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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.6 no.1 Florianópolis June 2006

 

ARTIGOS

 

Satisfação do consumidor: estudos de validação de instrumentos para o turismo nacional

 

Consumer satisfaction: instrument validation studies to the brazilian tourism

 

 

Carla Peixoto BorgesI; Amalia Raquel Pérez-NebraII; Cláudio V. TorresIII

IM.Sc., Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Universidade de Brasília (carlaborges@hightouch.com.br)
IIM.Sc., Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Universidade de Brasília (amalia@unb.br)
IIIPh.D., Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília - UnB

 

 


RESUMO

O artigo objetiva apresentar resultados de dois estudos brasileiros de validação de instrumentos sobre a satisfação do consumidor. Ambos utilizaram análise fatorial e de confiabilidade para suas validações. O primeiro enfocou a satisfação de estrangeiros com o turismo brasileiro, com 214 respondentes, e resultou no desenvolvimento de escala de medida fidedigna de expectativas e satisfação, além de um diagnóstico sobre como o consumidor avalia o turismo nacional. O segundo estudo, com 677 respondentes, enfocou o serviço de hotelaria e resultou na validação de instrumentos para mensurar o construto e seus preditores. Além da contribuição específica para o turismo, os estudos apresentados também contribuem para o avanço da pesquisa sobre a satisfação do consumidor no setar de serviços, de um modo geral.

Palavras-chave: satisfação do consumidor; hotelaria; turismo; serviços.


RESUMO

This article presents the results oftwo Brazilian studies on validation of scales regarding consumer satisfaction with tourism and lodging services. Both used fàctor analyses and reliability analyses as validation procedures. The first one focused on the satisfaction offoreigners with tourism in Brazil, with 214 participants, and resulted in the development of a reliable and valid scale to measure expectations and satisfaction, also offering a diagnosis on the way tourists evaluate their experience. The second study, with 677 participants, focused on lodging services, and resulted in the validation of instruments to measure this construct and its predictors. The article contributes to the advancement of consumer satisfaction research in the Brazilian services sector, giving specific contributions to the Brazilian tourism and lodging industries.

Keywords: consumer satisfaction; lodging; tourism; services


 

 

Introdução

Para compreender a importância do estudo da satisfação do consumidO!; basta verificar que ela se apresenta como uma finalidade perseguida tanto pelo consumidor quanto pelas organizações. Para o consumidor, a satisfação está associada a uma busca individual ou a um objetivo a ser alcançado a partir do consumo de produtos e ou serviços. Uma compra satisfatória é uma realização, ou seja, um sinal para o próprio consumidor e para os outros, de que ele foi capaz de lidar com a complexidade do mercado. Logo, a satisfação ou a sua ausência é uma conseqüência da compra e do consumo (Oliver, 1997). O conceito de satisfação do consumidor também ocupa uma posição central no marketing, configurando-se como o resultado mais importante de suas atividades, servindo de ligação entre processos de compra e consumo e fenômenos pós-compra, como mudança de atitude, compras repetidas e lealdade (Churchill e Surprenant, 1982; Szymanskye Henard, 2001).

Para as organizaçóes, a satisfação do consumidor está diretamente relacionada ao evento da recompra, o que, por sua vez, está relacionado ao lucro contínuo. Mesmo para produtos com um intervalo de compra longo (e.g., automóvel, eletrodomésticos), a satisfação é fundamental, devido à propaganda boca a boca e à imagem das organizações junto ao mercado (Oliver, 1997). Portanto, além de se configurar como um fim em si mesma, a satisfação do consumidor é apontada como preditora de comportamentos futuros do consumidor (Bateson e Hoffman, 2001).

Contudo, para obter tais resultados sobre a satisfação, é necessário que se compreenda o que satisfaz o consumidor e como a satisfação se processa, o que só pode ser obtido por meio da realização de pesquisas com instrumentos de medida validados. A fim de contribuir para que essa prática se torne uma realidade no Brasil, este artigo visa a apresentar e discutir os resultados de estudos brasileiros com escalas validadas desse construto no setor de turismo. A opção pela indústria do turismo justifica-se devido à carência de estudos no segmento, constatada por meio da busca por publicações nos principais periódicos nacionais do segmento de 2002 a 2006. Além disso, trata-se de uma das indústrias que mais crescem no Brasil e no mundo (E-Consulting, 2004). Vale notar, contudo, que, embora o foco dos estudos apresentados recaia sobre o turismo, suas contribuições são úteis para a pesquisa da satisfação do consumidor em serviços, de uma forma geral.

O artigo se inicia com a revisão de literatura, baseada na psicologia sociocognitiva. São apresentadas as principais definições do construto, seus preditores e a Teoria da Desconfirmação de expectativas com desempenho, enfoque dominante para explicar a satisfação. Na seqüência, resultados de estudos brasileiros de validação de instrumentos de satisfação em turismo são relatados e discutidos. Por fim, conclusões e implicações gerenciais são abordadas.

Definições de satisfação do consumidor

Embora os pesquisadores da área concordem com a premissa de que a satisfação proveniente do consumo beneficia tanto consumidores quanto organizações, a literatura não apresenta consenso sobre o conceito do construto (Oliver, 1997). Em uma revisão sobre os estudos na área, Yi (1990) verificou que as definições variam, principalmente em função do ponto de vIsta em que se baseiam. Ele observou que há autores que a consideram um resultado da experiência de consumo, enquanto outros a abordam como um processo avaliativo. As definições de satisfação como resultado enfocam o estado psicológico resultante da experiência de consumo (e.g. Oliver, 1997). Já as definições processuais se concentram em questões perceptuais, avaliativas e nos processos psicológicos que se combinam para a geração da satisfação do consumidor (e.g., Tse, Nocosia e Wilton, 1990)

Para Oliver (1997, p.13), a satisfação do consumidor "é a resposta de completude/realização do consumidor. É um julgamento de que as características peculiares de um produto ou serviço, ou o produto ou serviço em si, provocaram ou estão provocando um nível prazeroso de completude/realização relacionada ao consumo, incluindo níveis acima ou abaixo da completude/realização". Assim, o julgamento de satisfação envolveria dois estímulos fundamentais: um resultado do processo de consumo e um referencial de comparação (Oliver, 1997). Observa-se que, nessa definição, o alcance do termo completude foi ampliado, uma vez que ele não se refere simplesmente ao alcance das necessidades ou dos objetivos do consumo. Um consumidor poderia obter satisfação tanto com um nível de prazer além do necessário para haver completude, quanto com um nível de prazer abaixo do nível necessário para suprir suas necessidades, porém acima do esperado em determinada situação. Da mesma forma, o termo "prazeroso" refere-se tanto à possibilidade de redução da dor (remoção de um estímulo aversivo), quanto ao retorno a um estado de neutralidade (Oliver, 1997). Porém, o termo prazeroso, adotado para qualificar o nível de completude proporcionado pelo objeto da satisfação, é tão ambíguo quanto a própria satisfação, o que torna problemática a definição em questão.

Tse et al. (1990), por sua vez, definem a satisfação como um processo, ou seja, um fluxo de interações entre atividades mentais e comportamentos que se desdobram após a compra, ao longo do tempo. De acordo com essa abordagem, a satisfação é o resultado de um processo psicológico (Yi, 1990), o que indica que sua formação ocorre após as atividades de processamento do consumidor, e não após a simples observação dos resultados do produto ou do serviço (Oliver, 1997). Portanto, dependendo do contexto de consumo (Oliver 1997), do tipo de produto e da própria duração do consumo (Tse et al., 1990), é possível haver diferenças no processamento dos julgamentos de satisfação. No caso de produtos de consumo rápido, como um picolé, O processamento pode durar apenas alguns minutos. Já no caso de consumo de longa duração, como uma viagem de férias, o processo avaliativo pode ocorrer durante toda a experiência do consumidor. A satisfação pode, ainda, ocorrer de forma mtenna, sobretudo no caso de serviços, quando os estágios finais do processo de consumo ainda não aconteceram. Nesse caso, ela passa a ser uma avaliação parcial, sujeita a reformulações quando da finalização do serviço (Oliver, 1997). Dois principais paradigmas orientam os estudos sobre a satisfação do consumidor como um processo. De acordo com o primeiro paradigma, a satisfação é determinada pelos níveis das expectativas anteriores, do desempenho do produto e da desconfirmação das expectativas durante o consumo. Em geral, os estudos baseados nesse paradigma se ocuparam das atividades psicológicas associadas à formação da satisfação, a partir do surgimento de um desequilíbrio psicológico. O segundo paradigma, por sua vez, enfoca as interações e conseqüências pós-consumo, que funcionam como restauradoras do desequilíbrio que se segue à experiência de consumo (Tse et al., 1990)

Para Giese e Cote (2000), a falta de consenso a respeito de uma definição limita a contribuição desse campo de pesquisa, já que fica dificil comparar resultados de estudos que tratam de diferentes conceitos. Na busca de uma definição consensual, esses autores sugerem uma estrutura para o desenvolvimento

de definições contextualizadas de satisfação do consumidor. Tal estrutura não é uma definição genérica, já que variáveis de contexto afetam a forma como a satisfação é considerada. Ela permite que cada pesquisador defina a satisfação em seus estudos a partir do detalhamento de três componentes, propostos a partir das definições de satisfação encontradas na literatura científica e nos resultados empíricos de um estudo de campo qualitativo com consumidores. O primeiro componente representa a satisfação uma "resposta afetiva sumária de intensidade variada" (Giese e Cote, 2000, p. 9-10). Resultados do estudo qualitativode Giese e Cote (2000, p. 8), com respostas do tipo "Fiquei realmente chateado" e "Fiquei aliviado", revelam o caráter afetivo da satisfação. Entretanto, não se deve desconsiderar a participação de aspectos cognitivos que funcionam como base para a formação da satisfação como um resultado avaliativo holístico (Giese e Cote, 2000).

O segundo componente refere-se ao direcionamento da satisfação a um determinado foco, ao objeto da satisfação. Geralmente, a resposta de satisfação também envolve uma comparação de desempenho a padrões, como padrões de desempenho e expectativas. Tais padrões podem estar direcionados a múltiplos focos, como um produto específico, uma experiência de consumo ou a reação de outras pessoas. Dessa forma, o foco, embora esteja sempre presente, varia dependendo do contexto da pesquisa, podendo ainda variar dentro do mesmo contexto de consumo (e.g., depois de um período inicial, em que a satisfação se refere aos serviços de atendimento, o foco da satisfação pode deslocar-se para o produto) (Giese e Cote, 2000).

O terceiro componente trata da ocorrência da satisfação em um ponto específico no tempo (antes, durante ou após a escolha, a compra ou o consumo), assim como de sua duração, que tende a ser finita e variável. Em resumo, a estrutura proposta por Giese e Cote (2000) para definir a satisfação do consumidor, considera os seguintes elementos: (a) uma resposta afeuva sumária, de intensidade variada, (b) direcionada a aspectos da escolha, da compra e do consumo de um produto, (c) que ocorre em um ponto específico no tempo e com duraçao geralmente limitada. Essa definição enfatiza o construto propriamente dito, ao invés de enfatizar o processo avaliativo. Giese e Cote argumentam que isso facilita a operacionalização do construto de forma individual situado entre vários antecedentes e conseqüentes. Eles consideram as definições de processo problemáticas, já que são contaminadas pelos construtos antecedentes, o que, do ponto de vista operacional, acaba se sobrepondo os domínios dos construtos que compõem o processo com o construto da satisfaçao em si.

Preditores da satisfação do consumidor

Yi (1990) consolidou os resultados de diversos estudos sobre os preditores da satisfação do consumidor até 1990 e encontrou resultados controversos sobre o poder preditivo de vanaveis demográficas e sociopsicológicas. Ao mesmo tempo em que a literatura apontava para resultados como o aumento da satisfação do consumidor com a idade e com a competencia pessoal e o seu decréscimo com a educação e a renda familiar, apontava também para relações pouco ou não significativas entre essas variáveis.

Entretanto, o principal foco de estudo a respeito dos preditores da satisfação recai sobre a avaliação pós-consumo do desempenho do produto, relacionada a processos cognitivos como a desconfirmação (Yi, 1990). Os resultados dessas pesquisas a respeito dos efeitos das expectativas sobre a satisfação (Caedozo, 1965) e do papel da desconfirmação de expectativas sobre a percepção de desempenho do produto (Olshavsky e Miller, 1972; Anderson, 1973) desencadearam diversos estudos a partir da década de 1970, com o objetivo de desvendar os antecedentes da satisfação do consumidor e de desenvolver medidas confiáveis do construto. Muitos deles se basearam no paradigma da desconfirmação (Churchill e Surprenant, 1982) que, embora ainda necessite de refinamento e testes, atualmente é a proposta teórica dominante para o estudo da satisfação (Oliver, 1997).

Tal paradigma articula expectativas, percepção de desempenho do produto ou serviço, desconfirmação e satisfação (Churchill e Surprenant, 1982). De acordo com ele, o consumidor avalia sua satisfação a partir de uma comparação do desempenho percebido com um padrão de referência baseado em suas expectativas. Caso o consumidor perceba uma discrepância, ocorre a desconfirmação, que pode ser positiva (desempenho percebido além do referencial) ou negativa (desempenho percebido aquém do referencial). Quando o desempenho avaliado não é discrepante dos referenciais de comparação, ocorre a confirmação ou desconfirmação zero (Yi, 1990). Enquanto a satisfação estaria relacionada aos processos de desconfirmação zero e positiva, a insatisfação seria resultado da desconfirmação negativa das expectativas do consumidor (Churchill e Surprenant, 1982).

O paradigma da desconfirmação de expectativas com desempenho

Além dos efeitos da desconfirmação, a versão mais recente do paradigma da desconfirmação de expectativas considera que a satisfação pode ser predita também por efeitos diretos das expectativas e do desempenho, não mediados pela desconfirmação, conforme representado na Figura 1 (Oliver, 1997).

 

 

De acordo com essa proposta, existem efeitos diretos e indiretos da expectativa e do desempenho sobre a satisfação, assim como o efeito direto da desconfirmação sobre a satisfação. A Figura 1 também indica que as expectativas e os resultados do desempenho estão relacionados. Entretanto, essa relação não é especificada, já que pode variar de acordo o contexto (Oliver, 1997). O efeito indireto das expectativas sobre a satisfação seria moderado pela desconfirmação, construto composto pela interação entre expectativas e desempenho, que exerce efeito direto sobre a satisfação do consumidor (Szymansky e Henard, 2001).

Em termos práticos, a desconfirmação pode ser medida tanto direta (desconfirmação subjetiva) quanto indiretamente (desconfirmação algébrica). No primeiro caso, a desconfirmação é relatada pelo próprio consumidor em um contínuo, em termos de "melhor" ou "pior" do que o esperado. Já a desconfirmação algébrica (ou objetiva) é obtida por meio da subtração dos escores de expectativas dos escores de desempenho. Atualmente, a maioria das evidências empíricas apóia a superioridade da versão da desconfirmação subjetiva em detrimento da algébrica. Essa última, quando mensurada, parece ser uma antecedente da primeira, que, por sua vez, antecede a resposta de satisfação (Oliver, 1997).

Na Figura 1, verifica-se que as expectativas e o desempenho se combinam para formar a desconfirmação algébrica. Esta, por sua vez, fornece uma base para a interpretação subjetiva da discrepãncia percebida entre desempenho e expectativas (desconfirmação subjetiva). A desconfirmação subjetiva é tratada como um antecedente direto da satisfação do consumidor. Nela está a base para a compreensão do processo de formação da satisfação.

Na parte inferior da Figura 1, a seta que liga os resultados do desempenho diretamente à satisfação representa os efeitos diretos exercidos por esse preditor, não mediados pela desconfirmação. Oliver (1997) aponta seis estudos em que foram identificados efeitos diretos do desempenho, ora isolados, ora em interação com o efeito de desconfirmação. Embora Oliver apresente os resultados desses estudos como justificativa para a inclusão da rota direta entre desempenho e satisfação, ele não fornece explicação para o fenômeno. Já Szymansky e Henard (2001) explicam o efeito direto do desempenho como a habilidade de oferecer ao consumidor o que ele precisa ou quer, comparativamente aos custos incorridos. Entretanto, parece que a noção de desconfirmação está presente nessa interpretação, já que os custos incorridos funcionariam como referenciais de comparação contra os quais o indivíduo avaliaria o desempenho.

A seta que liga as expectativas diretamente à satisfação (Figura 1) também representa uma influência direta, independente de qualquer a.valiação ou comparação, que envolve os resultados ou os níveis de desempenho do produto ou serviço (Szymanskye Henard, 2001). Com relação ao efeito direto das expectativas, supõe-se que os consumidores se adaptem a certo nível de desempenho e que formem expectativas consistentes com ele (teoria do nível de adaptação). Os consumidores passariam, então, a assimilar os julgamentos de satisfação na direção das expectativas (efeito de assimilação), a fim de evitar uma possível dissonância em função de divergências entre ambos (Szymansky e Henard, 2001). Um consumidor com expectativas negativas, por exemplo, tenderia a uma avaliação nessa direção, mesmo em caso de bom desempenho do produto ou serviço (Oliver, 1997). Oliver (1997) conceitua expectativa como uma predição, estabelecida como probabilidade ou possibilidade a respeito do desempenho do produto, baseada em experiências prévias, nas circunstâncias e em outras fontes de informação disponíveis. Entretanto, ele afirma que, no contexto de consumo, uma expectativa é mais do que simplesmente uma antecipação de conseqüências. Por isso ele sugere que a definição de expectativa seja ampliada, de forma a englobar outros conceitos que também funcionam como referenciais de comparação na resposta de satisfação. O autor ainda afirma que, embora diversos referenciais sejam adotados em um julgamento de satisfação, todos acabam sendo canalizados por meio das expectativas a partir da compra.

Oliver (1997) também sugere que a inclusão de mais de um tipo de expectativa em um modelo pode aumentar sua habilidade de predizer a satisfação. Dessa forma, os consumidores poderiam levar para a experiência de consumo quatro tipos diferentes de expectativas: a) nível ideal (o que "deveria ser"); b) nível esperado (expectativas preditivas), representando "o que será"; c) nível tolerável (o que "poderia ser") e d) nível de merecimento (o que o consumidor considera apropriado). Tais expectativas poderiam ser estabelecidas em relação a produtos, pessoas, situações e experiências anteriores (Oliver, 1997). Marcas líderes, por exemplo, poderiaul estabelecer nannas para tuna categoria de produtos, as quais passariam a funcionar como expectativas normativas, conforme a sugestão de Woodruff et al. (1983).

Apesar de o modelo completo de desconfimação de expectativas com desempenho apresentar uma combinação de efeitos sobre a satisfação, nem todos os efeitos apontados ocorrem necessariamente de forma simultânea. Essas variações são interpretadas em função da possibilidade de que conjuntos de atributos diferentes sejam avaliados de forma diferente, ou ainda, que grupos diferentes de sujeitos respondam de maneira diversa às mesmas variáveis (Oliver, 1997). Os efeitos diretos das expectativas e da desconfirmação, por exemplo, são tratados por Oliver (1997) como proxies de efeitos de assimilação e contraste.

Conforme sugeriram Woodruff et al. (1983), a teoria da desconfirmação de expectativas com desempenho incorpora ainda a noção de zona de indiferença, segundo a qual o desempenho um pouco acima ou abaixo das expectativas não é percebido como uma discrepância.

Zona de indiferença, assimilação e contraste

Tesser e Martin (1996) fornecem uma explicação, baseada nos estudos de psicologia da avaliação, que ajuda a compreender os efeitos de assimilação e contraste, assim como a zona de indiferença. Para os autores, as avaliações sempre ocorrem com relação a um determinado contexto. No entanto, a influência desse contexto pode variar em função de sua relevância, acessibilidade e aplicabilidade.

A relevância, nesse caso, é a medida na qual que o contexto e o objeto avaliado são tratados como parte da mesma tarefa de julgamento da informação. Quanto menor a relevância de um contexto para a avaliação do objeto, menor a influência que ele exerce sobre ela. Da mesma forma, para que um contexto influencie a avaliação, ele precisa ser acessível à memória. Entre vários contextos igualmente acessíveis, aquele que for lembrado com maior facilidade enquanto o julgamento estiver sendo realizado parece ser o adotado como referencial. Já a aplicabilidade referese à similaridade entre o contexto e o objeto. Quando o contexto e o objeto são muito similares, a tendência é de que o objeto seja assimilado na direção do contexto. Ao contrário, quando existe uma inconsistência entre ambos, a tendência é de que o objeto seja contrastado com o padrão (Tesser e Martin, 1996).

Um dos grandes avanços nas teorias de processos decisórios e de informação foi o reconhecimento de que nem todos os julgamentos ocorrem de forma analítica, ou seja, atributo por atributo ou passo-a-passo, como economistas e estatísticos supunham. No outro extremo, apresenta-se a abordagem do processamento periferico, segundo a qual as avaliações são intuitivas e automáticas, baseadas em categorizações ou heurísticas cognitivas. Assume-se, geralmente, que este último é o modo de avaliação padrão, por requerer pouco esforço e tempo, e que o processamento central só seria requerido quando necessário (Ajzen, 1996). Sabe-se, porém, que tanto o julgamento passo a passo quanto o julgamento heurístico podem ocorrer simultaneamente e que o primeiro será predominante sobre o segundo quanto maiores forem a habilidade e a motivação do indivíduo em analisar e processar as informações disponíveis. O julgamento passo a passo também predomina quando há relativamente pouca carga cognitiva associada à tarefa, o que aumenta a habilidade do indivíduo de avaliar.

Uma terceira abordagem, a da racionalidade limitada, admite tanto a tomada de decisão racional quanto o processamento periférico. Dessa forma, o processamento de informações é sistemático, mas limitado pela capacidade cognitiva do indivíduo e por questões temporais. Dependendo, ainda, do nível de desempenho objetivado pelo indivíduo, ele pode engajar-se em um julgamento mais ou menos sistemático, ou simplesmente em heurísticas cognitivas (Ajzen, 1996).

Com base nessas descobertas, é possível compreender melhor os fenômenos envolvidos na teoria da desconfirmação de expectativas com des.empenho. Oliver (1997) explica, por exemplo, que os efeitos das expectativas são dominantes quando o seu processamento é mais saliente para o consumidor do que o próprio desempenho. Esse parece ser o caso da acessibilidade do contexto, que, nesse caso, é representado pelas expectativas. Já o caso da zona de indiferença, em que o consumidor não se engaja no processamento das discrepâncias entre as expectativas e o desempenho, pode ser explicado tanto a partir da similaridade entre o contexto e o objeto (efeito de assimilação) e do modelo de processamento periférico, em que o consumidor evita se engajar em tarefas cognitivas complexas.

Além disso, qualquer conceito que aumente a saliência do desempenho para o consumidor deve aumentar o grau em que a desconfirmação, em detrimento das expectativas, afeta a satisfação (Oliver, 1997). O aumento da saliência do desempenho do produto poderia, nesse caso, configurar-se como um estímulo à avaliação, acompanhado de aumento da motivação e da habilidade do indivíduo para avaliar.

Satisfação do consumidor em serviços: aplicação do paradigma da desconfirmação de expectativas com desempenho

A partir das evidências empíricas do paradigma da desconfirmação de expectativas, Walker (1995) desenvolveu uma interpretação para o processo de satisfação do consumidor no encontro de serviços. Tal interpretação propõe a modificação das expectativas durante o encontro de serviços, assim como a influência da zona de indiferença e do desempenho dos componentes centrais e periféricos do serviço sobre a satisfação do consumidor. De acordo com o modelo, o serviço é composto por componentes centrais, relacionados ao benefício que o consumidor, de fato, compra quando adquire o serviço (e.g., uma nOite de sono confortável) e por serviços periféricos, que incluem outros elementos da oferta (e.g., cordialidade do prestador de serviços, limpeza da área de espera). O modelo aponta, ainda, para três estágios de avaliação, nos quais o consumidor avalia os componentes do serviço.

No primeiro estágio, antes do consumo do serviço central, os consumidores entram em contato com o serviço periferico e comparam seu desempenho com expectativas de natureza passiva (i.e., o consumidor não compara ativamente o desempenho com o que era esperado). Devido à natureza intangível de diversos componentes do serviço, os consumidores têm dificuldade em determinar de forma objetiva a sua qualidade, sobretudo nos estágios anteriores à compra, o que leva a uma consideração inicial das evidências físicas do serviço. Nesse momento, a aparência do ambiente exerce grande impacto sobre o desejo de experimentar o serviço e a satisfação do consumidor (Shostack apud Walker, 1995). Além disso, sugere-se que os eventos que ocorrem no estágio pré-consumo e o desempenho percebido do serviço periférico influenciam não só a avaliação geral do serviço e a importância relativa das dimensões a serem avaliadas nas etapas seguintes, como também a formação de expectativas a respeito do consumo do serviço central (Walker, 1995).

No segundo estágio do modelo, quando ocorre o consumo do serviço central, o seu desempenho é comparado a expectativas mais ativas, já que esse aspecto do serviço é antecipado pelo consumidor de forma mais consciente. Embora a avaliação dos serviços periféricos não desapareça nesse estágio, o foco do consumidor recai sobre o serviço central. A confirmação ou a desconfirmação das expectativas, além de influenciar a avaliação geral, ainda gera a formação de novas expectativas com relação ao terceiro estágio de pós-serviço (Walker, 1995).

No terceiro estágio, o foco do consumidor se volta novamente aos serviços periféricos (e.g.: pagamento, check-out, cordialidade do atendimento), e as expectativas, embora revisadas em função de todo o processo vivenciado, mais uma vez são de natureza passiva. Novamente, ocorre a confirmação ou a desconfirmação das expectativas, alimentando diretamente a avaliação geral do serviço (Walker, 1995).

Assim, no modelo de Walker (1995), a avaliação geral do encontro de serviço seria uma função de três estágios de avaliação distintos, porém integrados. Nesse modelo, é crítica a importância do terceiro estágio, onde ocorre avaliação final que define a satisfação geral do consumidor. No entanto, o peso que cada um dos estágios exerce sobre a satisfação geral varia de serviço para serviço. Considerando o continuum tangibilidade versus intangibilidade, quanto mais para o extremo da intangibilidade se considera a oferta, maior a influência do primeiro e do terceiro estágios de avaliação. De modo inverso, quanto maior o componente tangível da oferta, maior o peso do segundo estágio da avaliação (Walkel; 1995).

Porém, Lovelock (apud Walker, 1995) chama a atenção para o fato de que, cedo ou tarde, o serviço central pode se tornar um commodity, ou seja, serviços periféricos que geram vantagem competitiva. Walker afirma que os profissionais de marketing devem desenvolver estratégias de diferenciação do serviço periférico, a fim de evitar que os consumidores saiam do encontro de serviços simplesmente neutros, ao invés de realmente satisfeitos.

Como as expectativas são passivas nesses estágios, Walker (1995) sugere que a atenção do consumidor seja direcionada para as dimensões do serviço periférico, cujo desempenho foi programado para gerar desconfirmação positiva. Ou seja, o consumidor deve ser auxiliado a perceber os aspectos diferenciais do serviço, para que se quebre a zona de indiferença, idéia coerente com a proposta de Oliver (1997) de que O aumento da saliência do desempenho do produto poderia configurar-se como um estímulo positivo à avaliação. Uma das formas de fazê-lo seria "tangibilizar a evidência", colocando, por exemplo, uma bala ou bombom sobre a cama recém arrumada. Sem esses esforços, há poucas chances de que essas ações caiam fora da zona de indiferença e que sejam avaliadas como atributos de satisfação (Walker, 1995; Wirtz e Bateson, 1995).

Satisfação do consumidor - estudos brasileiros de validação de instrumentos

A seguir, são apresentados dois estudos brasileiros referentes ao desenvolvimento de instrumentos para mensurar a satisfação com o turismo e com a rede hoteleira, respectivamente. O método adotado para a construção dos instrumentos baseou-se no modelo de Pasquali (1999).

Estudo 1: Satisfação do consumidor estrangeiro com o turismo brasileiro

O objetivo desse estudo foi o de desenvolver uma escala padronizada para mensurar a satisfação do consumidor do turismo brasileiro com aspectos gerais sobre o turismo, como hotelaria, transporte, informações, infra-estrutura, museus, entre outros. O objetivo secundário foi testar a relação entre expectativa e satisfação.

Os procedimentos teóricos envolveram revisão de literatura e levantamento de itens já utilizados por outros pesquisadores. Realizou-se também a validação semântica e de juízes. Essa etapa resultou na elaboração de escalas com amplitude de 5 pontos, espelhadas, sendo a primeira de importância (expectativas) e a segunda de satisfação, totalizando 64 itens (32 em cada).

A aplicação do instrumento foi realizada junto a 214 estrangeiros visitantes do Brasil pela primeira vez, os quais preencheram o questionário na ocasião da coleta de dados do Estudo da Demanda Turística lnternacional-2002, da Embratur. A coleta de dados para expectativa apresentou uma limitação, já que ela foi realizada quando os turistas já estavam deixando o país, de forma que eles respondiam a escala com contaminações de vivência, baseados nas lembranças a respeito das expectativas anteriores à viagem. Adotou-se a análise fatorial exploratória para a validação do instrumento e análises descritivas e inferenciais para verificar predição (regressão linear múltipla padrão e stepwise) e relação com variáveis demográficas (correlação) e comparação entre médias (One-way ANOVA).

Ambos os objetivos foram alcançados. A escala apresentou quatro fatores similares para expectativa e para satisfação: Turismo Outdoor (sendo que para a escala de Satisfação, observou-se um α=0,78; e Expectativa (1=0,87) Turismo Cultural (Sα=0,81; Eα=0,86), Turismo Familiar e de Compras (Sα=0,68; Eα=0,75) e Turismo Tropical (Sα=0,60; Eα=0,66). Como era de se esperar, expectativa obteve melhores índices, por ser um fenômeno mais compartilhado entre os turistas que vêm ao Brasil, já que tanto a comunicação sobre o turismo quanto o país são relativamente estáveis. Por outro lado, a satisfação depende mais da vivência e da percepção do visitante, fenômeno que varia mais entre os sujeitos.

Entre as dimensões de turismo apresentadas, ou tipos de turismo, percebe-se que, em termos de dimensão e motivação de escolha, elas são diferentes. O Turismo Tropical e o Turismo Cultural são tipos de turismo que podem ser considerados típicos do Brasil, o que não ocorre com relação ao Turismo de Família e o Turismo Outdoor (Kahle, 1996).

Para verificar se os fatores de satisfação eram preditos pelo fato r correspondente em expectativa, foi realizada uma análise de regressão linear múltipla padrão com todos os fatores. Cada fator de satisfação foi predito apenas pelo fator correspondente em expectativa (R2 de 0,13 a 0,28; p<0,001). Assim, foi testado o modelo de expectativa e satisfação, que, para esse caso, se revelou válido.

Foram realizadas também análises descritivas de satisfação e análises de comparação entre médias, para verificar se expectativas eram percebidas de maneira diferente da satisfação entre os fatores, já que as expectativas eram contaminadas pela experiência. A descrição mostrou que os turistas saem satisfeitos com o Turismo Tropical (µ=3,94; dp= 1,16), o Turismo Familiar e o de Compras (µ=3,64; dp=0,99), e o Turismo Cultural (µ=3,58; dp= 1,11). Por outro lado, o fator Turismo Outdoor (µ=2,40; dp= 1,22) não apresentou média satisfatória, o que revela que o Brasil parece não ser adequado ou não estar preparado para esse tipo de turismo. Uma hipótese explicativa para a obtenção dos mais altos escores pelo Turismo Tropical e Familiar é o fato de a composição de seus itens referir-se a questões de relacionamento humano, enquanto a composição relativa ao Turismo Cultural e o Outdoor referem-se à estrutura física. Portanto, embora em termos de relacionamento o Brasil receba bem, parece que a infra-estrutura não tem colaborado. Já o Turismo Outdoor, que recebeu a pior avaliação, reúne itens relativos à pesca, viagem de mochila, lugares para acampar, dentre outros.

Já nas comparações entre satisfação e expectativa, houve uma surpresa. Para o Turismo Cultural os escores são mais baixos em satisfação do que em expectativa (F= 1,767 p=,004, enquanto, para o Turismo Familiar e de Compras, a satisfação é mais alta que a expectativa: F= 1,709; p=,005). Nos outros dois, não foram verificadas diferenças significativas. Esses resultados sugerem que as pessoas saem do Brasil "decepcionadas" com o Turismo Cultural e mais satisfeitas com Turismo Familiar e Comercial.

Finalmente, nas análises correlacionais com dados demográficos, não houve correlação significativa alguma entre satisfação e qualquer um dos dados pessoais. Ou seja, para explicar a satisfação do consumidor de turismo, outras variáveis são mais relevantes do que os dados pessoais. A partir desse resultado, sugere-se a possibilidade de ser um erro se insistir na segmentação por variáveis pessoais para o turismo brasileiro, uma vez que elas não interferem no julgamento de satisfação do turista.

Estudo 2: Satisfação do consumidor com a hotelaria brasileira

Trata-se de um estudo exploratório com vistas a construir e validar dois instrumentos para a pesquisa da satisfação do consumidor em serviço de hotelaria nos níveis de análise vertical (dimensões do serviço que compõem a satisfação) e horizontal (processo psicológico de satisfação). Como objetivo secundário, foram investigadas as relações entre os fatores identificados e, entre eles, e variáveis geodemográficas e situacionais. O método para a construção e validação dos instrumentos foi semelhante ao adotado no estudo anterior. Os procedimentos empíricos envolveram a coleta de dados via internet, com divulgação via e-mail para 116 endereços eletrõnicos da agenda pessoal da pesquisadora principal (Borges, 2005). O texto incluía um convite para participação na pesquisa e uma solicitação de divulgação. Além disso, solicitou-se, formalmente, a divulgação da pesquisa entre os colaboradores de quatro organizações com as quais os pesquisadores mantinham contato.

A amostra foi composta por 577 participantes (49,6% homens; 1,4% omissos; µidade = 33, 74; DPidade = 1043) a maioria com pós-graduação (50,1%), nível superior completo (26,9%) ou Incompleto (20,8%), residentes em 23 estados (70% no CentroOeste). A escolha do hotel foi realizada principalmente pelos próprios participantes (46,3%) e por colegas e familiares (23,9%), sobretudo devido à localização (35%) e ao preço (20,6%), e os principais motivos para a hospedagem foram férias ou lazer (50,1%) e trabalho ou negócios (26,3%). Os hotéis avaliados localizavam-se principalmente no Centro Oeste (31%) e no Nordeste (29,2%), sendo que a maioria tinha entre 3 e 4 estrelas (61,4%), (1 ou 2 estrelas = 19,6%; 5 estrelas = 16,9%) e haviam sido visitados pelo participante apenas uma vez (70%).

A validação dos instrumentos foi feita com análise fatorial exploratória. Foram também realizadas análises descritivas e inferenciais para verificar relações entre fatores e variáveis de registro.

A validação da "Escala de Atributos de Satisfação do Hóspede" (nível vertical) revelou estrutura fatorial de três níveis (α=0,75 a 0,96; 50 itens), sendo a estrutura principal composta por oito fatores referentes às dimensões de um hotel, responsáveis pela satisfação do hóspede: apartamento, pessoal de apoio, serviços de alimentação, frigobar, ambiente das áreas coletivas, serviços de entretenimento, acesso e opções de conveniência. Apenas o Fator frigobar apresentou baixa fidedignidade (α<0,80). Reunidos, esses fatores formaram uma estrutura de ordem superior com três fatores - infra-estrutura, atendimento e serviços complementares (α=0,92 a 0,96; 49 itens) - os quais, juntos, formaram um Fator Geral de Satisfação (47 itens).

Na análise descritiva dos fatores de satisfação, a menor média foi a da Estrutura de Entretenimento (µ=3,10; dp= 1,08), seguida do Frigobar (µ=3,29; dp=0,98). O Fator Acesso obteve a maior média (µ=4,01; dp=0,79), seguido de Serviços de Alimentação (µ=3,81; dp=0,77) e Ambiente das Áreas Coletivas (µ=3,92; dp=0,78). O Fator Geral de Satisfação (µ=3,76; dp=0,64) e os três fatores de ordem superior apresentaram resultados similares, situando-se predominantemente entre os pontos de neutralidade e satisfação das escalas. A homogeneidade nas avaliações de satisfação das diferentes dimensões do serviço foi interpretada como efeito da existência de uma zona de indiferença, dentro da qual os hóspedes não percebem variações no serviço. Outra interpretação considerou a possibilidade de ocorrência do Efeito Halo, em que uma impressão geral pode ser construída com base em apenas uma ou algumas dimensões do serviço.

Já a "Escala de Preditores da Satisfação do Hóspede" (nível horizontal) foi baseada na teoria da desconfirmação de expectativas com desempenho e, por isso, esperavam-se três fatores referentes aos construtos de expectativas, desempenho e desconfirmação. A validação revelou três fatores (15 itens), corroborando em parte a teoria. Porém os itens de desconfirmação e desempenho fundiram-se, formando o fator Avaliação de Desempenho (α=0,86), o que foi interpretado como uma peculiaridade do serviço de hotelaria, em que ojulgamento de desempenho seria também um julgamento de desconfirmação (Borges, 2005).

Esperava-se, também, a ocorrência de um fator referente às expectativas, mas obtiveram-se dois fatores distintos (com baixos índices de confiabilidade), embora relacionados, de alguma forma, à noção de expectativa: Referenciais de Comparação e Relevância do Serviço (α=0,63) e Intensidade das Expectativas (α=0,69). O Fator Referenciais de Comparação e Relevância, não previsto pela teoria, reuniu itens referentes à maneira como o hóspede avalia o hotel, envolvendo referenciais de comparação, como normas e padrões do setor e itens referentes à relevância do serviço para o consumidor. O Fator Intensidade das Expectativas, por sua vez, reuniu três itens referentes ao nível das expectativas do hóspede com relação ao hotel. Mais uma vez, os resultados contrariam a previsão teórica, o que sugere a revisão do conceito de expectativas e o seu papel na formação da satisfação.

Embora a teoria da desconfirmação de expectativas com desempenho seja uma proposta geral que não pretende explicar especificidades de um contexto de consumo específico, ainda assim, o conceito de expectativa da teoria é vago. Observa-se que não se explicam nem a natureza (e.g.: preditivas, ideais ou normas), nem o conteúdo (e.g.: contexto adotado como referência) e nem as qualidades das expectativas (e.g.: intensidade, clareza, relevância, acessibilidade) apontadas como preditivas da satisfação e da desconfirmação. A identificação de um fator com essas características mostrou que o que vem sendo chamado comumente de expectativas pode ser uma série de construtos relacionados, o que pode ser um passo na direção de tornar menos vago o conceito de expectativa (Borges, 2005). Entretanto, não se pode descartar que os fatores Referenciais de Comparação e Relevância do Serviço e Intensidade das Expectativas apresentam baixos índices de confiabilidade, o que significa dizer que os resultados obtidos podem não ser estáveis.

Na análise descritiva, o Fator Avaliação de Desempenho apresentou comportamento semelhante ao dos fatores de satisfação (µ=3,53; dp=0,90), revelando um padrão avaliativo de confirmação, ou de pequena desconfirmação positiva. Esse resultado foi atribuído a uma dificuldade de os hotéis, em geral, superarem as expectativas dos consumidores. Embora as avaliações tenham sido positivas, elas revelaram certa neutralidade, o que foi explicado pela possibilidade de que os hotéis estejam trabalhando apenas para manter o padrão requerido pelas normas do setor. Outra possibilidade abordada foi a de que pouca atenção seja dedicada aos serviços periféricos, que poderiam ser a fonte de diferencial competitivo dos estabelecimentos, conforme sugeriu Walker (1995).

Quanto ao Fator Referenciais de Comparação e Relevância, observou-se, mais uma vez, valores da média entre os pontos 3 e 4 da escala (µ=3,64; dp=0,80), o que revelou a adoção de referenciais de comparação de forma moderada, assim como uma relevância moderada do serviço para a amostra. Observou-se, ainda, que a maioria dos hóspedes relatou alta Intensidade das Expectativas (µ=4,09; dp=0,93). Borges (2005) interpretou esse dado como resultado da padronização do setor e, talvez, de um estado de humor positivo associado à experiência de viajar ou de se hospedar em um hotel.

Os resultados das análises correlacionais revelaram não haver relação significativa entre a satisfação do consumidor e variáveis geodemográficas (idade, nível de escolaridade, região de hospedagem e residência), tampouco entre a satisfação e a duração da hospedagem. Já a classificação do hotel foi a variável situacional mais relevante para explicar a satisfação do hóspede. Os resultados da análise de variância (One-way ANOVA) mostraram que existe um efeito significativo dessa variável sobre Fator Geral de Satisfação (F=15,23; p<O,OI) e os escores dos três fatores da "Escala de Preditores da Satisfação do Hóspede" (F=7,09 a 15,67; p<0,01), os quais aumentam à medida que cresce o número de estrelas do hotel. Entretanto, esse crescimento não é exatamente proporcional ao número de estrelas nos três casos, já que hotéis com classificações vizinhas não apresentam diferenças entre si. Esse resultado corrobora a idéia da zona de indiferença, já que pequenas variações de desempenho ao redor da norma podem ter sido ignoradas pelo consumidor.

Conclusões e implicações gerenciais

O estudo sobre a satisfação de estrangeiros com o turismo brasileiro contribuiu para o desenvolvimento de uma escala de medida padronizada e com um diagnóstico sobre a forma como o consumidor avalia sua estada no país. Foi observada a existência de quatro fatores espelhados em cada uma das escalas, o que indica que a estrutura de expectativas e satisfação se mantém aproximadamente a mesma. Cada fator em expectativa prediz o seu fator correspondente em satisfação, o que sugere que, além de serem relativamente estáveis, as dimensões são bem diferenciadas (mesmo quando avaliadas por respondentes de diferentes países). Além disso, a constatação de que não há correlação significativa entre satisfação e variáveis pessoais sugere que trabalhar com segmentação dessa maneira pode ser um erro gerencial. Os resultados do estudo servem, portanto, como subsídio para o desenvolvimento de estratégias de gestão e marketing do turismo brasileiro.

Entretanto, algumas limitações foram observadas, como o momento da coleta de dados sobre expectativas, realizada apenas quando da saída dos estrangeiros do país anglo e espano-falantes. O ideal seria trabalhar com um número maior de estrangeiros, coletando dados na entrada e na saída do país. Também não foi possível trabalhar com análises qualitativas quando da construção do questionário, procedimento que poderia ter contribuído para elucidar questões relativas à avaliação e ao referencial que o turista traz para a experiência turística no Brasil.

Sugere-se que, em trabalhos posteriores, sejam realizadas pesquisas periódicas com os estrangeiros, de preferência longitudinais, para aumentar a acuracidade das inferências. Além disso, é preciso desenvolver tanto a escala de satisfação quanto a de expectativa, focando principalmente o turismo cultural e familiar e o comercial. Faz-se necessário investigar com minúcia a "decepção" do turista estrangeiro com o Fator Cultura, assim como a existência de um possível diferencial em Turismo Familiar e Comercial que ainda não foi diagnosticado.

Quanto à pesquisa sobre a hotelaria brasileira, sua principal contribuição refere-se à validação de instrumentos para a investigação da satisfação do consumidor e de seus preditores no Brasil. No mais, a sugestão de que a desconfirmação e o desempenho possam ser apenas um construto, e a de que o conceito de expectativa no contexto de hotelaria possa ser fragmentado, acrescentam nova visão sobre a teoria da desconfirmação de expectativas com desempenho. Entretanto, essa proposta deve ser acolhida com cautela, já que é resultado de um estudo exploratório e que resultou em alguns fatores com fraca estabilidade (α<O,80).

O estudo contribuiu, ainda, com um diagnóstico descritivo exploratório a respeito da satisfação do hóspede no Brasil, sobretudo de consumidores residentes no Centro-Oeste do país. Ao que parece, os hotéis investigados conseguem manter o padrão exigido pelos hóspedes, a ponto de gerar avaliações de neutralidade e satisfação. Entretanto, o ponto mais alto da escala de satisfação ainda se configura como um desafio. Os resultados do estudo sugerem que os hóspedes já chegam aos hotéis com uma propensão de avaliação positiva. Assim, quando tudo corre ao redor dos padrões característicos da classificação do hotel em que estão hospedados, o resultado é neutralidade ou satisfação.

A principal implicação gerencial refere-se, portanto, à necessidade de se romper a zona de indiferença do consumidor, para que sejam alcançados níveis mais altos de satisfação. Nesse contexto, é provável que a preocupação dominante dos admin istradores dos hotéis venha sendo a manutenção dos padrões, e que poucos tenham estabelecido como estratégia a diferenciação dos serviços oferecidos, sobretudo daqueles aspectos não regulamentados ou referentes a componentes do serviço periférico. Considera-se, portanto, que o estabelecimento de diferenciação pode ser uma maneira de salientar os aspectos do serviço necessários para romper a zona de indiferença e aumentar os níveis de satisfação dos hóspedes. Para que isso se torne realidade, os hotéis devem formular planos formais de diferenciação e tratar o assunto como uma questão de estratégia competitiva. Para acompanhar esse processo, sugere-se que pesquisas de satisfação sejam realizadas de forma periódica, com instrumentos válidos e amostras representativas, para que funcionem como indicadores de desempenho que realimentem as decisões estratégicas das instituições hoteleiras.

Entre as limitações da pesquisa na área de hotelaria, estão a composição da amostra, restrita a hóspedes internautas e de língua portuguesa, de alta escolaridade e residentes no Centro-Oeste do Brasil. O método de levantamento também pode ser apontado como limitação, já que problemas como acessibilidade de informações (Tesser e Martin, 1996), mensuração de expectativas a posteriori e avaliação passo-a-passo forçada podem enviesar os resultados ou levar a interpretações equivocadas (Szymansky e Henard, 2001), facilitando a ocorrência do Efeito Halo, da assimilação e da polarização das respostas.

Para futuros estudos, sugere-se que os dados sejam submetidos a análises adicionais (como equações estruturais), a fim de se testar o modelo exploratório revelado (o que requer aumento da amostra). Mais especificamente, recomenda-se que a relação entre o Fator Avaliação de Desempenho e outras medidas multiitem de satisfação seja investigada, a fim de verificar se o fator é um construto independente, ou simplesmente um conjunto de variáveis componentes de uma dimensão da satisfação. Os Fatores Intensidade das Expectativas, Referenciais de Comparação e Relevância também precisam ser aprimorados e merecem atenção especial em futuros estudos, a fim de que obtenham melhores índices de fidedignidade.

Sugere-se também a realização de pesquisas experimentais, a fim de se compreender melhor o processo de formação de expectativas e a influência de referenciais de comparação e relevância do serviço sobre a satisfação do consumidor. Não menos necessária é a comparação dos efeitos da apresentação da ordem das perguntas nos instrumentos de pesquisa, dos efeitos de diferentes procedimentos de aplicação (e.g., aplicação via internet e aplicação presencial) e dos efeitos do intervalo de tempo entre a experiência com o serviço e a realização da pesquisa sobre a satisfação do consumidor, além da realização de estudos com diferentes amostras. A pesquisa da satisfação do consumidor, em outros contextos de serviços, também é útil, a fim de se verificar até que ponto a adoção de um modelo geral é aplicável ao setor de serviços.

À guisa de conclusão, nota-se que os estudos apresentados aqui sugerem que expectativa é um construto que pode ser um preditor importante no caso da área de turismo. Dessa maneira, medir a expectativa do consumidor sobre a área de turismo pode ser um balizador importante e, talvez, explicar até porque estrangeiros não vêem o Brasil, de um modo geral, como possível destino turístico. Além disso, ambos os estudos utilizam o processo de validação de escalas oriundo da psicologia, e que se mostrou válido e útil a esse contexto. Assim, o turismo nacional passa a ter um instrumento mais confiável para sua mensuração, diferentemente do que em geral se faz nessa área, em que a medida (quando existe) é realizada por meio de questionários sem nenhum procedimento de confiabilidade, que acabam por gerar dados que auxiliam na tomada de decisão em diferentes níveis de análise (governo, empresas privadas de diferentes portes).

 

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Recebido: 16/10/06
Revisado, 23/10/06
Aceito: 30/12/06

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