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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.1 Florianópolis jun. 2008

 

ARTIGOS

 

A estrutura da imagem do executivo bem sucedido e a questão da corporeidade

 

The structure of the image of the well-succeeded manager and the question of Corporeality

 

 

Alexsandro Medeiros NascimentoI; Antonio RoazziII; Rita Rovai CastellanIII; Leonardo do Monte RabeloIII

IDoutorando em Psicologia Cognitiva pela UFPE, sob a orientação do segundo autor e Pesquisador em Psicologia Cognitiva e Comportamento Organizacional. Endereço eletrônico para correspondência: alexmeden@hotmail.com. Endereço completo para correspondência com o Conselho Editorial: Rua Alfrêdo Régis Lima da Mota, 285, Candeias, Jaboatão dos Guararapes - PE. CEP: 54440-380. Telefones de Contato: (081) 3469-4115 e (081) 9146-1371
IIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco. Endereço eletrônico para correspondência: roazzi@gmail.com
IIIFaculdade Boa Viagem, Bacharéis em Administração de Empresas e pesquisadores em Mentoria e Comportamento Organizacional

 

 


RESUMO

O estudo investigou a estrutura semântica da imagem do executivo bem sucedido e a questão da posição da corporeidade nessa imagem. Um questionário com questões abertas e fechadas foi aplicado a universitários em Administração de Empresas em três momentos da formação, tendo-se analisado, para o presente estudo, a pergunta "Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?". Os resultados foram submetidos à análise de conteúdo e a técnicas quantitativas não-paramétricas e multidimensionais (Análise de Estrutura de Similaridade, Técnica das Variáveis Externas como Pontos) e interpretados por aportes do Interacionismo Simbólico, Construcionismo Social e Teoria das Facetas. A estrutura polar formada por seis facetas (Agência, Vínculo, Cognição, Criatividade, Individualismo e Competências) e a localização na projeção da variável externa dos três "momentos de formação" sugerem um processo diferenciado de individualização da imagem do Executivo ao longo do curso universitário, com um incremento de significação de aspectos ligados a sua pessoalidade e corporeidade, além de apagamento de referências éticas e vinculares.

Palavras-chave: executivo; corporeidade; interacionismo simbólico; psicologia social das organizações; teoria das facetas.


ABSTRACT

Abstract: The study investigated the semantic structure of the Image of the Well Succeeded Executive and the question of the position of the Corporeality in this one. Aquestionnaire with open and closed questions was applied to undergraduate students in Business Administration at three moments of the formation, when it analyzed for the present study the question "Which are the characteristics that an executive needs to have to guarantee his professional success?". The results were analyzed through content analysis and to nonparametric and multidimensional quantitative techniques (Structure of Similarity Analysis and External Variables as Points in SSA) and interpreted for contributions of the Symbolic Interactionism, Social Construcionism and Facet Theory. The polar structure formed by six facets (Agency, Bond, Cognition, Creativity, Individualism and Competences) and the location in the projection of the extern variable of three "moments of formation" suggest a differentiated process of individualization of the image of the Executive along the university course, with a growth of signification of connected aspects his personality and corporeality, besides extinguishment of ethical and bond references.

Keywords: executive; corporeality; symbolic interactionism; social psychology of organizations; facet theory.


 

 

Introdução

Autores de diversos matizes teóricos têm apontado indícios consistentes de estarmos em fase nova no processo de acumulação do capital, com ecos importantes no funcionamento dos diversos setores da vida humana e societária (ver Fjermestad & Ocker, 2007; Barbosa & Veloso, 2007; Bresser-Pereira, 2005; Sievers, 2003; Santos, 2001; Echeveste, Vieira, Viana, Trez & Panosso, 1999).

À parte a não resolvida questão de se a globalização é um fenômeno antigo com uma face contemporânea distinta, ou se trata de algo novo a ser compreendido pelas ciências humanas, verifica-se, segundo Santos (2001), neste inicio de século, um incremento de complexificação do cenário mundial. Esse incremento é representado por crescente internacionalização da produção, do mercado, do trabalho e da cultura, em que - a partir de contínuo estabelecimento, em âmbito mundial de uma rede de produção e troca de mercadorias - se avança para o estreitamento do intercâmbio sociopolítico e cultural entre as nações, permitido pela revolução tecnológica dos canais comunicacionais, o que se sedimenta na mundialização das operações industriais e financeiras do capital.

Com o alicerce do imponente desenvolvimento tecnológico herdado do século anterior, vê-se a consolidação do conhecimento como fator de produção fundamental, e o domínio de suas vertentes tecnológica, organizacional e comunicativa como estratégico para a sobrevivência das grandes corporações (Bresser-Pereira, 2005), atuantes em cenários de competitividade de caráter verdadeiramente militar. Assim, nas análises de Sievers (2003), a observação do fenômeno da competição capitalista atual manifesta uma dimensão psicótica fundamental de verdadeira guerra entre e dentro das corporações, manifestada por uma paranóia alienada ao luto, ou pela projeção massiva e irreal da agressividade e da culpa sobre as concorrentes pela perda ou destruição de seus objetos amorosos ou fracassos estratégicos.

Sofrendo pressão continuada do novo mercado globalizado para manteremse responsivas a um ambiente extremamente incerto e mutante - onde a aceleração dos tempos de desenvolvimento de produtos e serviços convoca a um exercício permanente de inovação e reinvenção de si (Fjermestad & Ocker, 2007) - as organizações contemporâneas vêem-se diante da exigência de descentralização do trabalho tanto da gestão quanto de operacionalização do design de produtos e serviços, e de constituição de redes de equipes virtuais atuantes sob pesada injunção tecnológica e cognitiva. Isso constitui o que Cuevas, Fiore, Salas e Bowers (2004) nomeiam de sistemas sociotécnicos1, em unidades organizacionais não mais constrangidas por fronteiras rígidas geográficas, temporais, organizacionais ou nacionais.

A incorporação, por parte das instituições, organizações e redes, de sofisticado conhecimento científico e técnico caminha a par da emergência da tecnoburocracia ou de uma cada vez mais importante classe média profissional de técnicos e burocratas operadores do novo capitalismo globalizado e responsáveis por sua dinâmica sócio-operacional, segundo Bresser-Pereira (2005). Para esse autor, três formas básicas de conhecimento - que ele nomeia de "conhecimento operacional"- oferecem as chaves que tornam operacionais as modernas e complexas sociedades midiáticas e globais em que vivemos, a saber, o tecnoburocrata, o organizacional ou administrativo e o comunicativo, com realce para a ênfase na tecnologia da informação e na formatação dos novos cenários societários e corporativos mundiais.

Assim, o caráter de transnacionalidade das empresas corporativas - expresso pela existência de board de dirigentes constituído por indivíduos de distintas nacionalidades, centros diversos de construção de conhecimento, política globalizada de compra e recrutamento e forte cultura organizacional responsável pela amarração simbólica e de metas gerais da corporação - exige, segundo Barbosa e Veloso (2007), a ultrapassagem de um multiculturalismo que apenas assume as diferenças, para uma aposta concreta na adoção de mecanismos fomentadores de interculturalidade, em que tais diferenças são encaminhadas para além de seu mero reconhecimento, na direção da construção de sínteses mediacionais e plataformas comunicacionais amplas, fornecendo uma base comum para o diálogo e ação.

Nesse cenário de densa complexidade estrutural, cujo horizonte último de preocupações é a necessidade de se pensar a gestão corporativa num contexto de exigências paradoxais de fomento de lucro e observância das necessidades de um meio ambiente à beira do esgotamento e de pauperização crescente das massas, os altos dirigentes organizacionais são convocados a se engajar em diálogos e ações que contribuam de maneira efetiva para a sustentação da vida e a construção de locais de trabalho e organizações aderentes à idéia de sustentabilidade para o futuro (ver Ferdig, 2007) e de empoderamento de pessoas e comunidades, dentro e fora das organizações de trabalho (Spreitzer, no prelo).

Assim, os executivos não fazem somente parte da vida produtiva das organizações. São eles que, por seu valor, sua raridade, suas inimitáveis e insubstituíveis qualidades, conferem vitalidade às atividades e processos, inovam, criam, recriam contextos e situações que podem levar a organização a se destacar e a conseguir a tão almejada competitividade sustentável (Vergara & Davel, 2001). Em sua qualidade de tecnoburocratas eles tomam decisões, definem instituições, planificam a produção, criam redes, desenvolvem conhecimentos novos e fazem surgir a inovação, disseminam ou contestam valores, saberes e crenças, sendo suportados nessa dinâmica pelo conhecimento e não pela tradição ou o capital, tendo seu prestígio, esfera de influência e autonomia e, conseqüentemente, sua remuneração atingido níveis exponenciais nesse processo2 (ver Bresser-Pereira, 2005).

As mudanças ocorridas nas últimas décadas, com a hegemonia de um mode-lo neoliberal de globalização, maximizam o apelo à exterioridade, expõe as pessoas às razões de uma ordem tecnológica, ao consumismo e a uma confusa diversidade de opções (ver Ferdig, 2007). Vivemos em uma época dos efeitos especiais, na qual o parecer ser e o possuir, em muitos casos, sufocam o ser (Kofodimos, 1990).

A hegemonia da gestão corporativa que encontramos na maioria dos países sedimenta-se em um conjunto de saberes - de saber fazer e de saber ser - que é ainda amplamente dominado por uma concepção excessivamente redutora do ser humano. As pressões da dinâmica organizacional em busca de resultados imediatos têm um efeito similar ao de uma pedra quando jogada em um lago, e futuros administradores - aqueles que estão se preparando cientificamente para participarem do mundo dos negócios - são atingidos por seus reflexos, provenientes de diversas fontes, o que possibilita, assim, a construção de um cenário corporativo. Nesse cenário, a imagem do executivo bem sucedido tem seu lugar de destaque, pois imprime de uma só vez, nas subjetividades organizacionais em construção, as notas fundamentais desse contexto de status, dinheiro e poder.

O Executivo tem sido apreciado pela literatura científica sob múltiplos enfoques. É abordado pelo viés da liderança, que afeta a efetividade executiva (Eigel & Kuhnert, 2005; Ferdig, 2007); da habilidade na constituição de organizações de aprendizagem (Easterby-Smith & Araújo, 2001); de suas competências técnicas, comunicacionais, tecnológicas (Fjermestad & Ocker, 2007; Cuevas et al., 2004; Bresser-Pereira, 2005), estratégicas (Sievers, 2003) e na tomada de decisão (Stair, 1998); de sua capacidade de manejo intercultural (Barbosa & Veloso, 2007); das relações de poder que o capturam (Bertero, 1996); da influência da cultura e dos valores sobre as práticas administrativas e estilos nacionais de exercício da função executiva (Wong & Slater, 2002; Bertero, 1996); das pressuposições culturais de gênero e percepções de executivos sobre a competência executiva (Wilson, 1998), de sua imagem social (Nascimento & Gregorin Filho, 2001), entre outros aspectos.

Todavia, autores como Kofodimos (1990) e Spreitzer (no prelo) indicam, nos trabalhos voltados para o executivo, um excessivo destaque dado a análises voltadas para a dimensão da tarefa de gestão executiva e a fatores que lhes são diretamente associados, como os aspectos técnicos e cognitivos, à revelia de dinâmicas importantes ligadas às relações intersubjetivas e psicoafetivas de (des)equilíbrio entre trabalho e família, e o impacto da função sobre as subjetividades dos executivos. Nesse âmbito, ressaltamos ainda a incipiente introdução dos aspectos ligados à corporeidade do executivo nessas investigações, bem como do papel da formação universitária na conformação de sua imagem.

Sendo a corporeidade a maneira como os indivíduos constroem discursivamente suas percepções do corpo e suas dimensões associadas, como as dimensões física, sócio-histórica, mental e emocional-afetiva (ver Bastos & Brito, 2004), percebe-se que essa construção está sujeita a diversas interpretações e formas de concretizá-las nas empresas.

Sendo uma construção de ontologia psicossocial, o quadro teórico da psicologia social assumido na presente investigação busca iniciar uma sistematização no conhecimento de como graduandos em Administração de Empresas constroem a imagem do executivo bem sucedido e o significado de sua dimensão de corporeidade, assim como identificar o papel da formação universitária nessa construção. Mas quem é o Executivo e como ele figura na literatura científica da área dos negócios e estudos administrativos?

O executivo

O sentido dicionarizado de Executivo inscreve esse termo como adjetivo, derivado do latim exsecutus (de exsecutáre, executar) - aquele que executa, encarregado de executar, que tem a seu cargo cumprir as leis, resoluto, decisivo. Na forma substantiva, deriva do inglês "executive" - diretor ou alto funcionário que atua na área financeira, comercial, administrativa ou técnica de uma empresa (Ferreira, 1986). Etimologicamente, no plano de conteúdo, executivo é aquele que executa, que deve ser seguido até o fim; por esses predicados, o vocábulo passa a denominar um tipo de profissional que é diretor ou alto dirigente que atua em diferentes áreas de uma empresa, agregando à sua imagem dinheiro, status, poder. Além disso, segundo Robbins (2005), o executivo realiza trabalhos por meio do trabalho de outras pessoas, toma decisões, aloca recursos e dirige as atividades de outros com o intuito de atingir determinados objetivos.

Kofodimos (1990), em busca das rotas de desenvolvimento executivo, investigou dez altos executivos de sexo masculino e pessoas de sua convivência, tanto familiar quanto no trabalho, e localizou uma dinâmica de desequilíbrio como motor de seus avanços na carreira. Em comum a todos eles, há a busca por mestria acentuada e um padrão de fuga de intimidade; acentuam o foco no trabalho e na busca de prazer e senso de valor em seu âmbito restrito, à custa de perda de qualidade nos vínculos familiares e matrimoniais, e ao cuidado com a própria saúde. Exame cuidadoso de suas histórias de vida indiciou âncoras para tais motivações nos dinamismos familiares na infância, com reforço na vida adulta em valores e pressões da vida corporativa, os quais forçam o individuo à fuga de contato com os lados escuros e mal trabalhados de sua personalidade e não desenvolvimento de competências com foco nos outros, como sensibilidade, profundidade emocional, empatia, compaixão, autoconsciência. Ou seja, nas palavras da autora, as "qualidades do coração", vistas como impedimentos à carreira. Como resultado freqüente desse padrão organizacional desenvolvimental, há uma quantidade expressiva de executivos bem sucedidos com lares destruídos, na ausência de vínculos humanos significativos fora do trabalho, seqüelas psicológicas e doenças graves em idades precoces.

Judge, Cable, Boudreau e Bretz, Jr. (1995) testaram seu modelo conceptual de sucesso na carreira executiva numa amostra de 1388 altos executivos norteamericanos através de escalas padronizadas e dados de um banco de dados nacional. O teste de seu modelo - composto por dois construtos de base, a saber, sucesso objetivo (relacionado à remuneração e promoção no trabalho) e sucesso subjetivo (associado à satisfação no emprego e na carreira) -revelou um quadro bem delineado para o sucesso na carreira executiva nessa população: o executivo bem sucedido é casado, de meia-idade, homem branco e com esposa devotada ao lar, com credenciais acadêmicas de qualidade e disposto a alto nível de compromisso com o trabalho.

Em contraste com a perspectiva mais correlacional do estudo anterior, Wilson (1998) examinou - com suporte em dados qualitativos de 12 entrevistas individuais (06 mulheres e 06 homens) com administradores britânicos pertencentes a 04 diferentes organizações - as relações entre cultura e gênero na dinâmica de construção da carreira executiva. Encontrou, nas análises transversais dos dados, um forte viés de gênero a constranger o desenvolvimento de mulheres aspirantes à carreira executiva, suportado por obstáculos na forma de limitadas oportunidades educacionais e profissionais, baixa remuneração, dificuldades de manter-se em tempo integral no trabalho, descontinuidade na carreira por causa dos filhos e demais responsabilidades domésticas, além de pressuposições de nível cultural mais amplo e da cultura organizacional sobre suas possibilidades de compromisso e capacidades gerais. Como resultado concreto de culturas organizacionais sexistas e opressoras, vê-se o baixo numero de mulheres nas fatias mais altas da gestão organizacional, como encontrado no estudo relatado anteriormente de Judge et al. (1995), em que apenas 7% da amostra investigada foram de executivos de sexo feminino.

Citrin e Smith (2003) investigaram as qualidades das carreiras extraordinárias com base na triangulação de questionários oriundos de uma amostra de 2000 executivos de todo o mundo e 300 entrevistas com informantes especializados dentre eles e descobriram um padrão subjacente que os diferencia entre os "funcionários médios", os "profissionais bem-sucedidos", e os "executivos extraordinários". Esses últimos exibem cinco virtudes principais: (01) são hábeis em construir os valores adequados a cada fase de desenvolvimento da carreira; (02) praticam a liderança "benevolente", aquela com foco no sucesso das pessoas, as quais, por sua vez, respondem fazendo o possível para que seu líder alcance seus objetivos; (03) fazem além daquilo que lhes foi autorizado, superando, assim, o paradoxo da permissão; (04) dedicam 80% de seu tempo ao cumprimento das metas a eles atribuídas e o tempo restante à criação de idéias de vanguarda que resultam em novos cenários de interesse para a organização; e, por fim, (05) administram de modo "macro" suas carreiras, ocupando-se do que são apaixonados e se cercando de pessoas por quem nutrem respeito e confiança.

Eigel e Kuhnert (2005), baseados em pesquisa com 21 altos executivos, encontram associação entre efetividade executiva e níveis de desenvolvimento da liderança (LDL ou Leadership Development Level). Numa dinâmica desenvolvimental de 05 estágios na aquisição da liderança autêntica, encontram no quinto patamar, que nomeiam de LDL 5, apenas os executivos que se tornam capazes de avaliar objetivamente seus paradigmas de trabalho e de se posicionar de forma aberta ao acolhimento dos paradigmas dos outros, adquirem rara capacidade de ver a situação e a si mesmos nela simultaneamente, com altos níveis de autoconsciência e desenvolvimento de qualidades morais e intersubjetivas nobres, entre outros atributos.

Com foco nos preditores de nível organizacional do sucesso na carreira executiva, a pesquisa correlacional de Hamori (2006), com uma amostra de 2000 altos executivos de todo o mundo, evidenciou que o mais forte preditor organizacional de sucesso na carreira executiva diz respeito à excelência operacional percebida das organizações em que os executivos estão empregados, e a passagem por organizações de alto nível impacta indelevelmente a ascensão posterior desse profissional a organizações diversas. Assim, executivos deveriam usar o tempo de filiação organizacional como mecanismo consciente de construção de carreira, mesmo que isso signifique a aceitação de promoções de pequena monta em algum estágio de vida profissional, a fim de manterem-se vinculados a empresas prestigiosas.

A pesquisa organizacional brasileira também tem uma contribuição ao debate sobre o executivo bem sucedido. Girardi (1980) investigou o estilo gerencial de 250 executivos catarinenses do setor público e comparou os resultados com aqueles relatados na literatura para amostras mineiras e americanas. Descobriu não haver um estilo padrão de gerência por parte dos executivos, sendo sua gestão mais circunstanciada por variáveis de nível pessoal, embora se encontrem comparativamente tão capazes de usar mecanismos de feedback quanto seus congêneres americanos, e mais capazes que os mineiros, e com uma maior capacidade de abertura em suas práticas gerenciais que as duas outras amostras citadas.3

Em busca do perfil ideal de executivo face ao ambiente contemporâneo globalizado de negócios, Echeveste, Vieira, Viana, Trez e Panosso (1999) realizaram pesquisa com executivos oriundos das 500 maiores empresas do Brasil, segundo ranking da revista Exame, atribuindo valores a atributos considerados desejáveis por especialistas em momento qualitativo anterior. As análises estatísticas revelaram os atributos considerados mais relevantes na composição do perfil do executivo bem sucedido: integridade, visão estratégica, liderança, conhecimento das operações da empresa, capacidade de decisão, negociação e coordenação de trabalhos em equipe, associadas ao foco nos resultados. E mais ainda: ética no trato das questões profissionais e sociais, motivação, proatividade e habilidade para o trato interpessoal.

Numa perspectiva semiótica, Nascimento e Gregorin Filho (2001) analisaram o percurso narrativo de construção da imagem social do executivo em publicações brasileiras voltadas para os negócios, como Exame e Você S.A., a partir de dados visuais e verbais veiculados em suas matérias, e encontraram que essa imagem se constrói na confluência de dois percursos narrativos. No primeiro deles, ressalta-se o plano do conteúdo nas ênfases percebidas na formação universitária, domínio de idiomas e novas tecnologias, experiência e cursos de atualização, além da boa aparência. Por sua vez, no plano da expressão, a postura física deve acompanhar o comportamento na forma de apagamento das diferenças sexuais e de qualquer forma de individualidade, na busca de discrição e sobriedade no uso das cores, brilhos e acessórios, no fomento de uma retilinearidade e uniformidade corporais que deslocam quaisquer traços da vida pessoal para um regime secundário em relação às necessidades da empresa, sendo esse percurso de objetificação do profissional executivo correlativo ao grau de instrumentalidade que o mesmo pode assumir para a empresa.

A difusão sistemática dessa imagem através de vários mecanismos discursivos pressiona-o para uma uniformização e padronização em resposta à demanda ideológica dominante no mundo organizacional para compor o perfil desse executivo bem sucedido, que impacta diretamente na corporeidade do indivíduo, tornando árduo o caminho daqueles que não se sentem enquadrados no padrão.

Finalizando esse levantamento nacional sobre o executivo bem sucedido, em estudo recente sobre a relação existente entre o desempenho financeiro e a remuneração de executivos de empresas brasileiras de capital aberto que têm ADRs (American Depositary Receipts) listados em bolsas norte-americanas, Camargos, Helal e Boas (2007) concluíram, com base em regressão múltipla de dados de 29 empresas, por uma relação positiva e estatisticamente significativa entre essas duas variáveis.

Com base nos trabalhos discutidos sobre o executivo tanto nacionais quanto internacionais, observa-se o ainda incipiente tratamento dado aos aspectos ligados à corporeidade no sucesso na carreira, ponto que nos cumpre aprofundar a seguir.

Corpo e corporeidade: sua historicidade no Ocidente

Antes da Revolução Industrial, durante séculos, os corpos trabalhavam integrados com suas ferramentas, como os teares, num urdir e tecer de ritmos naturais, onde estavam presentes as sensações corporais, a imaginação e as emoções (Ugarte, 2005). Com a aceleração do processo de industrialização, as famílias foram tiradas de seu território e levadas para trabalhar nas fábricas, marcando o surgimento do meio urbano.

Com a industrialização ganhando forma através do capitalismo que se firmava no mundo ocidental e todo o materialismo que permeava a época, o corpo passa a ser considerado um reservatório, como as máquinas recém descobertas, capaz de converter energia em trabalho mecânico. As estruturas das organizações eram criadas sob o Mito da Racionalidade, segundo o qual os corpos, tanto quanto as máquinas, deveriam ser submetidos a sistemas organizacionais cientificamente desenhados (Ugarte, op. cit.). O Taylorismo e o Fordismo postulavam um corpo que era uma máquina capaz de trabalhar sem parar, bastando-lhe, para isso, um pouco de comida e de descanso. Aqui o corpo é deslocado para deixar de pertencer a si mesmo e servir como uma máquina de produção (ver Le Breton, 1999).

Apartir de então, podemos perceber o corpo como uma dimensão produzida pelos efeitos da cultura. O significado do corpo varia de acordo com a sociedade, que imprime no corpo físico determinadas transformações, mediante as quais o elemento cultural se inscreve. Não há sociedade que não modifique, de alguma forma, o corpo de seus membros, cada uma, portanto, especializando-se na produção de determinados tipos de corpos, os quais servirão de insígnias da identidade grupal, nos quais o corpo biológico trabalhará como matéria sociológica. O corpo deixa de falar por si próprio - ele representa apenas aquilo que a própria cultura o autoriza a representar (Le Breton, 1999).

Na contemporaneidade, firma-se uma tendência em que o indivíduo passa a pensar seu corpo como um material, como um simples suporte e veículo de sua pessoa; ele parece se afastar cada vez mais do seu próprio corpo e concebê-lo como uma matéria imperfeita, corrigível e finalmente dispensável, conforme análises de Le Breton (1999) e Malysse (2000). Na era da globalização, o ser humano fica cada vez mais atrelado à tecnologia e acredita que, através dela, será capaz de moldar seu corpo, melhorando, assim, sua auto-estima e atendendo a um chamado da mídia, das grandes corporações de cosméticos, da moda e da indústria da medicina remodeladora (ver Medina, 2006).

Por sua vez, as discussões que envolvem a problemática da corporeidade ensejam um conjunto de perspectivas teóricas que objetivam restabelecer a relação entre o corpo e a mente, ou entre o sensível e o inteligível. A emergência desse tema apresenta-se como proposta para superação da visão mecanicista fragmentadora do princípio da unidade do ser humano e pela sua abrangência multidimensional, multicausada, atravessada por inscrições culturais, ou seja, por instâncias simbólicas e, portanto, não-materiais, tendo, no corpo físico, como instância material e biológica, uma de suas principais dimensões.

Para Bastos e Brito (2004), a corporeidade constitui-se de um sistema organicamente articulado das dimensões física, ou estrutura orgânica-biofísicamotora - base material de todas as dimensões humanas -, emocional-afetiva - toda nossa dinâmica não-cognitiva conformada por instinto, pulsão, afeto, Mental - nossa plataforma de experiência espiritual, cognição, razão, pensamento, idéia, consciência, e, por fim, a sócio-histórica, representada pelo cultural, valores, hábitos, costumes, sentidos, significados e simbolismos. Todas essas dimensões estão indissociadas na totalidade do ser humano e são reforçadas pela visão da maleabilidade identificada por Foucault, citado por Silveira (2005), na corporeidade do indivíduo. Na visão Foucaultiana, o corpo em suas emanações (sentimentos, vontades, desejos) pode ser rearticulado, partindo apenas de um mapeamento das forças histórico-estratégicas que o atravessam. Essas forças histórico-estratégicas estão emaranhadas nas relações de poder e saber que o indivíduo mantém com a sociedade.

A importância do ambiente no desenvolvimento da corporeidade do indivíduo e da sociabilidade está na forma como esse indivíduo, através de seu sistema sensorial, capta as informações que recebe do ambiente externo, transforma-as e armazena-as intra-pessoalmente. Nessa dinâmica, a corporeidade torna-se o campo de prova onde o corpo entra como uma peça do jogo de dominações e submissões, um depósito de marcas e sinais que nele se inscrevem de acordo com as efetividades de tais embates (Silveira, 2001).

Nesse jogo de dominações, símbolos vão sendo agrupados, significados vão sendo criados e uma imagem vai sendo construída. A corporeidade de cada indivíduo vai sendo moldada através do processo de interação entre as pessoas, no qual uma importância fundamental é dada ao sentido que as coisas têm para o comportamento humano, evidenciando, assim, a origem social, não só da corporeidade, mas do próprio individuo a ela vinculado.

A Construção Social do Self e da Sociedade no Interacionismo Simbólico e no Construcionismo Social

George Herbert Mead (1934) afirma que toda atividade grupal se baseia no comportamento cooperativo. A associação humana surge quando cada ator individual percebe a intenção dos atos dos outros e, então, constrói sua própria resposta com base naquela intenção. Para que haja cooperação entre os seres humanos, é necessário que alguns mecanismos estejam presentes, que possibilitem a cada ator individual entender as linhas de ação dos outros e direcionar seu próprio comportamento a fim de acomodar-se àquelas linhas de ação.

Para Miltzer, citado por Haguette (2003), todo comportamento humano tem por objetivo dar respostas às intenções futuras dos outros, não somente às suas ações presentes, intenções que são transmitidas através de gestos simbólicos, passíveis de ser interpretadas, e que, com o passar do tempo, assumem um senti-do comum para determinado grupo social. A sociedade humana, pois, se baseia no consenso de sentidos compartilhados sob a forma de compreensões e expectativas comuns.

Para que essa interação aconteça e a ação do indivíduo tenha um significado, é necessário que esse indivíduo tenha um self - um organismo que responda a si mesmo e aos outros. Esse self surge no mesmo processo de interação social dos outros objetos, através das definições feitas por outros, que servirão de referencial para que ele possa ver-se a si mesmo. Consequentemente, nós vemos a nós mesmos através da forma como os outros nos vêem ou nos definem.

A presença de um self indica a possibilidade de o indivíduo dirigir e controlar seu comportamento, ao invés de tornar-se um agente passivo dos impulsos e estímulos, utilizando para isso a mente. Essa, por sua vez, é concebida por Mead (1934) como um processo que se manifesta sempre que o indivíduo interage consigo próprio usando símbolos que lhe são significativos. Nesse processo, o organismo seleciona os estímulos que lhe são importantes, rejeitando aqueles que considera irrelevantes. Diante da diversidade de objetos que está à sua volta, o indivíduo, em um primeiro momento, interpreta esse objeto para, em seguida, poder agir. A ação da parte do ser humano consiste em levar em consideração as várias coisas que ele nota, construindo uma linha de conduta na base de como ele as interpreta.

Por sua vez, a construção da sociedade, para Berger e Luckmann (2004), parte do pressuposto de que todo conhecimento humano é desenvolvido, transmitido e mantido em situações sociais, de tal maneira que uma realidade admitida como certa se sedimenta para o homem da rua. Para os autores, as formulações teóricas da realidade, quer sejam científicas quer filosóficas, quer sejam até mitológicas, não esgotam o que é real para os membros de uma sociedade, pois o senso comum é que constitui o tecido de significados sem o qual nenhuma sociedade poderia existir.

O mundo da vida cotidiana se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, na conduta subjetivamente dotada de sentidos para cada indivíduo, que, com o decorrer do tempo, torna-se real para eles. Essa realidade social da vida cotidiana dos indivíduos é partilhada através, principalmente, de uma interação face a face ampla e flexível. Se, por um lado, é difícil de se imporem padrões rígidos, pois eles precisam ser continuamente modificados devido ao intercâmbio extremamente variado e sutil de significados subjetivos que existem, por outro, percebemos que ela já está padronizada, pois a apreensão do outro é realizada por meio de esquemas tipificadores.

Essas tipificações são símbolos construídos através de uma história compartilhada e através dos quais nos comunicamos. Quando institucionalizados e anônimos, são reforçados sistematicamente através de vários mecanismos. Nesse intercâmbio contínuo, as tipificações se tornam progressivamente anônimas à medida que se afastam da situação face a face. Ainstitucionalização desses símbolos ocorre sempre que há uma tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores, o que, por sua vez, exige uma situação social duradoura, na qual as ações habituais de dois ou mais indivíduos se entrelacem, ou seja, ações importantes para X e Y em uma situação comum (ver Berger & Luckmann, 2004).

A consciência individual retém apenas uma parte das experiências humanas, as quais são sedimentadas, isto é, consolidam-se na lembrança como entidades reconhecíveis e capazes de ser lembradas. Essa sedimentação possibilita ao indivíduo dar sentido à sua biografia que, quando compartilhada por um grupo social, passa a fazer parte do acervo comum de conhecimento desse grupo e só nesse momento é transmitida de geração para geração.

A transmissão desse acervo de conhecimento se faz principalmente através da linguagem, aqui definida como sistema de sinais vocais utilizados pelos indivíduos na construção de tipificações para a compreensão da realidade da vida cotidiana que, por acumular significados e experiências, tem o poder de se preservar no tempo. É com base nesses esquemas tipificadores que o indivíduo constrói e perpetua uma imagem específica ou sistema articulado de imagens de um objeto.

A construção social da imagem do executivo bem sucedido

No mundo corporativo, a imagem do executivo bem sucedido está relacionada com status, dinheiro e poder. Por outro lado, percebemos que, nessa imagem, o corpo físico está mascarado por um discurso ideológico (Nascimento & Gregorin Filho, 2001) que impacta diretamente a corporeidade do indivíduo, ou seja, a percepção que ele tem de si mesmo diante dos outros.

Na perspectiva construcionista social, a vida de uma instituição representa um vasto processo de formação, sustentação e transformação de objetos, na medida em que seus sentidos se modificam, modificando o mundo das pessoas (Berger & Luckmann, 2004). O mundo corporativo, contexto onde atua o executivo bem sucedido, é considerado por vários autores (Stair, 1998; Fjermestad & Ocker, 2007; Cuevas et al., 2004; Bresser-Pereira, 2005) como um local de compartilhamento de conhecimentos. O compartilhamento desses conhecimentos, ou seja, as tipificações compartilhadas nesse mundo já foram previamente definidas por gerações anteriores e são sistematicamente reforçadas pela interação face a face, tal como é definida por Berger e Luckmann (2004) e pela influência exercida pela mídia impressa e pelos formadores de opinião.

Nesse intercâmbio de conhecimentos, verificamos a atuação de três atores principais: de um lado, aquele que se ocupa da escolha dos profissionais para compor o quadro de funcionários, que são os responsáveis pela inclusão ou não do indivíduo; do outro, o indivíduo que está se aperfeiçoando para conseguir adentrar nesse contexto; e um terceiro que teria o papel de reforçar padrões que lhe sejam interessantes e aceitos pela ideologia dominante. Esses três atores compartilharam, durante toda sua experiência de vida, tipificações de uma corporeidade impostas por valores de uma sociedade precedente a eles, que exerce forte influência sobre qualquer processo de escolha em que estejam envolvidos.

É importante acentuar o caráter controlador que a instituição organização exerce sobre o indivíduo, direcionando o aspirante a executivo a caminhar em uma direção, em oposição a muitas outras que seriam teoricamente possíveis, incluindo operações que incidem numa corporeidade que visa a seu aspecto de boa aparência, exigindo-lhe sacrifícios importantes e uso de tecnologias de manipulação e de gerenciamento de si no conformar-se a um padrão estabelecido de beleza e de aparência tipificadas institucionalmente (ver Nascimento & Gregorin Filho, 2001; Kofodimos, 1990). Esse exercício de poder institucional recebe reforços externos dos mass media em geral, que reforçam continuamente essas tipificações institucionalizadas do mundo corporativo. Do mesmo modo, os mecanismos televisivos de construção de subjetividades e, conseqüentemente, de relações intersubjetivas descritos por Medina (2006) prescrevem um sujeito preocupado com a estética, com o cuidado de si, com a aparência, tendo como ideal de corporeidade o corpo magro.

Machado (1979) reflete que Foucault nos lembra a força que o poder exerce sobre os indivíduos, intervindo materialmente sobre eles, atingindo "a realidade mais concreta dos indivíduos - o seu corpo - e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder" (Machado, 1979, p. xii). Esse poder transforma a corporeidade do indivíduo, tornando-a passiva perante o real, e coloca o corpo como um agente, uma peça dentro de um jogo de forças presente em toda a rede social. Ele define todas as relações sociais características de uma sociedade, permeando-as de forma onipresente e moldando os indivíduos de acordo com o grupamento social em que está inserido.

As ideologias que são compartilhadas pelos indivíduos através de uma produção própria de sistemas de sinais - que vão desde os sinais gesticulatórios e vocais, movimentos corporais padronizados, ou de vários conjuntos de artefatos materiais, entre outros - estão impregnadas desse poder (Berger & Luckmann, 2004).

Ele está presente no processo de interação de distintos elementos envolvidos com o mundo organizacional, a saber, profissionais no exercício de suas funções, formadores de opinião como professores e consultores, revistas interessadas nessa área de estudos. Há também os pesquisadores e os teóricos organizacionais, as revistas científicas especializadas e os mass media, em geral, portavozes que são da cultura societária mais ampla e principais responsáveis pela difusão dos padrões considerados como os corretos.

Assim, o estudo visa investigar a imagem do executivo bem sucedido e sua dimensão de corporeidade ao longo de sua construção, na trajetória universitária de graduandos em Administração de Empresas. Assume-se a hipótese de que essa imagem vai se modificando ao longo do tempo pelo impacto pervasivo de distintas fontes de informação (sociedade, mass media, professores, consultores, cultura organizacional, etc.) a que o estudante tem acesso em sua formação universitária.

 

Método

Participantes

A amostra que forneceu o lastro empírico da pesquisa compôs-se de um contingente de 35 estudantes do Curso de Administração de Empresas de uma Instituição de Ensino Superior de âmbito privado, sediada em bairro nobre da cidade de Recife (PE). Distribuíram-se os respondentes em três grupos segundo o nível do curso, a saber, 12 participantes do primeiro ano do curso (06 homens e 06 mulheres), 12 participantes de período intermediário no curso (2º e 3º anos, 06 homens e 06 mulheres) e 11 participantes do período final do curso, seu último ano (07 homens e 04 mulheres). Houve, com os últimos, uma maior dificuldade de se conseguir a anuência à participação, por razões várias, como tempo escasso para a tarefa, uma vez que todos trabalham, menor engajamento em atividades acadêmicas, devido ao status de alunos concluintes, o que gerou um desnível entre participantes de sexo masculino e feminino no último grupo, o que, contudo, não comprometeu de modo estatisticamente significante os resultados.

Procedimentos

A pesquisa foi realizada entre os meses de maio e junho, após a apresentação dos seus objetivos e das garantias éticas apresentadas pelo coordenador do projeto ao coordenador do referido curso. Após anuência do coordenador e da diretoria, a equipe da pesquisa teve acesso aos espaços da faculdade, onde pôde fazer o recrutamento dos participantes de duas maneiras principais: ou individualmente, nos espaços livres da instituição, ou em horário de aulas, com ajuda dos professores. Os estudantes que concordaram em participar marcaram horários de conveniência mútua, e a resposta ao instrumento se realizou em locais previamente acordados com a instituição, sendo a aplicação na maioria das vezes individual, havendo também alguns momentos de aplicação em duplas. A coleta processouse sempre com um primeiro momento de apresentação formal dos objetivos e dos esclarecimentos éticos, após o que o instrumento era entregue ao participante pelos pesquisadores e respondido em sua presença.

Instrumentos

O instrumento de coleta de dados, na forma de um questionário semiestruturado, foi constituído de 10 perguntas abertas que versavam sobre as concepções vinculadas ao objeto, executivo bem sucedido, o significado da corporeidade na carreira executiva e sobre expectativas do respondente quanto ao seu futuro profissional, além de 15 questões objetivas (uma delas aberta), que levantavam aspectos para a composição do perfil sociodemográfico e profissiográfico do indivíduo. Este trabalho testemunha as análises sobre a imagem do executivo a partir do exame de uma questão específica do instrumento, na qual era perguntado: "Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?".

Análise de dados

Para Minayo (1994) a metodologia escolhida em uma pesquisa social deve ser o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Como um conjunto de técnicas, ela deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de encaminhar os impasses teóricos para o desafio da prática. Nesse sentido, nossa opção de metodologia foi a pesquisa qualitativa, que parte do pressuposto de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, sendo o sujeito-observador parte integrante do processo de conhecimento, quando, ao interpretar os fenômenos, atribui-lhes significados, segundo Haguette (2003). Essa abordagem metodológica tornou-se a opção mais viável ao encaminhamento da pesquisa, por dar respostas a questões em um nível de realidade que não é quantificável, por trabalhar com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (ver Minayo, 1994).

Os dados foram formatados e processados segundo as prescrições da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2004), que parte do pressuposto de que por trás do discurso aparente esconde-se um outro sentido que convém descobrir, que procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais o pesquisador se debruçou. Dentre as técnicas oferecidas pela Análise de Conteúdo, optamos por trabalhar com a Análise Categorial, segundo critérios de classificação semântica do material discursivo produzido pelos estudantes, num procedimento de diferenciação interna ao material e posterior recomposição por analogia, na forma de rubricas mais gerais ou classes e categorias, onde, por exemplo, produções discursivas dos respondentes como "Manter relações sociais" e "Saber se relacionar em grupo" foram agrupadas na categoria Relacionamento. Esse procedimento permitiu o levantamento do rico campo de significados associados por essa população ao executivo bem sucedido.

O encontrado pela análise de conteúdo foi levado a tratamento quantitativo, com três procedimentos básicos: quantificação simples das categorias criadas pela análise, teste de Kruskal-Wallis das médias de freqüências das categorias e Análise de Estrutura de Similaridade. Aprimeira das análises permitiu a constituição do perfil das categorias encontradas em sua ordem de importância na estruturação do significado entre os níveis do curso. Para testar a hipótese de os distintos níveis do curso (Inicial, Intermediário e Final) constituírem grupos diferentes quanto à construção do objeto em investigação, analisaram-se as médias de freqüência das categorias analíticas criadas pelo procedimento qualitativo, usando-se a Prova de Kruskal-Wallis (Siegel, 1979).

Por fim, investigando-se o inter-relacionamento empírico das categorias encontradas na relação com a variável de interesse, Nível do Curso, operou-se uma Análise de Estrutura de Similaridade (SSA, Structure Similarity Analysis, Guttman, 1968; 1991), técnica estatística pertencente às famílias de técnicas escalonares multidimensionais (MDS, Multidimensional Scaling; Coombs, Dawes & Tversky, 1979; Roazzi, 1995), que permite que se convertam distâncias de natureza psicológica em distâncias euclidianas, na forma de representações espaço-geométricas, a partir de julgamentos de similaridade. O pressuposto básico dessas análises é o de que distâncias encontradas no plano geométrico respondem a distâncias reais no fenômeno psicológico sob escrutínio (para mais detalhes, ver Roazzi, 1995). A análise foi coadjuvada pelo método das variáveis externas enquanto pontos (Cohen & Amar, 1999; Roazzi & Dias, 2001), que permitiu a verificação da posição de cada variável externa escolhida (cada um dos níveis do curso) na estrutura simbólica encontrada - a imagem do executivo bem sucedido. O uso das referidas análises MDS, apoiadas no referencial metateórico da Teoria das Facetas - a qual pressupõe o uso de uma metodologia de pesquisa que visa a integrar planejamento e análise de dados através de análises multidimensionais e cujo objetivo principal é facilitar o conhecimento cumulativo e abrir novas perspectivas e possibilidades para o descobrimento de novas leis em áreas diversas de investigação (ver Roazzi & Dias, 2001) - possibilitou uma descrição fiel, sem perda dos caracteres qualitativos dos dados, das relações entre as categorias de significado encontradas e destas com os distintos níveis de travessia da formação universitária do alunado em questão.

 

Resultados

Análise de conteúdo

Do registro discursivo dos 35 respondentes em resposta à questão da imagem do executivo bem sucedido construiu-se um corpus, o qual, submetido à Análise de Conteúdo, permitiu a identificação de 185 unidades de registro representativas dessas características, momentos singulares de significação de aspectos específicos desse objeto. Por um procedimento de classificação, essas unidades semânticas foram agrupadas em 11 categorias éticas ou analíticas, que passamos a descrever, relacionando-as com suas unidades de registro mais significativas.

Aprimeira categoria gerada foi denominada Self ou Pessoalidade, referente aos atributos da personalidade do indivíduo, como descrito no fragmento significante "Ter auto-confiança do participante" 15 (P15), sua corporeidade como em "Valorização da imagem" (P30) e "Ter peso condizente com sua altura" (P35), e implicação pessoal com a empresa relatado em "Perfil adequado para a empresa" (P32). Em seguida, identificou-se a categoria Determinação, com enfoque na persistência desse ator organizacional, exemplificada nos itens exemplares "Ter força de vontade" (P16) e "Ter interesse constante" (P7), na constância em perseguir objetivos definidos como em "Criar um plano de objetivos" (P1), enfrentando com perseverança os riscos inerentes a empreitadas dessa natureza, evidenciado em itens como "Ter coragem para entrar em um negócio." (P25).

Sociabilidade foi a terceira categoria levantada na análise e descrita como a capacidade de o indivíduo tornar a vida interpessoal mais harmoniosa, conforme tornado explícito em "Possuir a faculdade de cativar as pessoas" (P4) ou "Espontaneidade" (P17), tendo a capacidade empática de se colocar no lugar do outro, percebendo as situações de seu ponto de vista, como em "Compreender as pessoas" (P7). Por sua vez, Relacionamento representa o estabelecimento de vínculo entre um indivíduo e o outro em geral (indivíduos ou grupos), como se exemplifica a partir dos trechos discursivos" Saber se relacionar em grupos" (P18) e "Manter relações sociais" (P1).

A quinta categoria, representada em itens discursivos como "Procurar aperfeiçoar o conhecimento adquirido" (P27), "Ter domínio sobre sua área de atuação" (P11) e "Estar bem atualizado com as tecnologias do mundo moderno" (P34), significa a capacidade de o indivíduo assimilar informações de diversas fontes, refletir sobre elas e aplicá-las no seu dia-a-dia, sendo, por isso, denominada Conhecimento. As descrições relacionadas com a capacidade de influenciar pessoas e grupos foram agrupadas em uma categoria denominada Liderança, expressa em trechos significantes como "Conseguir que as pessoas o considerem um líder" (P8) e "Ter espírito de liderança" (P23).

Competência, significando o saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos, habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao próprio indivíduo, é salientada em "Ter desenvoltura na área profissional" (P33) e "Ser eficiente, ser eficaz" (P15), pondo em relevo competências específicas do sujeito executivo. Por sua vez, a capacidade de procurar e (ou) se adaptar ao novo, encontradas em trechos como "Estar pronto para novas culturas" (P24), "Estar atualizado com as mudanças do mercado" (P29) e "Possuir uma visão além do esperado" (P4) foram agrupadas na categoria Novidade.

Expressões como "Desenvolver atitudes pró-ativas" (P1) e "Ser dinâmico" (P18) foram agrupadas na categoria Atividade, representando a capacidade de o indivíduo se posicionar antecipadamente às situações, em sua prontidão à ação e ao enfrentamento rápido e inteligente dos obstáculos colocados ao exercício cotidiano da gestão. "Administrar conflitos" (P31) e "Equilibrar razão e emoção" (P22) estão entre as unidades de registro representativas da categoria Flexibilidade, que enfoca o traço de o executivo ser capaz de administração de tendências opostas e (ou) conflitantes, e por fim, a última das categorias geradas, nomeada de Ética, que compreende a reflexão crítica sobre os fundamentos de um sistema moral, de uma pessoa, de um grupo ou de uma organização e foi representada por unidades de registro como "Ter postura ética" (P7) ou "Ter comportamento diante da função" (P10). No entrelaçamento dessas unidades semânticas, o corpus investigado veicula o que, para esses futuros profissionais, são os traços distintivos com que o executivo bem sucedido pode ser reconhecido.

Análise estatística

As categorias levantadas qualitativamente tiveram suas freqüências de aparecimento no corpus quantificadas na relação com os níveis do curso, e, para se verificar a hipótese de diferenças não-casuais na organização das categorias em sua distribuição pelos três níveis do curso, utilizou-se a Prova de Kruskal-Wallis cujos resultados encontram-se listados na Tabela 1.

 

 

Observou-se, na comparação estatística das médias das categorias, uma ausência de diferenças importantes entre os grupos em investigação no tocante à maioria das categorias listadas, à exceção de três delas, a saber, Sociabilidade e Ética (ambas com p<.05) e Relacionamento (p<.01), nas quais se localiza uma tendência de a primeira exibir níveis mais expressivos nos grupos inicial e intermediário, decaindo significativamente apenas na proximidade do término do curso (grupo final), além de uma tendência paralela que organiza a freqüência das duas últimas em patamares importantes logo no início da trajetória acadêmica e decresce sensivelmente nos estratos mediano e final dessa caminhada.

Os resultados da Análise de Estrutura de Similaridade (Guttman, 1968; 1991) coadjuvada pelo método das variáveis externas enquanto pontos (Cohen & Amar, 1999) expandem nossa apreciação dos resultados da prova de Kruskal-Wallis, encontrando-se uma distribuição pouco homogênea das categorias no plano espacial, como se pode observar na Figura 1.

A projeção encontrada revela uma estrutura polar em 06 facetas nomeadas de Agência, Vínculo, Cognição, Criatividade, Individualismo e Competências, organizadas em sentido horário e de natureza não-ordenada, em que mais da metade das categorias localiza-se em seu plano superior.

No plano inferior do primeiro quadrante superior, na porção esquerda dessa região, encontra-se localizada a faceta Agência, conformada pelas categorias Atividade e Determinação, aproximadas empiricamente pelos vínculos semânticos que acentuam a ação concreta e a disposição ou prontidão à ação do executivo. Acima dessa faceta, encontram-se os significados de Ética, Relacionamento e Sociabilidade conformando uma região da projeção espacial nomeada de Vínculo, assim batizada pela ênfase semântica na dialética eu-outro, nos modos de interação conformados por regras éticas explícitas e motivação para a atividade conjunta. Há de se notar a presença, no interior dessa faceta e próxima à categoria Sociabilidade, da variável externa que representa o grupo Inicial, a qual, por sua localização na parte mediana, interfacia com as facetas que lhe são vizinhas.

O elemento significante Conhecimento, postado no segundo quadrante superior ao lado direito da região Vínculo, representa a faceta Cognição, e testemunha a importância destacada pelos participantes nos processos de construção de conhecimento necessários ao sucesso do Executivo. Outrossim, e nessa direção, a categoria Flexibilidade abre passagem para modos distintos de significação do objeto investigado, localizada que está distanciada dos três grupos em foco, no quadrante oposto ao do grupo Inicial, estando mais situada na direção do grupo Final, embora ainda mantendo afastamento expressivo deste. Sua localização na proximidade da categoria Novidade, localizada em uma área bem central da projeção, conformam a faceta Criatividade, destacando a necessidade de pensamento e comportamento flexíveis no atendimento das exigências de inovação na condução dos processos administrativos nas organizações contemporâneas.

O grupo Intermediário, por sua vez, se mantém em íntima associação com os significados de Liderança e Competência, núcleos fundantes da faceta Competências, que destaca as habilidades, perícia, respostas comportamentais adequadas e capacidade de influenciação organizacional exigidas ao alto escalão da gestão corporativa. Essa trama significante faz interface com o campo semântico onde o grupo Final está localizado através da categoria Self - único elemento da faceta Individualismo pelo relevo ofertado às características intrínsecas do individuo executivo, sua personalidade, corporeidade e implicação pessoal com a empresa, a qual se vincula fortemente aos estudantes finalistas, e de forma muito abrandada com os intermediários, mantendo alguma distância desses.

A análise da organização espacial das categorias em uma estrutura nãoordenada de tipo polar revela uma atratividade de um grupo maior entre si e oposto às categorias postadas nos quadrantes inferiores, e dadas as posições distanciadas das variáveis externas (os níveis do curso), desvela-se uma diferenciação interna à imagem do executivo bem sucedido consoante ass diversas ocupações dos grupos na linha do tempo, ao longo da travessia universitária.

 

Discussão

Que características um Executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional? A busca empírica de respostas revelou uma imagem multifacetada e plasmada a partir de uma matriz de pensamento organizacional e corporativo, em que tipificações desse ator social estruturam demandas crescentes de exigências e prescrições comportamentais aos que desejam escalar os mais altos postos da carreira administrativa (Berger & Luckmann, 2004). O estudo confirmou relatos teóricos que indicam para o gestor contemporâneo a necessidade de uma formação continuada, da busca de conhecimentos e habilidades, do gerenciamento rigoroso da própria carreira (Echeveste et al., 1999; Robbins, 2005) e, sobretudo, de si mesmo, de sua pessoalidade, sua corporeidade (Ugarte, 2005; Cristina & Paim, 2004; Le Breton, 1999), além do impacto sobre os outros em interações propícias ao desenvolvimento pessoal (Fjermestad & Ocker, 2007; Citrin & Smith, 2003). Corrobora igualmente uma percepção generalizada de uma escalada crescente de exigências feitas a esse profissional pela cultura corporativa e do mundo dos negócios (ver Rodrigues, Barros & Silva, 2003; Vergara & Davel, 2001), exigências realizáveis a um custo subjetivo importante (Kofodimos, 1990).

Se, por um lado, percebe-se uma imagem mais diferenciada do profissional executivo no inicio do curso e uma maior preocupação com o elemento humano qualitativo nos estratos iniciais da formação universitária, faz-se preocupante que a imagem do executivo bem sucedido vá progressivamente se homogeneizando e empobrecendo ao final dessa formação. Esse fato se revela paralelo à sabida entrada progressiva do alunado no mercado de trabalho e à aculturação organizacional, objetivando um fenômeno que propomos ser entendido em termos de progressiva individualização das atitudes, apagamento dos requerimentos éticos e excessiva responsabilização do próprio indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso no mundo dos negócios.

Conforme atestado pela projeção SSA encontrada, ao longo da travessia universitária o alunado percebe cada vez mais o sucesso do executivo como devido a elementos sob sua estrita responsabilidade e individualidade, atingindo o nível mais recôndito e intransferível dessa - o próprio self do executivo, base de suas características pessoais e corporeidade. Ao término da travessia no curso, as relações intersubjetivas e os elementos éticos que a estruturam, e mesmo o conhecimento e competências - elementos tão associados na literatura ao executivo bem sucedido (ver Citrin & Smith, 2003; Bresser-Pereira, 2005), pela distância na projeção do grupo finalista - não são vistos como relacionados com o sucesso na carreira executiva, estando o executivo mergulhado numa solidão profissional semelhante à descrita pelos estudos de Kofodimos (1990), que a interpreta como resultado do profundo desequilíbrio que rege a dinâmica ascensional organizacional desse profissional.

Há de se notar a centralidade da categoria Novidade na projeção, ponto nodal de encontro dos diversos campos semânticos capturados pela pesquisa, exigência posta ao profissional executivo contemporâneo de ser ele próprio a porta de entrada de novas idéias e paradigmas (ver Eigel & Kuhnert, 2005; Ferdig, 2007; Stair, 1998), renovando as dinâmicas organizacionais sob sua responsabilidade, percepção que parece se manter de modo um tanto estável durante a formação. Paradoxalmente, o clamor pela inovação, onipresente entre os grupos, faz-se acompanhar por um exercício de modelação de si nada divergente de ditames bem arraigados das culturas organizacionais, relacionados à pessoalidade do executivo, sua submissão incondicional aos valores da empresa, organizados por uma lógica capitalista de cerceamento das subjetividades e coisificação generalizada do humano, que alcança o executivo nos mais recônditos rincões de sua subjetividade - sua base corporal (Machado, 1979), reclamando modelação, apagamento, discrição e submissão ao imaginário cultural dos corpos bem formados e dóceis (Le Breton, 1999; Malysse, 2000; Machado, 1979; Bastos & Brito, 2004; Silveira, 2001; 2005), na direção do encontrado por Nascimento e Gregorin Filho (2001) em pesquisa anterior sobre temática semelhante.

Nesta presente contribuição científica, corporeidade e pessoalidade são as notas expressivas de um processo amplo de individualização do profissional executivo, que o afasta da percepção da realidade complexa, transformativa, intersubjetiva e sistêmica das organizações atuais (Robbins, 2005; Stair, 1998), isolamento cujo ônus deverá se fazer sentir ao longo da carreira executiva em amplo espectro de funcionamento humano desse profissional. Semelhante aos seus congêneres norte-americanos estudados por Kofodimos (1990), cujas gratificações organizacionais são ganhas a expensas de suas vidas pessoais, executivos bem sucedidos, na concepção de administradores nordestinos em formação, têm um preço a pagar na materialidade de seus próprios corpos, não sendo casual o fato de isso ser percebido de forma tão candente pelos finalistas, os de maior imersão e aculturação organizacionais, e aqueles sobre quem já começam a recair as mesmas injunções da cultura corporativa. Além disso, o deslocamento simbólico efetuado ao longo da formação universitária (ver Mead, 1934), em detrimento dos elementos técnicos, teóricos e éticos mais próprios a essa formação, exige investigações posteriores sobre o papel de fontes alternativas como os mass media em geral na conformação da imagem social do executivo bem sucedido por futuros profissionais da área de gestão.

 

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1 A abordagem teórica desenvolvida pelos autores tem como foco principal a descrição dos modos como os componentes do subsistema tecnológico, como as Tecnologias de Informação (TI) colaborativas e fatores ambientais externos (por exemplo, lacuna de inserção no mercado), afetam o funcionamento do subsistema pessoal, representado pelos membros das equipes virtuais, dentro de organizações pensadas de modo orgânico como sistemas sociotécnicos.
2 Justifica-se o aumento praticamente diário de poder e de renda dos executivos na forma de numerosos bônus e opções sobre ações, visto haver evidências, em estudos, que mostram que a competência de executivos na direção das empresas pode afetar, em período criticamente curto, o fluxo de caixa das mesmas e seus lucros (ver Camargos, Helal, & Boas, 2007, mais adiante, para o caso brasileiro). Contudo, Bresser-Pereira (2005) discute o perigo que esse poder na configuração sobre os próprios salários, na dependência do alcance de bons resultados, representa para esses executivos, alguns dos quais têm sucumbido à corrupção na forma de falsos demonstrativos contábeis que testemunham resultados inexistentes, como no caso Enrom recente.
3 Neste estudo, feedback é o processo através do qual a pessoa solicita informações sobre seu comportamento a outras pessoas. Abertura, ao contrário, é o processo pelo qual a pessoa dá informações de si mesma a outras pessoas. (Girardi, 1980, p. 26).

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