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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.6 n.2 Florianópolis dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Gênero e status na atribuição de afetos no trabalho: um estudo intercultural Brasil-Espanha

 

Gender e status in affects attribuitions at work: a Brazil-Spain intercultural study

 

 

Sônia Maria Guedes GondimI; Marcus Eugênio de Oliveira LimaII; José Luis AlvaroIII

IUniversidade Federal da Bahia (sggondim@terra.com.br)
IIUniversidade Federal de Sergipe (meolima@uoLcom.br)
IIIUniversidad Complutense de Madrid (jlalvaro@hotmail.com)

 

 


RESUMO

O artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa sobre a influência de gênero e status profissional nas atribuições de emoções e afetos. Participaram do estudo 465 universitários de Salvador e Madri, sendo 279 homens e 182 mulheres, com idade entre 19 e 56 anos. Trata-se de um desenho com dois fatores do tipo 4 (Status profissional: supervisor ou líder versus empregado ou colaborador) versus 2 (gênero: homem versus mulher). Consideramos como variáveis antecedentes o gênero, o país e a condição empregatícia dos respondentes. Os dados apresentados neste artigo se referem a uma questão em que era solicitado ao respondente que escolhesse uma das cinco fotos 3x4 dos atores, que expressavam emoções básicas, e que revelasse seus afetos predominantes. O respondente, então, deveria escrever no espaço abaixo da foto que afeto estaria ali expresso. Algumas conclusões são apontadas: (i) gênero e status no trabalho influenciam nas atribuições, corroborando a hipótese da dica de contexto; e (ii) a foto de alegria atraiu mais escolhas para os supervisores do que para os empregados, principalmente no caso de brasileiros.

Palavras-chave: emoções no trabalho; atribuições de afetos; pesquisa intercultural.


ABSTRACT

The article presents the partial results of a research on the influence of gender and professional status in the attributions of emotions and affects. 465 college students from Madrid and Salvador took part of the study: 279 males e 182 females, ages varying from 19 to 56. It was a factorial design of type 4 (Professional Status: supervisor/leader versus employee/associate) X 2 (gender: Male versus Female). We consider as preceeding variables the gender, the country, the major and the working condition of the surveyed. The data presented in this article refer to a question in which it was asked to the queried to choose one of a series offive pictures of actors expressing basic emotions which would reveal their. predominant affects. The surveyed person would, then, write in the space below the photo which affect he/she thinks it was represented there. Some conclusions are indicated: i) the gender and status at work do have an influence on the attributions, confirming the hypothesis of the context's clue; and ii) the photograph depicting happiness was picked more by supervisors rather than by employees, especially in regards to the Brazilian participants.

Keywords: emotions at work; affects attributions; intercultural research.


 

 

1. Introdução

Expressões emocionais faciais cumprem um papel fundamental no desenvolvimento e na regulação das relações humanas (Ekman, 1999, ForgasS & George, 2001, Algoe, Buswel e Delamater, 2000, Johnstone & Scherer, 2004), em especial nas interações de trabalho. Diante do sorriso no rosto de um colega, inferimos felicidade e bom humor, o que nos autoriza a interpretar essa ação como de receptividade, como também nos estimula a interagir com ele. Se, ao contrário, percebemos em seu rosto uma ausência de expressividade, inferimos preocupação ou tristeza, e vacilamos em tentar qualquer aproximação, ainda que para indagar o que estaria acontecendo e se a outra pessoa carece de ajuda.

Dificilmente enfrentaríamos tantas tensões nas relações de trabalho, se as expressões faciais e gestuais não suscitassem interpretações diversas por parte dos envolvidos nessa interação, visto que a mesma expressão facial pode ser percebida de modo distinto, a depender do contexto em que ela se manifesta, das informações de que dispomos sobre a pessoa-alvo da percepção, e de nossas crenças sobre como todos expressam seus afetos.

Ainda que admitamos que as expressões faciais sejam uma via pela qual as emoções e os sentimentos internos se manifestam visando a facilitar nossa adaptação ao ambiente (Darwin, 2000), estamos distantes do consenso de afirmar que essas manifestações sejam uniformes, ou melhor, independam das diferenças culturais.

Apesar de cônscios de que culturas distintas desenvolvem modos similares de expressão facial de emoções básicas, como alegria, tristeza e nojo (ver Ekman, 1992, 1999, 2003), o foco de nosso interesse de pesquisa não reside no reconhecimento compartilhado da expressão facial da emoção, tal como nos estudos que buscam encontrar respostas mais satisfatórias sobre a universalidade ou a diversidade cultural da manifestação desse fenômeno, mas nas interpretações dessas expressões faciais, quando se levam em conta as informações de contexto sobre o ator (homem ou mulher) e a situação em que ele se encontra (contexto de trabalho, contexto social etc.) (Algoe, Buswell e Delamater, 2000).

Ekman (1999) admite que as diferenças culturais repercutem principalmente: (i) no repertório variado de palavras para expressar a mesma emoção; (ii) no conjunto de crenças compartilhadas em relação a como uma emoção e um sentimento são expressos; (iii) e ainda no contexto da manifestação dessas emoções. Em outras palavras, a depender das experiências emocionais de um dado contexto cultural, o repertório de palavras para expressar os mesmos estados afetivos poderá ser mais amplo ou reduzido. Acrescente-se a isso que a interação de trabalho, em que um supervisor orienta um empregado na realização de uma tarefa, poderá suscitar atribuições de sentimentos e emoções (afetos) distintos para o supervisor e o empregado, a depender do sentido que a hierarquia e o gênero tenham nas relações cotidianas de trabalho de uma dada cultura. A existência de um padrão cultural a favor de atribuições emocionais para o supervisor e o empregado faz com que as pessoas busquem, independentemente da emoção facial expressa por cada um dos atores sociais, indícios de que o supervisor se encontra afetivamente bem (ou mal) e o empregado afetivamente mal (ou bem). Dito de outra maneira, nossas atribuições de afetos alheios são decorrentes, principalmente, da interpretação que fazemos do que está ocorrendo em uma situação social específica, e não somente das expressões faciais dos atores (ou seja, das emoções básicas fora de contexto).

Em resumo, nosso objetivo é o de explorar o modo como atribuímos estados afetivos nas interações de trabalho, tendo como variáveis gênero e status profissional. Há aproximadamente dois anos, estamos investigando experimentalmente se as dicas de contexto referentes a status no trabalho (supervisor versus empregado) e a gênero (homem e mulher) influenciam na atribuição de emoções e sentimentos aos protagonistas de uma história que apresenta uma foto de um supervisor interagindo com um empregado e, na seqüência, um diálogo entre eles.

Discorrer sobre uma investigação desse tipo é pertinente na medida em que os estudos sobre emoções e sentimentos, ou seja, estados afetivos no trabalho adquiriram, nas últimas décadas, um status até então reservado aos aspectos cognitivos (Briner, 2005; Beyer e Nino, 2001; Fineman, 2000, 2001, 2005; Borges-Andrade e Meira, 2003; Payne e Cooper, 2001; Hochischild, 2003; Zapf, 2002; Smith, 2006; Opoengart, 2005). Aumenta o entendimento de que pesquisar afetos poderá ajudar a esclarecer, por exemplo, de que modo as atribuições de emoções e sentimentos alheios favorecem a eclosão de rivalidades, conflitos e tensões nas interações cotidianas de trabalho. Esse é um esforço adicional nessa direção, ao pretendermos ampliar a compreensão desses importantes fatores que modelam as interações humanas no contexto organizacional.

1.1 Definindo afetos, emoções e sentimentos

Embora o propósito, neste artigo, não seja o de discorrer teoricamente sobre as diferenças entre os estados afetivos, faremos alguns esclarecimentos básicos para a compreensão do fenômeno que investigamos.

Não é tarefa fácil demarcar as dIferenças entre emoções, sentimentos e afetos, pois, além de esses fenômenos estarem inter-relacionados, as conceituações encontradas na literatura sobre o assunto expressam as tendências dos estudos. na área, com forte ênfase nas abordagens biológicas e neurofisiológicas. Em décadas mais recentes, têm crescido as abordagens cognitivas (por exemplo, Ortony, Clore e Collins, 1990), assim como as psicossociológicas e interpretativas (Fineman, 2005), especialmente no que tange às discussões sobre a manifestação de afetos no bem-estar no trabalho (Briner, 2005) e seus impactos no auto e heterogerenciamento de tais estados afetivos (Hochschild, 1979,2003, Goleman, 1996). Hochschild (1979) argumenta que a emoção (aqui associada a sentimentos internos) é governada por regras sociais que determinam a intensidade com que ela deve ser sentida, a situação a que deve ser dirigida e a duração do sentimento (breve ou longo). A avaliação de um sentimento como apropriado a um contexto leva em conta a situação, mas também considera o que a pessoa sente, o que ela pensa estar sentindo e o que faz sobre o que sente. Essa vertente sociológica e interpretativa afirma que a abordagem neurofisiológica explica como as emoções são estimuladas e expressas, mas e Insuficiente para dar conta do que ocorre com os estados afetivos no contexto das interações sociais em que estão em jogo os sentimentos (Go dim, 2006).

Para Schachter (1964), as emoções são desencadeadas pelas sensações fisiológicas e preparam o organismo para a ação, enquanto os sentimentos surgem em decorrência da interpretação subjetiva, que muitas vezes se vale do que já está registrado na memória. Dei Nero (1997) considera como equivalentes emoções, afetos, sentimentos e humores, distinguindo-os apenas da cognição (pensamento) e da volição (vontade). Damásio (1996), por sua vez, define a emoção como alterações corporais provenientes de estímulos externos, internos ou imagens mentais. O sentimento, em contrapartida, seria um processo cognitivo que segue a experiência subjetiva dessas alterações corporais e as imagens mentais daí decorrentes. Scherer 1984, Johnstone & Scherer, 2004, afirma que a emoção deve ser entendida como um processo de múltiplos componentes, em que se incluem a cognição, a regulação fisiológica (atuação do sistema nervoso central e autônomo), a motivação pessoal, a expressão motora (gestos, face e voz) e a sensação e monitorização. Tais componentes agem de modo integrado e sincronizado, para maximizar a adaptação do organismo diante de eventos desencadeadores.

Na concepção cognitiva de Clore (Ortony, Clore & Collins, 1990), cujo centro do interesse recai no que causa as emoções e as faz variar em intensidade, as emoções são reações dotadas de valência (positiva ou negativa) e dirigidas a três classes distintas de alvos: (i) eventos e suas conseqüências; (ii) agentes ou atores sociais e suas ações, e (iii) objetos propriamente ditos. Por fim, Gray e Watson (2001), embora admitam a inter-relação de todos esses conceitos, demarcam as diferenças entre emoção, humor e afeto. O afeto é a integração de emoções e humores, os quais, por sua vez, se distinguem no tempo de duração e no objeto a ser focado. Em termos de tempo de duração, a emoção é reativa, mantendo-se apenas por alguns segundos, além de estar focada em um objeto específico, enquanto o humor perdura por um período de minutos a dias e tem como alvo vários objetos simultâneos.

A princípio, é possível ser levado a pensar na ausência de consenso entre os autores, mas, na maior parte das definições, há forte associação das emoções com alterações fisiológicas e corporais desencadeadas por estímulos internos ou externos que parecem estar distantes do controle pessoal. Os afetos constituem uma categoria mais ampla e abarcam os sentimentos e os humores, os quais, além de persistirem no tempo, relacionam-se com os aspectos cognitivos. Os sentimentos estão relacionados à interpretação subjetiva da situação que faz durar o afeto em relação a um objeto, enquanto ele estiver presente na memória de trabalho da pessoa. O humor também é um estado afetivo mais duradouro, mas não é dirigido a um objeto específico, embora repercuta no modo como a pessoa age em vários outros contextos enquanto for mantido o estado afetivo. Dois exemplos servirão para esclarecer esses conceitos. Se um colega de trabalho comentar com outro que ouviu dizer que, em determinado dia, seriam demitidos dois empregados, e o supervisor pede a esse outro que compareça à sua sala logo cedo, isso ativaria reações emocionais imediatas, de natureza fisiológica (batimento cardíaco acelerado, suor frio), somente amenizadas ao constatar que a chamada foi simplesmente para saber do andamento de um projeto. A impaciência e a indelicadeza para com as pessoas, quando se está aborrecido pela perda de um animal de estimação, denuncia um estado de humor que poderá durar alguns dias, até que o animal apareça ou a pessoa se conforme com o fato (Gondim e Siqueira, 2004).

Embora seja necessário admitir que, em algumas investigações sobre o tema, as distinções conceituais se tornam importantes, no caso desta pesquisa, as emoções, os sentimentos e os humores foram incluídos em uma categoria mais ampla, que denominamos de estados afetivos. Considerando que um de nossos objetivos foi o de avaliar se as atribuições a pessoas em situação de trabalho eram consistentes, sentimentos, humores e emoções de qualidade positiva ou negativa apresentar-se-iam inter-relacionados.

1.2. Investigações prévias

A pesquisa aqui relatada, apesar de não ser propriamente uma réplica, vez que seu escopo é bem mais amplo, está fortemente ancorada na investigação conduzida por Algoe, Buswell e DeLamater (2000). Essa investigação tencionava verificar se o gênero (de quem avalia e a pessoa que é avaliada) e o status no trabalho (obtenção da informação de que o avaliado é supervisor ou empregado) influenciavam na interpretação de três emoções faciais consideradas primárias ou inatas (medo, raiva e nojo), visualizadas por meio de slides de rostos de homens e mulheres. Uma das hipóteses da pesquisa dos autores supracitados era a de que o contexto em que a emoção facial seria analisada (mulher ou homem, assim como supervisor ou empregado, expressando a mesma emoção) influenciaria na interpretação dessa emoção. Se confirmada, essa hipótese somaria esforços à perspectiva social de abordagem da emoção (emoção contextualizada), que se contrapõe à abordagem biológica (emoções inatas e universalmente expressas), uma vez que essa última afirma que as emoções primarias são universais e não atreladas ao contexto de sua manifestação. Participaram da referida pesquisa 242 estudantes de graduação (123 homens e 119 mulheres), cuja idade variava de 17 a 45 anos. Os participantes liam vinhetas que descreviam o contexto onde surgia a emoção, sendo que a história era a mesma, variando somente status e gênero da pessoa na situação de trabalho. Em seqüência, os participantes visualizam um slide da expressão facial da suposta pessoa (um homem ou uma mulher, expressando uma das três emoções - raiva, medo e nojo), a que se referia a vinheta, e eram solicitados a dizer que tipo de emoçao estava sendo expressa pela pessoa.

Uma das conclusões foi de que as informações sobre genero e status da pessoa no trabalho influenciam na maneira como as expressões faciais são interpretadas. No que tange ao genero, quando o foco da avaliação era uma mulher, tendeu-se a atribuir mais embaraço e medo, ao passo que quando o foco era um homem, suas expressões faciais foram interpretadas como raiva e desgosto. No que se refere ao status no trabalho, quando era mformado de que se tratava de um supervisor, interpretou-se a emoção de medo como de raiva e de desgosto, ao passo que, no caso de um empregado, a mesma expressão facial foi interpretada como embaraço.

1.3. O presente estudo

O projeto de pesquisa iniciado há mais de dois anos foi elaborado para investigar a influência de dicas de contexto em relação a status (supervisor versus empregado; líder versus colaborador) e gênero1 (homem versus mulher) na atribuição de afetos a pessoas em interação no trabalho. Em 2004, desenvolveuse a primeira pesquisa no Brasil, a partir de um desenho com 2 fatores: status profissional (supervisor ou empregado) versus gênero (homem ou mulher). Participaram 111 estudantes: 62 estudantes de pós-graduação em administração e 49 estudantes de graduação de vários cursos. Na ocasião, encontramos fortes indícios a favor da hipótese de dicas de contexto (ou emoção contextualizada), ao compararmos amostras de estudantes com formação em administração e áreas afins, e estudantes com formação em outras áreas, concluindo haver padrões diferenciados de respostas na atribuição de afetos a empregados e supervisores (Lima, Condim, Novaes, Sá e Bonfim, 2005).

Para aprofundar o alcance da hipótese das dicas de contexto na influência da atribuição de afetos e emoções (emoções contextualizadas), tal como explorada por Algoe, Buswell e DeLamater (2000), elaboramos uma nova pesquisa com uma abordagem de multimétodos, articulando o desenho experimental e a análise qualitativa, e procurando comparar amostras de brasileiros e espanhóis.

As questões de pesquisa foram as seguintes:

- As atribuições de afetos a pessoas em situação de trabalho são influenciadas pelas dicas de contexto, especialmente as informações sobre status e gênero dos atores que interagem no ambiente de trabalho?

- As atribuições de afetos a pessoas em situação de trabalho são influenciadas pelo processo de socialização a que estão submetidas pessoas de países e culturas diversos, e pelo fato de a pessoa estar trabalhando?

Partimos da premissa de que, pelo fato de o Brasil e a Espanha serem países com afinidades culturais, poderíamos testar a força da influência das seguintes variáveis: gênero do respondente, experiência de trabalho e condição experimental (status e gênero dos atores em interação).

 

2. Método

2.1 - Participantes. Participaram do estudo 465 estudantes universitários concluintes de Salvador (243) e de Madri (222), sendo 279 do gênero masculino e 182 do feminino (quatro pessoas não mencionaram o gênero). A idade dos participantes variava entre 19 e 56 anos (M = 24,35 DP = 4,73). No Brasil, 81% dos respondentes trabalhavam, distintamente da Espanha, onde apenas 31 % deles tinham inserções no mercado de trabalho. Do total de 465,243 eram concluintes do curso de administração (123 na Espanha e 120 no Brasil) e 222 do curso de engenharia (99 na Espanha e 123 no Brasil).

2.2 -Procedimentos. Os participantes foram contatados em sala de aula, e solicitados a colaborar em uma pesquisa sobre o modo como formamos impressões das pessoas em ambientes de trabalho. Após consentimento livre, cada participante recebia um questionário (foram feitas versões dos questionários em espanhol pelos pesquisadores nativos), no qual constava uma foto de duas pessoas que interagiam (supervisor ou líder versus empregado ou colaborador) no ambiente de trabalho, seguida de um diálogo entre os dois atores. No referido diálogo o supervisor ou líder instava o empregado ou colaborador a realizar o seu trabalho. A interação acontecia em uma empresa de publicidade, e esse cenário foi escolhido por acreditarmos que, em tal contexto, a hierarquia é menos demarcada, optando-se pela composição de equipes multidisciplinares, o que torna mais maleável e igualitária a relação entre seus membros. A nosso ver, isso atenuaria um viés de atribuição decorrente de contexto organizacional marcadamente hierarquizado, como o de outros tipos de organização (Catton, DuBois & Faley, 1999).

2.3 -Desenho. O estudo foi desenhado com dois fatores, com uma configuração do tipo 4 (Supervisor ou líder e empregado ou colaborador) versus 2 (homem ou mulher) (vide Tabela 1). Consideramos como variáveis antecedentes: gênero, país, condição experimental e o fato de o respondente trabalhar. Eram oito as situações de interação: (i) supervisora mulher e empregado homem; (ii) líder mulher e colaborador homem; (iii) supervisora mulher e empregada mulher; (iv) líder mulher e colaboradora mulher; (v) supervisor homem e empregado homem; (vi) líder homem e colaborador homem; (vii) supervisor homem e empregada múlher; e, por último, (viii) líder homem e colaboradora mulher. Os supervisores ou líderes e empregados ou colaboradores foram representados por pessoas brancas. Os gêneros do supervisor ou líder e do empregado ou colaborador eram indicados por quatro fotografias ilustrativas da interação. Trata-se, portanto, de um estudo experimental, com oito condições.

 

 

Cabe informar que, na pesquisa realizada em 2004, detectamos que havia um peso significativo do status na atribuição de afetos aos atores, e que, para avaliarmos de modo mais aprofundado essa influência, deveríamos neutralizar a variável status no trabalho em investigações futuras. Isso nos fez redesenhar a pesquisa e aumentar as condições experimentais (de quatro saltaram para oito), demarcando uma nova composição de status no trabalho: hierarquia vertical-supervisor versus empregado -, e hierarquia horizontal-líder versus colaborador. Acreditávamos que poderíamos compreender melhor o comportamento da variável status se incluíssemos a possibilidade de os atares serem percebidos como mais próximos na hierarquia organizacional. Para fins de apresentação deste artigo, consideraremos as variáveis dependentes: (i) a foto escolhida para representar o estado afetivo dos protagonistas (foram apresentadas fotos 3x4 de cada personagem envolvido na interação, que ilustravam cinco emoções básicas - alegria, tristeza, raiva, medo e nojo -, solicitado que se escolhesse qual delas expressava, de modo predominante, os sentimentos e emoções de cada atar) e (ii) os afetos atribuídos aos atares da foto escolhida, considerando que, após selecionar a foto, o respondente deveria escrever, no espaço abaixo da foto, o estado afetivo ali manifestado.

A hipótese principal aser testada foi a influência do gênero e do status na atribuição de afetos no trabalho, o que permitiria corroborar a tese da dica de contexto ou emoção contextualizada. Na primeira pesquisa que realizamos sobre o tema, em 2004, uma de nossas conclusões foi a de que o status era um fator importante nas atribuições, visto que a qualidade dos afetos atribuídos era marcantemente distinta quando o atar era apresentado como supervisor ou como empregado, bem mais do que o gênero do atar (mulher ou homem). Como afirmamos anteriormente, optamos, então, por ampliar o estudo e criar condições experimentais que visassem a neutralizar o status, ou seja, acreditávamos que poderíamos explorar, de modo mais aprofundado, a influência dessa variável, ao oferecer uma condição na qual a pessoa não seria apresentada como hierarquicamente superior, mas como do mesmo nível profissional, líder de uma equipe de trabalho. Isso encontra sentido no fato de ser comum, na realidade organizacional, a substituição de nomes de cargos como uma tentativa de introduzir um novo conjunto de crenças e valores em relação a fenômenos que ocorrem no ambiente de trabalho. Em princípio, nós diríamos que chamar o supervisor de líder e o empregado de colaborador atenuaria o peso da hierarquia vertical na relação de trabalho e facultaria avaliar se o gênero do ator exerceria maior influência nas atribuições.

2.4 - Pré-Teste. Os próprios pesquisadores fotografaram voluntários em situação simulada de interação no trabalho e submeteram as fotografias a um pré-teste quanto à atratividade fisica, cor da pele, estatuto (supervisor ou empregado) e idade. Os resultados do pré-teste, realizado junto a uma amostra de oito estudantes universitários, indicaram que as fotos poderiam ser utilizadas sem impedimentos, uma vez que não houve diferenças significativas nas idades e na atratividade fisica das pessoas retratadas. Na quase totalidade dos casos, os supervisores foram percebidos como supervisores e os empregados como empregados. Também foi solicitado a cada um dos atores que expressassem cinco emoções básicas: alegria, tristeza, raiva, medo e nojo para registro em fotos 3x4.

2.5 - Análise dos resultados. Inicialmente, é pertinente afirmar, mais uma vez, que a análise dos resultados apresentada neste artigo não fez uma diferenciação entre emoções e sentimentos, considerando-os como parte de uma categoria mais ampla, a dos afetos. Todos os qualificativos mencionados pelos respondentes foram incluídos na categoria mais ampla de estados afetivos. Esse constitui um fator importante a ser considerado na avaliação dos resultados da pesquisa aqui apresentados, visto que o objetivo principal não foi explorar a dimensão de conceitos, mas a atribuição de estados afetivos, relacionando expressões faciais e avaliações subjetivas a elas associadas (outras perguntas incluídas no questionário da pesquisa exploraram a diferenciação entre emoções e sentimentos).

Embora o questionário usado na pesquisa contemplasse outras perguntas, neste artigo somente analisaremos uma delas, a que apresentava as cinco fotos 3x4 (tristeza, alegria, raiva, medo e nojo) do supervisor ou líder e do empregado ou colaborador, para que o respondente escolhesse a que melhor representava o estado afetivo geral de cada um dos atores, e solicitava, em seguida, que fosse escrito no espaço indicado a emoção ou sentimento (afeto) ali expresso.

As respostas foram analisadas por um programa estatístico de tratamento de dados em Ciências Sociais, valendo-se do Quiquadrado e da análise fatorial por correspondência (Homals). Nesse último caso, trata-se de uma técnica qualitativa de redução de dados que permite representar três ou mais variáveis nominais em poucas dimensões, geralmente duas. Seu produto é um gráfico de quantificação (número de casos) distribuído em duas (ou mais) dimensões de análise. Cada dimensão possui um valor próprio, que varia de O a 1. Quanto mais próximo de 1, maior poder de análise a dimensão possui. Em sendo assim, se o valor da dimensão 1 (corte vertical) for mais próximo de 1, quando comparado com o valor da dimensão 2 (corte horizontal), a análise mais adequada a ser feita é a de corte vertical. Caso seja o inverso, a análise deve privilegiar o corte horizontal (dimensão 2).

Os afetos atribuídos foram classificados em três grandes categorias: afetos positivos, afetos negativos e indefinição, nesse último caso quando a atribuição não expressava tendência positiva ou negativa, como; por exemplo: atribulado e instrutora.

 

3. Resultados

3.1 A foto escolhida

Ao cruzarmos as variáveis foto escolhida para líderes e supervisores, país, gênero do respondente e condições experimentais, encontramos resultados significativos apenas para o país e as condições experimentais.

O cruzamento das variáveis foto escolhida e país sugere que, apesar de a foto da tristeza ter sido a mais escolhida tanto no Brasil (n=91) quanto na Espanha (n=87), os brasileiros escolheram mais do que os espanhóis a foto da alegria (76 contra 36) para representar o que os supervisores ou líderes sentem na interação de trabalho. As fotos que expressam raiva e medo, nao obstante, foram mais escolhidas pelos espanhóis, quando comparados aos brasileiros (x2=21, 806, gl=4, p=0,00).

A análise da distribuição de freqüência, no entanto, nos leva a pensar que a predominância da escolha da foto de tristeza (Tabela 2), a mais escolhida nos dois países, suscitaria a associação com afetos negativos para o supervisor e líder, mas não foi o que constatamos ao analisar os afetos atribuídos pelos respondentes, pois a foto de tristeza, para supervisores e líderes, em ambos os países, esteve mais fortemente associada aos afetos positivos, tais como determinação, calma, confiança, segurança, seriedade, autoridade e responsabilidade, do que aos afetos negativos, numericamente pouco representativos.

 

 

No que tange às condições experimentais, um resultado curioso apareceu: A foto da alegria foi a mais escolhida na condição líder mulher, independentemente de interagir com um colaborador homem ou mulher. A foto da tristeza foi a mais escolhida na condição em que a mulher era apresentada como supervisora, independentemente de estar interagindo com um empregado do mesmo gênero. Cabe a observação, contudo, de que a foto que expressa asco ou nojo foi a mais escolhida na condição experimental em que o supervisor era homem, também a despeito do gênero do empregado (x2=235, 229, gl=28, p=0,00). Isso sugere que, de algum modo, o gênero e o status exercem influência na atribuição de afetos. A mulher é mais visualizada como alegre na condição de ser líder do que na condição de supervisora, e isso é significativo pelo fato de a foto de alegria ser a única das cinco que suscitaram somente afetos positivos (exceto um único caso, na Espanha, em que foi associada a fingimento).

Quando analisamos a foto escolhida para empregados e colaboradores, cruzando as mesmas variáveis, encontramos relevância digna de nota apenas nas condições experimentais(x2= 187, 806, gl=28, p=0,00). A foto da tristeza foi a mais escolhida na condição em que a mulher era colaboradora e interagia com um homem líder. A foto da raiva foi a mais escolhida nas condições em que o homem era apresentado como empregado ou colaborador que interagia com mulheres (supervisora ou líder). Esses resultados sugerem que o gênero influenciou a escolha da foto, levando-nos a pensar que o homem não se sente confortável quando a mulher ocupa uma posição superior a ele, e isso parece não mudar, mesmo que amulher seja apresentada como líder ao invés de supervisora.

3.2. Afetos atribuídos

Os resultados indicam também que o país tem uma influência na atribuição de afetos aos supervisores ou líderes (x2=7,642, gl=2; p=0,02), o que nos permite inferir que os brasileiros (n=205) atribuem bem mais afetos positivos ao supervisor ou líder, independentemente da foto escolhida, do que os espanhóis (n= 105). Em outras palavras, o brasileiro parece ter uma visão mais positiva do supervisor ou líder do que o espanhol.

Poderíamos ser levados a crer que a experiência de trabalho estaria exercendo alguma influência, visto que 81% das pessoas da amostra brasileira trabalhavam na ocasião da coleta de dados, contra 31% da espanhola. Todavia não encontramos evidências claras nessa direção, nem em relação ao supervisor ou líder, nem em relação ao empregado ou colaborador. E, se a experiência de trabalho não contribui de modo visível para atribuir afetos positivos a supervisores ou líderes, ou afetos negativos a empregados ou colaboradores, a razão para isso deve estar nos processos de socialização mais amplos de cada cultura ou país, o que necessita ser mais bem investigado.

Ao cruzarmos as fotos escolhidas e os afetos atribuídos a cada uma delas, tanto no caso de supervisores ou líderes quanto no de empregados ou colaboradores, encontramos significância. Dos 168 respondentes que escolheram a foto de tristeza para o supervisor ou líder, 138 atribuíram afetos positivos (seriedade, tranqüilidade, confiança, responsabilidade etc.) e, dos 109 que escolheram a alegria, 108 deram a ela uma conotação positiva em termos afetivos. Isso sugere que quem escolhe a foto da alegria não tem dúvida de que ali esteja expressa a alegria, ao passo que quem escolhe a foto de tristeza talvez o faça por ela sugerir seriedade, responsabilidade, tranqüilidade, requisitos demandados para quem ocupa um cargo de supervisão ou liderança.

Ao nos reportar ao cruzamento da escolha da foto e atribuição para empregados e colaboradores, constatamos que 89 dos 128 respondentes que escolheram a foto de tristeza deram a ela uma conotação negativa, o que também fizeram 87 dos que escolheram a foto de raiva (de um total de 107) e os 82 que optaram pela foto medo (de um total de 87). Evidencia-se, então, uma forte tendência de uma mesma foto, exceto a de alegria, suscitar atribuições qualitativamente distintas, a depender da posição ocupada pela pessoa.

As fotos de medo, nojo e raiva se apresentaram associadas a afetos negativos para o empregado, o mesmo não ocorrendo com a foto de alegria. No caso do supervisor, as fotos de alegria, de tristeza e de nojo foram associadas a afetos positivos do líder ou supervisor, ao contrário da escolha da foto raiva, que suscitou atribuições negativas para o mesmo atar. A foto de medo foi ignorada pelos respondentes quando quem estava sendo avaliado era o líder ou supervisor, não se evidenciando tendência de atribuir a ela afetos positivos ou negativos.

As Figuras 1 e 2 (que incluem dados do Brasil e da Espanha) sumarizam os resultados comentados até o momento.

 

 

 

 

O cruzamento das variáveis gênero do respondente, afeto atribuído e condição experimental, separando-se as amostras dos dois países, revelou significância, para a Espanha, na atribuição de afeto para supervisor feita pelo respondente do gênero feminino, ao passo que, no caso do Brasil, a significância foi obtida na atribuição de afeto ao empregado ou colaborador pelo respondente do gênero masculino. As Tabelas 3 e 4 apresentam informações mais detalhadas.

 

 

 

 

A Tabela 3 deixa explícito que, na Espanha, a mulher atribui mais afeto positivo ao supervisor ou líder quando este é do gênero feminino do que quando é do masculino (43 contra 26). A Tabela 4, por sua vez, permite concluir que, no Brasil, os homens tendem a atribuir afetos negativos ao empregado ou colaborador, principalmente nas condições em que a interação ocorre entre mulheres (LMCM e SMEM).

Um outro aspecto importante de ser analisado se refere à diversidade de afetos atribuídos pelos respondentes a cada uma das fotos. O Mapa 1 permite essa visualização para supervisor ou líder, e o Mapa 2 para empregado ou colaborador.

 

 

 

 

É preciso esclarecer que, nos dois mapas, destacamos apenas algumas das atribuições feitas pelos respondentes aos atores, que nem sempre tiveram o mesmo sentido - afeto positivo ou afeto negativo. A rigor, quando Ekman (1999) se refere ao repertório de palavras para expressar estados afetivos similares, seu entendimento é o de que deve haver congruência de sentido. Nossa pesquisa, no entanto, evidenciou que a foto parece ter sido uma escolha meramente circunstancial, pois a opinião sobre o que os atores estariam sentindo foi construída ao apresentar o diálogo entre eles e, exceto na condição de alegria, as outras fotos representaram tanto afetos positivos quanto negativos, o que constatamos ante a diversidade de referências mencionadas para a mesma foto. Isso ocorreu tanto no caso da atribuição a supervisores ou líderes quanto a empregados ou colaboradores.

A insegurança, por exemplo, estado afetivo muito atribuído ao empregado ou colaborador, foi identificada nas fotos de raiva, medo e tristeza. No caso do supervisor ou líder, a foto de medo foi associada à esperança, assim como a de nojo à tolerância, corroborando nossa hipótese de que as informações oferecidas ao respondente sobre o que estaria ocorrendo e quem eram os atores envolvidos influenciavam nas impressões pessoais. A escolha da foto, então, parece obedecer ao critério de qual delas expressaria melhor a imagem mental do respondente a respeito dos atores na interação de trabalho.

 

4. Discussão

4.1. Influência do país

As diferenças entre os países de origem apareceram quando o foco da avaliação era a foto escolhida para representar os afetos e sentimentos do supervisor ou líder. Apesar de a seqũênCla numérica de escolhas das fotos ter sido rigorosamente a mesma nos dois países - tristeza, nojo, alegria, raiva e medo - a foto da alegria apresentou valores bem distintos para os dois países. Os brasileiros escolheram em proporção bem maior a foto da alegria para expressar afetos positivos do supervisor ou líder.

4.2. Influência das condições experimentais

Ao assumir a posição de líder (nível horizontal de poder), a mulher chama para si a forte associação de afetos positivos, independentemente de estar se relacionando com homem ou mulher na condição de colaboradores. Ao contrário, se ela é apresentada como supervisora, a escolha da foto de alegria cede lugar para a foto de tristeza, e, a partir daí, tanto afetos positivos quanto negativos estão associados a ela. O homem, por sua vez, ao assumir a posição de supervisor, chama para si a escolha da foto de nojo, sendo igualmente atribuídos a ele tanto afetos positivos quanto negativos. Porém não se pode esquecer que evidenciamos a tendência geral de atribuir afetos positivos a supervisores e líderes, independentemente da foto escolhida. Os resultados sugerem, então, que, a despeito do país, a mulher atrai afetos positivos em respondentes de ambos os gêneros, caso ela seja apresentada como líder, quer dizer, em uma condição de "igualdade hierárquica".

4.3 Influência de gênero em cada país

Apesar de não terem sido identificadas diferenças de gênero entre países, quando os resultados foram analisados separando-se as amostras de cada país, algumas diferenças emergiram. No caso da Espanha, a mulher, apesar de seguir a tendência geral da amostra de atribuir afetos positivos ao supervisor ou líder, o faz com mais firmeza quando este é do gênero feminino. No caso do Brasil, todavia, essa diferença de gênero não foi significativa para o supervisor, mas sim para o empregado e, ao contrário da Espanha, foram os respondentes do gênero masculino que atribuíram mais afetos negativos ao empregado se a interação ocorria entre mulheres.

Os resultados em relação à escolha de fotos para os empregados e colaboradores foram ambíguos, pois, apesar de a foto da tristeza ter sido amais escolhida na condição em que a mulher era colaboradora que interagia com um homem líder, e a foto de raiva a mais escolhida na condição em que o empregado ou colaborador era homem que interagia com uma mulher supervisora ou líder. não podemos assegurar que. especificamente nessas três condições experimentais, a escolha dessas fotos estivesse diretamente relacionada a atribuições negativas. Exceto a alegria, as outras fotos, e principalmente a de tristeza, suscitaram tanto afetos positivos quanto negativos, embora os resultados também apontassem que, de um modo geral, os afetos atribuídos a empregados eram negativos para as fotos de medo, de nojo e de raiva.

4.4. Associações entre fotos e afetos atribuídos

As fotos de alegria, tristeza e nojo suscitaram atribuição de afetos positivos ao líder ou supervisor (o que não ocorreu com a foto de raiva) e, em contrapartida, as fotos de medo, raiva e nojo associaram-se a atribuições de afetos negativos a empregados e colaboradores (o que não ocorreu com a alegria e a tristeza). Isso nos permite compreender que as fotos de alegria e tristeza, em bora expressassem emoções distintas, despertaram interpretações positivas, independentemente do lugar que a pessoa ocupava na interação de trabalho. À foto de nojo foi atribuído sentido bem distinto (positivo ou negativo), conforme a posição hierárquica do atar na mesma interação. Digno de nota também é o que ocorreu com a foto de medo, praticamente ignorada quando o foco da avaliação era o supervisor, mas sendo o segundo alvo de preferência quando a avaliação passou a ser do empregado ou colaborador.

 

5. Conclusões

A análise geral das respostas, comparando-se os dois países, fornece fortes evidências a favor da hipótese da influência das dicas de contexto na atribuição de estados afetivos (emoção contextualizada), congruente com os achados de Algoe, Buswell e DeLamater (2000). Os resultados indicam igualmente que as variáveis de gênero e status no trabalho influenciam significativamente nessa atribuição, embora os dados sinalizem, de modo mais claro, a importância do status.

Há que se observar, entretanto, que nossa tentativa de explorar mais profundamente a influência da variável status foi parcialmente bem sucedida, demandando investigações mais detalhadas, pois o fato de o ator ser apresentado como líder (nível horizontal de hierarquia) ou supervisor (nível vertical de hierarquia) não influenciou os resultados gerais, embora tenha favorecido a emergência, em algumas condições experimentais, da influência do gênero do ocupante do cargo. Na condição em que a mulher foi apresentada como líder, por exemplo, os homens a perceberam mais positivamente do que como supervisora.

Nossa justificativa para isso, até o momento, é a de que há uma hierarquia introjetada nas relações de trabalho e que parece ser compartilhada tanto na Espanha quanto no Brasil. A despeito de denominarmos uma pessoa de líder ou supervisor, o fato de apresentá-la como alguém que orienta outra pessoa na realização de suas tarefas sinaliza a posição de desigualdade na relação, influenciando as atribuições afetivas que acreditamos estarem associadas à posição que ocupa. Não foi por acaso que a mesma foto de tristeza foi a mais escolhida tanto para representar supervisores ou líderes quanto para representar empregados e colaboradores, não obstante os sentidos diversos que tiveram, fortemente positivo, para o primeiro caso, e fortemente negativo, para o segundo.

Se um de nossos principais objetivos de pesquisa foi buscar subsídios que nos permitissem compreender como as distintas atribuições de afetos viriam a repercutir na qualidade das relações humanas no trabalho, temos de incluir, nesta seção, algumas considerações finais a respeito desses aspectos.

Talvez tenhamos pouco a dizer sobre isso, por termos analisado apenas uma questão do instrumento de pesquisa, não encontrando nela evidências claras da influência da experiência de trabalho nas atribuições de afetos feitas a supervisores ou líderes e empregados ou colaboradores. Os cruzamentos entre a escolha de fotos de expressões emocionais e vínculo de trabalho não permitiram concluir algo mais preciso, embora tenhamos encontrado significância marginal (x2=4,714, gl=2, p=O,09) para atribuições feitas aos empregados, o que aconselha um aprofundamento em estudos futuros. Uma de nossas hipóteses é a de que as atribuições negativas ao empregado sejam decorrentes de características culturais mais amplas, que independem da experiência pessoal de trabalho. Tal aprendizado pode ser conseqüência da interação interpessoal e grupal, em que estão presentes os pais e colegas, que compartilham suas impressões, sentimentos e experiências de trabalho.

Em sendo assim, o processo de socialização de ambos os países contribui, de algum modo, para que a pessoa que esteja sendo orientada a realizar uma tarefa, quer por um líder ou supervisor (homem ou mulher), sinta-se desconfortável e expresse insegurança, timidez, medo, humildade e assombro. Apesar de todo o cuidado em não sinalizar, no diálogo, emoções de descontentamento do líder ou supervisor e nem qualquer indicação de punição ao empregado ou colaborador, com o intuito de dar a transparecer que se tratava de uma interação rotineira de trabalho, o reconhecimento de que os dois se encontravam em posições desiguais na interação (um orientando e o outro sendo orientado) parece ter sido suficiente para desencadear a atribuição de afetos negativos para o empregado.

Ao analisarmos os limites da investigação, devemos destacar que o uso de fotos -embora seja defensável para as questões e hipóteses elaboradas no planejamento do estudo, por fornecerem informações visuais sobre gênero e status dos atores em interação de trabalho -, mantém-se dotado de artificialismo. Além de problemas de qualidade técnica do material (impressão em questionário), que prejudicam a visualização nítida da emoção expressa, as fotos também impedem a apreensão da experiência emocional vivida em uma situação real de interação. Nossos estados afetivos mais complexos não são facilmente traduzidos em expressões faciais das emoções básicas (alegria, tristeza, medo, raiva, nojo). Em sendo assim, nossa pretensão é aprofundar a investigação e torná-la mais próxima da maneira como expressamos afetos no cotidiano, e, para cumprir tal intento, estamos realizando uma nova pesquisa que apresenta aos participantes um vídeo da interação de dois atores em contexto de trabalho, sendo solicitado, em seguida, que responda a um questionário.

Um outro limite do estudo que merece ser citado é o desenho da pesquisa, que, ao projetar oito situações experimentais para explorar as variantes de status no trabalho (vertical e horizontal), dificultou o tratamento e a análise de dados. Em várias circunstâncias, tivemos de agrupar e recodificar as variáveis, para melhorar a visualização dos resultados. Na nova pesquisa, retomamos ao desenho com dois fatores: 2 (supervisor e empregado) versus 2 (homem e mulher).

Para finalizar, reconhecemos que deixamos de incluir uma importante variável que muito provavelmente influencia na maneira como atribuímos emoções e afetos: a cor da pele. Mas, infelizmente, todo e qualquer estudo precisa fazer um recorte, que acaba por lhe impor limitações à compreensão do fenômeno investigado. Além da restrição imposta por esse recorte, quando atribuímos afetos às outras pessoas lidamos com a ambigüidade tanto do objeto social a ser percebido quanto do percebedor. Se um sorriso de um supervisor for interpretado como uma ironia, isso nos fará agir de modo distinto do que o faríamos se percebêssemos a mesma expressão facial como de alegria. E, a rigor, não há como ter certeza, a não ser que perguntemos à outra pessoa. Na prática, entretanto, não fazemos isso, pois lidamos com os outros seguros das atribuições que fazemos deles. E a esses equívocos atribuicionais devemos boa parte dos atritos nas interações humanas, em especial nas que ocorrem no contexto de trabalho.

 

Referências

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1 Embora reconheçamos haver uma diferença conceitual entre gênero e sexo, sendo o primeiro decorrente de uma construção social e o segundo de natureza biológica, a pesquisa ora apresentada pretendeu apreender parte da dimensão de gênero, relacionando-a ao sexo do ator e do respondente, e, para tal, incluiu questões abertas no instrumento, que permitiam inferir o contexto masculino e o feminino no mundo do trabalho. Neste artigo, usaremos apenas o termo gênero para os dois sentidos. A rigor, quando atribuímos emoções e afetos nas interações sociais, não o fazemos apenas levando em conta o fato de o indivíduo ser biologicamente um homem ou uma mulher, mas as nossas crenças, atitudes, estereótipos, valores e preconceitos sobre o que seria masculino e feminino, inclusive em se tratando de papéis profissionais.

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