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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.1 Florianópolis jun. 2008

 

RESENHA

 

O empreendedorismo como objeto de estudo da psicologia

 

 

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Professor associado. Universidade Federal do Ceará. E-mail: tupinamb@ufc.br

 

 

Psicologia do Empreendedor (The Psychology of Entrepreunership) é a vigésima quarta obra que compõe a série intitulada Fronteiras Organizacionais da Sociedade de Psicologia Organizacional e Industrial (SIOP), publicada em Londres pela editora Lawrence Erlbaum Associates (LEA), em 2007. A série teve início em 1983, visando à edição de livros com temas pertinentes à psicologia organizacional e industrial, de natureza teórica e empírica. O volume que ora resenhamos pretende, em seus dezesseis capítulos de conteúdos até então inéditos, compatibilizar quatro metas inerentes ao projeto editorial nomeado, quais sejam: 1) focalizar a pesquisa e a teoria acerca da ciência das organizações e suas implicações para a prática; 2) apresentar os avanços significativos na teoria e na pesquisa psicológica e em disciplinas a ela relacionadas que se mostram relevantes para sua pesquisa e sua prática; 3) desafiar a comunidade científica para que se engaje no desenvolvimento e na adaptação de novas idéias, bem como na condução de pesquisa no âmbito desse desenvolvimento; e, finalmente, 4) viabilizar o uso de conhecimento científico para a solução de itens concernentes a políticas públicas e ao aumento da eficácia organizacional.

O presente volume foi editado por Robert Baum, professor associado da área de empreendedorismo na Smith School of Business, Universidade de Maryland; Michael Frese, diretor do Instituto de Psicologia do Trabalho e das Organizações, da Universidade de Giessen, Alemanha; e Robert A. Baron, professor do Instituto Politécnico Rensselaer. No âmbito da psicologia, o trabalho traz uma reflexão nova acerca do empreendedorismo e permite uma melhor compreensão desse tópico, uma vez que integra um grande número de informações sob o foco essencialmente psicológico. No centro da questão, está o tema dos empreendimentos, suas vicissitudes e seus elementos, que são de interesse da psicologia. Ao longo dos diferentes capítulos, observa-se a preocupação em definir o empreendedorismo e apresentá-lo como um objeto legítimo de estudo da psicologia. O valor de tal empreitada se justifica pelo estágio inicial em que o estudo científico dessa temática se encontra, especialmente levando-se em conta os investimentos da psicologia para compreendê-lo. Nos primeiros capítulos, é possível identificar diversas questões sobre como e porque algumas pessoas percebem as oportunidades, começam novos negócios e os transformam em negócios de sucesso. Dentro da maioria dos dezesseis capítulos que formam o livro, em graus diferentes, perpassam as preocupações com a identificação das necessidades de pesquisa na área, sendo que seu último capítulo integra os conhecimentos expostos em toda a obra e discorre, à guisa de conclusão, sobre o horizonte dessas pesquisas.

O primeiro capítulo busca, em perspectiva histórica, a conceitualização de emprendedorismo. Os autores do capítulo intitulado "Empreendedorismo como um domínio de estudos psicológicos: uma introdução" discutem as raízes da pesquisa sobre o tema e sua importância social e econômica. A idéia de que empreendedorismo é algo fudamentalmente pessoal - dependente de visão, intenção e trabalho para conceber e converter idéias de negócio em produtos e serviços de sucesso - define a necessidade de se compreender quem é o empreendedor e de que tal assunto seja abordado pela psicologia. Isso legitima o campo de pesquisa sobre empreendedorismo para os psicólogos, numa história que iniciou com McClelland em 1961, com seu trabalho The achieving society. A psicologia do empreendedorismo caminha, segundo os autores, para um reconhecimento cada vez maior, da mesma forma que a psicologia das organizações e das indústrias teve o seu valor reconhecido ao se provar necessária para o enriquecimento do trabalho departamental e gerencial nas organizações de trabalho.

Passadas essas primeiras noções de empreendedorismo e sua definição como objeto de estudo da psicologia, podemos, com o capítulo dois, "Empreendedorismo: uma perspectiva processual", sistematizar o processo do empreendedorismo. Tal sistematização é compreendida por meio de diferentes modelos com diferentes números de fases e estágios que descrevem o processo do empreendedorismo. Além das fases e estágios, aspectos inerentes a ambos são considerados. Não vale a pena identificar essas fases e estágios em forma de modelos sem definir as ações que os empreendedores desenvolvem e os resultados alternativos para cada fase. Em suma, o trabalho dos autores desse capítulo sugere o empreendedorismo como um processo contínuo de envolvimento, em contraste com um evento simples ou com uma série de eventos independentes. Trata-se, pois, de uma perspectiva de processo, ou seja, um modelo de empreendedorismo processual, que pode ser dividido em fases para fins de análise. Além de permitir o desenvolvimento de futuras pesquisas na área, o desenvolvimento de um arcabouço teórico claro do processo de empreendedorismo promove uma fundamentação sólida na criação de técnicas úteis para ajudar os empreendedores nas suas tentativas de fundar novos negócios e de resolver diversos problemas inerentes à ação empreendedora.

"Nascido para ser um empreendedor?: revisitando a abordagem de personalidade acerca do empreendedorismo". Esse tema nasceu de teses e dissertações desenvolvidas na Universidade de Giessen, na Alemanha, pela equipe do professor doutor Michael Frese. No capítulo específico, os autores revisam o domínio histórico da pesquisa sobre personalidade no âmbito do empreendedorismo e seu eventual declínio, apontando, contudo, para um renovado interesse na área. São apresentadas diversas razões para o renascimento desse interesse. Prescrições para a melhora em metodologias de pesquisa dessa natureza e sugestões de modelos para orientar tais pesquisas fazem parte do roteiro do capítulo.

Os capítulos quatro e cinco, respectivamente intitulados "As competências do empreendedor" e "A motivação do empreendedor", discutem como as diferenças individuais podem explicar o sucesso empresarial, sejam elas em termos de conhecimento, capacidade e habilidade, de um lado, ou de motivação, de outro. Uma busca de definições desses conceitos e a abordagem de teorias psicológicas existentes ajudam a organizar nomeados conceitos no âmbito da pesquisa sobre empreendedorismo. O leitor encontra ainda uma lista de temas que podem inspirar a pesquisa sobre preditores de sucesso no âmbito das competências individuais e da motivação e suas relações com o sucesso empresarial.

O título "Revisitando os empreendedores como produtos organizacionais" deriva da noção de que novos empreendimentos são criados com freqüência como uma reação a experiências de emprego e com recursos obtidos como empregado. Isto é, os contextos organizacionais oferecem aos empresários oportunidades de desenvolver recursos psicológicos e sociais que são necessários para a criação de um novo negócio. Em suma, os autores recuperam diferentes aspectos relacionados à experiência de se ter sido empregado ou participar de outras organizações para a vivência de trabalhar por conta própria. Na opinião desses autores, empresários são, em muitos casos, produtos de organizações.

"Cognição e capacitação em empresas". O capítulo sete traz, de forma resumida, as caracterísitcas dos estilos de pensamento do empreendedor. Sugere que seus estilos de decisão devem se adequar às caracterísiticas da decisão que está a seu alcance. Conclui que a tomada de decisão heurísitica, apesar de efetiva em estágios iniciais do negócio, pode ser de pouca utilidade em estágios mais maduros da empresa. Os autores buscam, por meio do desenvolvimento de um conceito de cognição empresarial, responder à pergunta acerca das capacidades que permitirão a uma determinada pessoa superar a fase inicial na abertura de um novo negócio: "[...] the entrepreneurial capabilities that are necessary in the early years are rarely sufficient later in the life of a new venture when dynamic capabilities take on greater importance. The skills and decision style appropriate for the early stages may also become dysfunctional in later stages." (Busenitz e Arthurs, 2007, p. 144).

Michael Frese apresenta uma "teoria da ação" (isto é, uma teoria da regulação da ação) para explorarar a seqüência, a estrutura e o foco das ações do empresário. A teoria é, de fato, uma teoria da ação, nascida na Alemanha (Frese, Zapf, 1994). Para se estabelecer uma toria geral do comportamento de trabalho, segundo o autor, é necessário se iniciar com o conceito de ação. Ação é um comportamento orientado para metas, organizado em modos específicos segundo essas metas. É também a integração de informação, planos e feedback, podendo ser regulada conscientemente ou por rotinas. É uma teoria diferenciada daquelas originadas nos Estados Unidos no âmbito da psicologia organizacional e industrial. Tudo fica mais claro se se levar em conta a aplicação dessa teoria geral para se compreenderem determinados fenômenos, como, por exemplo, o que acontece com erros cometidos pelas pessoas durante a realização de suas tarefas no âmbito do trabalho. Tais erros podem ser melhor compreendidos como uma conversão de ação eficiente. Aqui é apresentada uma taxonomia de erros no âmbito da teoria da ação. Também é apresentado um conceito de gerenciamento de erros que permite uma abordagem ativa para lidar com eles. No que tange a uma possível relação entre os conceitos de trabalho e de personalidade de um ponto de vista da teoria da ação, vê-se que uma pessoa desenvolve sua personalidade ao agir. Daí se constatar que o trabalho tem certo impacto no desenvolvimento da personalidade. No âmbito do desenvolvimento de competência no local de trabalho e no treinamento, introduz-se o conceito de "supertrabalhador", aquele que usa melhores estratégias, entende melhor suas tarefas e se organiza melhor sem ter de trabalhar mais do que os outros trabalhadores. As caracterísiticas da tarefa e o desenho do trabalho podem também ser apresentados a partir da perspectiva da teoria da ação, o que, no livro comentado, é transposto para o campo das ações do empresário. Ateoria da ação, conforme desenhada por Frese, serve para explorar as sequências, a estrutura e o foco das ações do empresário. A teoria da ação oferece um esquema tridimensional para a avaliação da ação humana (seqüência, estrutura e foco). Sequência reflete o caminho desde as metas até o feedback e estrutura indica o nível de regulação da ação (habilidade para uma heurística metacognitiva). Foco vai da tarefa para o self. A teoria é explicada em detalhe neste capítulo e é subsequentemente relacionada com a ação empresarial para permitir uma explicação da performance do empresário.

Os dois próximos capítulos, "Empreendedorismo e liderança" e "Educação e treinamento no âmbito do empreendedorismo", trazem, respectivamente, questões sobre coincidências dos conceitos de liderança e empreendedorismo: "Podem os fundadores das empresas se tornar líderes empresariais? E da formação do empreendedor: "Pode-se ensinar o empreendedorismo?". É pertinente às atividades de determinados psicólogos contribuir para responder a perguntas acerca das relações entre ação empreendedora e de liderança, assim como a perguntas sobre a educação e treinamento de empreendedores.

No capítulo onze, "Intraempreendedorismo e inovação", Tom Lumpkin descreve o comportamento empreendedor em empresas já estabelecidas. Nesse contexto, novidade e não apenas mudança significa o verdadeiro processo intra-empreendedor. O autor discute a ligação entre intra-empreendedorismo e inovação e identifica as barreiras para ambos, oferecendo ainda prescrições para sua prática efetiva.

Questões sobre os aspectos interculturais do empreendedorismo são abordadas a partir de um caso chinês no capítulo doze intitulado "Empreendedorismo intercultural: o caso da China". Sugestões metodológicas estão presentes nesse capítulo e se baseiam nos estudos de Hofstede e na pesquisa GLOBE (House et al., 2004). A discussão acerca da metodologia da pesquisa intercultural inclui sugestões específicas que são de grande ajuda para a melhor concepção e elaboração de instrumentos de pesquisa como questionários. Entre outros temas de pesquisa aqui presentes, podem ser citados aqueles que relacionam cultura com empreendedorismo e comportamento empresarial em diferentes países.

Estratégias para lidar com os desafios metodológicos da pesquisa psicológica sobre empreendedorismo ocupam as páginas dos capítulos treze, "Desafios dos métodos e oportunidades no estudo psicológico sobre empreendedorismo, e quatorze, "Psicologia, empreendedorismo e a 'confusão crítica'". Vantagens e desvantagens de estudos documentais, levantamentos, estudos de caso e experimentos de laboratório são discutidas. Bill Gartner encoraja, por seu turno, estudantes de empreendedorismo a irem além de perspectivas disciplinares estreitas no início da sua compreensão sobre empreendedorismo. Demonstra apoio à pesquisa qualitativa, que cria uma "confusão crítica" de conhecimento. Esse tipo de pesquisa é derivado da experiência de profissionais e de acadêmicos oriundos de diversas disciplinas. De um lado, há sugestões para psicólogos que desejem se utilizar de alguma das várias metodologias discutidas e, do outro, um encorajamento para a realização de pesquisas descritivas que enfoquem (a) o processo de fundação de uma empresa e (b) as ações pessoais que levam ao sucesso de novos negócios por meio da utilização de autobiografias, artigos da imprensa e entrevistas pessoais.

"Um vez que estamos criando confusão, por que não tentar fazer o correto?". O título do capítulo quinze sugere uma crítica à qualidade da pesquisa na área da psicologia do empreendedorismo: é clara a pobreza característica dos estudos dessa área quando comparados com aqueles de áreas da psicologia tradicional. O autor sugere, para o avanço na compreensão do comportamento empresarial, que pesquisadores da área da psicologia e das organizações tragam consigo todas as ferramentas metodológicas de que dispõem e as utilizem no trabalho com o tema do empreendedorismo.

Para encerrar essa abordagem do livro The Psychology of Entrepreneurship, parafraseamos os seus prefaciadores, nomeadamente os professores J. Robert Baum, Michael Frese e Robert A. Baron, que sumarizam adequadamente o capítulo dezesseis, intitulado "Ganhos de pesquisa: benefícios de laços mais estreitos entre a psicologia organizacional e industrial e o empreendedorismo". Esse último capítulo é um sumário de opiniões que perpassam toda a obra. Os autores revisitam o essencial das questões em torno da pesquisa sobre empreendedorismo e confirmam a originalidade do livro, ao dizerem que ela reside no fato de unir pesquisadores da área do empreendedorismo e da psicologia organizacional e industrial, com o mérito maior, exatamente, de conseguir a integração dessas duas áreas de estudo: "Acreditamos particularmente que descobertas, métodos, princípios e teorias da psicologia organizacional e industrial podem ajudar o empreendedorismo ao responder a muitas de suas questões básicas. Por outro lado, sugerimos que o campo do empreendedorismo pode, com seu foco em novos negócios, ajudar essa área da psicologia com uma arena potencialmente valorosa para testar e estender suas descobertas e teorias, a maioria delas desenvolvidas no contexto de organizações grandes e maduras.

Essas observações sobre o livro reforçam a nossa recomendação de sua leitura. A inegável contribuição ao estudo do empreendedorismo em suas várias facetas numa perspectiva psicológica, nova e original, permite refletir sobre o tema, superando conhecimentos até então dispersas e pouco fundamentadas. O leitor terá, ao final da leitura, o sentimento de uma caminhada acompanhado de interlocutores que conseguem pôr na pauta do dia temas que deverão cada vez mais integrar as preocupações de psicólogos organizacionais.

 

Referências

Baum, J. R., Frese, M., Baron, R. (2007). The Psychology of Entrepreneurship. London: LEA,         [ Links ]

Busenitz L. W., Arthurs, J. D. (2007). Cognition and Capabilities in Entrepreneurial Ventures. Em Baum, J. R., Frese, M., Baron, R. The Psychology of Entrepreneurship. London: LEA.         [ Links ]

Frese, M., Zapf, D. (1994). Action as a Core of Work Psychology: A German Approach. Em H.C.Triandis, M.D. Dunnette, and

L.M. Hough (Orgs.). Handbook of Industrial and Organizational Psycholgoy. (2ªed.) (Vol. 4). Palo Alto (CA): Consulting Psychologist Press.

House, R.J. et al. (Org.). (2004). Culture, Leadership, and Organizations. The GLOBE Study of 62 Societies. London: SAGE.         [ Links ]

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