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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.5 n.2 Florianópolis dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Reestruturação produtiva e os sentidos do desemprego: uma abordagem interpretativa de trajetórias de trabalhadores excluídos do mercado de trabalho industrial de Lavras-MG

 

Productive reestructuration and sense of the unemployment: an interpretative perspective of excluded workers trajectories in the industrial context in Lavras - MG

 

 

Maria Cecília PereiraI; Mozar José de BritoII

IDoutoranda em Administração. Universidade Federal de Lavras-UFLA(cecilia@navinet.com.br)
IIDoutor em Administração. Universidade de São Paulo FEA/USP. Professor no Departamento de Administração e Economia DAE/UFLA (mozarjdb@ufla.br)

 

 


RESUMO

Por meio deste estudo, objetivou-se investigar as interpretações dos desempregados do setor industrial de Lavras - MG, acerca do desemprego, considerando suas trajetórias pessoais e profissionais bem como o processo de reestruturação produtiva e sua inserção no município em questão. Considerou-se as particularidades histórico-culturais do município de Lavras, bem como as características econômico-sociais referentes às condições de trabalho, mais especificamente no setor industrial. O presente estudo situa-se sob o paradigma interpretativo de análise, por meio da pesquisa qualitativa. Nesta pesquisa, parece inovar-se no estudo do desemprego visto que, ao considerar a dimensão histórico-cultural e a subjetividade, parte da linguagem dos próprios desempregados e dos sentidos que atribuíram à sua condição, para, desta forma, traçar algumas considerações acerca do fenômeno do desemprego.

Palavras-chave: reestruturação produtiva; desemprego; trabalhadores excluídos; abordagem interpretativa


ABSTRACT

The objective of this paper was to investigate the interpretations from the unemployeds of the Lavras-MG industrial sector, about the unemployment, considering its personal and professional trajectories as well as the process of productive reestructuration and its insertion in the city in question. It was considered the historic-cultural particularities of the Lavras city, as well as the referring economic-social characteristics to the work conditions, more specifically in the industrial sector. The analysis was conducted from the interpretative paradigm and qualitative research. In this research, it seems to innovate in the study of the unemployment since, when considering the historic-cultural dimension and the subjectivity, part of the language of the unemployeds one and the senses that they had attributed to their condition, for, then, to trace some considerations about the unemployment.

Keywords: productive reestructuration; unemployment; excluded workers; interpretative boarding


 

 

Introdução

Por meio deste estudo, objetivou-se investigar as interpretações dos desempregados do setor industrial de Lavras - MG, acerca do desemprego, considerando suas trajetórias pessoais e profissionais bem como o processo de reestruturação produtiva e sua inserção no município em questão. No contexto do trabalho, observam-se mudanças, as quais definem novas práticas produtivas, com impactos diretos sobre o trabalho e direcionam para novas condições de empregabilidade, levando à precarização do trabalho e ao aumento do desemprego, seja pela diminuição nos postos de trabalho formais, seja pelas dificuldades impostas pelas novas condições de empregabilidade.

O desemprego e o trabalho informal destacam-se no cenário brasileiro. A taxa média de desemprego aberto no Brasil, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elevou-se de 3,8% em junho de 1996 para 13% em junho de 2003, com um aumento de 2,5% em relação a dezembro de 2002. Em março de 2004, a taxa de desemprego apresentou-se em 12,8% e, no mesmo período de 2005, o desemprego apresentou taxa de 10,8%. Embora as taxas tenham apresentado ligeira queda nos últimos dois anos, o nível de desemprego é considerado elevado no país (IBGE, 2005).

Além disso, as condições precárias de emprego também merecem destaque. O nível de emprego formal no Brasil decresceu, com o fechamento de 304,9 mil postos de trabalho em 1996, para a eliminação de mais 581 mil postos de trabalho formais em 1998. Em 2003, o emprego informal cresceu 8,4% em relação a 2002 (Boletim do Banco Central do Brasil, 2005).

Em Minas Gerais, o desemprego aberto apresentou taxa média de 12,1% em março de 2004 e 10,7% em março de 2005, tomando como base a região metropolitana de Belo Horizonte (IBGE, 2005). Na cidade de Lavras, Minas Gerais, verificou-se em 2004, um nível de desocupação (população economicamente ativa, acima de 10 anos, que não está empregada formal ou informalmente e está à procura de emprego) calculado em 7,17%, aproximando o município do nível de desemprego observado no Estado e no País, no mesmo período. Vale ressaltar ainda que, entre os que se declararam ocupados (48,79%) no período de 2004 no município de Lavras, 13,96% possuíam ocupação não remunerada (dona-de-casa, na maioria das vezes). Do restante dos ocupados, aproximadamente 47% declararam não possuir carteira assinada. Esse quadro revela as condições precárias de emprego no município de Lavras - MG (PET, 2005).

A participação das indústrias no PIB da cidade de Lavras (valor adicionado na indústria), divulgado pelo IBGE (2006) é de 215.649 (a preços de mercado corrente em mil reais, dados de 2002). Em Minas Gerais, a participação das indústrias é de 58.759.929, na mesma base (dados de 2003). Considerando que o PIB total em Minas Gerais (144.544.822) e em Lavras (531.404), a participação de Lavras representa cerca de 0,36% no PIB de Minas Gerais.

Diante desse cenário, admite-se que o processo de reestruturação produtiva associa-se ao aumento do desemprego e das relações precárias de trabalho, impulsionando um debate acerca do papel do trabalho na sociedade contemporânea. Esse quadro incita a emergência de novos valores sociais no contexto da reestruturação produtiva.

Adverte-se, então, a necessidade de focalizar a questão do desemprego por meio dos próprios desempregados, imersos no processo de reestruturação produtiva, explorando suas interpretações. A pesquisa foi realizada no município de Lavras - MG, considerando suas particularidades histórico-culturais, bem como as características econômico-sociais referentes às condições de trabalho, mais especificamente no setor industrial.

 

1. Mudanças no mundo do trabalho: o processo de reestruturação produtiva

Os estudos acerca do processo de reestruturação produtiva vêm ganhando espaço, principalmente nas áreas de conhecimento, tais como: sociologia, economia do trabalho, administração de empresas e engenharia de produção. Nos estudos em que se descreve o processo de reestruturação produtiva e suas implicações para as relações de trabalho, observa-se a falta de clareza quando se discute quais seriam os elementos centrais que caracterizam o processo de reestruturação. Harvey (1996) advoga a introdução de novas tecnologias e os novos modelos de gestão da produção e do trabalho. Brito (2000) e Hirata (1997) afirmam que o foco deve recair sobre as condições de empregabilidade no contexto da nova organização do trabalho.

No que tange às novas estratégias de produção e à implicação dessas para os trabalhadores, Rosa (1998) adverte para a emergência de processos "libertadores dos empregados". no contexto da reestruturação, com o incremento das responsabilidades e o fortalecimento da autonomia do trabalhador (uso de si) no ambiente de trabalho. Por outro lado, Baltar e Proni (1996), Faria (2004), Hirata e Humphrey (1989), Oliveira et al.(1996), Tumola (200 I) reforçam o caráter explorador das novas estratégias produtivas, da precarização do trabalho, bem como o aumento da exclusão social.

As transformações no mundo do trabalho foram intensificadas a partir da segunda metade do século XX, permeadas por fenômenos como globalização, alteração nos padrões tecnológicos e de produção e configuração de políticas neoliberais. Essas transformações acarretam mudanças nas organizações, nas relações econômicas, sociais e políticas. No contexto organizacional, evidenciam-se as modificações nos processos de produção e gestão da força de trabalho. No âmbito social, as novas condições influenciam a oferta e natureza contratual dos empregos, bem como as qualificações requeridas dos trabalhadores (Hirata, 1997). Os principais conceitos empregados para explicar as transformações no padrão de produção baseiam-se no acirramento da competição entre organizações de diversos países (Harvey, 1996; Pochmann, 1999).

Singer (1999) aponta a destruição dos oligopólios, ocasionada pelo acirramento da competitividade internacional, como uma das razões para a crise do modelo fordista e das relações de trabalho inscritas nesse modelo. Para o autor, isso ocorreu na medida em que os mercados de atuação dos oligopólios - que forneciam a maior parte do emprego formal e tinham uma situação de poder repassar, com muita facilidade, os custos trabalhistas suplementares aos preços dos produtos - ficaram competitivos e reduziram custos, terceirizaram e substituíram o trabalho formal por vários tipos de relações informais.

Além da globalização e do aumento da competitividade, um outro fator, de cunho político, contribuiu para a compreensão das transformações desencadeadas na esfera do trabalho/trata-se das políticas neoliberais. No Brasil, por exemplo, os incentivos dos governos locais, para a entrada de empresas estrangeiras, engendram um processo de instalação, voltado para os beneficios fiscais. Ao fim dos incentivos oferecidos pelos governos, a tendência é de que tais empresas "fechem as portas" e transfiram-se para locais mais atrativos, deixando um grande número de desempregados. O fato é que há uma reorientação do papel do estado, o qual se encontra cada vez mais limitado, principalmente do ponto de vista de políticas públicas (Pochmann, 1999; Singer, 1999).

Os avanços tecnológicos também compõem o quadro da reestruturação produtiva. O modelo japonês é um termo designado para descrever padrões de gestão da produção e da força de trabalho que divergem do modelo fordista em várias acepções. Esse modelo é também conhecido como modelo de especialização flexível ou toyotismo (Piore e Sabeel, 1984). Trata-se não apenas de novas formas de arranjos produtivos, mas de uma "outra maneira de pensar a divisão do trabalho e uma concepção renovada do lugar do sujeito na organização" (Hirata, 1997, p. 24).

Lombardi (1997) considera a implantação das novas técnicas de produção e trabalho no Brasil, conservadora, à medida que o trabalho real continua tendo uma prescrição individual, via roteiros de fabricação, e a "polivalência" é entendida como multitarefa. Para a autora, a polivalência seria requisição de maiores conhecimentos quanto a fatores relacionados (ou não) à tarefa realizada, por exemplo, maior habilidade para lidar com a mudança, conhecimentos técnicos diversos, etc. Por outro lado, "a multitarefa apenas acrescenta um novo rol de tarefas às que o trabalhador já fazia. Trata-se, na maioria das vezes, de uma redistribuição de funções para os empregados" (Lombardi, 1997, 14). Além disso, no Brasil, as práticas fordistas, como as linhas de montagem tradicionais, continuam em vigor, coexistindo com os Just-in-Time e as células de produção.

Existem mudanças na própria configuração das empresas. A formação das redes organizacionais, por exemplo, é apontada por Castells (1999) como um processo próprio de uma "sociedade informacionista e pós-industrialista". O autor advoga que se trata de um processo de descentralização das grandes empresas tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas. Esse processo seria uma resposta natural à revolução tecnológica e ao acirramento da competitividade. Sendo assim, pode-se dizer que a grande empresa capitalista clássica daria lugar às empresas descentralizadas, tornando-se menores, porém, criando uma rede de pequenas e médias empresas filiadas, subcontratadas. Essas empregariam um número cada vez menor de trabalhadores, em trabalhos cada vez mais precários (Castells, 1999; Singer, 1999).

A precarização do trabalho é um tema que vem sendo abordado sob diferentes perspectivas. Baltar e Proni (1996) verificam que, para grande parte do emprego formal no Brasil, o vínculo de trabalho tem curta duração, transformando o trabalhador brasileiro em trabalhador temporário. Os autores também constataram o crescimento do trabalho informal, interpretado como um "indício de maior desagregação da estrutura socioeconómica nas regiões mais desenvolvidas do país." (Baltar e Proni, 1996, p. 141). Entre as relações informais de trabalho, Singer (1999) aponta a compra de serviços como a relação predominante. Além disso, pode-se citar a elevação do trabalho doméstico e autónomo, sobretudo, os vendedores ambulantes, biscateiros, lavadores de carro etc.

Além do quadro de precarização, o desemprego é um fenômeno crescente no contexto da reestruturação produtiva. Por um lado, os avanços tecnológicos, o processo de automação nas organizações e o conseqüente aumento da produtividade contribuem para a redução nos postos de trabalho. Por outro, as exigências impostas pelo mercado de trabalho à qualificação profissional, bem como o novo perfil requerido do trabalhador, dificultam as condições de acesso ao mercado de trabalho para uma grande parcela da sociedade. Essa seria relegada para uma periferia "desqualificada", recorrendo ao trabalho precário e informal (Tumolo, 2001).

Com isso, observa-se que, no período caracterizado como fordismo, os trabalhadores contavam com a proteção social do Estado concomitante às relações de trabalho assalariadas, legitimadas por um contrato formal e rígido. O contrato de trabalho, na sua forma clássica, estipula que o trabalhador apareça no local de trabalho, obedeça ordens regulares de supervisores e receba compensação monetária. Esse contrato caracterizou a relação de trabalho padrão ou formal que marcou o período fordista (Singer, 1999). Com isso, a concepção de trabalho, no padrão fordista de produção, adquiriu a conotação de "elemento integrador da sociedade", ou seja, o trabalho permitia aos trabalhadores engendrarem ou reforçarem os laços sociais (Enriquez, 1999). Além disso, os trabalhadores passaram à condição de seres dotados de direitos civis, políticos e sociais, adquiridos por meio de lutas sociais e sindicais. A figura do trabalhador tornou-se central na sociedade moderna.

A crise nesse modelo de relação de trabalho engendra novas formas de inserção dos trabalhadores na esfera social e, portanto, reporta-se aos estudos acerca do "lugar" dos trabalhadores e, conseqüentemente, dos desempregados na sociedade contemporânea.

 

2. Trabalho, trabalhadores e desempregados na sociedade contemporânea

Na esfera do trabalho, os estudos concentram-se na dimensão agregada dos efeitos do desemprego, focalizando os problemas sociais, econômicos e políticos que o desemprego acarreta para a sociedade. Por outro lado, existem algumas pesquisas que focalizam o fenômeno do desemprego, relacionado, porém, a aspectos mentais e comportamentais da perda do emprego (Bartley, 1994; Caldas, 2000a, 2000b; Jahoda, 1982; Nardi et al.,2000; Warr, 1987).

Em alguns trabalhos, propõe-se a análise da dimensão subjetiva do desemprego, focalizando as implicações para o desempregado (Caldas, 2000a; Fryer e Payne, 1986). "Parece natural que a'demissão afete mais o indivíduo desligado do que qualquer outro envolvido" (Caldas, 2000a, p. 2). Esse autor discute a perda do emprego, e seus efeitos subjetivos no contexto brasileiro, partindo do sentido do próprio trabalho para o sujeito. Em sua pesquisa, Caldas (2000a) apresenta algumas dimensões do desemprego como a perda da identidade e da auto-estima. Especificamente, em sua obra, Caldas (2000a) pretende demonstrar que o sujeito estabelece uma relação de identificação com seu trabalho ou com a organização que lhe confere uma referência social e, ao ficar desempregado, perde essa identificação e, conseqüentemente, sua auto-estima.

Pages et al.(1987) focaliza o rompimento do elo entre o sujeito e a organização por meio do poder que a organização exerce sobre seus funcionários, fazendo com que eles se sintam dependentes dela. Nesse sentido, Caldas (2000a) defende que o desemprego seria a dissolução de uma ligação psíquica que o trabalhador mantém com O trabalho, ou com a organização, por meio da qual atenuaria suas incertezas e inseguranças. A identificação ou o elo entre o trabalhador e o trabalho/organização estaria intimamente relacionado à importância dada ao trabalho como uma forma de contato interpessoal e como imagem, ou seja, como posição de status.

Nessa perspectiva, o emprego é tido como uma fonte central de auto-estima e reconhecimento social. O desemprego, portanto, representaria a perda da referência social que levaria à perda da auto-estima que acompanha esse papel. A posição de desempregado é apresentada como uma posição de menor prestígio, desviante, de segunda categoria, não providenciando uma verdadeira pertença ao social (Caldas, 2000a).

Enriquez (1999) adverte que o trabalho instaura a realidade e a temporalidade para o trabalhador. Segundo o autor: "quando não temos temporalidade, não sabemos mais quem nós somos nem o que temos a fazer" (Enriquez, 1999, p. 79). O elemento de atemporalidade remete à condição transitória na qual se encontra o desempregado. A falta de exigências e compromissos cotidianos podem produzir um excesso de tempo e retirar a necessidade de escolher entre diferentes atividades; uma redução geral dessas mesmas exigências é freqüentemente acompanhada pela perda de uma diferenciação temporal. Essa dificuldade, para preencher o tempo por falta de atividade, pode acarretar dimensões comportamentais da perda do trabalho, como as reações de violência e as mudanças nas estruturas das relações familiares (Caldas, 2000 a).

Quanto aos efeitos de gênero nos estudos sobre o desemprego, constatou-se uma tendência de crescimento da taxa de participação feminina, concomitante à queda daquela referente aos homens na estrutura da manutenção financeira da família (Hirata e Humphrey, 1989). Ao redimensionar as estruturas familiares, tanto na contribuição da renda quanto na questão de gênero, verificou-se a crescente exposição das mulheres, por exemplo, às condições do desemprego e, conseqüentemente, às suas implicações comportamentais, reforçando as conseqüências no núcleo familiar.

Sargentini (2001), ao investigar a trajetória do trabalhador brasileiro em determinados momentos do século XX, verificou que os trabalhadores da década de 1930, ao se organizarem, lutavam por justiça ao valor da força de trabalho que vendiam. Os trabalhadores da década de 1990, por sua vez, procuravam garantir o direito de ainda poder vender a força de trabalho: "assim, o momento leva o trabalhador a voltar-se para um novo foco: organizar-se para vender a força de trabalho" (Sargentini, 200, p. 256).

Oliveira et al.(2003) argumentam que as relações estabelecidas pela nova organização do trabalho são pautadas, muito mais do que em uma autonomia real, em uma autonomia outorgada, de base instrumental. Essa autonomia seria um instrumento de coordenação das relações de trabalho com vistas a atingir um objetivo económico. Dessa forma, a nova organização do trabalho seria voltada para a formação de trabalhadores capazes de cooperar em situação de trabalho. Porém, a cooperação seria produtiva e operacional e não solidária e unificadora. Nesse cenário, a figura do sujeito reivindicador de direitos, por meio, por exemplo, dos sindicatos, tem se enfraquecido por causa da crescente competitividade e insegurança no âmbito do trabalho. O discurso na contemporaneidade incita cada trabalhador a diferenciar-se, para, com isso, promover-se e sair do interior de uma imensa massa de comuns (Sargentini, 2001).

Esse fato pode acarretar o sentimento de insegurança, em grande parte reforçado pela individualização na construção e valorização das próprias condições de empregabilidade.Sorj (2000), ao discutir sobre os aspectos da nova sociedade brasileira, apresenta as conseqüências da reorganização da produção e do emprego, ressaltando as novas formas de estratégias sociais diante das condições de empregabilidade. Para o autor, uma massa cada vez maior de desempregados procura reciclar-se, enquanto as novas gerações desenvolvem estratégias para adaptar-se às exigências do novo mercado de trabalho. O contexto, portanto, requer do sujeito um constante investimento privado em sintonia com as eventuais oportunidades que o mercado de trabalho oferece.

As novas condições de empregabilidade podem estar associadas a uma forma de transferência da responsabilidade da "não contratação" da organização para o trabalhador. Quando o sujeito é o responsável pela sua própria capacidade de conseguir um emprego, de construir sua condição de empregabilidade, esse se vê diante da necessidade de financiar sua entrada no mercado de trabalho por meio de diversos mecanismos. Além da busca por capacitação profissional, Sorj (2000) aponta a valorização das redes sociais no Brasil como elemento de empregabilidade. Trata-se de uma questão que mantém íntima relação com o contexto económico. O autor afirma que, nos momentos de expansão económica, surgem oportunidades de ascensão por mérito, independente de fatores da origem social.

Diante desses elementos, a empregabilidade parece realçar o sentimento de insegurança, principalmente para os desempregados. Ao romper o elo com a organização, o desempregado estaria em um estado de incerteza, o qual poderia acarretar o estresse e até mesmo a depressão, encarada não apenas como um fenômeno psicológico, mas como uma manifestação, também social e complexa (Whooley, 2002).

Gomes (2003), ao realizar um estudo acerca da ligação entre desemprego, depressão e sentido de coerência, afirma que além de intimamente relacionada a esse fenômeno e de ocasionar conseqüências psicológicas, a depressão pode acirrar uma situação que, para o desempregado, por si só, já é alarmante, qual seja: a dificuldade económica. O autor ressalta que os deprimidos são vítimas de sucessivas consultas, repetidos exames e análises ou de pequenas cirurgias, os quais representariam os custos da depressão clínica.Os custos da depressão também podem ser identificados no âmbito social e familial, embora não sejam tão facilmente identificáveis nessas esferas da vida.

A proposta de Caldas (2000a) é a noção de emprego como vida, ou seja, o emprego representaria para o trabalhador a ligação com a vida e o sentido de fazer parte dela. Por meio do trabalho, têm-se compromissos, regras a cumprir, podem-se esperar recompensas pelo esforço despendido, enfim, representa a atividade. Por conseguinte, o desemprego manifestar-se-ia como expressão de inatividade e morte. Esse sentimento é reforçado pela noção de invalidez, pelo fato de não produzir, de não colaborar, de estar fora do mercado, da esfera ativa da sociedade.

As dimensões do desemprego apresentadas nesta seção, considerando-se o que o trabalho pode representar para o sujeito, são de extrema relevância para os estudos no âmbito do trabalho e do desemprego. No entanto, partiu-se para a compreensão da realidade sem "categorias preconcebidas", deixando que as interpretações aflorassem no decorrer das análises. Com isso, buscou-se superar duas formas clássicas da análise do desemprego: uma que prioriza as implicações macrossociais, de cunho económico; outra baseada, principalmente, nas análises de cunho individualizante, como o foco na saúde fisica e mental. Para tanto, o estudo contou com a pesquisa interpretativa/qualitativa como base teórico-metodológica da pesquisa.

 

3. Método

O presente estudo situa-se sob o paradigma interpretativo de análise. O conhecimento, nessa perspectiva, é socialmente construído e a verdade é baseada nas interpretações da interação entre os sujeitos historicamente situados (Spink, 2004). Morgan (1980) afirma que o investigador interpretativista tenta entender os processos pelos quais as múltiplas realidades compartilhadas surgem, sustentam-se e modificam-se, atentando para a rede de jogos de linguagem, baseada em grupos de conceitos e regras subjetivamente determinadas. Por isso, foram consideradas as "falas" dos informantes da pesquisa como forma de compreensão da realidade, por meio da interpretação.

Além do paradigma interpretativo de análise, foi escolhida a pesquisa qualitativa (Alencar, 1999), não apenas como opção técnica, mas como postura epistemológica da pesquisa. Na pesquisa qualitativa, permite-se a imersão no fenômeno para a compreensão da diferença, postura essa que abre espaço para a interpretação. Triviños (1987) afirma que métodos qualitativos podem fornecer detalhes intrincados de um fenômeno, dificilmente identificáveis pela pesquisa quantitativa. Dessa forma, foram realizadas entrevistas não-estruturadas e gravadas com todos os informantes da pesquisa. As entrevistas seguiam apenas um roteiro elaborado pelos autores, conforme recomenda Alencar (1999).

Compõem o universo da pesquisa os desempregados do setor industrial do município de Lavras no sul de Minas Gerais. O primeiro critério utilizado para a seleção dos informantes da pesquisa foi a definição do universo específico, ou seja, considerou-se apenas os desempregados cadastrados no Sistema Nacional de Empregos do município em estudo (SINE-Lavras). Os desempregados foram identificados por meio de uma listagem repassada pelo SINE. A definição de "desempregado do setor industrial", para fins deste estudo, remete às pessoas que: i) tivessem trabalhado, pelo menos seis meses, no setor industrial, em qualquer período de suas vidas; e, ii) estivessem à procura de emprego nesse setor.Com isso, obteve-se uma primeira triagem da lista repassada pelo SINE, ou seja, foram identificados 319 "desempregados industriais", totalizando o universo da pesquisa.

Definido o universo da pesquisa, o tamanho da amostra, ou o número de informantes, foi delineado de forma não probabilística, seguindo o critério da escolha intencional, alinhado à pesquisa qualitativa (Alencar, 1999). Foram selecionados 28 desempregados para a realização das entrevistas, procurando-se a máxima abrangência em termos de idade, gênero e grau de escolaridade. Todas as entrevistas foram realizadas nas dependências do SINE-Lavras nos meses de abril e maio de 2005. Ressalta-se que o número de entrevistados condiz com os pressupostos teórico metodológicos da pesquisa, visto que a intenção é de se aprofundar nas análises qualitativas. Neste constructo, a identificação de cada desempregado constitui-se da letra "D"(desempregado(a)) e de mais um número seqüencial de 1 a 28, conforme a ordem das entrevistas.

Além das entrevistas, também se realizou a pesquisa documental com a finalidade de coletar informações sobre o mercado de trabalho industrial em Lavras. Nessa fase, foram pesquisadas várias fontes de dados: documentos eletrônicos, relatórios disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Lavras, resultados de pesquisas e documentos históricos.

Considerando-se os pressupostos metodológicos desta pesquisa, a análise interpretativa do material coletado (entrevistas e análise documental) transcorreu conforme as recomendações de Spink (2004). Essa autora propõe a análise interpretativa por meio da análise das práticas discursivas, compondo as seguintes etapas: a) imersão no conjunto de informações coletadas, deixando aflorar as interpretações sem categorizar a priori;b) definição de categorias, presentes na própria organização da linguagem, para classificar e explicar o fenômeno estudado. Para a autora, as categorias de análise são os termos, palavras ou expressões, presentes na própria organização da linguagem, que possam remeter a uma forma de ver o mundo por parte do sujeito da pesquisa. Sendo assim, as categorias de análise devem ser identificadas em íntima associação com o contexto da pesquisa.

A apresentação dos resultados transcorreu por meio da discussão das categorias encontradas nas entrevistas (interpretações) e dos conceitos que sustentam o trabalho.

 

4. O processo de reestruturação produtiva no setor industrial de Lavras - MG

A delimitação espaço-temporal foi de extrema importância para esta pesquisa. A investigação dos sentidos, portanto, não transcorreu à margem de conceitos, tempos e contextos específicos. Mas, sobretudo, considerou-se que os desempregados construíram socialmente suas próprias realidades, mantendo uma relação simultânea com tempos e espaços particulares.

O presente estudo é delimitado por um contexto específico: O município de Lavras - MG; e, por um tempo também específico: o período da reestruturação produtiva. Nesse período, inserem-se significativas mudanças, políticas, económicas e sociais, que passam a governar, principalmente, o mundo do trabalho e os empregados formais, informais e os desempregados. Além disso, o estudo também se delimita pelas próprias trajetórias dos desempregados. Considerando o fenômeno do desemprego como foco de estudo, e o desempregado como o sujeito social da pesquisa, optou-se ainda por mais um recorte. Focalizar-se-á o desempregado do setor industrial.

Admite-se que, no âmbito da reestruturação produtiva, o desemprego bem como a marginalização de uma grande massa de trabalhadores "desqualificados", apresentam-se como fenômenos crescentes no quadro brasileiro. Ocorre que o processo de reestruturação produtiva no plano mundial não se apresentou, no mesmo período, no contexto brasileiro e no município de Lavras. No Brasil, a indústria apresentou desenvolvimento consistente a partir de 1945, estendendo-se até 1980. Esse período, portanto, foi marcado pelo crescimento dos postos de trabalho e pelo fortalecimento dos movimentos sindicais, especificamente no setar da indústria automobilística (Fleury et al., 1997). Vale ressaltar que o emprego industrial no Brasil de 1945-1980 ainda admitia mão-de-obra "semiqualificada" e, até mesmo "desqualificada". Em diversos setores industriais, os trabalhadores caracterizavam-se como: "[...] trabalhadores de origem rural que vieram tentar a sorte na cidade grande e na grande indústria, com a idéia de, a curto prazo, 'fazerem o seu pé-de-meia', para então voltar para o interior e comprarem sua terra." (Fleury et al.,1997, p. 129).

A partir de 1980, no âmbito nacional, a indústria começou a ensaiar um processo de reestruturação voltado para a modernização baseada em tecnologias microeletrônicas e na robotização da produção (Faria, 2004). Desde então, pode-se afirmar que o Brasil se inseriu no processo de reestruturação produtiva e na chamada era da flexibilização das relações de trabalho.

Quanto ao município de Lavras, sede da pesquisa, este localiza-se na Região Sul de Minas Gerais - Brasil. A cidade possui uma área territorial de aproximadamente 566 Km2 e uma população em torno de 85.380 habitantes, dos quais 94% residem na área urbana (IBGE, 2005). Em Lavras, até a metade da década de 1970, a economia ainda se baseava, além da agropecuária, nas atividades industriais dos ramos têxtil e alimentício e no comércio, que havia se desenvolvido substancialmente no município. Em parte, o crescimento do comércio na segunda metade do século XX pode ser explicado pelo desenvolvimento dos setores primário e secundário. Por outro lado, esse desenvolvimento pode estar atrelado ao fluxo de imigrantes e estudantes atraídos para o município, no referido período, entre outras características, pelo fato de a cidade ser considerada centro de referência no setor educacional.

A partir de 1980, o município de Lavras inicia um redirecionamento econômico com a instalação de indústrias do setor metal-mecânico. Com a instalação da unidade fabril da companhia AUTO, em 1988, foi incentivado o desenvolvimento industrial no município de Lavras. A AUTOfoi criada em 1951, período de desenvolvimento da indústria automobilística brasileira, instalada na cidade de Santo André, região do ''ABC paulista", dedicando-se à produção de peças de reposição para automóveis. Após a década de 1970, o Grupo Fabril constituía um conglomerado de mais de 15 empresas espalhadas no Brasil e em outros países, empregando, no início de 1980, cerca de 15.000 funcionários apenas nas unidades brasileiras (Pereira, 2003).

Nesse período, iniciou-se um processo de descentralização das fábricas, com a criação de unidades independentes dedicadas a produtos específicos, culminando com a instalação de uma unidade da AUTOno município de Lavras. O projeto para a instalação da fábrica no município teve início em 1986. Em fevereiro de 1988, a fábrica foi inaugurada com a fabricação e expedição dos primeiros produtos, gerando, de imediato, 120 postos de trabalho assalariados.

O desenvolvimento do setor industrial no município de Lavras, principalmente no ramo metal-mecânico, pode ser atribuído à instalação da empresa AUTOdevido à criação de um número considerável de indústrias satélites: fornecedoras, compradoras ou prestadoras de serviço para a AUTO.No que se refere aos impactos nas esferas econômica, social e cultural, a partir do desenvolvimento industrial no município de Lavras, pode-se dizer que a cultura de trabalho, tradicionalmente baseada no setor rural e comercial, constituiu-se em uma barreira para o trabalho industrial no município.

Sendo assim, pode-se dizer que o aspecto cultural influenciou na maneira do processo de industrialização. Posto em comparação com o perfil dos trabalhadores no início da expansão da indústria automobilística brasileira, O trabalhador lavrense diferenciava-se em vários aspectos do trabalhador do campo: o lavrense já estava em sua região, acostumado aos horários e padrões do trabalho comercial de uma cidade interiorana e às formas de interação "relacionais" no ambiente de trabalho. Por sua vez, o trabalhador do campo buscava na indústria da cidade grande um meio de "fazer o pé-de-meia" para retornar à sua região, e comprar sua própria terra.

Embora na fase inicial da indústria automobilística no Brasil o estilo gerencial emergente tenha sido o "paternalista autoritário", com a presença de supervisores de primeira linha, os chamados feitores (Fleury et al.,1997), mesmo assim, esse modelo gerencial distanciava-se das formas relacionais estabelecidas no mercado de trabalho comercial da cidade de Lavras. Enquanto os trabalhadores que migravam para o trabalho industrial na cidade grande tinham que trabalhar exaustivamente e se adaptar rapidamente ao processo de produção e de gerenciamento, em Lavras, os trabalhadores, procuravam no setor industrial emergente, uma alternativa de trabalho influenciada pela crença depositada no trabalho da grande indústria, no salário, nos benefícios, na força das reivindicações sindicais etc.

As evidências da inserção do município em um processo de reestruturação produtiva e de suas implicações são relativamente recentes. Pode-se dizer que a cidade se inseriu no processo de reestruturação a partir de 1997. O marco inicial desse processo envolve a venda da unidade AUTOde Lavras para uma companhia multinacional. A partir de 1990 as ações do grupo AUTOforam vendidas para várias multinacionais. O controle acionário da unidade de Lavras foi adquirido no ano de 1997, por uma multinacional italiana. Essa mudança implicou um conjunto de transformações técnicas e uma reorganização na gestão da força de trabalho. Com as mudanças ocorridas na indústria AUTO,por sua vez, foi impulsionado um processo de reestruturação em todo o município de Lavras, a começar pelas indústrias satélites, as quais tiveram por obrigação redirecionar suas atividades, visto que, em função dos sistemas de certificação, deveriam apresentar os padrões exigidos pela AUTO.

A partir de 1998, as indústrias, principalmente a indústria AUTO,iniciaram um processo de substituição de máquinas. Os equipamentos foram substituídos por equipamentos computadorizados, os quais demandavam mão-de-obra especializada. Com isso, deu-se o processo de automação das indústrias no município, reduzindo o crescimento da oferta de empregos e aumentando os níveis do emprego precário ou informal.

O município de Lavras encontra-se com uma taxa de pessoas desocupadas de 7,17%. Entre os ocupados (48,79%), verifica-se um nível elevado de trabalhadores informais. Entre os que se declararam ocupados, com carteira assinada (50% do total de ocupados), 28,6% atuam no setor industrial, desses 62,5% trabalham no setor de produção (PET, 2005).

Esse é o quadro de empregos no município de Lavras, refletindo uma taxa de desocupação considerável, assim como o nível de trabalhos informais. Além disso, observa-se que a indústria, no município de Lavras, é responsável pelo emprego de grande parte da população que se declarou ocupada (28,6%), empregando, principalmente no setor de produção. Diante desse cenário, advoga-se a importância de conhecer as trajetórias pessoais e profissionais dos desempregados para que, somadas à trajetória da cidade de Lavras, auxiliem na investigação acerca da condição de estar desempregado(a).

 

5. Desempregados do setor industrial em Lavras: resgatando alguns aspectos da trajetória pessoal e profissional

Com o resgate da trajetória profissional e pessoal dos sujeitos sociais da pesquisa, ocorreu a compreensão da interpretação acerca da condição de desempregado(a). Conforme mencionado no capítulo 3, foram entrevistados 28 desempregados provenientes do setor industrial. Diante da impossibilidade, nos limites desta pesquisa, de apresentar elementos das histórias individuais, optou-se pela identificação e apresentação de informações comuns. O fato de alguns desempregados terem residido e trabalhado, por um determinado período de suas vidas, em cidades como São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, auxiliou na classificação de uma trajetória comum.

Vale destacar que todos os entrevistados, no período de coleta de dados para esta pesquisa, encontravam-se desempregados e residentes no município de Lavras, onde procuravam por emprego. Sendo assim, após a análise dos relatos de cada entrevistado, foram identificadas três trajetórias comuns, ressaltando alguns aspectos da vida pessoal e profissional referentes aos desempregados.

Embora o objetivo tenha sido abranger elementos comuns em cada tipo de trajetória e, portanto, incorporar de maneira mais completa possível os dados fornecidos pelos entrevistados, ressalta-se a complexidade em fazê-lo e a possibilidade de existirem muitas outras trajetórias a serem resgatadas.

Trajetória 1: do rural para o urbano, da terra para a indústria

Compuseram a presente trajetória cinco desempregados, mais especificamente: D6, D10, D11, D14 e D15. Esses entrevistados declararam terem passado a maior parte de suas infâncias em zona rural, independentemente do local de nascimento. Além disso, os desempregados D6, D10, D11 e D14 afirmaram terem iniciado no trabalho em zona rural entre 10 e 15 anos de idade, no auxílio ao trabalho da família na agricultura ou na criação de animais; em todos os casos, de base familiar, para a subsistência. Ou seja, o primeiro contato com o trabalho esteve relacionado à terra (no sentido literal): "Meus pais são de roça, eles tinham um sítio .... , morei na roça ... trabalhei na roça"(D10).

Em determinado período, os desempregados mudaram-se para a zona urbana do município de Lavras, e então, iniciaram suas experiências no setor de trabalho industrial. Todos os entrevistados declararam como motivo da mudança, a busca por melhores oportunidades de trabalho e condições de vida. Entretanto, põde-se observar que os entrevistados, bem como suas famílias, não enfrentavam situações de desemprego propriamente ditas, mas viviam sob condições restritas de subsistência. Além desses fatores, a necessidade, cada vez mais percebida, de prosseguir nos estudos também impulsionou a mudança para o município.

Em Lavras, os entrevistados inseriram-se no mercado de trabalho industrial. Todos foram trabalhadores do setor metal-mecânico por um período médio de cinco anos e se encontravam desempregados há seis meses (D10, D11, D14 e D15) e há nove meses (D6). D6, D11 e D15 foram demitidos, explicitando os motivos: a queda de produção e a falta de qualificação. D10 e D14 desistiram do emprego por razões salariais.

A declaração da desistência do emprego no setor industrial, por ocasião de salários considerados baixos, apresentou-se intimamente relacionada, na análise das entrevistas, à imagem que esses desempregados construíram acerca da exploração do trabalhador industrial. Mesmo os desempregados demitidos, evidenciaram, nas entrevistas, o tema das condições de trabalho com ênfase para a exploração.

Pôde-se traçar um paralelo entre os desempregados D6, D10, D11, D14 e D15 e suas trajetórias com os trabalhadores característicos do início do processo de industrialização no Brasil, segundo Fleury e Fleury (1997). Enquanto os trabalhadores caracterizados por essa autora migravam do campo para a cidade em busca de "fazer o pé-de-meia" na indústria emergente, os entrevistados que compõem a trajetória 1, embora também tivessem traçado o percurso rural-urbano, já não pensavam em retornar para a "terra". Dessa forma, observou-se que a noção de trabalho (trabalho sempre disponível, pouco burocratizado e regulado) que esses entrevistados possuíam e que dificilmente abandonariam, visto que ainda continuavam próximos a essa noção (próximos à "roça", em uma cidade interiorana etc.), dificultou a inserção e a trajetória de trabalho dessas pessoas no setor industrial, em Lavras. Verificou-se a tendência de atrelar o trabalho industrial ao controle rígido, aos baixos níveis salariais, ou seja, à exploração.

Trajetória 2: lavrenses , não lavrenses e o trabalho industrial em Lavras

Nessa trajetória está inclusa a maioria dos integrantes da pesquisa, totalizando 16 desempregados, mais especificamente: D1, D2, D3, D5, D7, D9, D12, D13, D16, D18, D19, D20, D21, D22, D23 e D24. Esses entrevistados declararam terem passado a maior parte de suasinfâncias em zona urbana das cidades de Lavras, Ijací, Barbacena, Três Corações, Bom Sucesso, Perdões e São Paulo. Ou então, em distritos de algumas das referidas cidades, independentemente do local de nascimento, onde se iniciaram no mercado de trabalho. Sendo assim, o primeiro contato com o trabalho se deu em zona urbana, na maioria dos casos no setor de comércio. A inserção no trabalho industrial ocorreu quando os entrevistados já residiam no município de Lavras.

Dos 16 desempregados que apresentaram essa trajetória, 9 ou são naturais da cidade de Lavras, ou residem no município desde o nascimento, ou seja, sempre moraram em Lavras. Trata-se dos entrevistados: D3, D5, D9, D13, D18, D19, D21, D23 e D24. O restante dos desempregados declarou ter passado parte da infância ou iniciado no trabalho nas demais cidades listadas no primeiro parágrafo deste tópico.

A inserção no trabalho industrial ocorreu na cidade de Lavras para todos os 16 entrevistados. Um elemento comum presente em suas trajetórias é o fato de que os entrevistados, ao se mudarem para o município de Lavras, declararam tê-lo feito em busca de uma "alternativa de trabalho", impulsionada pela promessa de desenvolvimento do setor industrial lavrense especificamente no setor metal-mecânico (a partir de 1985). Além disso, a crença nos beneficios do "trabalho na grande indústria" que advinha, principalmente, da referência da indústria paulista e das forças dos movimentos sindicais, também impulsionou a mudança para Lavras.

Ao contrário dos desempregados da trajetória 1, os entrevistados pertencentes à trajetória 2, percebem o trabalho no setor industrial e, conseqüentemente, a condição de estar desempregado(a), em relação a um referencial local do que seja trabalho: "cultura lavrense". Esse referencial, por sua vez, está quase sempre baseado na noção de trabalho no setor comercial, seus horários e nas formas de interação "relacionais" no ambiente de trabalho. Por isso, nessa trajetória, inserem-se os desempregados que se encontram mais imersos nos costumes locais e, portanto, mais afastados da realidade da lógica do trabalho industrial. Mesmo que os entrevistados tenham trabalhado na indústria, apresentam discursivamente o conflito entre os benefícios do setor industrial e os costumes internalizados do trabalho comercial, e mais, do trabalho comercial em Lavras.

Trajetória 3: fuga do desemprego, outras experiências industriais e fuga da violência

O total de sete desempregados, D4, D8, D17, D25, D26, D27 e D28, compuseram essa trajetória. Esses desempregados passaram a infância e tiveram a inicialização no trabalho em zona urbana das cidades de Itajubá, Bom Sucesso, Perdões, São Paulo ou Rio de Janeiro. Ou então, em distritos de algumas das referidas cidades, independentemente do local de nascimento. Da mesma forma que os entrevistados que compuseram a trajetória 2, o primeiro contato com o trabalho dos desempregados da trajetória 3 ocorreu em zona urbana, no setor de comércio.

Em determinado período de suas vidas, os integrantes dessa trajetória ou se mudaram (ou permaneceram na) para a zona urbana das cidades de São Paulo, Belo Horizonte ou Rio de Janeiro, onde iniciaram trajetória no setor de trabalho industrial. D4, D8, D17, D25 e D26 já residiam em uma das capitais citadas quando se tornaram trabalhadores industriais. Aqueles que migraram do interior para a capital (D27 e D28) declararam a fuga do desemprego no interior, como principal razão para a mudança.

Nesse quadro, reflete-se o movimento de muitos trabalhadores ou desempregados de cidades interioranas, principalmente a partir da década de 1970, em busca de emprego na "grande indústria da capital". Com o crescimento dos postos de trabalho na indústria brasileira e o fortalecimento dos movimentos sindicais, esse foi um período em que a indústria significava o ideal de trabalho assalariado. As reivindicações dos sindicatos por benefícios sociais (plano de saúde, por exemplo) e melhores condições de trabalho, impulsionavam a corrida pela conquista do emprego na indústria. Dessa forma, os sete entrevistados passaram por experiências nas indústrias de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, atuando nos setores metal-mecânico, alimentos e construção.

Posteriormente, os entrevistados se mudaram para o município de Lavras, onde continuaram ou tentaram continuar a trajetória de trabalho no setor industrial. Os desempregados D4, D8, D25 e D26 declararam terem se mudado devido ao índice de violência na cidade de São Paulo (trecho 14). D17, D27 e D28 argumentaram outros motivos.

O fato de os entrevistados pertencentes à trajetória 3 terem tido experiências industriais nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro influenciou, de maneira significativa, na visão desses entrevistados acerca do trabalho industrial em Lavras e acerca da condição de estar desempregado(a). Nas entrevistas, observou-se a manifestação de elementos comuns como a consciência da importância da qualificação para o trabalho industrial e a forte presença discursiva do "sindicalismo", referindo-se à visão que as indústrias têm hoje desses movimentos e ao papel do trabalhador industrial.

Além disso, os entrevistados da presente trajetória, mencionaram as particularidades do município de Lavras como um entrave para o desenvolvimento industrial em Lavras, referindose à resistência de empresários lavrenses, por exemplo, comerciantes, para com a instalação de industrial.

Com o resgate de alguns aspectos das trajetórias dos desempregados, possibilitou-se a identificação das formas como eles se expressam e interpretam a condição de estar desempregado(a).

 

6. A interpretação dos desempregados acerca de sua condição no município de Lavras-MG

Pela análise qualitativa das entrevistas dos desempregados do setor industrial, propiciou-se a compreensão das interpretações dos desempregados acerca do desemprego. Observou-se a interpretação da condição de desempregado com referência à condição de manutenção da empregabilidade relacionada ao processo de reestruturação produtiva no município de Lavras. Essas interpretações refletem a preocupação dos desempregados com as novas condições de empregabilidade no setor industrial, representando o desemprego como produto social da falta de qualificação e explicitam a relação desemprego/exigências do mercado em termos de qualificação, reforçando o quadro apresentado por Sargentini (2001) e Tumolo (2001), acerca da individualização no processo de "construção da empregabilidade" e da formação de uma periferia de trabalhadores e desempregados "desqualificados", constituída por aqueles que não se adaptam às novas exigências. Esses, por sua vez, recorrem ao trabalho precário e informal como alternativa de sobrevivência.

Os desempregados mencionaram o aumento do nível de qualificação no setor industrial em Lavras, não apenas no que se refere ao grau de escolaridade, mas, substancialmente, quanto aos elementos que seriam constitutivos de um novo conceito de qualificação. Com base na interpretação dos desempregados, foram identificados alguns desses elementos como, por exemplo: elementos de qualificação técnica (noções de mecânica industrial etc.); elementos de qualificação profissional (mecânica etc.); e elementos de qualificação complementar (línguas, informática etc.). Trata-se de um novo conceito de qualificação, interpretado pelos próprios desempregados, como um entrave para a manutenção das condições de empregabilidade.

Declarou-se a dificuldade de acesso a essas formas de qualificação no município de Lavras. Verificou-se a prática da indicação, interpretada como um "canal de empregabilidade" capaz de "superar" as dificuldades da qualificação. As particularidades do município de Lavras e sua inserção no mercado industrial e no processo de reestruturação produtiva, a partir de 1990, de vem ser consideradas. Além disso, as características culturais do município, a proximidade nos relacionamentos sociais, facilitam a interpretação da prática da indicação como um "canal de empregabilidade". Na prática da indicação, reflete-se uma"crença" ou um discurso, já institucionalizado, de que os desempregados, mesmo diante das exigências em termos de qualificação, ainda devem atentar para a construção de uma "rede de relacionamentos sociais" conforme atenta Sorj (2000). Por um lado, essa "rede" é interpretada como dependente de laços pessoais, como os laços de parentesco, e funcionam como canal direto para a conquista de uma vaga de emprego.

Visualizou-se a qualificação como um fator crítico de desemprego, principalmente no que tange aos "canais de acesso à qualificação" no município de Lavras. No entanto, outro aspecto que contribuiu para essa interpretação foram as trajetórias dos desempregados. Os desempregados pertencentes à trajetória 3 interpretaram a qualificação como um importante elemento de empregabilidade, a qual deve ser conquistada por eles próprios. Nesse sentido, os desempregados manifestaram a conscientização quanto às exigências do mercado e à necessidade de realização de investimentos na empregabilidade, para então, se tornarem "pessoas empregáveis", conforme discute Cortella (1997), ao ressaltar a transferência, nesse caso, da responsabilidade da contratação da organização para o próprio trabalhador.

Ainda com relação às condições de empregabilidade, os desempregados pertencentes à trajetória 1 e 2 referiram-se à qualificação como mais uma forma de "burocracia", ressaltando o poder, o controle social das organizações sobre a oferta de vagas. Pagés et al.(1987), de alguma forma, chama a atenção para o poder que as organizações contemporâneas exercem sobre os funcionários. Neste trabalho, verificou-se que esse poder não remete apenas ao indivíduo na condição de trabalhador da empresa, mas como desempregado. Os desempregados interpretaram as organizações como as "ditadoras" da oferta de empregos e do nível de qualificação ao qual esses desempregados devem adaptar-se.

Observou-se a emergência de interpretações referentes à empregabilidade como conseqüência das alterações no processo de produção industrial. Segundo os desempregados, os canais de acesso à qualificação no município de Lavras, não apresentaram a mesma dinâmica dos avanços tecnológicos. Além disso, os temas da automação e do aumento da competitividade somaram-se discursivamente à interpretação das mudanças como elementos que reforçam a formação de uma massa de desempregados desqualificados, no município de Lavras, caracterizando, conforme Tumolo (2001) uma "periferia desqualificada" ou, conforme Castel (1998), o aumento dos "excluídos".

Também verificou-se a interpretação dos desempregados quanto à condição de precariedade: o trabalhador se submete às condições precárias, à exploração, aos contratos flexíveis e ao trabalho informal, pois ele tem conhecimento do número de desempregados que esperam por uma oportunidade de trabalho, mesmo que precária. Os contratos flexíveis foram citados pelos desempregados como as formas de emprego sem o registro na carteira de trabalho, ou mediante a fixação de contratos flexíveis. Nesse contexto, os trabalhadores são "expropriados de seus direitos" e vivem em condição limiar, ora como trabalhadores marginalizados, ora como desempregados.

Como fatores relacionados aos avanços tecnológicos, automação, precarização do trabalho e, portanto, ao desemprego e à condição de desempregado, emergiu o enfraquecimento dos sindicatos, intimamente relacionado à desvalorização do próprio trabalhador nas entrevistas dos desempregados. Em sua maioria, esse tema permeou as entrevistas dos desempregados que viveram experiências sindicais, principalmente na indústria da cidade de São Paulo, ou seja, os desempregados da trajetória 3. A interpretação é de que o enfraquecimento do movimento sindical é decorrente do processo de reestruturação produtiva e da desvalorização do trabalhador, ao mesmo tempo, culminando na "desproteção" desse empregado na empresa, expondo o trabalhador à "deriva" dos direitos, à mercê do mercado de trabalho flexível.

Os desempregados das trajetórias 1 e 2 manifestaram-se discretamente quanto a esse tema. O município de Lavras, por apresentar uma trajetória de inserção no mercado industrial tardia (pode-se dizer que o desenvolvimento do setor se deu a partir de 1990) e, portando, conservar, no âmbito do trabalho, o costume do comércio e do trabalho rural, não propiciou a constituição e o fortalecimento do movimento sindical, no que tange à indústria. A população conheceu a formação de um sindicato "passivo", de intermediação entre a organização e a empresa. Dessa forma, a interpretação do sindicato como um movimento que reforça a atuação do trabalhador, não foi recorrente para a maioria dos desempregados que compuseram as trajetórias 1 e 2.

O papel conferido pelo trabalho foi interpretado como sendo o de "homem" (ou em alguns casos, o de "mulher") responsável pelo sustento da família e pela manutenção das despesas da casa. Sendo assim, os desempregados manifestaram-se subjetivamente como "atares fora de cena". Em alguns casos, o homem desempregado passa a ser sustentado pela mulher, em outros, a mãe desempregada passa a ser sustentada pelos filhos, ocorrendo a inversão dos papéis. Na condição de desempregados, os sujeitos da pesquisa manifestaram a impossibilidade de cumprir seu papel social de provedor da casa. Nas entrevistas dos desempregados do gênero masculino, identificou-se o tema da "masculinidade", a imagem de que seria "do homem" o papel da responsabilidade de sustentar a família. Nesse âmbito, a condição de desempregado, além de configurar-se na impossibilidade do cumprimento de um papel, ainda conferia o sentido do nâo-cumprimento do papel que representaria a própria "masculinidade", o papel de "ser homem".

O desemprego também foi interpretado como uma "prisão" e os desempregados, por sua vez, expressaram-se como prisioneiros em sua própria condição. Essa categoria de análise, o desempregado como dependente e preso em sua própria condição, permeou as entrevistas de maneira geral, independentemente das características pessoais ou das trajetórias dos desempregados. A interpretação do desempregado como dependente e "preso" expressou-se sob várias perspectivas: os jovens dependentes dos pais; os pais dependentes dos filhos; os maridos dependentes das esposas; o desempregado sem mobilidade para satisfazer suas necessidades ou vontades "pessoais".

No que se refere à dependência dos jovens/filhos para com os pais, observou-se, na fala dos desempregados, a tentativa de fuga da condição de dependência e da própria condição de desempregado. O desempregado D1, por exemplo, recorreu à faculdade para expressar-se como estudante e não como desempregado, embora estivesse procurando por emprego e, portanto, na condição de desempregado. Essa manifestação subjetiva de fuga esteve, em alguns casos, atrelada à passividade, ou seja, os desempregados manifestaram-se passivos quanto à sua condição. Dessa forma, a fuga pode refletir no prolongamento da uma condição de desemprego.

A dependência dos pais para com os filhos foi interpretada, principalmente, em função de um estado de "exploração dos pais para com os filhos" e permeada pelos temas da culpa e da humilhação. Os desempregados que se declararam dependentes dos filhos manifestaram-se subjetivamente como"exploradores", visto que, na maioria dos casos, os filhos abandonaram os estudos para se dedicarem ao trabalho. Diante desse quadro, verifica-se uma importante implicação: os filhos, ao abandonarem os estudos para suprirem o desemprego dos pais, contribuem para a formação de uma massa de trabalhadores desqualificados, ligados a trabalhos precários.

O trabalho foi interpretado como um "direito do cidadão", se o desempregado não possui esses direitos, perde até a referência em termos de cidadania. Diante do quadro da expropriação dos direitos, inserem-se os desempregados que mantêm trabalhos informais, ou estão trabalhando sob contratos precários, "flexíveis". A esse universo, da informalidade, os desempregados declararam estarem submetidos, mesmo com a ciência dos direitos e deveres. Em alguns casos, observou-se a submissão pela crença, discursivamente interpretada, de que o informal, o relacional, a espera pela indicação, são procedimentos legítimos e justificáveis diante da condição de desempregado.

Por meio das análises, visualizou-se a perda do vínculo organizacional, nãoapenas como perda da referência social, mas como perda do valor do desempregado na sociedade capitalista. De maneira geral, os desempregados interpretaram sua condição como desvalorizada perante uma sociedade que constrói relações baseadas nas trocas materiais. Nas entrevistas, o valor do ser humano apareceu ligado ao poder de compra que ele tem ou à possibilidade de conquistar esse poder. No caso de estar desempregado(a), esse poder ou essa possibilidade foram interpretados como mínimos. Considerando as particularidades do município de Lavras, o foco nos relacionamentos, pode-se dizer que a perda do vínculo organizacional também representa a perda de laços sociais. Essas mterpretações reforçam as afirmações de Castel (1998) e Enriquez (1999) quanto à centralidade do trabalho "assalariado" como elemento integrador das relações sociais.

A despeito dessas interpretações, vale ressaltar a condição de desempregado(a) interpretada como uma oportunidade. Nesse sentido, a condição de desempregado(a) foi interpretada como um canal para a tentativa de realização de trabalhos alternativos, como a organização de um grupo para a venda de produtos artesanais (formação de cooperativas, por exemplo), ou como tentativa de "abrir o próprio negócio" (empreendedorismo). Essas foram alternativas manifestadas por alguns desempregados, os quais, por sua vez, apresentaram o trabalho "assalariado" como elemento não central para o estabelecimento dos laços sociais ou para o exercício dos direitos e deveres.

Por outro lado, a falta de informação, técnica e profissional e a falta de apoio, por parte da prefeitura, declaradas pelos desempregados, podem representar barreiras para a organização de trabalhos alternativos, como as cooperativas, ou para o empreendedorismo. Nesse contexto, os desempregados acabaram por manifestar o sentimento de frustração como decorrente da falta de informação e apoio para a organização de trabalhos alternativos ou para o empreendedorismo no município de Lavras.

O estado de exclusão, a busca por um lugar social e o sentimento de frustração diante da tentativa de novas alternativas de trabalho refletiram situações nas quais os desempregados expressaram o desânimo e a falta de esperança quanto a conseguir um emprego. Nesse contexto, emergiu o tema do isolamento, o fato de os próprios desempregados afastarem-se do convívio social. O isolamento foi um tema recorrente nas entrevistas dos desempregados, qual sejam as suas trajetórias ou características pessoais. O isolamento, por sua vez, foi seguido da interpretação da inatividade, ou seja, os desempregados, ao se isolarem e perderem a esperança de conseguir trabalho, passam a realizar cada vez menos atividades, o "tempo inativo" se expande. Gomes (2003) chamou a atenção para esse fator como um impulso para o problema da depressão. Nesta pesquisa, verificou-se o fenômeno da depressão.

Nesta pesquisa, verificou-se o fenômeno da depressão, interligado, principalmente, a essa busca por um lugar, permitindo a condução de um raciocínio que leva a incorporar as particularidades do universo social (o município de Lavras) no qual se inserem os desempregados desta pesquisa como elemento crítico para essa interpretação. Trata-se de um município tradicionalmente interiorano, no qual os moradores se relacionam e se incluem socialmente, considerando a manifestação subjetiva da pessoa; a referência social é a pessoa e, nesse contexto, a perda da referência social manifestou-se como agravante no fenômeno da depressão. Essa, por sua vez, também se manifestou como resultado de culpas (geralmente dos pais que dependem dos filhos) e culminando, geralmente, com manifestações de violência, criminalidade e morte. Dessa forma, a despeito do trabalho de Caldas (2000a), nesta pesquisa, verificaram-se aspectos subjetivos inerentes ao fenômeno do desemprego com base na própria interpretação da condição de desempregado, considerando-se outras dimensões atreladas ao desemprego e, principalmente, às peculiaridades contextuais do município de Lavras.

 

7. Considerações finais

Objetivou-se, na presente pesquisa, investigar as interpretações dos desempregados do setor industrial de Lavras - MG, acerca do desemprego, considerando suas trajetórias profissionais, o processo de reestruturação produtiva e sua inserção no município em questão. Para alcançar esse objetivo adotou-se a abordagem interpretativa e a pesquisa qualitativa.

Considerando que a pesquisa foi realizada com desempregados do setor industrial, a contextualização dos aspectos referentes ao processo de reestruturação produtiva serviu de subsídio para a discussão dos sentidos do desemprego.

Com a apresentação de alguns trabalhos desenvolvidos em torno do desemprego, tratando esse fenômeno, principalmente, sob o ponto de vista subjetivo ao invés do económico, foi delineado um quadro de estudos que enriqueceu e forneceu certo "direcionamento" para as análises. No entanto, nesta pesquisa, não se propósa preestabelecer categorias de análise. Na pesquisa, não houve outro intuito senão apresentar o ponto de vista de alguns autores ao estudar o fenômeno do desemprego. Portanto, o ponto de partida desta pesquisa foi o desempregado e não os conceitos já institucionalizados em torno dos "sentidos" do trabalho.

Sendo assim, nesta pesquisa, parece inovar-se no estudo do desemprego visto que, ao considerar a dimensão histórico-cultural, parte da linguagem dos próprios desempregados e dos sentidos que atribuíram à sua condição para, deste modo, traçar algumas considerações acerca do fenômeno do desemprego.

A pesquisa realizada por meio de entrevistas, englobando um total de 28 desempregados do setor industrial, justificou-se para o objetivo proposto. Vale ressaltar que, em análises qualitativas, deve-se sempre priorizar o estudo em profundidade.

A caracterização do município de Lavras, de sua inserção no mercado industrial, bem como no processo de reestruturação produtiva foi essencial para as análises. Com essa caracterização, foi possível identificar algumas particularidades da trajetória de trabalho industrial no município e algumas disparidades, quando comparadas à trajetória brasileira e mundial. Acredita-se que essas particularidades influenciam na forma como os desempregados interpretaram a realidade do desemprego.

As trajetórias pessoais e profissionais dos desempregados também contribuíram para a compreensão dos sentidos do desemprego. Na identificação de três trajetórias básicas, delinearam-se as diversas formas de inserção dos desempregados no mercado de trabalho industrial e algumas características da vida pessoal dos entrevistados.

Os desempregados manifestaram a preocupação com as mudanças nos processos de trabalhos do setar industrial, especificamente no município de Lavras. Nessa interpretação, houve direcionamento, principalmente, para as preocupações quanto às condições de manutenção da empregabilidade, na cidade de Lavras, as quais foram interpretadas como acirradas já que o acesso à qualificação, no que tange à qualificação técnica e complementar, é restrito. Além disso, fatores inerentes à própria cultura do município, como a dificuldade de adaptação ao trabalho industrial, e os canais pessoais de empregabilidade (prática da indicação) também se manifestaram nas entrevistas.

A interpretação em torno da condição de trabalhador e de desempregado(a) apresentaram-se durante todo o transcorrer das entrevistas. A interpretação da condição de trabalhador como aquela que possibilita o cumprimento das responsabilidades, que possui uma referencia social foi o que acarretou, muitas vezes, a interpretação da condição de desempregado como condição "sem lugar social", como condição que impossibilita o cumprimento das responsabilidades, o exercício dos direitos e dos deveres, ou seja, o exercício da cidadania.

Observa-se que, ao pesquisar os sentidos do desemprego, foi possível o levantamento de alternativas para se estudar esse fenômeno. Uma dessas propostas é a possibilidade de análise do desemprego baseada nas conseqüências sociais, nas exigências em torno da qualificação para o município de Lavras. Nesse sentido, defende-se a realização de um estudo mais detalhado acerca do fenômeno do desemprego paralelo às condições de manutenção da empregabilidade no município de Lavras.

Outra proposta é investigar o fenômeno do desemprego, considerando as características culturais da realidade local, atentando para as conseqüências advindas dessas características, atreladas à condição de estar desempregado(a). Acredita-se válida a iniciativa de estudos, acerca do desemprego, que recuperem a história e as características culturais da realidade social na qual está sendo estudado. A possibilidade para o estudo do fenômeno do desemprego, sob a ótica da ruptura da centralidade do trabalho assalariado padrão,atentando para outros elementos como a organização de trabalhos alternativos, a formação de parcerias entre o governo local, centros de ensino e empresas, também emergiu como proposta para pesquisas vindouras.

Finalmente, verificou-se que o desempregoé um fenômeno que pode ser estudado, a despeito de outras dimensões, considerando a própria interpretação dos sujeitos desempregados, suas trajetórias e o contexto no qual estão inseridos. Essa constatação reforça a utilização da pesquisa interpretativa/qualitativa para o estudo do desemprego em contraste com abordagens quantitativas, baseadas em aspectos econômicos e conseqüências sociais quantificáveis.

 

Referências

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Recebido: 25/01/06
Revisado: 02/04/06
Aceito: 17/04/06

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