçado. Em situação de ensino formal é preciso fazer com que a aprendizagem do aluno seja reforçada por si mesma. Um meio de fazer com que os alunos se sintam recompensados pela própria aprendizagem é dar-lhes a oportunidade de utilizar o que aprenderam. Uma das características desta forma de trabalhar é que os alunos não são punidos por apresentarem desempenhos inadequados ou insuficientes. São dadas ao aluno todas as oportunidades necessárias para que ele apresente o desempenho máximo em cada etapa do trabalho e se sinta recompensado ao concluir cada uma delas. O progresso do aluno, por sua vez, é algo muito provável de ser também recompensado para o professor.

Por fim, esta é uma pesquisa que traz ampla revisão bibliográfica, tratando o assunto de forma clara e objetiva, ao mesmo tempo em que remete à reflexão sobre a percepção das relações entre trabalho e saúde de professores e alunos universitãrios. A grande contribuição do trabalho de Kienen é enfatizar que a colaboração e a interação harmônica entre professores e alunos modificam comportamentos em direção à possibilidade de transformar informações em condutas profissionais de valor, e isto propicia melhores condições de bem-estar e saúde a ambos.

 

Referências

ARTHUR, N.; HAYARD, L. The relationships between perfectionism, standards for academic Achievement, and emotional distress in postsecondary students. Journal of College Student Development,v.38, p. 622-628, 1997. Acessado em 12 de dezembro de 2002: http://proquest.umi.com/pqdweb.        [ Links ]

DURAN, A. P. Padrões de comunicação oral e compreensão da comunicação escrita na universidade: estudos do Nordeste. Concurso Nacional de Pesquisa em Educação - Os doze trabalhos premiados(Secretaria de Estado da Educação, Fundação Educacional do estado do Paraná). Curitiba: Imprensa Oficial, 1982.        [ Links ]

REINHOLD, H. H. Fontes e sintomas de stress ocupacional do professor. Estudo de Psicologia,(2 e 3), p. 20-50, 1985.        [ Links ]

SIDMAN, M. Coerção e sua implicações.Campinas: Livro Pleno, 2001.        [ Links ]

SKINNER, B. F Tecnologia do ensino.São Paulo: E. P. U. - Editora Pedagógica e Universitária, 1972.        [ Links ]

VIECILI, J. A coerção em sala de aula: decorrências de seu uso na produção do fracasso escolar:Dissertação de Mestrado não publicada, Curso de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.        [ Links ]

 

 

Recebido: 07/06/04
Revisado: 21/11/04
Aceito: 20/12/04

 

 

1 Resenha de: Nádia Kienen, Percepção das relações entre trabalho e saúde de professores e alunos universitários,Dissertaçãode Mestrado, UFSC, 2003

Creative Commons License