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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.1 Florianópolis jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Assédio moral e retaliação organizacional: interfaces teórico-metodológicas

 

Moral harassment and organizational retaliation: theoretical and methodological interfaces

 

 

Helenides MendonçaI; Ana Raquel Rosas TorresII; Daniela Sacramento ZaniniIII

IPsicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, professora do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Goiás (helenides@ucg.br)
IIPsicóloga, doutora em Psicologia pela University of Kent at Canterbury (Grã-Bretanha), professora do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Goiás (ar.torres@ucg.br)
IIIPsicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelona, professora do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Goiás (dazanini@yahoo.com)

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é traçar um paralelo teórico e metodológico entre o assédio moral e a retaliação no trabalho. Esses temas estão intimamente ligados às discussões sobre direitos humanos e justiça no ambiente de trabalho, que visam ao planejamento de investigações sobre medidas de intervenção para promover a justiça social e níveis mais elevados de qualidade de vida do trabalhador. Para alcançar esse objetivo, primeiramente, fazemos a discussão teórica de ambos os conceitos para, em seguida, traçar um paralelo entre eles. Finalizamos discutindo a importância da incorporação de temas dessa natureza na análise organizacional.

Palavras-chave: assédio moral; retaliação no trabalho; justiça social no trabalho.


ABSTRACT

The objective of this work is to make a theoretical and methodological parallel between moral harassment and retaliation in the working place. These subjects are closely related to the discussions on human rights and justice in the working place that aim to plan investigations about interventions measures to promote social justice and to increase workers' levels of life quality. In order to tackle this objective, firstly we present a theoretical discussion of both concepts and, secondly, we draw a comparison between them. Finally, we discuss the importance of incorporating such subjects in the organizational analysis.

Keywords: moral harassment; retaliation in the working place; social justice in the working place.


 

 

Introdução

O debate acerca das reações à injustiça, como a retaliação e o assédio moral, e dos fatores idiossincráticos e contextuais que influenciam a emissão desses comportamentos, passou a fazer parte dos estudos empíricos na Psicologia Organizacional apenas na última década do século XX. Os estudos sobre comportamento organizacional negligenciaram, por um longo período, os aspectos negativos ou anti-sociais desses comportamentos.

Considerando-se os debates sobre direitos humanos e pelas concepções que defendem o fim das injustiças sociais, das discriminações e da violência interpessoal no local de trabalho, torna-se premente que pesquisadores interessados em comportamento organizacional direcionem seus estudos para o objetivo de compreender as causas e as conseqüências dos comportamentos bem aceitos no sistema organizacional. No entanto, é também fundamental que se estudem a retaliação no trabalho e o assédio moral, pois são grandes os prejuízos causados com a manifestação desses comportamentos.

Os estudos empíricos na área de Psicologia Organizacional têm negligenciado os comportamentos de retaliação. Apenas na última década é que começaram a surgir, de maneira incipiente, os primeiros trabalhos sobre esses comportamentos. Na literatura especializada, podem-se encontrar diversos estudos sobre a injustiça no trabalho, mas poucos sobre as ações retaliatórias emitidas no contexto organizacional, quando o trabalhador vivencia a experiência da injustiça.

Uma revisão bibliográfica sistemática mostra que existe grande desproporção quantitativa entre as pesquisas empíricas, que investigam o lado nebuloso do comportamento dos empregados nas empresas, e a ênfase dada aos fenômenos desejáveis do comportamento organizacional, tais como comportamento de cidadania organizacional (Moorman, 1991; Organ e Moorman, 1993; Siqueira, 1995), comprometimento (Borges-Andrade, Cameschi e Silva, 1990; Borges-Andrade, Afanasieff e Silva, 1989; Mowday, Steers e Porter, 1979; Tamayo e col., 2001) e satisfação no trabalho (Tamayo, 1998).

Dados levantados por Robinson e Bennett (1995), nos Estados Unidos, mostram que os desvios de comportamento dos empregados provocam uma perda estimada de seis a duzentos bilhões de dólares anualmente. Além disso, esses autores estimam que 33% a 75% dos empregados engajam-se em alguns dos seguintes comportamentos: roubo, fraude, desvio de dinheiro, vandalismo, sabotagem, absenteísmo e agressão. Embora nem todos os desvios de comportamentos estejam ligados, diretamente, à retaliação, podemos hipotetizar que a percepção de injustiça no contexto do trabalho pode desencadear comportamentos retaliatórios identificados como desviantes. Vale ressaltar que os comportamentos desviantes nem sempre ocorrem tendo como motivador a atitude retaliatória. Nesse sentido, o trabalhador pode emitir comportamentos desviantes em razão de outros antecedentes como, por exemplo, os traços de personalidade. A retaliação, entretanto, apesar de ser um comportamento desviante, ocorre como um ato de revanche, uma resposta à situação percebida pelo trabalhador como injusta.

Diante da complexidade do fenômeno, este estudo considera ser de fundamental importância compreender os fatores desencadeantes de tais comportamentos, em especial o papel da retaliação na explicação da ocorrência de desvios comportamentais no contexto do trabalho.

No Brasil, não se conhece nenhum estudo descritivo sobre os desvios de comportamento no local de trabalho, apesar de ser do conhecimento geral que os custos advindos de atitudes retaliatórias no trabalho são altíssimos para as organizações. A prevalência de desvios comportamentais no local de trabalho, aliada aos conseqüentes prejuízos organizacionais, mostra a necessidade de serem desenvolvidos programas de pesquisa que enfoquem, de maneira específica, sistemática e teórica, a análise de tais comportamentos.

No que se refere ao mundo do trabalho, os debates acerca das concepções que defendem o fim das injustiças sociais, das discriminações e da violência interpessoal no local de trabalho instigam os analistas do comportamento organizacional a buscarem compreender os comportamentos negativos ou disfuncionais emitidos nesse contexto. Dentre esses comportamentos, podem ser citados aqueles definidos como de retaliação organizacional e o assédio moral.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo discutir conceitual e empiricamente as semelhanças e diferenças dos conceitos de retaliação e assédio moral. Para tanto, será apresentada, primeiramente, uma revisão conceitual desses construtos para, posteriormente, serem apresentadas as semelhanças e diferenças existentes entre eles.

Assédio moral

De acordo com Hirigoyen (2001, p.16), "acosar es someter sin reposo a pequeños ataques repetidos". Assim, a definição de assédio possui duas características. Primeiro, a intensidade dos ataques sofridos pelo indivíduo é sempre fraca ou moderada. A segunda é que esses ataques são repetidos inúmeras vezes. Nos últimos anos, esse tipo de violência, que acontece em diversas esferas da vida cotidiana, passou a ser estudado no ambiente de trabalho. Há de se distinguirem dois tipos básicos de assédio: o sexual e o moral.

O assédio sexual é um fenômeno antigo, que envolve a tentativa de obtenção de favores sexuais em troca de algum tipo de benefício, como, por exemplo, a obtenção de um emprego ou mesmo a sua manutenção. Ele envolve principal-mente chefes homens e subordinadas mulheres (Calil, 2000; Pamplona Filho, 2002), embora ele também possa ocorrer entre mulheres chefes e homens subordinados (Costa, 1995). Em ambos os casos, existe uma relação hierárquica em que o algoz possui o poder de punir a vítima de diversas maneiras, inclusive com a demissão.

Já o assédio moral envolve todo e qualquer comportamento abusivo, como, por exemplo, gestos, palavras, que atentam contra a dignidade e (ou) a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo seu emprego ou degradando seu ambiente de trabalho. Tanto o assédio sexual como o moral têm como característica principal a repetição e envolvem a tentativa de desestabilizar o trabalhador e tornar o desempenho profissional doloroso.

O trabalho de Leymann (1996) foi pioneiro em relacionar o assédio moral com as doenças do trabalho e no desenvolvimento da classificação de condutas que podem ser qualificadas como assediadoras. Essa classificação é composta de cinco categorias, a saber:

• dificultar a comunicação da vítima com outras pessoas do seu ambiente de trabalho;

• dificultar o contato social entre a vítima e outras pessoas do seu ambiente de trabalho;

• espalhar calúnias e boatos sobre a vítima, visando a atingir sua reputação tanto pessoal como profissional;

• reduzir as tarefas destinadas à vitima, objetivando prejudicar sua empregabilidade;

• tentar atingir a saúde física e (ou) mental da vítima de alguma forma.

Todas essas categorias envolvem, em diferentes níveis, situações concretas de violência: intimidações, ironias, menosprezo e humilhações.

Hirigoyen (1998) afirma que o assédio moral pode acontecer nas seguintes direções:

• horizontal: quando não existe diferença hierárquica entre a vítima e seu algoz;

• ascendente: quando é o subordinado que assedia o seu superior - esse tipo acontece raramente;

• descendente: quando o subordinado é assediado por seu superior - esse é o tipo mais freqüente.

As principais vítimas do assédio moral possuem algumas características em comum. Na Europa, segundo Hirigoyen (2001), elas, majoritariamente, em torno de 70%, são mulheres, são novas na empresa ou com mais de dez anos de trabalho (Zabala, 2001), o que mostra que são as mais jovens, ainda com pouca experiência profissional, e as mais velhas, percebidas como ultrapassadas, as maiores vítimas. Ainda de acordo com Hirigoyen, a duração do assédio varia de um a três anos.

No Brasil, um trabalho realizado em São Paulo (Barreto, 2000) mostra que o perfil da vítima do assédio é diferente. Aqui, a variável mais importante é o nível de escolaridade. Assim, as maiores vítimas são aquelas com baixa escolaridade e com pouca formação profissional.

Hirigoyen (2001) chama atenção para o fato de que, devido às suas características intrínsecas, as reações das vítimas do assédio moral podem ser confundidas com o estresse. Para ela, o estresse seria uma reação normal do organismo quando submetido a algum tipo de pressão, tornando-se nocivo à saúde do trabalhador apenas quando é excessivo. Já o assédio moral, por natureza, é destrutivo. Por outro lado, o estresse tem diferentes fontes, como, por exemplo, as condições de trabalho e algumas características inerentes à própria função, ao passo que a principal fonte do assédio moral são as relações interpessoais que ocorrem no ambiente profissional.

O assédio moral causa intenso sofrimento ao trabalhador e aumenta o absenteísmo e os acidentes de trabalho (Barreto, 2000; Hirigoyen, 2001). De acordo com Barreto (2000), os sintomas que mais acometem as vítimas do assédio moral são busca de isolamento, angústia, ansiedade, distúrbios de sono e digestivos e hipertensão arterial. Existe também o aumento do consumo de drogas, principalmente de álcool.

Retaliação organizacional

A temática da retaliação tornou-se foco de estudo dos psicólogos organizacionais apenas na última década do século XX e, portanto, constitui um construto cuja definição necessita ser melhor discutida. Em razão da falta de atenção dada aos comportamentos negativos emitidos no ambiente de trabalho, a busca por definições conceituais precisas é imperativa.

Comumente, a retaliação pode ser definida com diferentes sentidos: represália, desforra ou desagravo. No vernáculo, retaliação é o "ato ou efeito de revidar com dano igual ao dano recebido" e significa o mesmo que impor a pena de talião, que é uma "pena antiga pela qual se vingava o delito infligindo ao delinqüente o mesmo dano ou mal que ele praticara" (Houaiss; Villar, 2001).

A retaliação pode ocorrer em diferentes contextos, abrangendo relações interpessoais, organizacionais e até mesmo societais. No contexto sociopolítico, a retaliação pode ocorrer de maneira sutil, dificultando importação e exportação de produtos, ou de maneira agressiva, cortando relações diplomáticas e até mesmo realizando ataques violentos a uma nação.

Skarlicki e Folger (1997) foram os primeiros pesquisadores a desenvolverem estudos empíricos sobre os comportamentos de retaliação organizacional, definindo-os como um subconjunto dos comportamentos negativos que ocorrem com o objetivo de punir a organização ou seus representantes, em resposta à injustiça percebida.

Para Townsend, Phillips e Elkins (2000), o comportamento de retaliação é fruto de relações de troca insatisfatórias entre chefias e subordinados e podem ser direcionados aos supervisores, aos colegas e à organização. São definidos também como comportamentos que ocorrem de maneira sutil, na busca de restaurar a percepção de justiça (Skarlicki; Folger; Tesluk, 1999; MENDONÇA, 2003). Para Mendonça (2003), apesar de esse comportamento ser manifestado, em algumas situações, de maneira agressiva, ou até mesmo violenta, na maioria das vezes é expresso por meio de atos sutis e disfarçados.

A definição de Skarlicki e Folger (1997) considera a retaliação com base em uma dimensão organizacional, desconsiderando a influência de variáveis individuais e intrapsíquicas. A definição de Townsend et al. (2000) também pode ser considerada incompleta, porque aborda a retaliação apenas como conseqüência de relações interpessoais de troca insatisfatórias entre chefia e subordinados. Tomados em conjunto, os estudos desenvolvidos por Sckarliki e Folger (1997), Sckarliki, Folger e Tesluk (1999) e por Townsend, Phillips e Elkins (2000) abordam o comportamento de retaliação utilizando uma medida direta, que investiga a freqüência com que esses comportamentos são emitidos contra a organização ou as pessoas que dela fazem parte.

Para Mendonça (2003), a retaliação é considerada como um comportamento que sofre influência de atributos pessoais dos atores organizacionais, que é emitido de maneira sutil ou agressiva, em resposta à percepção de injustiça no trabalho, contra a organização ou pessoas que dela fazem parte. O trabalho de Mendonça (2003) busca trazer evidências empíricas que sustentem uma perspectiva interacional para explicar a atitude do trabalhador em relação à retaliação organizacional.

Em estudos desenvolvidos no Brasil (Mendonça, 2003; Mendonça et al., 2004; Mendonça; Tamayo, 2003; 2004), observa-se dificuldade de se desenvolverem medidas de comportamentos negativos na organização, em razão da possibilidade de a pessoa sofrer futuras represálias. Dessa forma, as pessoas não assumem que emitem comportamentos de retaliação e nem mesmo admitem que têm vontade de retaliar, mas percebem que as outras pessoas retaliam (Mendonça e col., 2004)

Para Mendonça (2003), a análise da retaliação organizacional deve considerar o contexto onde esses comportamentos são emitidos e deve, portanto, ser feita com base na interação indivíduo versus organização.

Tomados em conjunto, os estudos que buscam compreender a retaliação organizacional têm em comum a concepção de que as percepções de justiça configuram-se como variável importante na análise desse fenômeno. Para maior clareza, convém distinguir e relacionar conceitualmente várias categorias de justiça, conforme a ênfase recaia em um dos vários aspectos do processo decisório: os resultados de uma dada distribuição de recursos (justiça distributiva); os procedimentos formais utilizados para fazer essa distribuição (justiça procedimental); a natureza das explicações prestadas durante o processo decisório (justiça informacional); a qualidade do tratamento entre gestores e empregados na comunicação das decisões (justiça interpessoal).

Os estudos sobre justiça organizacional têm ampliado o conhecimento sobre as formas que as reações às injustiças podem tomar, demonstrado o poder heurístico desse construto para a compreensão de atitudes e comportamentos organizacionais. O tratamento injusto traz resultados desfavoráveis, constitui-se um desrespeito e pode provocar ações retaliatórias emitidas pelo trabalhador (Tyler, 1989).

Estudos sobre os antecedentes da retaliação (Mendonça e Tamayo 2004; Sckarliki e Folger, 1997; Sckarliki, Folger e Tesluk, 1999; Townsend, Phillips e Elkins, 2000) demonstram que esse construto sofre influência dos fatores inter-nos do indivíduo e das influências ambientais externas. Assim, o contexto organizacional pode estimular tendências retaliatórias como resultado de experiências posteriores ao ingresso na organização. Diante disso, pode-se dizer que a mesma lógica que leva à ação retaliatória, pode também estimular o assédio moral no trabalho. Por exemplo, um indivíduo, ao sentir-se injustiçado organizacionalmente, pode desenvolver atitudes retaliatórias contra a organização, contra seus superiores ou colegas de trabalho, ou, em função da percepção da inconsistência do reforço e (ou) punição dos comportamentos na organização, por meio de justiça organizacional, esse mesmo indivíduo pode assediar moralmente seus companheiros de trabalho.

Isso posto, podemos dizer que ambos os construtos (retaliação e assédio moral) apresentam proximidades teóricas. Além do mais, uma meta-análise da literatura pertinente demonstrou que essas proximidades teóricas também são verificadas metodologicamente, conforme explicitado no quadro 1.

Em uma análise comparativa, podemos dizer que tanto o assédio moral como a retaliação organizacional se manifestam por meio de comportamentos sutis, não explicitados no ambiente de trabalho, contudo observáveis e mensuráveis por meio de profissional e instrumentos adequados. Embora ambos possam ter características de contra-ataque, o assédio moral pode também ocorrer em outros contextos, porém sempre envolve relações interpessoais. Aretaliação, por outro lado, ocorre tanto nas relações interpessoais como contra a organização ou as pessoas que dela fazem parte.

O aspecto motivacional principal, nas atitudes retaliatórias, é a percepção das relações de trocas como insatisfatórias e a conseqüente busca de restauração da percepção de justiça por meio das atitudes retaliatórias dispensadas contra a organização ou contra as pessoas que dela fazem parte. No assédio moral, o agente motivador é a relação de poder estabelecida, não estando diretamente relacionado à percepção de justiça, mas às relações de poder. Por isso, sua forma mais comum de ocorrência é na relação chefe-subordinado (relações de verticalidade).

Ambas as manifestações comportamentais são caracterizadas como comportamentos negativos no contexto organizacional e do trabalho, que podem ocorrer de maneira repetida (para o assédio moral) e com intensidade variada: agressiva ou violenta, para as atitudes retaliatórias, e moderada ou fraca, para o assédio moral.

Metodologicamente, as medidas desenvolvidas para avaliar as atitudes retaliatórias devem ser mais sensíveis à variável desejabilidade social, visto que os sujeitos que manifestam tais atitudes tendem a não se perceber e (ou) declarar retaliadores.

Embora, em ambos os casos, os atributos pessoais sejam considerados variáveis antecedentes, parece que a avaliação de assédio moral está mais relacionada com os estilos de caráter, ao passo que as atitudes retaliatórias encontramse mais relacionadas com os valores individuais e com os atributos organizacionais. Ou seja: para o estudo das atitudes retaliatórias, necessita-se tanto estudar os indivíduos envolvidos quanto a organização em que esses indivíduos estão inseridos e desempenhando essas atitudes. Isso é facilmente compreensível se atentarmos para o fato de que o indivíduo que possui atitudes retaliatórias percebeu a organização em que está inserido como injusta. Assim, podemos dizer que a percepção de justiça organizacional é antecedente à atitude retaliatória. No caso do assédio moral, isso não acontece. Ao contrário, a vítima passa a sentir a organização como injusta. Assim, a percepção de justiça é conseqüência do assédio moral.

 

Conclusões

Os conceitos de retaliação e de assédio moral apresentados neste artigo trazem contribuições importantes para a realização de diagnósticos organizacionais, ao enfocarem dimensões perceptivas, avaliativas, afetivas e conativas da retaliação e ao destacarem a importância de se considerar o contexto no qual essas atitudes emergem. Além disso, aproximam, teórica e metodologicamente, esses dois conceitos, caracterizados como disfuncionais no contexto do trabalho.

Por outro lado, o tratamento de conceitos e a conseqüente discussão acerca de seu diagnóstico é um aspecto essencial para o desenvolvimento de programas de intervenção e de promoção de qualidade de vida e saúde no trabalho, com todas as conseqüências que isso implica. Isso porque o estudo de comportamentos disfuncionais emitidos no ambiente de trabalho pode revelar aspectos importantes, tanto no que diz respeito aos indivíduos inseridos no contexto do trabalho, suas relações e as características da organização, quanto com relação à interação indivíduo versus organização.

A consistência teórica e metodológica dos conceitos apresentados fez com que recebessem especial atenção nos últimos anos na Psicologia. Esse interesse ultrapassou as especificidades das áreas de atuação e hoje recebem atenção e tratamento na Psicologia organizacional e do trabalho, passando pela Psicologia da saúde, Psicologia clínica, Psicologia social e Psicologia comunitária. Contudo, embora esses conceitos tenham recebido especial atenção por parte desses profissionais, não podemos deixar de destacar a carência de estudos acerca do tema, tendo em vista as dificuldades metodológicas de seu estudo: trata-se de comportamentos negativos no contexto de trabalho que envolvem tanto indivíduo como organização. Isso nem sempre é bem recebido e explicitado no contexto de uma investigação científica.

Por outro lado, a aproximação teórica e metodológica realizada entre ambos os conceitos, neste artigo, permite ao leitor a possibilidade de um posicionamento acerca da teoria e dos métodos avaliativos desses referidos conceitos. Esperase que o presente trabalho possa servir de motivação para o desenvolvimento de novos estudos na área.

 

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