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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.7 n.2 Florianópolis dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Percepção de efetividade organizacional: construção e validação de uma medida do construto

 

Perception of organizational effectiveness: development and validity of a measureof construct

 

 

Marilia Nunes FernandesI; Rômulo Ferreira BaraleII; Tiago Régis Cardoso SantosIII; Tatiana Pereira Athayde CostaIV; Sinésio Gomide JúniorV

IMestre pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (marilia_fernandes2004@yahoo.com.br)
IIMestrando pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. (romulofb2000@yahoo.com.br)
IIIGraduando pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. (khogiro@msn.com)
IVGraduanda pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. (tatianapac@hotmail.com)
VDoutor pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (sinesiojunior@netsite.com.br)

 

 


RESUMO

Efetividade organizacional é um dos temas de interesse central para as teorias da organização. O objetivo deste estudo foi construir e validar uma medida de percepção de efetividade organizacional, tendo como referencial teórico as dimensões propostas por Harrison (1994). Para o processo de validação, 309 trabalhadores responderam ao questionário contendo o instrumento piloto. Os dados foram submetidos à análise fatorial, com extração dos fatores pelo método PAF (Principal Axis Factoring), rotação oblíqua e a teste de confiabilidade. A estrutura fatorial ficou composta por dois fatores: Metas de Produção e Estado Interno do Sistema, com índices de precisão de 0,90 e 0,87, respectivamente. O uso da medida é recomendado para fins de diagnóstico e investigações acadêmicas.

Palavras-chave: comportamento organizacional; efetividade organizacional; psicometria; validação de medidas.


ABSTRACT

Organizational effectiveness is a core interest theme in organizational theories. The aim of this study was to develop and validate a measure of perception of organizational effectiveness. Theoretical reference was based on the dimensions proposed by Harrison (1994). For the validation process, 309 workers have answered a questionnaire containing the pilot instrument. The data were submitted to factorial analysis, with extraction of factors through PAF (Principal Axis Factoring) method and oblique rotation; they were also submitted to a reliability test. The factorial structure is composed of two aspects: Production Goals and Internal State of Systems, with precision rates of 0.90 and 0.87, respectively. The use of this measure is recommended in diagnosis and academic investigations.

Keywords: organizational behaviour; organizational effectiveness; psychometrics; validation of measures.


 

 

Efetividade organizacional.

O construto efetividade organizacional tem sido uma preocupação central da teoria organizacional desde que foi inserido como uma área de investigação (Zammuto, 1984).

A importância atribuída ao construto efetividade organizacional deve-se ao fato de que ele é um indicador organizacional que evidencia o modo pelo qual as organizações se relacionam com o seu ambiente (Moraes, 2004).

Na década de cinqüenta, as definições de efetividade organizacional discutiam o grau em que uma organização 'realizava suas metas' (Etzioni, 1964); realização esta que era um dos critérios de efetividade organizacional mais amplamente utilizado pelos pesquisadores (Cameron, 1980, 1981). Essa proposição, conhecida como 'Abordagem dos Objetivos', considerava a organização como efetiva na medida em que ela realizasse seus objetivos propostos (Cameron, 1980, 1986a; Etizioni, 1964; Georgopoulos; Tannenbaum, 1957; Scott, 1977; Zammuto, 1984). Essa concepção foi criticada por ser considerada vaga e às vezes contraditória, tendo em vista que os objetivos divergiam entre os diferentes constituintes da organização (Steers, 1975). Além disso, conforme as críticas, como dependeria dos objetivos organizacionais, essa abordagem só seria útil na medida em que os objetivos fossem suficientemente claros e consensuais, limitados no tempo e facilmente mensuráveis (Cameron, 1986a). Com a insatisfação dos pesquisadores quanto à 'Abordagem dos Objetivos', surgiu, nas décadas de 50 e 60, uma nova abordagem para a efetividade organizacional: a abordagem de Sistemas de Recursos. Com enfoque na interação da organização com seu ambiente, a efetividade organizacional seria definida como a habilidade da organização em explorar o ambiente na aquisição de recursos escassos e valiosos (Georgopoulos; Tannenbaum, 1957; Yuchtman; Seashore, 1967). Assim, com a emergência da teoria dos sistemas, a efetividade organizacional ganhou novo enfoque: as organizações passaram a ser vistas como sistemas abertos e efetividade e meio ambiente foram interligados; ou seja, uma organização seria efetiva se fosse capaz de obter do ambiente externo os recursos necessários para a realização de suas atividades e serviços (Katz; Kahn, 1978; McCabe; Dutton, 1993; McCann, 2004). No entanto, este modelo seria útil somente quando existisse uma clara conexão entre recursos e desempenho organizacional (Cameron, 1986a).

A despeito das críticas a ambas as abordagens, o alcance de metas organizacionais parece ser o ponto de consenso entre os diversos estudiosos, quando teorizam sobre a efetividade organizacional (Cameron, 1980; Carvalho; Gomes, 2000, 2002; Hannan; Freeman, 1977; Harrison, 1994). Argyris (1964), por exemplo, considerou a realização dos objetivos propostos como uma das atividades centrais da organização, juntamente com a manutenção do sistema interno e a adaptação da organização ao ambiente externo. Da mesma forma, Hannan e Freeman (1977) deram destaque para o alcance dos objetivos em sua proposição sobre as três abordagens para a efetividade organizacional. Na primeira abordagem destacada, a efetividade está vinculada à capacidade da organização em atingir determinados objetivos previamente definidos. Para a segunda abordagem, a efetividade é concebida como a capacidade de sobrevivência demonstrada por uma organização, o que seria conseqüência da manutenção de um fluxo de recursos essenciais em relação ao ambiente. Finalmente, na terceira abordagem, a ênfase centra-se na capacidade de adaptação da organização diante de um contexto de profundas e permanentes modificações (Hannan; Freeman, 1977).

Na década de oitenta, os vários critérios de efetividade organizacional foram reunidos em diversos modelos ou abordagens, na tentativa de promover uma maior integração da literatura sobre o construto (Cameron, 1980, 1986a, 1986b). Cameron (1986a) destacou que além do 'Modelo dos Objetivos' e do 'Modelo dos Sistemas de Recursos', havia, ainda, seis abordagens ara a efetividade organizacional, destacando que cada uma delas seria útil em determinada circunstância. Na 'Abordagem dos Processos Internos', a organização seria considerada efetiva na medida em que não houvesse tensão interna, os membros fossem altamente integrados ao sistema, o funcionamento interno da organização fosse caracterizado pela confiança e benevolência entre os indivíduos e as informações fluíssem com facilidade entre os vários níveis da organização. Assim, esse sistema seria considerado 'saudável'. Este seria o modelo preferido quando houvesse uma ligação bem estabelecida entre processo organizacional e desempenho (Cameron, 1986a). Na segunda abordagem -'Abordagem dos Constituintes Estratégicos ou Satisfação dos Participantes' - a efetividade seria a extensão em que todos os constituintes estratégicos da organização estivessem minimamente satisfeitos (Cameron, 1980, 1986a). Deste modo, efetividade significava quão bem a organização respondesse às demandas de seus vários constituintes estratégicos (Cameron, 1980). Este modelo seria útil nas organizações em que os membros tivessem grande influência e a organização precisasse responder às suas demandas (Cameron, 1986a). De acordo com o modelo dos 'Valores Concorrentes', organização efetiva seria aquela em que os membros enfatizassem de modo diverso os diferentes critérios, de acordo com suas preferências. Este modelo seria útil quando a organização não tivesse clareza de seus próprios critérios ou os mudasse com o tempo de acordo com os interesses de seus membros. Para o modelo da 'Legitimidade' a organização efetiva seria aquela que se engajasse em uma atividade legítima, apresentando a capacidade de sobrevivência ao longo do tempo. Este seria um modelo útil quando o foco principal de interesse recaísse sobre questões de sobrevivência, declínio e morte entre as organizações. O modelo 'Dirigido para os Defeitos', definia organização efetiva como aquela que não apresentasse defeitos. O modelo seria o preferido quando a organização não tivesse clareza dos critérios de efetividade ou quando fossem necessárias várias estratégias para aumentar sua efetividade. O modelo do 'Sistema de Alto Desempenho', definia a organização efetiva como aquela considerada excelente em relação a outras organizações similares. Este seria o modelo mais adequado quando o objetivo fosse a realização de comparações entre várias organizações.

A literatura tem mostrado que efetividade organizacional é um construto complexo, relativo a diferentes domínios de atividades organizacionais e que comporta múltiplas abordagens ou modelos (Bertucci; Moraes, 2003; Cameron, 1986b). Cameron (1986b) atribuiu essa variedade de abordagens e falta de integração das teorias ao fato de os critérios que definem efetividade organizacional serem resultantes de valores e preferências individuais (julgamentos de valor) e ainda pelo fato de que os indivíduos avaliam efetividade com os critérios que encontram disponíveis ou identificam mais facilmente. Cameron (1986b) e Martins (1999) criticaram os critérios representativos de efetividade que não se relacionavam com o desempenho organizacional, ressaltando que isso descaracterizaria o único acordo existente sobre o assunto: a relação da efetividade com o desempenho da organização. Para Moraes (2004), a relação de efetividade com indicadores organizacionais de desempenho (produtividade, eficiência, desempenho, dentre outros) ocorre devido ao fato de que todos esses indicadores buscam evidenciar a necessidade de sobrevivência das organizações.

Em função da falta de consenso quanto à definição e aos critérios múltiplos de efetividade organizacional, surgiram várias conceituações para o construto (Cameron, 1986a). Campbell (1977, p.36) definiu efetividade como "o grau no qual cada um dos objetivos finais da organização é realizado sob certas restrições". Katz e Kahn (1978) definiram efetividade como a extensão em que todas as formas de rendimento para a organização são maximizadas, o que é determinado por uma combinação de eficiência da organização como um sistema e seu êxito em obter os insumos de que necessita em condições vantajosas. Os autores também distinguiram efetividade em curto prazo associada à obtenção de lucros (critério interno) e efetividade em longo prazo relacionada ao armazenamento, crescimento, sobrevivência e controle do meio ambiente (critério externo). Pfeffer e Salancik (1978), dentro do modelo denominado 'Ecologia das Populações', definiram efetividade como um padrão externo de referência que indica quão bem a organização atende às demandas dos grupos que dela participam. Para Miles (1982 apud Lewin; Minton, 1986), baseado no modelo 'Escolhas Estratégicas', efetividade era a habilidade da organização para satisfazer de modo mínimo as expectativas que se tinha a seu respeito.

Carvalho e Gomes (2000) definiram efetividade como o grau em que a organização realiza os seus objetivos, sem afetar os seus recursos e sem submeter os seus membros a um esforço excessivo. A efetividade pode ser representada pelo alcance de objetivos ou o progresso no seu alcance. Assim, uma organização é efetiva desde que maximize os seus benefícios e melhore a sua posição dentro do seu setor, tendo em atenção o aumento da qualidade dos seus produtos e serviços e oferecendo oportunidades de desenvolvimento aos seus empregados, bem como o apoio e a fidelidade de seus clientes (Carvalho; Gomes, 2000).

Há ainda a definição de efetividade como os resultados do projeto (benefícios ou mudanças gerados) que estão incorporados de modo permanente à realidade da população atendida (Valarelli, 1999; Tachizawa, 2002 apud Gandolfi, 2006); e efetividade como a relação entre resultados e objetivos (Cohen; Franco, 1992 apud Gandolfi, 2006). Uma outra proposta de efetividade, que diverge daquela que estabelecia uma relação entre resultados e objetivos, foi elaborada por Tenório (2003 apud Gandolfi, 2006) que, conforme o modelo da 'Ecologia das Populações' (Hannan; Freeman, 1977; Pfeffer; Salancik, 1978), definiu efetividade como a capacidade de atender às expectativas da sociedade. Nesse caso, há uma ampliação dos entendimentos anteriores no sentido de responsabilidade pelos resultados, havendo a necessidade de analisar se realmente os objetivos estão de acordo com as necessidades do público alvo. Nesse sentido, uma organização pode ser eficiente em seus gastos, estabelecer e cumprir suas metas, mas não ser efetiva pelo fato de suas metas não estarem de acordo com as necessidades do público-alvo (Gandolfi, 2006). Essa visão da utilidade social dos resultados já havia sido enfatizada por Dubin (1976), segundo o qual a efetividade poderia ser definida segundo dois pontos de vista. O ponto de vista interno era relacionado com a utilização eficiente dos recursos investidos e o ponto de vista externo com a utilidade social dos resultados organizacionais.

Como uma forma de contornar a dificuldade de definir efetividade organizacional, Harrison (1994) sugeriu a adoção de um modelo que complementasse o enfoque sistêmico das organizações, abordando as organizações como uma arena política - onde se dão divergências de interesses - o que possibilitaria a visualização dos diferentes objetivos de seus constituintes (stakeholders). Harrison (1994) enfatizou que no momento da escolha dos critérios que compõem o construto efetividade, devem ser consideradas questões como a população alvo do estudo e a importância atribuída por alguns constituintes organizacionais a certos critérios, pois há divergência entre os estados desejados pelos constituintes.

Harrison (1994) propôs um modelo, denominado, pelo autor, de 'Modelo dos Múltiplos Constituintes', contendo três grupos de critérios ou dimensões. A primeira - Metas de Produção - pode ser entendida como a capacidade da organização em alcançar objetivos de produção num determinado período de tempo, em termos de quantidade e qualidade propostas. Outra dimensão proposta por Harrison (1994), refere-se ao 'Estado Interno do Sistema', que diz respeito aos processos internos da organização - custos de produção ou serviços, resultados humanos, consenso e conflito, fluxo de trabalho e informação, relações interpessoais, participação dos funcionários nas decisões e ajustamento - que facilitam o alcance das metas de produção. E por fim, a dimensão 'Adaptação e Posicionamento de Recursos' que indica a capacidade da organização em manejar estrategicamente seus elementos (materiais e humanos) de forma a se adaptar às demandas do ambiente externo. Nesta última dimensão, estão incluídos critérios relacionados à legitimidade, competitividade e posição estratégica, impacto no ambiente, adaptação e inovação.

No que diz respeito à questão da mensuração da efetividade organizacional, Cameron (1981, 1986a) e Martins (1999) apontam algumas razões que dificultam sua realização: não há critérios comuns para medir a efetividade das organizações, visto não existir um modelo padrão para as mesmas; é difícil fazer estudos comparativos, porque normalmente os investigadores não utilizam os mesmos critérios; as organizações são entidades complexas, os seus fins e objetivos são muitas vezes múltiplos, por vezes contraditórios, e, em certos casos, dificilmente identificáveis.

Foi encontrado na literatura internacional um estudo de construção e validação de um instrumento de efetividade organizacional (Carvalho; Gomes, 2002) baseado nos estudos de Morin (1989) e Morin, Savoie e Beaudin (1994), que agruparam em quatro dimensões os vários critérios de efetividade: dimensões social, econômica, sistêmica e política. A dimensão social compreende o valor dos recursos humanos de uma organização e engloba quatro critérios: o moral, o rendimento, o desenvolvimento e a mobilização dos empregados. A dimensão econômica remete para a noção de produtividade e se expressa pela relação entre a qualidade e a quantidade de produção e os recursos utilizados para alcançá-la, englobando os critérios de economia interna e produtividade. Já a dimensão sistêmica reflete o grau de estabilidade e de crescimento da organização. É a prova da sua manutenção ao longo do tempo, sendo os critérios de desempenho financeiro os mais utilizados. Por fim, a dimensão política diz respeito à reputação da organização e às relações que mantém com os grupos de investidores, sócios, clientes e entidades reguladoras (stakeholders), com o intuito de garantir seu apoio. Os resultados obtidos empiricamente por Carvalho e Gomes (2002) sugerem que efetividade é um construto constituído por três fatores: Orientação Sócio-técnica, Orientação para o Mercado e Orientação Econômico-financeira ou Competitiva. O primeiro fator corresponde à gestão e à viabilidade econômica e social do sistema organizacional. O segundo fator centra-se na qualidade dos produtos e satisfação do cliente externo. Finalmente, o terceiro fator está associado à competitividade do sistema organizacional, focando a manutenção e a aquisição de vantagem no mercado.

O presente estudo se propôs a construir uma medida de percepção de efetividade organizacional, baseada na definição e modelo de efetividade de Harrison (1994), segundo o qual a efetividade é a capacidade da organização em alcançar os objetivos a que se propõe, gerenciar os processos relacionados aos recursos humanos e materiais disponíveis, além de ser capaz de se adaptar às influências externas e garantir sua sobrevivência. O modelo de Harrison foi adotado por abranger de forma clara, objetiva e operacional as dimensões internas (relativas à consecução de objetivos e aos processos internos da organização) e, também, às dimensões externas que se relacionam às trocas que a organização efetua com o ambiente, com destaque para a capacidade de adaptação e sobrevivência da organização, que foram as dimensões propostas na maioria dos modelos que abordam o tema efetividade organizacional.

 

Método.

A construção da medida do construto.

Para a construção da medida foram adotadas as dimensões propostas por Harrison (1994) relativas à efetividade organizacional. As dimensões foram denominadas Metas de Produção (capacidade da organização em alcançar metas de produção, num determinado período de tempo, em termos de quantidade e qualidade propostas), Estado Interno do Sistema (capacidade da organização de gerenciar os processos relacionados aos recursos humanos e materiais disponíveis que possibilitam o alcance das metas de produção) e Adaptação e Posicionamento de Recursos (capacidade da organização em gerenciar seus recursos internos de modo a se adaptar às influências externas e garantir sua sobrevivência). A partir das definições foram construídos itens relativos a comportamentos representativos de cada dimensão de efetividade organizacional, respeitando-se os critérios fundamentais para a elaboração de itens (Pasquali, 1999).

A medida inicial ficou composta por 52 itens que foram submetidos à análise de juízes.

Análise de juízes.

A lista composta por 52 itens foi submetida a dez juízes, sendo cinco professores doutores, dois professores mestres e três mestrandos. Além da lista com os 52 itens, dispostos aleatoriamente, foram apresentadas as instruções para a análise e as definições das três dimensões de efetividade, sendo solicitado aos juízes que julgassem se um dado item representava, em termos conceituais, alguma das dimensões (1. Metas de Produção, 2. Estado Interno do Sistema, 3. Adaptação e Posicionamento de Recursos).

A partir das análises, foi possível calcular o Índice de Concordância (IC) entre os juízes. Na seleção dos itens para a construção da Medida de Percepção de Efetividade Organizacional, foram descartados os itens com IC< 80% (Pasquali, 1999). Os resultados indicaram que dos 52 itens da escala, 37 (71%) obtiveram índice de concordância maior que 80%, sendo que a dimensão 'Metas de Produção' ficou composta por 10 itens, a dimensão 'Estado Interno do Sistema' por 15 itens e a dimensão 'Adaptação e Posicionamento de Recursos' por 12 itens, resultando em 37 itens.

Participantes.

Para a validação da medida, houve a participação de 309 empregados (8,35 observações por item), escolhidos aleatoriamente, vinculados a organizações, de médio e grande portes, privadas (77%) e públicas (23%) da região do Triângulo Mineiro. A idade dos respondentes variou de 18 a 64 anos, com média de 31,42 anos (DP=10,96 anos). O tempo de trabalho variou de 1 a 30 anos, com média de 5,4 anos (DP=6,3 anos). Os respondentes dividiram-se em 51,5% do sexo masculino e 47,2% do sexo feminino (1,3% da amostra não informaram o seu gênero). Em relação ao grau de instrução, 42,5% dos trabalhadores possuíam ensino superior e 41,9% o ensino médio.

 

Coleta de dados.

A aplicação da medida ocorreu nas organizações participantes, após o consentimento de seus gestores e dos trabalhadores. As respostas foram individuais e sigilosas. Foi esclarecido aos participantes o caráter estritamente acadêmico da pesquisa e a segurança e sigilo em relação à emissão das respostas.

Os trabalhadores responderam aos itens, marcando seus graus de concordância em relação às afirmativas conforme uma escala de 4 pontos que variava de 1 "discordo totalmente" a 4 "concordo totalmente". Em empresas onde não foi possível obter as respostas imediatamente, marcava-se data e horário para o recolhimento dos questionários respondidos. Foram distribuídos 370 questionários e retornaram 309 corretamente respondidos, o que representa uma taxa de retorno de 83%.

 

Resultados.

Para análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico SPSS (Statistical Package of Social Sciences, versão 12.0). Na análise exploratória, verificaram-se os pressupostos necessários para aplicação da técnica de análise fatorial. A porcentagem de dados omissos foi inferior a 5% e eles foram substituídos pela média (Tabachinick; Fidell, 2001). Como o valor da assimetria foi menor que 2,0; os dados tendem à normalidade (Miles; Shevlin, 2001). A ocorrência de dados extremos foi verificada através do comando 'Explore', o que revelou a presença de casos extremos moderados, que permaneceram nas análises por fazerem parte do funcionamento normal do processo psicológico (Miles; Shevlin, 2001). Todas as correlações entre as variáveis apresentaram valores abaixo de 0,90, o que caracteriza a ausência de multicolinearidade (Tabachinick; Fidell, 2001) entre elas. Assim, não foram verificadas ocorrências que desabonassem o emprego da técnica.

O valor do KMO (Kaiser-Meyer-Olkin-Measure-of-sampling-adequacy) de 0,91 indicou a adequação da amostra para a realização da técnica da análise fatorial. A fatorabilidade da matriz de correlação foi confirmada pelo teste de Esfericidade de Barlett (χ2=4800,881 p< 0,001). Portanto, a análise fatorial poderia ser executada. As comunalidades dos itens variaram entre 0,16 e 0,54. Foi realizada uma primeira análise exploratória, através do método dos componentes principais, com autovalores iguais ou superiores a 1,5 e cargas iguais ou superiores a 0,30, que revelou uma configuração com até 4 fatores (conforme o scree plot); porém um dos fatores apresentou baixo coeficiente de precisão e ininterpretabilidade.

 

Figura 1

 

Para a análise da estrutura fatorial, utilizou-se a análise fatorial com método PAF (Principal Axis Factoring) e rotação oblíqua, que pressupõe correlação entre os fatores. Primeiramente, adotou-se, como critério, cargas iguais ou superiores a 0,40 e uma estrutura composta por três fatores, baseado na exploração realizada anteriormente. Contudo, um fator ficou isolado dos demais, apresentando baixa correlação com estes outros fatores (r = 0,50 entre o primeiro e segundo fatores; r = 0,17 entre o segundo e terceiro fatores e r = 0,0096 entre o primeiro e terceiro fatores). A partir destas análises, foi realizada nova exploração, também através do método PAF, com rotação oblíqua e 2 fatores, com cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,40, que revelou ser a melhor configuração da medida; tanto em função das cargas fatoriais remanescentes (iguais ou superiores a 0,40), quanto em relação à confiabilidade dos fatores. Os autovalores foram superiores a 1,5. Com estes critérios, a análise reteve dois fatores, que explicaram, em conjunto, 33,18% da variância total (ver tabela 1), sendo que o fator 1 foi responsável por 27,91% da explicação da variância. Obteve-se uma solução com dois fatores coerentes e interpretáveis teoricamente. A tabela 1 apresenta as cargas fatoriais, a comunalidade, a variância explicada pelos fatores, a média da correlação item-total e a confiabilidade dos fatores. A Escala de Percepção de Efetividade Organizacional - EPEO (em anexo) ficou composta por 26 itens distribuídos em dois fatores, com índice de confiabilidade (Alpha de Cronbach) de 0,90 e 0,87, respectivamente, considerados bastante satisfatórios.

 

Discussão e Considerações Finais.

A partir da análise do conteúdo semântico dos itens, o primeiro fator foi denominado 'Metas de Produção' e o segundo 'Estado Interno do Sistema'. O primeiro fator avalia as crenças dos empregados quanto à capacidade da organização em alcançar os objetivos de produção num determinado período de tempo, em termos de quantidade e qualidade propostas. O segundo fator, por sua vez, avalia as crenças dos empregados acerca da capacidade de planejamento humano e estratégico da organização. Portanto, a estrutura empírica que emergiu das análises, corrobora parcialmente as dimensões teóricas que nortearam a construção da medida, uma vez que o fator 'Estado Interno do Sistema' agrupou também alguns itens da dimensão Adaptação e Posicionamento de Recursos, que refletem o manejamento estratégico dos recursos organizacionais com vistas à adaptação da organização ao ambiente externo (Harrison, 1994).

A estrutura empírica apontou um fator com enfoque externo (clientes percebem a organização como bem sucedida, se destacando entre as outras do mesmo ramo, cumprindo as metas de produção, se adequando às demandas do ambiente externo e produzindo com a qualidade esperada) e outro referente ao estado interno da organização (investimentos na qualificação dos empregados, ofertas de treinamentos, participação dos empregados nas decisões que os afetam). Assim, a estrutura fatorial contempla as dimensões interna e externa ressaltadas nos diversos modelos propostos na literatura relativa à efetividade organizacional (Gandolfi, 2006; Harrison, 1994; Katz; Kahn, 1978; McCabe; Dutton, 1993). Critérios relativos a relações e processos internos podem ser aplicados a qualquer tipo de organização enquanto critérios de adaptabilidade são particularmente importantes para organizações que se inserem em ambientações que enfrentem mudanças contínuas (Bertucci; Moraes, 2003).

Uma estrutura unifatorial foi pensada tendo em vista a grande variância explicada pelo primeiro fator em relação ao segundo, mas a análise do conteúdo semântico dos itens e da confiabilidade dos fatores revelou que a configuração bifatorial era mais coerente com as dimensões encontradas na literatura sobre o construto. Esses achados corroboram a definição de efetividade proposta por Bertucci (2000), segundo a qual a efetividade se relaciona com a avaliação acerca de como uma organização cumpre sua missão, alcança seus objetivos e se adapta a novas e constantes mudanças no ambiente, além de serem coerentes com os demais modelos localizados na bibliografia pesquisada que propõem, como critério de efetividade, a análise de procedimentos internos das organizações (harmonia de relações interpessoais, estabelecimento consensual de metas de produção e investimentos na capacitação de empregados) e a análise dos impactos organizacionais ao ambiente que a circunda (qualidade da produção, satisfação dos clientes e impacto ambiental).

Os indicadores psicométricos da medida tornam a sua utilização recomendável para fins de diagnóstico e investigações de cunho acadêmico, já que os índices de precisão dos fatores da escala foram de 0,90 e 0,87.

Assim, em contraponto aos modelos presentes na literatura, os autores acreditam que este estudo tenha contribuído para avanços na discussão de tema importante e pouco consensado, principalmente em dois pontos: a construção de uma medida válida, solidamente calcada na literatura possibilitando o acesso e a compreensão da efetividade organizacional e a proposição de uma agenda de debates baseada em dados empíricos, voltada para a ontextualização brasileira.

Como agenda de pesquisa, sugere-se a aplicação desta medida em amostras de diferentes regiões do país com a finalidade de verificar a consistência dos
achados deste estudo, quanto à estrutura empírica e a sua consistência. Além disso, a investigação da validade discriminante entre as medidas de efetividade, saúde organizacional e outras de natureza semelhante, faz-se necessária em função da proximidade conceitual entre os construtos.

Os autores consideram que este trabalho traz contribuições relevantes no sentido de colocar, no âmbito da literatura brasileira, a discussão acerca da conceituação e medida de importante construto central, e pouco consensado, da teoria das organizações.

 

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ANEXO A: Escala de Percepção de Efetividade Organizacional.

Estamos desenvolvendo uma pesquisa a respeito de como as pessoas percebem o ambiente de trabalho em que estão envolvidas. Abaixo estão frases que podem traduzir o que você pensa sobre seu trabalho e sobre a empresa onde você trabalha. Assinale sua opinião sobre cada uma delas, anotando, nos parênteses, conforme os códigos abaixo:

 


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A empresa onde eu trabalho...

1. ( )...adota estratégias de marketing para torná-la competitiva.
2. ( )...adota procedimentos de produção que foram discutidos com os trabalhadores.
3. ( )...alcança os objetivos a que se propõe.
4. ( )...cumpre as metas de produção.
5. ( )...divulga as informações importantes de forma clara para todos os empregados.
6. ( )...é admirada pela sociedade.
7. ( )...é capaz de se adaptar às mudanças que ocorrem no ambiente externo.
8. ( )...é respeitada pela sociedade.
9. ( )...estabelece metas de produção.
10. ( )...estabelece metas de vendas.
11. ( )...estabelece objetivos a serem cumpridos no prazo determinado.
12. ( )...existe uma cooperação entre os diversos setores desta organização.
13. ( )... oferece bons treinamentos.
14. ( )... oferece grande número de treinamentos.
15. ( )... produz com a qualidade esperada.
16. ( ) ... promove a participação dos trabalhadores nas decisões que os afetam.
17. ( )... promove confiança entre seus empregados.
18. ( )... realiza muitos investimentos na qualificação de seus empregados.
19. ( )... respeita a diferença de status entre os funcionários.
20. ( )... se adequa às demandas do mercado.
21. ( )... se destaca entre as outras empresas do mesmo ramo.
22. ( )... tem clientes satisfeitos com seus serviços.
23. ( )... tem a produção alcançada no tempo determinado.
24. ( )... tem a quantidade de produtos devolvidos dentro do planejado.
25. ( )... tem clientes que percebem-na como bem sucedida.
26. ( )... tem mantido a qualidade na produção.

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