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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.1 Florianópolis jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Seria o gênero uma variável discriminante na avaliação da satisfação de clientes? Um estudo com modelagem por equações estruturais

 

Is gender a discriminant variable incustomer satisfaction evaluation? A study by structural equation modeling

 

 

Raul Damasio PerilloI; Bartholomeu Tôrres TróccoliII

IDoutor em Psicologia - Universidade de Brasília. raul@perillo.net
IIDoutor em Psicologia - Universidade de Brasília. troccoli@unb.br

 

 


RESUMO

Quem está mais satisfeito com os serviços de um banco: homens ou mulheres? Não há consenso nos estudos publicados sobre a resposta a essa questão. Este artigo apresenta uma investigação empírica com 5.768 clientes de um grande banco brasileiro, que responderam o Questionário Brasileiro de Satisfação e Lealdade com Bancos (QBSLB), mediante entrevistas realizadas por telefone. A modelagem por equações estruturais foi utilizada para testar a invariância (equivalência) da estrutura fatorial do QBSLB entre homens e mulheres. Os resultados apontaram que o modelo fatorial utilizado para representar a satisfação dos clientes é apenas parcialmente equivalente entre homens e mulheres, não ocorrendo invariância em quatro dos dez fatores do QBSLB. Embora somente tenham sido observadas pequenas diferenças específicas, associadas com alguns componentes do modelo de satisfação de clientes, estruturas fatoriais não total-mente equivalentes indicam que clientes do sexo feminino são diferentes de clientes do sexo masculino em relação a alguns componentes da satisfação com os serviços de seu banco. A partir desses achados, são discutidas recomendações para aperfeiçoar o relacionamento banco-cliente.

Palavras-chave: comportamento do consumidor; satisfação de clientes; gênero; invariância fatorial.


ABSTRACT

Who is more satisfied with their bank services, men or women? There is a lack of agreement in published studies about the answer to this question. This article describes an empirical investigation with 5,768 clients of a major Brazilian bank who answered the Brazilian Questionnaire of Satisfaction and Loyalty with Bank Services (QBSLB) in a phone interview study. Structural equation modeling (SEM) was used to test for the invariance (equivalence) of the factorial structure of the QBSLB between men and women. Results showed that the factorial model used to represent customer satisfaction is only partially equivalent between men and women that were not invariant in three out of ten QBSLB factors. Although only a few specific differences in some components of the costumer satisfaction model, were observed, factorial structures which are not totally equivalent indicate that female clients are different from male clients in regard to some components of their bank service satisfaction. Based on these findings, some recommendations for improving bank-client relationship were advanced.

Keywords: consumer behavior, customer satisfaction, gender, factorial invariance.


 

 

Introdução

Satisfação é um sentimento relacionado a desejos e (ou) necessidades. É decorrente de um processo comparativo entre o que se espera e o que acontece. O termo provém do latim satis + facio e era utilizado originalmente no sentido de reparação por uma injúria cometida: fazer o suficiente para deixar o injuriado satisfeito. Atualmente, é empregado em sentido mais amplo e em diferentes circunstâncias, sendo fonte de estudos em diversas áreas do conhecimento. Parcela significativa dos estudos sobre comportamento do consumidor examina a satisfação e a lealdade de clientes, aspectos fundamentais para o sucesso das relações de consumo duradouras e lucrativas.

Tem sido relatada a existência de, pelo menos, três tipos de conceito de satisfação: como uma resposta emocional, como uma resposta cognitiva e como uma resposta que compreende dimensões cognitivas e afetivas (Giese e Cote, 2000). Chauvel (1999) faz uma compilação de diferentes abordagens, psicológicas ou não, passando pelas teorias econômica, behaviorista e cognitivista, para afirmar que a base da satisfação se encontra em um processo psicológico que confronta uma referência interna ao indivíduo com o resultado da sua compra (Spreng, MacKenzie e Oshlavsky, 1996).

Grande parte dos estudos sobre satisfação do cliente fundamenta-se na Teoria da Desconfirmação das Expectativas, também conhecida como Paradigma da Desconfirmação, que tem sua origem na psicologia social (Oliver e DeSarbo, 1988; Costabile, 2002) e na área do comportamento organizacional (Ilgen, 1971, apud Oliver e DeSarbo, 1988). O eixo central de sua concepção é a premissa de que o indivíduo cria uma expectativa em relação a determinado objeto (produto, serviço, relacionamento etc.), posteriormente percebe como o fato real ocorreu (desempenho) e faz uma comparação entre a expectativa e sua percepção. Ao fazer essa comparação, o consumidor pode sentir que tudo aconteceu de acordo com o que ele esperava, ou seja, suas expectativas foram confirmadas. Como a expectativa se torna um ponto de referência, se os resultados ficarem aquém dela, diz-se que ocorreu uma desconfirmação negativa; se superarem a expectativa, diz-se que houve uma desconfirmação positiva. É justamente a ocorrência de desconfirmação que leva o consumidor a sentir-se satisfeito ou insatisfeito, sendo que o tamanho da distância entre expectativa e percepção - discrepância - reflete-se diretamente nessa sensação. Se ocorrer, por exemplo, desconfirmação negativa com elevada discrepância, o consumidor sentir-se-á muito mais insatisfeito do que no caso da desconfirmação negativa acompanhada de discrepância moderada ou leve.

Nos estudos sobre satisfação de clientes, coexistem duas dimensões: satisfação específica em uma transação e satisfação acumulada (Boulding e Kirmani, 1993). Essa última, defendida por Johnson, Anderson e Fornell (1995) e apoiada por Rossi e Slongo (1998) e Perillo (2000), trata a satisfação como resultante da experiência acumulada pelo consumidor mediante uma série de eventos ocorridos durante seu relacionamento com o fornecedor. Durante esse período de experiência acumulada, é natural que diferenças entre grupos de clientes também desempenhem um papel na satisfação ou insatisfação resultante. Isto é, a satisfação não pode estar ligada apenas à natureza da interação empresa versus Clientes, ou com características únicas dos serviços prestados pelas empresas. Características individuais ou coletivas de grupos de clientes também devem desempenhar seu papel no processo cumulativo da satisfação do consumidor. Nesse ambiente dinâmico, a incorporação de novas variáveis junto a esquemas de satisfação já existentes pode proporcionar entendimentos adicionais a respeito do fenômeno (Farias e Santos, 1999).

Pesquisas sobre satisfação e gênero

Após pesquisarem e classificarem os artigos publicados durante 30 anos (1969-1999) em três revistas internacionais líderes na área de comportamento do consumidor (Journal of Consumer Research, Journal of Marketing Research e Journal of Consumer Psychology), Simonson, Carmon, Dhar, Drolet e Nowlis (2001) verificaram que temas como influências étnicas e interculturais sobre o comportamento de compra, o desenvolvimento das crianças como consumidores e as diferenças entre gêneros tornaram-se tópicos centrais nesse campo de pesquisa.

O gênero é uma das importantes características definidoras de grupos de consumidores. Existem divergências, mas, no geral, pelo menos com relação aos trabalhos avaliados para a elaboração do presente artigo, as pesquisas têm demonstrado algumas relações entre gênero e a formação da satisfação. Na área de serviços, Ross, Fleming, Fabes e Frankl (1999) não encontraram diferenças significativas quanto ao gênero na satisfação com os serviços de agências de emprego. Por outro lado, Oyewole (2001) constatou que o gênero influencia a satisfação com empresas aéreas, enquanto Rodgers e Harris (2003) tentaram encontrar explicações para o fato de as mulheres serem menos satisfeitas do que os homens com relação a compras em lojas virtuais. Esses autores identificaram os benefícios emocionais percebidos como a principal razão para a falta de maior adesão das mulheres a esse tipo de compra, e concluíram que emoção, confiança e conveniência são preditores da insatisfação das mulheres e da satisfação dos homens.

Analisando o impacto do tom afetivo demonstrado pelos trabalhadores da área de serviços em situações cotidianas de interação com os clientes, Mattila, Grandey, e Fisk (2003) perceberam que, quando os clientes recebem demonstrações emocionais negativas dos atendentes (tratamento frio, sem sorrisos), mas o serviço é prestado sem falhas, as mulheres ficam menos satisfeitas com o atendimento recebido do que os homens. Porém, se, durante o atendimento, além das demonstrações negativas de afeto, o trabalhador ainda cometer erros, como, por exemplo, prestar informações incorretas, o impacto é muito maior sobre a satisfação dos homens.

A análise de diversos trabalhos sobre a satisfação de clientes com serviços relacionados à área da saúde, (Carmel, 1985; Linn, 1982, 1975; Buller e Buller, 1987; Carlson et al., 2000; Schauffler e Rodriguez, 1994; Weiss, 1988; Like e Zyzanski, 1987; Hulka et al., 1975; Chisick, 1997; Singh, 1990; Fox e Storms, 1981; Tucker e Kelly, 2000), realizada por Bendall-Lyon e Powers (2002) constatou que alguns pesquisadores encontraram satisfação não correlacionada com o gênero. Contudo, muitos estudos concluíram que as mulheres relatam maior satisfação geral e maior satisfação com fisioterapeutas, cuidados médicos recebidos e planos de saúde. Igualmente, outros estudos identificaram homens menos satisfeitos, e poucos estudos reportaram uma correlação positiva entre pacientes homens e alta satisfação. Em um trabalho longitudinal, na avaliação realizada imediatamente após a prestação dos serviços, Bendall-Lyon e Powers (2002) não encontraram diferenças significativas entre pacientes homens e mulheres na satisfação geral e nem na satisfação com os nove atributos analisados. Decorridos dois anos, nova avaliação constatou queda similar no nível de satisfação geral, embora na satisfação específica, as mulheres apresentassem redução em cinco atributos, contra dois no caso dos homens.

No campo da satisfação com produtos, Moutinho e Goode (1995) chegaram a várias conclusões quanto às relações entre a compra de um automóvel e o autoconceito de homens e mulheres. A compra de um automóvel é mais relevante para o autoconceito das mulheres; as mulheres são mais leais à marca; os homens desejam impressionar outras pessoas com seus carros mais do que as mulheres; a formação de expectativas sobre o produto tem impacto maior na satisfação dos homens; a satisfação com a compra é mais influenciada pela opinião de terceiros entre as mulheres; o grau de risco associado à compra do automóvel é uma variável bastante importante tanto para homens como para mulheres.

A respeito do efeito do gênero sobre a satisfação com o sistema de benefícios B2E (business-to-employees), mecanismo pelo qual uma empresa oferece a seus empregados a oportunidade de adquirir, via intranet, produtos de empresas parceiras com descontos exclusivos, Huang, Jin e Yang (2004) relataram diferenças significativas nas relações gênero versus preço (preços baixos geram mais satisfação para os homens do que para as mulheres), fato que não se repetiu nas demais dimensões (conveniência, entrega, interface, exatidão e segurança).

Em estudo voltado para a avaliação da qualidade dos serviços - e não propriamente da satisfação - Spathis, Petridou e Glaveli (2004) pesquisaram os efeitos do gênero dos clientes na percepção da qualidade dos serviços dos bancos da Grécia e verificaram que, em 12 de 31 itens relacionados ao atendimento pessoal, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, sempre com os homens avaliando a qualidade dos serviços recebidos com médias mais altas do que as mulheres. As razões alegadas pelos autores para justificar o achado foram a maior experiência dos homens ao lidar com os bancos e o envolvimento recente das mulheres nas finanças familiares, o que gera insegurança e demanda atendimentos mais cuidadosos.

Os estudos que investigaram as relações entre gênero e satisfação com produtos e serviços utilizaram questionários com entrevistas pessoais para a coleta dos dados e recorreram a comparações entre as médias (Spathis, Petridou e Glaveli, 2004; Rodgers e Harris, 2003; Bendall-Lyon e Powers, 2002; Mattila, Grandey e Fisk, 2003; Ross, Fleming, Fabes e Frankl, 1999), ou ao valor preditivo do gênero quanto a índices globais ou específicos de satisfação (Moutinho e Goode, 1995). Os índices específicos são fatores que compõem a estrutura fatorial da medida de satisfação utilizada, representando, por exemplo, conjuntos de itens relativos à qualidade intrínseca do produto ou serviço, tempo gasto para a obtenção da encomenda, informação disponível, nível de atendimento prestado, garantia ou assistência oferecida pelo fornecedor e imagem da organização, dentre outros. Dessa forma, a satisfação do consumidor tem sido operacionalizada mediante modelos que consideram as médias gerais das respostas dadas aos itens de um questionário como representativas da satisfação global do consumidor, enquanto as médias dos subconjuntos de itens, representativos de cada fator, indicam a posição do consumidor nos diversos aspectos da sua satisfação ou insatisfação.

O modelo de satisfação de clientes utilizado neste estudo propõe que uma reação geral do consumidor (no caso, a satisfação geral, representada por um fator de segunda ordem) compreende, também, as características multidimensionais do fenômeno estudado (no caso, a satisfação com aspectos específicos, representada pelos fatores de primeira ordem). Entretanto, ao contrário do que se observa na literatura, o presente trabalho procurou não somente variações entre médias, mas, sobretudo, investigar a estabilidade do modelo fatorial de satisfação com bancos entre diferentes subgrupos da amostra, pois um modelo fatorial invariante (equivalente) demonstra robustez e confiabilidade. O gênero foi escolhido como elemento diferenciador por se tratar de um dos mais importantes critérios de segmentação para esse conjunto de clientes.

A investigação da invariância do modelo fatorial compreendeu a busca por diferenças ou equivalências entre homens e mulheres com relação à estrutura fatorial (modelo estrutural) e com relação aos itens (modelo de mensuração) de um mesmo instrumento destinado a medir a satisfação de clientes com bancos. Isto é, foi investigado se as respostas dadas por correntistas masculinos e correntistas femininos a um mesmo instrumento de mensuração de satisfação revelam estruturas fatoriais equivalentes ou divergentes. O modelo estrutural e o modelo de mensuração de um determinado instrumento são invariantes (equivalentes) entre os correntistas masculinos versus femininos de um mesmo banco? A presença de equivalência total demonstraria igualdade de satisfação entre homens e mulheres. Alternativamente, divergências ou não equivalências localizadas entre determinados fatores e itens do instrumento indicariam os tipos de diferenças de satisfação entre as duas amostras de correntistas.

 

Método

Participantes

Foram utilizadas informações de 5.768 correntistas de um grande banco brasileiro de varejo, sendo 2.912 mulheres (50,5%) e 2.856 homens (49,5%). Algumas das características sociodemográficas da amostra analisada neste estudo estão reproduzidas na Tabela 1. Essa amostra foi extraída de forma randômica (amostragem aleatória simples gerada no aplicativo SPSS) do banco de dados utilizado por Perillo (2007) em sua tese de doutorado, composto por um conjunto de 26.497 correntistas, representativos (intervalo de confiança de 99% e margem de erro inferior a 1%) da população de aproximadamente 12 milhões de clientes do referido banco de varejo com, pelo menos, um ano de relacionamento com a instituição financeira.

Após definições preliminares (p.ex.: exclusão de clientes sem número de telefone registrado e clientes cujas contas foram abertas há menos de um ano) foi selecionado, randomicamente, dentre os registros cadastrais de todos os clientes pessoas físicas da instituição financeira, um grande banco de dados (cerca de 600.000 clientes) que continha informações atualizadas de nome, endereço, telefone e agência detentora da conta. Uma empresa especializada foi então contratada para realizar a escolha aleatória dos entrevistados por estratos, de acordo com o seu respectivo agrupamento regional de agências (noventa e nove grupos, com cerca de 250 clientes por grupo) e aplicar as entrevistas.

Instrumento

O Questionário Brasileiro de Satisfação e Lealdade com os Bancos (QBSLB), utilizado na coleta dos dados, teve sua validação fatorial realizada por Perillo (2007). O instrumento validado contempla 42 itens, distribuídos em 10 blocos representativos dos fatores constituintes da satisfação com os serviços bancários (ver Tabela 2), além de 10 questões dirigidas diretamente ao tema de cada bloco (p.ex.: Considerando todos os tópicos anteriores, qual o seu grau de satisfação geral com o atendimento pessoal oferecido pelo banco?) e uma sobre a satisfação geral do correntista com o banco (Pensando agora em todos os aspectos que o(a) Sr.(a) falou, qual o seu grau de satisfação com relação ao Banco?). Utilizou-se escala de sete pontos, que variava de "muito insatisfeito" a "muito satisfeito", incluindo a alternativa "sem condição de opinar".

 

 

Procedimentos

Os dados foram coletados entre novembro de 2001 e janeiro de 2002. Os contatos e as entrevistas com os respondentes foram realizados exclusivamente por telefone, e o processo de aplicação do questionário e registro das informações foi realizado mediante sistema informatizado específico.

O procedimento principal deste estudo foi investigar a equivalência da estrutura fatorial do QBSLB entre correntistas masculinos e femininos. O QBSLB apresenta uma estrutura fatorial fundamentada em amostras semelhantes de correntistas. A verificação de alterações no comportamento do modelo estrutural, em função do gênero dos grupos de clientes, foi realizada por meio dos testes de invariância segundo os métodos da modelagem por equações estruturais recomendados por Byrne (2001).

O ponto de partida do teste de invariância é a definição de um modelo estrutural base. Arepresentação gráfica da estrutura fatorial do QBSLB (modelo base) está reproduzida na Figura 1, onde se pode verificar a proposição de dez fatores de primeira ordem e um grande fator de segunda ordem (Satisfação Geral), todos representados por elipses. Os retângulos representam as variáveis observadas, que são manifestações dos seus respectivos fatores. As setas unidirecionais, que vão de cada fator para os itens (variáveis observadas) do QBSLB, indicam que eles causam as respostas nos itens, isto é, os fatores latentes estão subjacentes ao diversos conjuntos de itens do questionário. Os vários círculos menores, também com setas unidirecionais dirigidas aos itens do questionário e aos fatores de primeira ordem, representam as variâncias não explicadas (erros ou distúrbios) pelos respectivos fatores. Dessa forma, o diagrama da Figura 1 pressupõe que as respostas dadas em cada item são explicadas pelo fator e pelo respectivo componente de erro.

Uma vez definido o modelo estrutural base (Figura 1), segue-se com a apuração do valor do qui-quadrado dos graus de liberdade e das medidas da qualidade de ajuste do modelo. Dado que as estatísticas do qui-quadrado e de seus respectivos graus de liberdade são aditivas, a soma dos valores dos qui-quadrados derivados do processo de ajuste dos modelos para cada grupo de interesse separadamente reflete a extensão pela qual a estrutura latente se ajusta aos dados através dos grupos quando não há imposição de restrições no grupo (Byrne, 2001).

A partir daí, são testadas, sucessivamente, modificações no modelo com os subconjuntos de interesse (no caso, mulheres e homens) e apuradas as novas medidas. Se a diferença entre o qui-quadrado do modelo testado e o quiquadrado do modelo base for significativa estatisticamente, isso indica que, naquele parâmetro, o comportamento do modelo é influenciado de maneira diferente pelos distintos grupos.

 

Resultados

Os coeficientes de consistência interna de cada fator do QBSLB e os índices de ajuste do modelo fatorial (Tabela 2) demonstram a validade do modelo utilizado para aferir a satisfação de homens e mulheres. De acordo com especialistas (Byrne, 2001; Kline, 2005; Tabachnick e Fidell, 2001), os valores desses indicadores situam-se em faixas que proporcionam segurança na análise dos resultados obtidos com o instrumento aplicado.

A diferença (0,03) verificada entre a média das mulheres (6,12 com desvio padrão de 0,90) e a dos homens (6,09 com desvio padrão de 0,93) no quesito Satisfação Geral não foi significativa (p = 0,19). Na comparação entre as médias dos fatores de primeira ordem (Tabela 3), os homens apresentaram índices de satisfação ligeiramente acima das mulheres em quatro das dimensões da satisfação: GERÊNCIA, PRODUTOS, INFORMAÇÕES SOBRE PRODUTOS E SERVIÇOS e APOIOS E PATROCÍNIOS.

Testes de invariância

A partir do modelo base da Figura 1, foram estimados para os grupos de homens e mulheres, separadamente, os principais indicadores de qualidade de ajuste entre as respostas obtidas e cada um dos modelos-base. A estrutura do modelo de satisfação mostrou-se bem ajustada na amostra composta apenas por correntistas mulheres, na composta apenas por correntistas homens e na amostra formada por ambos (Tabela 4).

Tendo estabelecido a validade confirmatória do modelo fatorial (Tabela 4), o teste da invariância dos parâmetros foi realizado mediante a imposição de restrições a parâmetros específicos, de forma a torná-los invariantes nos dois grupos comparados (Tabela 5). As letras "A" até "N", na Tabela 6, representam os fatores indicados na Figura 1. As restrições são feitas sucessivamente, e os resultados comparados com o modelo-base. O primeiro teste consistiu na criação de um segundo modelo amplamente restrito (imposição de restrição em todas as cargas fatoriais, em todas as variâncias e covariâncias de fatores e em todas as covariâncias entre erros) e no cálculo do novo valor do qui-quadrado (ver linha 2 da Tabela 5). Essa informação é a base para determinar a extensão na qual o modelo é equivalente entre clientes masculinos e femininos.

O teste mostrou que o qui-quadrado do modelo restrito foi igual a 9.600,954, com 1.648 graus de liberdade, indicando diferença de 104,857, com 34 graus de liberdade, em relação ao modelo base. Esse valor é estatisticamente significativo para um nível de probabilidade de 0,005, ou seja, considerando uma chance de meio por cento de erro, podemos afirmar que algumas restrições impostas não se mantêm iguais entre os dois grupos de clientes.

A seqüência de testes seguintes, com a imposição sucessiva de restrições em cada fator (ver linhas 4 em diante da Tabela 5), apontou que os homens diferem das mulheres nos seguintes itens do QBSLB: item 37 (Facilidade para se obter informações sobre produtos existentes) do fator INFORMAÇÕES SOBRE PRODUTOS E SERVIÇOS; item 48 (Segurança na realização das transações) do fator SEGURANÇA; item 58 (O fato de o banco ser uma empresa estatal) do fator IMAGEM e a correlação entre os erros dos itens 24 (Funcionamento do sistema durante o horário de atendimento) e 25 (Horário de funcionamento dos terminais eletrônicos) do fator TERMINAIS ELETRÔNICOS.

Discussão

O modelo fatorial proposto no QBSLB define a satisfação do cliente como expressa em dez fatores de primeira ordem, como manifestações de um único fator geral de segunda ordem. Acompanhando a visão predominante sobre satisfação de clientes, a análise de dados de várias amostras também comprovou a validade dessa estrutura fatorial (Perillo, 2007).

Neste estudo, foi realizada uma nova avaliação desse modelo, ao se proceder com testes de equivalência entre dois subgrupos de uma mesma amostra de clientes separados de acordo com o gênero. Tratou-se, portanto, de um aprofundamento da investigação de um modelo de satisfação de clientes, no sentido da sua generalização ou equivalência entre diferentes segmentos de clientes.

A escolha do gênero como o elemento divisor da amostra, que possibilitou uma maior investigação da estrutura fatorial proposta, levou em conta a maior inserção da mulher no mercado de trabalho e no ambiente de consumo, notadamente a partir da segunda metade do século passado, acontecimentos que trouxeram conseqüências significativas para nossas vidas. Em decorrência, um dos pontos que tem merecido atenção empresarial e acadêmica, nos anos recentes, é a 'descoberta' da mulher como consumidora (Barak e Stern, 1985; Woodruffe, 1996; Popcorn e Marigold, 2000; Yaccato, 2003; Dangel, 2005). Produtos e serviços concebidos especialmente para 'as' clientes deixam de ser exceção e são oferecidos como um diferencial competitivo por bancos, seguradoras, academias de ginástica, escolas de idiomas, dentre outras empresas.

Neste trabalho, verificamos que existem pequenas e sutis diferenças entre correntistas homens e mulheres em certos parâmetros das dimensões (INFORMAÇÕES SOBRE PRODUTOS E SERVIÇOS, SEGURANÇA, IMAGEM e TERMINAIS ELETRÔNICOS) de um modelo de satisfação do consumidor já validado empiricamente, embora as estruturas fatoriais tenham se revelado essencialmente equivalentes (incidentalmente, também encontramos algumas poucas diferenças significativas entre as médias dos escores de satisfação - maiores entre os homens). Esses resultados implicam a tendência de homens diferirem de mulheres em algumas das dimensões da satisfação, como seria de se esperar em qualquer comparação entre os sexos. Mesmo assim, a predominância de equivalência da estrutura fatorial proposta como definidora da satisfação de clientes de bancos comprovou, mais uma vez, que a conceitualização da satisfação como um fenômeno multifatorial encontra bom fundamento empírico.

De fato, homens diferem das mulheres como clientes que apresentam distintas sensibilidades ou exigências, e diferenças pequenas não significam diferenças sem importância. O confronto entre correntistas masculinos e femininos confirma ser o gênero variável discriminante quanto à estrutura fatorial da satisfação. Um passo posterior seria investigar as razões desses resultados. Poder-seia, por exemplo, imaginar que os homens ficam mais satisfeitos com as informações sobre produtos e serviços que os bancos prestam, porque seriam mais habituados a lidar com finanças do que as mulheres - à semelhança do que Spathis, Petridou e Glaveli (2004) afirmaram -, ou que os homens se sentem mais à vontade com terminais eletrônicos, porque eles seriam mais afeitos às compras virtuais (Rodgers e Harris, 2003), ou ainda que a publicidade do banco, tradicionalmente elaborada sem prever distinção de gênero, encontraria maior identificação no público masculino (imagens, cores, diagramação etc.).

Implicações gerenciais

Considerando os resultados desta pesquisa, que aspectos deveriam ser trabalhados na formação dos gerentes, para capacitá-los a gerar satisfação nos clientes homens e mulheres? Quais as características dos produtos bancários e quais deles deveriam ou poderiam ser diferenciados em função do gênero dos clientes? Os tipos de eventos culturais ou a modalidade das atividades esportivas que a empresa apoiar poderiam se refletir em maior geração de negócios com mulheres jovens ou com homens maduros? Essas perguntas são exemplos não exaustivos da miríade de possibilidades de aprofundamento qualitativo geradas a partir dos resultados quantitativos.

Valorizar o cliente significa estudar suas características individuais, compreender as principais diferenças eventualmente existentes entre eles e oferecer produtos ou serviços capazes de atender a suas expectativas. Embora o gênero seja uma das características mais claramente identificadoras de diferenças entre os clientes, boa parte das organizações ainda concebe suas ofertas para clientes "sem sexo", ou imaginam que tudo que for desenvolvido para o cliente homem servirá adequadamente para a cliente mulher. Outras empresas, entretanto, já descobriram a mulher como consumidora e oferecem, por exemplo, seguros de vida com coberturas diferenciadas, academias de ginástica exclusivas e preços menores para seguro de veículos.

As estratégias gerenciais, por exemplo, poderiam abrir espaço para algum tipo de customização de atendimento que respeite pequenas diferenças entre os correntistas masculinos e femininos. Pode-se pressupor que as mulheres apreciariam, por exemplo, receber um pouco mais de atenção na explicação dos conteúdos técnicos dos produtos e serviços oferecidos pelo banco, bem como maiores garantias de que os serviços são seguros, especialmente os e-serviços via internet e terminais eletrônicos. Uma segunda preocupação poderia ser um maior incentivo à produção de folhetos e textos explicativos menos gerais e indistintos, tornando-os mais diferenciados por gênero ou por outras características que podem ser identificadas em futuras pesquisas. Finalmente, a imagem da instituição, dimensão que apresentou a maior correlação com a satisfação geral de todos os correntistas, também deveria ser alvo de ações específicas, visando a aumentar, no público feminino, a percepção de credibilidade, parceria e modernidade.

Os achados deste trabalho sugerem que os bancos devem proporcionar soluções diferenciadas para as necessidades de suas clientes e de seus clientes. Os aspectos em que o gênero provoca impactos na satisfação são suficientemente importantes para recomendar esse cuidado.

Contudo, mesmo que não tivesse sido possível encontrar diferenças entre os dois conjuntos de clientes pesquisados, isso ainda não seria motivo para imaginar que resultados positivos no longo prazo venham a ser alcançados por empresas que não dediquem atenção especial à mulher.

Se essa aproximação com o consumidor mostra-se imperiosa no aspecto acadêmico, ela assume importância grandiosa também nas estratégias das empresas, muitas das quais ainda praticam políticas de relacionamento com os clientes que já estavam defasadas em meados do século passado. As contingências do mercado levarão empresas que não pratiquem a efetiva priorização do cliente a realinhar suas diretrizes, sob o risco de perderem a competitividade. É claro que essa mudança não será simultânea, situações distintas vão conviver por bastante tempo até que (quase) todas as organizações compreendam que valorizar o cliente não é uma concessão onerosa, mas uma maneira de obter melhores resultados para a própria organização.

 

Considerações finais

Estudos sobre a satisfação de clientes apontam conclusões distintas sobre o impacto do gênero. Dentre os trabalhos que apontaram esse impacto, houve divergências sobre quem apresentava maior satisfação, o homem ou a mulher. A discordância é um indicador de que os achados de cada estudo não poderiam e não deveriam ser generalizados para todas as situações que envolvem gênero e satisfação. Essas incertezas deveriam ser vistas como estímulo para novas pesquisas, quantitativas e qualitativas, de modo a se potencializarem os benefícios oferecidos por ambas as técnicas, permitindo averiguações mais consistentes a respeito dos consumidores.

O objetivo desta pesquisa foi contribuir para o debate sobre o efeito discriminante do gênero na satisfação de clientes de bancos. A comparação entre as médias de satisfação apontou pequenas diferenças significativas. Porém, neste estudo, foi escolhido um caminho de investigação das diferenças entre gêneros envolvendo (1) a explicitação conceitual, via estrutura fatorial de um instrumento, da satisfação do consumidor, e (2) o teste de equivalência dessa estrutura conceitual entre os grupos analisados, o que permitiu adicionar novos elementos àqueles já explorados nesse campo de pesquisa.

Conclusões dessa natureza não seriam obtidas mediante a simples comparação entre médias, motivo suficiente para justificar a aplicação das técnicas derivadas da modelagem por equações estruturais nas pesquisas sobre o comportamento do consumidor. Entretanto, cabe destacar que referidas técnicas exigem cuidados adicionais, como, por exemplo, tamanho adequado das amostras e procedimentos cuidadosos de preparação do banco de dados.

 

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