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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.8 n.2 Florianópolis dic. 2008

 

ARTIGOS

 

"Seguir carreira como vendedor, de jeito nenhum!": um estudo comparativo da atividade de vendedores em shoppings centers1

 

"End up my days like a seller, no way!": a comparative study of the activity of sellers in shopping malls

 

 

Helena Karla Barbosa de LimaI; Carla Sabrina AntlogaII; Anísio José da Silva AraújoIII

IMestre em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Universidade de Brasília. End. Eletrônico: helenalima@unb.br
IIMestre em Psicologia Social e do Trabalho. Universidade de Brasília. End. Eletrônico: antloga@yahoo.com
IIIDoutor em Saúde Pública. Universidade Federal da Paraíba. anisiojsa@uol.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo investigar a atividade de vendedores que trabalham em shopping centers e suas implicações na saúde desses trabalhadores. Pretendeu-se, também, confrontar a visão dos vendedores de São Paulo (SP) e do Distrito Federal (DF). Utilizou-se a técnica de entrevista semiestruturada, com a participação de 10 empregados no estudo. O tratamento dos dados foi feito por meio da Análise de Conteúdo Categorial Temática, apreendendo-se cinco categorias: contratação e inserção no trabalho; características do trabalho com vendas em shoppings centers; obrigações; relações sociais de trabalho; relações fora do trabalho e expectativas futuras. Os resultados mostraram que as condições de trabalho desses profissionais são marcadas por pesadas prescrições, que se refletem em intensas pressões e ocasionam estresse e competição. Tais elementos parecem estar na origem de um sofrimento psíquico peculiar. Em muitos aspectos identificaram-se semelhanças entre os vendedores de SP e do DF, mas observou-se, no que tange a expectativas futuras, uma diferença importante: enquanto os trabalhadores de SP pretendem seguir carreira no shopping, os do DF veem esse trabalho como passageiro.

Palavras-chave: Shopping Center; saúde; trabalho.


ABSTRACT

This writing focuses on analyzing the activity of sellers who work in shopping malls and the way it affects their health. We also intend to compare the opinions of sellers from Sao Paulo and Federal District. A semi-structured interview technique was used, in which ten employees participated. The data was analyzed and combined through the Thematic Categorical Content Analysis, by taking five categories: the work insertion or hiring; characteristics of the "seller" job in shopping centers; duties; social work relationships; and after work relations and future planning. The results show that these professional conditions suffer strict prescriptions, which reflect in deep pressure, resulting in stress and competition. All of these conditions seem to be in the origin of a peculiar psychic suffering. The Comparison between the two different regions allows us to identify common points between DF and SP sellers, but in terms of future expectations we can find an important difference: while workers from Sao Paulo intend to develop their career in shopping malls sector, workers from DF (Federal District- Brasília) face their jobs as a temporary position.

Keywords:Shopping Malls; health; work.


 

 

1. Introdução

O universo de um Shopping Center é cercado de magnitude, encantamento, consumismo, poder e riqueza, traduzindo fielmente a atual face do modelo capitalista. Esse universo de serviços parece simbolizar o que Harvey (1992) denomina de Modelo da Especialização Flexível. De fato, nele se concentra uma miríade de lojas que comercializam uma produção em pequena quantidade, dirigida a mercados específicos. Embora sobrevivente, a produção fordista (típica das lojas de departamentos) cede espaço a uma produção em massa flexível, focalizada, atenta às solicitações do mercado, que espelha a reorientação capitalista que vigorou a partir dos anos 1970, quando uma conjunção de fatores levou à crise o regime fordista. Queremos, assim, chamar a atenção para o fato de que os shoppings centers, mais do que uma invenção isolada de um grupo de astutos capitalistas, constitui o símbolo de uma nova era do capitalismo.

Na composição dessa poderosa estrutura de consumo, está o vendedor em shopping Center, figura essencial para a manutenção da dinâmica capitalista desse setor. Os vendedores podem até ser confundidos com os próprios clientes na maneira de se vestir ou na maquiagem, mas, por trás dessa máscara, encontra-se uma categoria profissional pouco estudada e, consequentemente, pouco compreendida. Suas angústias, seus medos, seus receios são ofuscados pela necessidade de se apresentarem sempre sorridentes e disponíveis para um bom atendimento. Face a essa realidade, este estudo teve por objetivo geral investigar a atividade desses trabalhadores, bem como os reflexos na sua saúde. Especificamente, objetivou-se caracterizar as condições de trabalho desses profissionais, assim como o seu cotidiano fora do trabalho. Por fim, confrontaram-se as visões dos vendedores de São Paulo e do Distrito Federal, locais de realização da pesquisa.

Estudos consistentes sobre saúde do trabalhador são escassos no que tange a várias categorias profissionais. Claro, Botomé e Kubo (2003), em um artigo sobre os vendedores em shopping centers, contribuem para reduzir a escassez de pesquisa sobre esse setor. Todavia não se aprofundam nas implicações desse tipo de trabalho para a saúde dos trabalhadores, tarefa para a qual se pretende contribuir com este artigo. Diante disso, este estudo se justifica em dois níveis: em primeiro lugar, pela demanda acadêmica referente à necessidade de se conhecer melhor o modo de funcionamento dessa mega estrutura de consumo e seu papel na dinâmica capitalista contemporânea; e, em segundo lugar, pela demanda social, visto que os trabalhadores pesquisados estão imersos em um universo de consumo, do qual participam apenas marginalmente, em condições de trabalho pouco conhecidas. Nesse sentido, a pesquisa buscou reunir elementos que tanto alimentem a produção científica sobre essa realidade quanto subsidie ações de transformação positiva das condições de trabalho e vida dessa categoria de trabalhadores.

 

2. Referencial teórico

2.1 Relação Saúde e Trabalho

O interesse por questões relacionadas a saúde e doença no trabalho data de um século antes do início da Era Cristã, quando Lucrécio colocou a seguinte questão sobre os cavouqueiros das minas: "Não viste ou ouviste como morrem em tão pouco tempo, quando ainda tinham tanta vida pela frente?" (Mendes, 1995).

Mais tarde, a saúde dos trabalhadores passou a atrair a atenção dos estudiosos, e uma das referências de destaque no campo da relação entre trabalho, saúde e doença é, inegavelmente, a do professor de medicina e médico Bernardino Ramazzini (1633-1714), que publicou, em 1700, o tratado De Morbis Artificum Diatriba, traduzido posteriormente para diversos idiomas, inclusive o português, com o título de As doenças dos trabalhadores (Ramazzini, 1985). Nessa obra, são descritas as condições de trabalho e o perfil de doenças de mais de 50 ocupações da época. Sua contribuição se deu também pela introdução da questão "qual a sua profissão?" na anamnese dos pacientes. Essa obra marca o nascimento da Medicina do Trabalho e, para além disso, do interesse em se investigar a relação entre trabalho e saúde (mental), buscando entender as condições que devem respeitadas no sentido de que o trabalho promova a saúde ao invés de deteriorá-la.

Segundo Rouquayrol e Almeida Filho (1999), na década de 1990, o processo conhecido como Terceira Revolução Industrial, ou Reestruturação Produtiva - compreendida como uma nova forma de produzir, proporcionada pelos avanços tecnológicos e por novas formas de organizar e gerir o trabalho - introduziu mudanças significativas nas relações de trabalho e, consequentemente, nos padrões de morbi-mortalidade dos trabalhadores.

Ligado à reestruturação produtiva também está o desemprego estrutural, decorrente, embora não exclusivamente, da introdução de inovações tecnológicas e organizacionais que reduziram, de forma massiva, os postos de trabalho em diferentes setores e atividades. Pode-se observar também a precarização do trabalho, associada ao crescimento da subcontratação, da terceirização, da informalização e terciarização da economia, entre outros aspectos (Dal Rosso, 2003). Também relacionada a essa recente revolução industrial tem-se a flexibilização dos contratos de trabalho que faz com que os trabalhadores, pressionados pela necessidade de sobrevivência, sujeitem-se a condições de trabalho inadequadas, muitas vezes com seus direitos trabalhistas usurpados (Lobato, 2006).

Outro aspecto relevante, ligado ao desenvolvimento tecnológico no mundo do trabalho (Schvarstein & Leopold, 2005), é a redução dos trabalhos considerados penosos e o aumento dos cargos que exigem vigilância e controle de processos. Ou seja: o componente físico está cedendo lugar ao cognitivo e a problemas ligados a aspectos de caráter emocional e motivacional, com Custo Humano no Trabalho cada vez maior (Ferreira & Mendes, 2003).

O conceito de Custo Humano no Trabalho (CHT) é definido por Ferreira (2006) como o custo, para o trabalhador, das exigências físicas, afetivas ou cognitivas impostas pelo trabalho. Assim, têm-se o Custo Físico definido como o dispêndio fisiológico e biomecânico imposto ao trabalhador pelas características de seu trabalho. O Custo cognitivo, significa o dispêndio intelectual para aprendizagem, resolução de problemas e tomada de decisão no trabalho. E o Custo Afetivo é definido como o dispêndio emocional, sob forma de reações afetivas, sentimentos e estados de humor. Para o autor, quanto maiores as exigências impostas pelo trabalho, maior o CHT, e maiores as possibilidades de adoecimento e de prejuízo para a Qualidade de Vida no Trabalho.

Discorrendo sobre essa temática, Nadir (2006) afirma que o campo de saúde do trabalhador tem evidenciado um novo perfil de adoecimento. Se, antes, as doenças mais evidentes no mundo do trabalho se ligavam a características do taylorismo-fordismo (contaminações, acidentes, surdez e excesso de esforço), agora se têm constatado a existência de um novo perfil de adoecimento, além do descrito anteriormente, marcado principalmente pelo sofrimento psíquico. O próximo tópico abordará de forma mais aprofundada essa linha de análise da saúde dos trabalhadores.

2.2 A psicodinâmica do trabalho

A psicopatologia do trabalho teve origem na França, a partir de disciplinas como a psiquiatria social e a psicopatologia social. Procurava-se estudar a relação entre o trabalho e a saúde mental, tendo por referência as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. O modelo que pautava esses estudos tinha um forte viés causalista, na medida em que o sofrimento e o adoecimento psíquicos eram vistos como decorrências da exploração capitalista no trabalho. No entanto, os estudos desenvolvidos sob essa perspectiva não conseguiram detectar, no volume esperado, as doenças mentais produzidas pelo trabalho (uma das razões decorria do fato de as empresas eliminarem rapidamente os sujeitos considerados desajustados), impasse que resultou na interrupção das pesquisas nesse campo por um tempo razoável.

Nos anos 1970, Christophe Dejours retoma as pesquisas em psicopatologia do trabalho, voltando sua atenção para as consequências mentais causadas pelo trabalho, mesmo sem a constatação da existência de doenças mentais. Em 1980, opera-se uma mudança de objeto nessa disciplina, que passa a ser o sofrimento psíquico e as defesas acionadas no sentido de se evitar a doença, mantendo-se, assim, o equilíbrio do trabalhador, ainda que precário, pois o sistema defensivo pode falhar naquilo a que se propõe. O enigma decorre justamente da seguinte questão: como os trabalhadores conseguem manter-se na normalidade, apesar de submetidos a condições de trabalho aviltantes. Posteriormente, Dejours amplia a sua pesquisa, ao dar ênfase não apenas ao sofrimento patogênico, que encaminha naturalmente o sujeito em direção ao adoecimento, mas ao sofrimento criativo, ou seja, aquele que, pela via do reconhecimento (por parte da hierarquia ou dos pares), pode se transformar em prazer, em criatividade, em invenção, fortalecendo a autoestima e protegendo a saúde mental. O trabalho, portanto, constitui um poderoso instrumento de conquista e manutenção da saúde mental (Dejours, 1992).

Compreende-se como sofrimento psíquico uma vivência - muitas vezes inconsciente, individual e (ou) compartilhada por um grupo de trabalhadores - de experiências dolorosas (medos, angústias, inseguranças e receios), advindas de conflitos e contradições originadas das suas necessidades, de seus desejos e das características do seu trabalho em termos de organização, condições e relações socioprofissionais. Por outro lado, as vivências de prazer são experiências de gratificação provenientes da satisfação de desejos e necessidades do trabalhador, por meio da mediação bem sucedida dos conflitos e contradições do trabalho (Mendes, 2007).

"O atendimento referente a diferentes necessidades psicológicas fortemente vinculadas à preservação da identidade social, em valores essenciais que muitas vezes se reportam à própria dignidade, precisa ser levado em conta" (Buschinelli, Rocha & Rigotto,1994, p.615). Nas situações em que, no lugar de um reconhecimento social positivo, o trabalhador se sente rejeitado, o enfrentamento desse evento torna-se penoso, podendo, inclusive, comprometer sua saúde mental. Além disso, aspectos do ambiente físico e a singularidade do sujeito podem influenciar na manutenção ou não da saúde.

Treinar trabalhadores para o cumprimento das tarefas em ambientes agressivos, onde a organização do trabalho não favoreça ao seu exercício, sem lhes oferecer as condições para discutir e propor melhorias, é agravar o estado de angústia e medo que caracteriza a exposição a eventos potencialmente danosos à saúde (Oliveira, 2003). Isso porque, quando se tem a consciência do problema e se sabe que a exposição a ele é imprescindível para executar a tarefa, pode-se ter como resultado o sofrimento no trabalho.

Para lidar com esse sofrimento, o indivíduo desenvolve defesas individuais e coletivas. A negação e a racionalização são exemplos de defesas individuais, e a banalização e a alienação são defesas de caráter coletivo. As estratégias de defesa individuais têm, durante algum tempo, o papel de ajudar o trabalhador a enfrentar o sofrimento. No entanto, o seu uso constante pode levar à alienação, tornando-se ineficaz, além de causar danos físicos, a exemplo de doenças ocupacionais, como os Distúrbios Osteomusculares Relaciondos ao Trabalho, (DORT), depressão, ansiedade, entre outras. Tendo em vista esses aspectos, as estratégias coletivas são mais apropriadas para a manutenção dos trabalhadores próximos à saúde (Ferreira & Mendes, 2003).

Este estudo focaliza os trabalhadores dos shoppings centers, e, dessa forma, faz-se necessária uma breve revisão sobre o surgimento desse ramo de serviços, bem como alguns conceitos, que são tratados no tópico a seguir.

2.3 Shopping centers: história e conceitos

O surgimento dos shoppings centers se deu nos Estados Unidos, no período pós-Segunda Guerra. Eles surgiram como solução para os males urbanos, preenchendo o vazio na vida das pessoas após a guerra. A evolução se deu a partir de lojas gerais (armazéns), onde se podia encontrar de tudo. Posteriormente, surgiram lojas de departamentos, implantadas no século XIX, como resposta ao problema da produção em massa, para finalmente se chegar aos shoppings centers de hoje. O moderno shopping center foi fruto do arquiteto vienense Victor Gruen, que, inspirado nas galerias de Milão e Nápoles do século XIX, almejou, na década de 1950, projetar uma cidade européia na América. O primeiro passo para a construção foi a obra de um espaço fechado para compras, cercado por vagas de estacionamento. Gruen desenhou mais de 50 shoppings, entre os anos de 1950 e 1960 (Padilha, 2006).

Os EUA são o país que apresenta o maior número de shopping centers no mundo (mais de 23 mil unidades). Todavia, é no Canadá que se localiza o maior shopping center do mundo: o West Edmonton Mall. Construído em 1981, ele abriga 830 lojas, um centro aquático, uma pista de patinação, 34 salas de cinema, parque de atrações, aquários, restaurantes, um hotel, estacionamento com 20 mil vagas cobertas, dentre outros serviços (Padilha, 2006).

Na Europa, o surgimento dos shoppings centers está ligado às grandes lojas de departamentos e das galerias parisienses e londrinas. As primeiras unidades que adotaram o conceito americano de centro comercial instalaram-se na Grã-Bretanha, na França e na Alemanha, nas décadas de 1950 e 1960. Esses espaços comerciais começaram a ganhar importância, pois respondiam não apenas às necessidades mercantis, mas também ao lazer e ao descanso das pessoas. Ainda segundo Padilha (2006), na cidade de Lille, na França, o estabelecimento Euralille é um dos cartões postais da cidade, tendo em vista a importância do shopping center no local.

No Brasil, a implementação do primeiro shopping center ocorreu no ano de 1966 (seguindo o padrão norte-americano) em São Paulo, e esse estabelecimento permaneceu único até a instalação de um outro no Distrito Federal. O crescimento desse ramo se deu em meados da década de 80. Um dos principais atrativos atribuídos ao shopping, sobretudo no Brasil, é a segurança. Todavia, segundo Pintaudi, citado por Padilha (2006), o shopping center é uma ilha da fantasia, seguro e confortável, mas exclui todos os que, embora desejem, não podem comprar as mercadorias e os serviços oferecidos.

A indústria de shopping possui hoje 346 unidades, sendo 333 em operação e 13 em construção (no Estado de São Paulo, são 116 unidades, e, no DF, são 14). São mais de 52.000 lojas, 1.300 lojas-âncora e 1.315 salas de cinema e teatro. Em 1983, apenas 15% dos shoppings localizavam-se no interior, mas hoje o número de unidades se elevou para 49% (Associação Brasileira de Shopping Centers, 2008).

Em se tratando do faturamento, as vendas, em 2005, foram de R$ 40 bilhões. Em 2006, esse número alcançou o índice de R$ 44 bilhões. No ano 2000, eram 328 mil empregados. Hoje, são 524.090 mil pessoas que trabalham no setor, e as vendas representam 18% em relação ao varejo nacional, excluindo-se o setor automotivo (Associação Brasileira de Shopping Centers, 2008).

A ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers) é uma entidade que congrega empreendedores do ramo desde a sua fundação, em 1976. Ela tem por função fortalecer a indústria de shopping, tendo como veículo de informações a Revista Shopping Center, com edição bimestral, para o público empresarial, lojistas e fornecedores.

Campos (2003) faz um apanhado de conceitos e considerações sobre os shoppings centers:

Centro comercial que surgiu da evolução de outros modelos de polos comerciais, tal como a loja de departamentos (Masano, 2003, citado por Campos, 2003).

Originam-se do desenvolvimento de lojas de departamentos, o que determinou a idéia de várias lojas sob o mesmo teto (Lãs Casas, 1992, citado por Campos, 2003).

Shopping centers são uma aglomeração de lojas, planejadas de forma a atender a amplo conjunto de necessidades do consumidor (Rocha E. Christense, 1995, citado por Campos).

É a reunião de lojas comerciais, serviços de utilidade pública, casas de espetáculo etc., em um só conjunto arquitetônico (Ferreira, 1999, citado por Campos, 2003).

Padilha (2006) traz a visão de que os shopping centers constituem um símbolo de uma sociedade que valoriza o espetáculo do consumo de bens materiais e de lazer-mercadoria, de uma sociedade que oferece a uma pequena parcela da população o direito de participar desse consumo e lazer. Essa visão da autora retrata bem a sociedade brasileira, marcada por desigualdades e pela exclusão de amplas camadas da população dos circuitos de consumo. A seguir, será apresentado o caminho metodológico percorrido para se alcançar os objetivos da pesquisa.

 

3. Método

Levando-se em consideração os objetivos da pesquisa, optou-se pela utilização do método qualitativo, já que o interesse era acessar o ponto de vista dos participantes da pesquisa no tocante às suas condições de trabalho e de vida. Segundo Buschinelli, Rocha e Rigotto (1994), ao se estudar o trabalhador, visitas ao local de trabalho, entrevistas com os trabalhadores, observação direta e (ou) consulta a documentos são meios para se obterem informações valiosas sobre a relação entre saúde e trabalho. Esta pesquisa fez uso da técnica de entrevista semiestruturada com os vendedores de shopping centers, e o enfoque utilizado foi o indutivo, ou seja, não existiu um pressuposto nem categorias a priori relacionadas aos resultados. A construção dos pressupostos e do mapa de categorias se deu no próprio processo de pesquisa, tendo por base as verbalizações dos sujeitos pesquisados.

3.1 Participantes

Participaram deste estudo 10 vendedores de shopping centers, sendo 05 do Estado de São Paulo e 05 do Distrito Federal, de diversas lojas (livrarias, butiques de roupas de grife e lojas de esportes) conhecidas nacionalmente. A seleção dos participantes se deu por meio da técnica "bola de neve", em que um vendedor indicava outro para ser entrevistado. O número de entrevistas foi delimitado pela exaustão do conteúdo (Bardin, 1977) obtido, na décima entrevista.

No caso do Estado de São Paulo, os entrevistados se caracterizaram por serem todos do sexo masculino, com idades que variavam de 24 a 29 anos (média de 25 anos). Três dos entrevistados tinham nível de escolaridade médio, um possuía superior incompleto e outro, superior completo. Dos cinco, apenas um era casado, e os outros se declararam solteiros. O tempo na instituição variou de três meses a sete anos (média de três anos). Em relação ao salário, os entrevistados relataram ganhar de R$ 700,00 a R$ 1.500,00 (média de R$ 1.140,00), e o tempo de trabalho diário é de seis horas, todos os dias da semana, exceto aos sábados, quando têm de trabalhar 12 horas (com uma hora de almoço), com folgas semanais por escala.

Dos participantes do Distrito Federal, três eram do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idades que variavam de 20 a 25 anos (média de 23 anos). Dois possuíam nível médio e três estavam realizando curso superior. Assim como os de SP, apenas um era casado e os demais solteiros. O nível salarial deles variava de R$ 700,00 a R$ 900,00 (média de R$ 790,00), e o tempo na instituição variava de um a três anos (média de dois anos). A jornada diária desse grupo era de oito horas.

3.2 Instrumentos

A coleta de dados se deu através de entrevistas semi-estruturadas, guiadas por um roteiro básico, mas com a possibilidade de inclusão de novas perguntas no decorrer da entrevista. Os principais eixos da entrevista foram: 1) Como de deu a admissão? 2) Como é um dia de trabalho, do início ao final da jornada? 3) Como são as relações socioprofissionais? e 4) Quais são as perspectivas profissionais? Para que os dados fossem coletados de maneira fidedigna, foi utilizado um gravador digital, o que tornou possível a captação das falas com a permissão dos sujeitos. Além da entrevista, os participantes responderam a um questionário sociodemográfico, para sua caracterização.

3.3 Procedimentos

No estado de São Paulo, por meio de um vendedor de shopping center com quem um dos autores do estudo tinha contato, deu-se o início das entrevistas. Por meio dele, chegou-se a mais quatro nomes de vendedores (de três diferentes lojas) que foram contatados pessoalmente. Para as entrevistas, obteve-se permissão das gerências das lojas. As entrevistas foram realizadas ao final do horário de trabalho, fora das lojas, mas no próprio shopping center, no período de duas semanas, no mês de fevereiro de 2007. Todas as entrevistas foram gravadas com a permissão dos entrevistados e realizadas por uma pesquisadora, com duração média de 18 minutos e 61 segundos.

No Distrito Federal, o procedimento foi similar: por meio de um vendedor conhecido de um dos autores do estudo, chegou-se aos demais. As entrevistas no DF foram realizadas em uma semana, no mês de abril de 2007, fora das lojas, mas no ambiente do shopping center. Todas as entrevistas foram gravadas, e sua duração média foi de 17 minutos e 21 segundos. A análise dos dados coletados é apresentada a seguir.

3.4 Análise dos dados

Para a análise dos dados, foi adotada a técnica de Análise de Conteúdo Categorial Temática (Bardin, 1977). Primeiramente, foram feitas as transcrições de todas as entrevistas realizadas. Em seguida, fez-se a leitura flutuante de cada entrevista, para depois nelas localizar os temas frequentes. Feita a frequência temática, chegou-se às definições das categorias temáticas de cada entrevista (considerando-se o critério de homogeneidade, exaustividade, exclusividade, objetividade e pertinência). Por fim, foram feitas as definições das categoriassíntese, que foram discutidas à luz do referencial teórico. A análise dos dados foi realizada por dois juízes, para que o critério de fidedignidade dos resultados fosse atendido na pesquisa.

 

4. Resultados

Da análise de conteúdo das entrevistas feitas com os cinco sujeitos no estado de São Paulo emergiram cinco categorias síntese, explicitadas a seguir.

Categoria 1 - Contratação e início do trabalho (temas: testes, indicação, orientações, cursos, dificuldades iniciais).

Definição - Essa categoria diz respeito às formas de inserção na função de vendedor nos shoppings. Os vendedores pesquisados passaram por alguns testes, entrevistas, ou apenas foram indicados por alguém, sendo em seguida contratados. No início, passaram por algumas dificuldades, decorrentes, entre outras coisas, da dificuldade na utilização de softwares. Em alguns casos, houve treinamento. Observa-se que o contato direto com a realidade de trabalho é imediato: o vendedor já começa lidando com o cliente no ato da venda. Existe orientação quanto ao modo de tratar o cliente, além de cursos referentes aos produtos comercializados.

Verbalizações:

"Eu fui contratado como caixa, operador de caixa. E daí apareceu a oportunidade pra ser vendedor... Fizeram uma avaliação, e eu fui aceito... Por indicação, aí a pessoa que me indicou saiu da empresa e eu entrei no lugar dela"

"Sempre há. Sempre há um treinamento, desde o método de você marcar a sua vez pra atender, o método de você atender... A empresa mesma dá um treinamento no escritório, você fica o dia inteiro, você tem treinamento com vídeos, vídeos de motivação, como você atender um calçado, tudo que é preparado pra um vendedor essa empresa aqui ensina. As outras empresas eu não sei."

Categoria 2 - Características do trabalho com vendas em shopping (temas: pressão, estresse, competição, salários).

Definição - Esse é um trabalho como qualquer outro, no sentido de que está submetido às leis trabalhistas. Existe uma pressão constante, pois é preciso correr para atingir as metas, em especial aos sábados. A cobrança por metas é contínua e feita pessoalmente pela gerência a cada vendedor(a). Esse ambiente de pressão torna o trabalho cansativo e estressante. Além disso, existe a competição, a disputa de clientes entre os vendedores, pois quanto mais vendas se concretizam, maior é o rendimento. Trabalhar de domingo a domingo é algo que gera insatisfação, mas é, de certa forma, compensado com o dinheiro que se ganha.

Verbalizações:

"O capitalismo é isso aí: o maior vai sempre levar vantagem em cima do menor. Então, não tem como, eu não consigo enxergar algo que mudaria pra melhor no comércio. O comércio é isso aí mesmo, quer queira quer não, é predatismo."

"No sábado, que é o dia mais cansativo, é das 9:30 da manhã às 10 da noite. A gente teoricamente tem 01 hora de almoço. Teoricamente, porque a gente depende de vendas. A gente, somos comissionáveis. Então, a gente precisa vender, precisa alcançar números, precisa ter as suas metas pra bater. Então, geralmente, o vendedor faz o que: meia hora, 40 minutos no máximo de horário de almoço no sábado, que é o dia mais estressante."

Categoria 3 - Obrigações (temas: metas, regras, normas da loja, normas do shopping, exercício da atividade).

Definição - São os limites impostos pela empresa ao trabalhador, e se referem a horários, reuniões antes do expediente, fardamento, crachás, limpeza da loja, obedecer à vez de atender, ficar em pé todo o tempo, o bom convívio social. Há também o aspecto das metas que devem ser atingidas nas vendas. O fracasso em atingi-las compromete, num primeiro momento, o salário, e, num segundo momento, até o próprio emprego. As normas do shopping também devem ser seguidas, além das da loja. No exercício da atividade, a calma deve ser sempre mantida, e não se pode manifestar qualquer sentimento de insatisfação. Cada vendedor tem a sua tarefa, e só pode sair da loja quando tudo estiver devidamente arrumado.

Verbalizações:

"A rotina de um vendedor é arrumar a sua loja, deixar com aspecto bom para o cliente, deixar a loja organizada, isso é uma rotina. Partindo daí, o atendimento comum do cliente... Venda, pós-venda, o controle das suas vendas, e a busca da sua meta que é o que faz você ter um bom salário."

"Aqui tem umas normas pré-determinadas. Por exemplo, a gente tem que chegar meia hora antes da loja abrir pra fazer a limpeza da loja, né?, Temos que fazer a limpeza da loja, tem que estar sempre uniformizado, com crachá, NE? Isso são normas."

"Tem as normas do shopping também, porque a gente trabalha no shopping: a gente trabalha pra loja, só que a gente trabalha no shopping. São várias normas: você não pode fumar no shopping, você não pode fazer vitrine de bermuda... Então são dois, a gente praticamente tem dois patrão, né?"

Categoria 4 - Relações sociais de trabalho (temas: chefia, cliente, colegas).

Definição - A relação entre o vendedor e a gerência é considerada, em geral, positiva, pois ela sabe ouvir os funcionários. Todavia, há gerentes que se utilizam, em algumas situações, de práticas de assédio moral (por exemplo, chamar os funcionários de medíocres por não atingirem as metas). Com os clientes, a relação é agradável, mas alguns são tidos como estressados. Com os colegas de trabalho, há competição e, às vezes, atritos.

Verbalizações:

"É a terceira gerencia que eu tô passando. A primeira, ele queria ver só o lado dele, né, o lado da empresa, e assim, os funcionários tinham que correr, porque ele pegava no pé... Ah, nas reuniões dele, ele começava a jogar na cara de todo mundo, falava, tipo, se a gente tivesse corrido um pouco mais teria conseguido bater a meta final. O o vendedor podia fazer mais do que ele fez. Ele falava que você era medíocre. Ele falava que eram medíocres: - Vocês são medíocres, não conseguiram bater a meta!"

"Você trabalha com o ser humano no atendimento no comércio, e muda de uma pessoa pra outra. Você atende um cliente muito legal, uma pessoa super bacana, porém você atende outra super estressada. Eu não sei qual é o problema na vida dela... E isso vai manifestando a sua raiva também, só que você tem que se controlar, isso vai ficando pra você, você vai guardando essa ira. Isso é um atendimento desgastante, um atendimento louco."

Categoria 5 - O tempo fora do trabalho e as expectativas futuras (estudo, família, lazer, sentimentos, crescer na empresa).

Definição - O tempo fora do trabalho é aproveitado para atividades de lazer, como esportes, bem como para o estudo, mesmo que corrido. Existe o sentimento, ao fim de uma jornada de trabalho, de cansaço mental, bem como de alívio (quando se consegue fechar boas vendas sem problemas). Em se tratando de expectativas futuras, o estudo está presente, mas o crescimento profissional dentro da loja é o objetivo de grande parte dos vendedores.

Verbalizações:

"Você não consegue chegar em casa e se dedicar exclusivamente as pessoas que estão, à sua família. Mas depois de um dia de descanso você volta ao normal."

"Meu pensamento é crescer dentro da empresa, porque como a empresa tá crescendo, o funcionário tem direito de crescer também, entendeu? Então, as oportunidades estão abrindo, vão abrir mais lojas aí, hoje tá com uma grande rede."

As entrevistas realizadas no DF trouxeram as mesmas categorias, porém com algumas mudanças de temas:

Categoria 1 - Modos de inserção no emprego e de iniciação no trabalho (temas: busca, indicação, treinamento, orientações).

Definição - Trata-se do processo de inserção dos funcionários para o exercício da função de vendas nos shoppings. Os vendedores buscaram o emprego, passaram por entrevistas, ou apenas foram indicados por alguém e, em seguida, foram contratados. Há o treinamento, tanto no escritório das lojas, onde se exibem vídeos de cursos sobre vendas, quanto no próprio local de trabalho, uma espécie de treinamento on the job (no próprio desenrolar do trabalho). Há, também, um treinamento de integração, quando são fornecidas informações sobre o funcionamento da loja, como se dá a sua organização, e também sobre as funções de cada vendedor.

Verbalizações:

"... primeiro eu entreguei o currículo, aí eu fui chamada pra entrevista."

"... eu fiz um treinamento no escritório, depois eu fui mandada pra loja, e fiz um treinamento de mais três dias pra poder começar a trabalhar de fato e eles ficarem comigo, e eu assinar contrato."

Categoria 2 - Características do trabalho com vendas em shopping (temas: competição metas, salários).

Definição - O trabalho é cansativo, pois exige uma disponibilidade integral, condicionada às deliberações da administração do shopping (em relação a se trabalhar nos sábados, domingos e feriados). Os vendedores devem ser pacientes ao lidar com os clientes. Existem épocas do ano em que a jornada ultrapassa oito horas. Todos querem "bater" as metas impostas, e, para isso, competem com os colegas, permanecendo o dia inteiro na loja, para conseguir um salário maior. Trabalhar, nesse caso, significa ter uma preocupação contínua em concretizar vendas, já que é sobre esse critério que o desempenho é avaliado e o salário estipulado.

Verbalizações:

"...aqui a gente ganha por comissão, a gente é comissionado. A gente tem um piso, que é o comercial, se a gente não vende acima desse piso, a gente ganha só esse piso."

"... a competitividade é um negócio que pega. Todo mundo querendo atingir as metas, é muita competição."

Categoria 3 - Obrigações (temas: liberdade, regras, normas da loja).

Definição - São os limites impostos pela empresa ao trabalhador. A gerência estabelece que a loja deve estar sempre arrumada e limpa, sendo essa uma obrigação do vendedor. Além disso, o vendedor também é caixa, devendo ter cuidado para não cometer erros. Não são permitidas conversas para além de certo limite entre os vendedores, e eles têm de permanecer de pé durante toda a jornada de trabalho. Há liberdades, como ir ao banheiro, mas não se pode exagerar.

Verbalizações:

"... a gente primeiro tem que limpar a loja, varrer, organizar tudo, depois a loja abre e a gente começa a fazer nossas vendas."

"... não pode haver conversa na frente da loja, o dono se ver fica bravo. A gente não pode ficar sentado, tem que ficar em pé na frente o tempo todo. Se quiser sentar, a gente senta no estoque, mas na frente da loja não pode... A gente não aguenta muito em pé, mas dá um jeito, vai pro estoque, vai aguentando..."

Categoria 4 - Relações sociais de trabalho (temas: chefia, cliente, colegas).

Definição - As relações com os colegas de trabalho são tensas, chegando, inclusive, a situações de atritos, muito em função da competitividade instalada pela busca em atingir as metas. Com os clientes, existem relações boas e ruins, condicionadas às características dos clientes e à forma como abordam os vendedores. Com a chefia, existem problemas, devido à passividade de alguns gerentes para a resolução de problemas.

Verbalizações:

"... é bom, mas às vezes rola umas brigas, umas intrigas, aí é meio complicado."

"... a relação com a chefia é complicada, porque a loja tem alguns problemas, eu sinto que o chefe às vezes abandona a loja."

Categoria 5 - Após o expediente e expectativas futuras (estudo, lazer, trabalho fora do shopping).

Definição - O lazer torna-se muito restrito com o trabalho em shoppings, vistoque não há tempo para muita diversão. É difícil conciliar trabalho e estudos; a preferência é pelos estudos, pois não se quer seguir carreira no shopping. As expectativas são de sair do shopping e trabalhar em algo de que se goste. O trabalho em shopping é passageiro.

Verbalizações:

"... eu tive que diminuir as minhas saídas, porque eu não dou conta; se eu ficar saindo, eu fico só o bagaço pra trabalhar."

"... semestre passado foi bastante puxado, eu tinha que acordar bem cedo pra estudar, e depois tinha que vir pra cá. Eu tranquei nesse semestre, mas vou voltar, não quero essa vida de shopping não."

"... seguir carreira como vendedor, de jeito nenhum... Só se eu fosse dono da loja, porque trabalhar em shopping eu não quero. Cansa, é cansativo, tem que trabalhar sábado, domingo, feriado. Não, não quero isso pra minha vida não."

 

5. Discussão

Em se tratando das características do trabalho em shopping centers, os participantes de São Paulo relataram trabalhar em turnos de seis horas diárias, exceto aos sábados, quando a jornada atinge 12 horas. A queixa, nas falas dos sujeitos, está principalmente relacionada ao fato de ter de trabalhar nos finais de semana, em especial aos sábados, pois o lazer e convívio social são prejudicados, principalmente com os familiares. Todavia, mesmo que o trabalho aos sábados seja cansativo, é recompensado pelas vendas, que, em geral, são melhores.

Segundo Fischer, Moreno e Rotenberg (2004), no setor de varejo, o horário de funcionamento foi expandido e os horários flexibilizados. O trabalho em turnos, o trabalho temporário e os empregos não-permanentes estão sendo usados para atender às demandas do mercado, neutralizando, assim, conquistas históricas dos trabalhadores, especialmente no que tange à preservação das condições de saúde.

Os trabalhadores em turnos vivenciam um cotidiano diferente dos demais profissionais. O trabalho realizado à noite ou nos finais de semana altera o padrão de horários adotado socialmente (que é o sono noturno, trabalho diurno e lazer após o trabalho e nos finais de semana). Estudos sobre o valor subjetivo do tempo mostraram que o sábado à noite é o momento mais valorizado como tempo livre, o que corrobora os resultados da pesquisa, pois os sujeitos se queixaram do trabalho aos sábados (Fischer, Moreno & Rotenberg, 2004).

Corroborando as observações de Nadir (2006) e Ferreira e Mendes (2003) - que apontam para um perfil de adoecimento dos trabalhadores não apenas relacionado a trabalhos pesados, mas também a trabalhos com elevado custo cognitivo e afetivo -, os vendedores entrevistados relataram que se sentem bastante cansados não só fisicamente, mas mentalmente, já que trabalho leva a um elevado desgaste mental. Esse fator contribui para agravos à saúde mental, podendo levar ao sofrimento psíquico do trabalhador.

Percebe-se que os trabalhadores utilizam mecanismos de defesa específicos, para enfrentar os sofrimentos gerados pelo trabalho com vendas nos shoppings: culpam o capitalismo, eximindo-se de qualquer responsabilidade; acham que o trabalho no comércio de shopping center é um trabalho como qualquer outro, não reconhecendo a singularidade desse tipo de exploração; acreditam que é humano, por simplesmente estar adequado à legislação trabalhista. Trata-se de manifestações defensivas contra a real marca do trabalho em shopping: ter de trabalhar sob pressão, atingir metas, seguir prescrições múltiplas e pesadas.

Tanto os vendedores de SP quanto os do DF possuem funções que extrapolam o vender: devem limpar a loja, cuidar da arrumação, da organização dos setores, participar de reuniões com a chefia antes do início das vendas, atuar como caixa, ou seja, o trabalho real dos vendedores vai muito além do prescrito, relativo somente às vendas. Esse tipo de trabalho adquire, na literatura, vários adjetivos: polivalente, alargado, enriquecido. Na verdade, conforme atestam Fleury e Vargas (1983), o que se tem, em muitas experiências de enriquecimento do trabalho, é um somatório de tarefas pobres, todas elas previamente taylorizadas. Além disso, a multifuncionalidade que aí se exige permite que se demitam e se substituam empregados sem grandes transtornos ao fluxo do trabalho. O que se tem, de fato, é um verniz para a exploração, uma forma moderna de justificar o uso predatório dos humanos.

As condições de trabalho desses profissionais (SP e DF) são marcadas por regras rígidas, pressão, estresse excessivo, competição entre os colegas e metas difíceis de atingir. Manifesta-se aí um quadro típico do capitalismo contemporâneo: gestão por metas, elevando a um grau insuportável o custo do trabalho; avaliação calcada no desempenho, que ignora toda a gestão que os trabalhadores realizam, no sentido de que fazer com que a produção e o serviço aconteçam; competitividade que cega os trabalhadores em relação ao sofrimento e à situação do outro, fragmentando ou simplesmente dissolvendo os coletivos de trabalho (Dejours, 2006).

No que tange às relações socioprofissionais, os vendedores de SP apresentaram relatos de uma boa convivência com as chefias, exceto num caso, em que se apresentaram situações de assédio moral. Com os colegas, o clima é de competição, e afirmam que isso é típico do trabalho com vendas, já que eles ganham melhores salários por comissão (há um salário base, e os adicionais por comissão). Com os clientes, os relatos apontam para relações que oscilam entre satisfatórias e tensas, quando o cliente é grosseiro. No DF, as relações com os colegas de trabalho são complicadas, devido à competitividade. Com os clientes, existem relações boas e ruins, e com a chefia, existem problemas que atrapalham e desmotivam o vendedor. Retorna aqui a questão da competitividade gerada pela gestão por metas (ou por objetivos). No caso das vendas, esse modo de gestão adquire tons dramáticos, já que o salário básico representa uma pequena fatia no montante de rendimentos. Ou seja, o rendimento está condicionado a uma atitude de caça ao cliente (embora algumas regras tenham sido geradas, como respeitar a vez), o que significa, em muitos casos, fazer uso de deslealdades para superar o concorrente-trabalhador que está ao lado. Pode-se aquilatar o estrago que isso ocasiona no coletivo de trabalho, ou seja, é a sua completa desestabilização. Pode-se afirmar que o trabalhador vive, nesse caso, uma condição de absoluta solidão diante dos constrangimentos organizacionais (seja da loja da qual é empregado, seja da organização maior, o shopping center).

Um fato interessante apresentado nos resultados é que a maioria dos trabalhadores de SP almeja continuar no trabalho em shopping center. Eles desejam crescer na carreira e na empresa em que trabalham. Entretanto, nenhum deles relatou querer continuar a ser vendedor para o resto da vida, o que pode ser um indício do desgaste psíquico causado por esse tipo de serviço. Se for tomada como parâmetro a condição de terra arrasada em que se encontra o mercado de trabalho - com situações cada vez mais frequentes e naturalizadas de desrespeito à legislação trabalhista, de trabalho sem carteira, atípico (temporário, em tempo parcial) ou informal, até trabalho escravo -, pode-se entender o ponto de vista dos vendedores que, apesar de tudo, ainda se mostram interessados em prosseguir nesse tipo de trabalho. Não obstante alimentam a esperança de, no futuro, encontrarem um trabalho que melhor responda a suas expectativas.

Por outro lado, os trabalhadores do DF relataram não querer continuar a trabalhar nem em shopping, nem com vendas. Almejam seguir outra carreira, e pretendem trabalhar em algo de que gostem. É nítido o descontentamento desses vendedores com o seu trabalho, que é justificado basicamente pela questão salarial.

Por fim, este estudo apresenta alguns limites. As análises foram feitas considerando-se apenas as entrevistas, sem respaldo de outras técnicas, como observação sistemática ou pesquisa de survey. Além disso, limitou-se a retratar a situação dos empregados, não pretendendo explicar as causas das igualdades ou diferenças entre os trabalhadores. Como agenda de pesquisa, propõe-se o uso de diversificadas técnicas que poderiam enriquecer os resultados e a discussão, além de possibilitar, em alguma medida, a generalização dos dados. Recomendam-se também estudos que considerem as causas das similaridades e das diferenças entre as duas realidades estudadas.

 

Referencias

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1 Esta pesquisa foi apresentada no XIV Encontro Nacional da ABRAPSO, 2007.

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