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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Inventário de cultura organizacional: adaptação e validação de um instrumento de diagnóstico para o contexto brasileiro

 

Organizational culture inventory: adaptation and validation of an instrument for diagnosis in the brazilian context

 

 

Áurea de Fátima OliveiraI; Sinésio Gomide JúniorII

IUniversidade Federal de Uberlândia. Rua Prof. Ciro de Castro Almeida, nº. 1905, Bl. D., apto 22, Bairro Custódio Pereira Uberlândia (MG). CEP 38405-250. aureaoliveira@netsite.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/6810179033600929
IIUniversidade Federal de Uberlândia. sinesiogomide@uol.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/4009207630066676

 

 


RESUMO

A cultura organizacional, conceito claramente multifacetado, atualmente tem sido investigada de maneira intensa, tanto nacional como internacionalmente. Duas grandes linhas de pesquisa podem ser identificadas nessas investigações: conceituação e mensuração e estudos correlacionais com critérios de desempenho organizacionais. Representante da primeira linha, este trabalho adaptou e validou, para o contexto brasileiro, o Organizational Culture Inventory (OCI), proposto por Cooke e Lafferty (1989). Hum mil e trinta e dois empregados de empresas públicas e privadas da região do Triângulo Mineiro, com idade média de vinte e oito anos, sendo 33,9% do sexo masculino, participaram do estudo. Para análise de dados, utilizou-se análise fatorial exploratória, que não confirmou a estruturação da cultura organizacional proposta por Cooke e Lafferty (1989). Os resultados apontaram uma estrutura composta por três escalas distintas, com cargas fatoriais que variaram de 0,30 a 0,72, com índices de confiabilidade de 0,75 a 0,91 e porcentagens de variâncias explicadas entre 25,29 e 37,50. Os resultados são discutidos à luz de diferenças metodológicas e culturais, sugerindo-se uma agenda de pesquisas da qual constam redefinições conceituais e operacionais e a utilização do instrumento em modelos explicativos relacionados a critérios de desempenho organizacionais.

Palavras-chave: cultura organizacional, crenças normativas, expectativas comportamentais, tipos de cultura.


ABSTRACT

Nowadays, organizational culture - a multifaceted concept - has been intensively studied both nationally and internationally. Two research lines can be identified in these investigations: conceptualization and measurement, and also correlational studies with organizational performance criteria. This work, representative of the former, has adapted and validated the Organizational Culture Inventory (OCI), proposed by Cooke and Lafferty (1989), for the Brazilian context. One thousand and thirty-two employees from state and private companies in the region of Triângulo Mineiro took part in the study. The average age of these employees was 28, and 33.9% of them were men. Exploratory factorial analysis was used for the data analysis but it did not confirm the structure of the organizational culture proposed by Cooke and Lafferty (1989). The results pointed to a structure comprised of three distinct scales with factorial factors that vary from 0.30 to 0.72; with reliability index from 0.75 to 0.91, and variance percentages explained between 25.29 and 37.50. The results are discussed in the light of methodological and cultural differences, and a research agenda is recommended to include suggestions regarding conceptual and operational redefinitions, in addition to the use of the instrument in explanatory models related to organizational performance criteria.

Keywords: organizational culture, normative believes, behavioral expectations, types of cultures.


 

 

Por considerar a cultura organizacional como um fenômeno multifacetado, Paz e Tamayo (2004) assinalam a dificuldade de se representarem, de forma adequada, seus numerosos componentes, bem como a interação entre eles. Esses autores também salientam a existência de uma acentuada variabilidade conceitual, como ilustrada nos trabalhos de Ott (1989) e Freitas (1991).

Entre as definições identificadas na literatura, algumas são consideradas clássicas, com destaque para aquela proposta por Schein (1991):

...padrão de pressupostos básicos - inventados, descobertos, ou desenvolvidos por um dado grupo, quando aprende a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna - que têm funcionado suficientemente bem para serem considerados válidos e, dessa forma, ensinados aos novos membros como modo correto de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas. (p. 494).

Cultura Organizacional Schein (1991)

Trompenaars (1994) parece concordar com Schein (1991) ao afirmar que a cultura organizacional revela como os grupos se organizaram para resolver os problemas e os desafios a eles apresentados no decorrer do tempo. Não obstante a ausência de uma definição universal de cultura organizacional, Ott (1989) aponta para um consenso geral sobre alguns aspectos que a constituiriam, como valores, crenças, pressupostos, percepções, normas de comportamento, artefatos e padrões de comportamento.

Apesar da discussão ainda enfática em torno do conceito, a partir da década de 80 do século passado, os estudos relativos à cultura organizacional proliferaram, abordando suas diferentes formas de expressão, o que resultou em avanços no conhecimento acerca desse fenômeno.

Cultura nas Organizações

Tanto a literatura internacional como a nacional relatam contribuições de estudiosos sobre as múltiplas facetas da cultura organizacional. Assim, a cultura representada por estórias organizacionais, mitos e heróis foi investigada por Martin, Feldman, Jo Hatch e Sitkin (1983) e Fleury (1987). Trice e Beyer (1984, 1987) propuseram uma tipologia de ritos organizacionais da qual constavam os ritos de passagem, de reforçamento, de degradação, de integração, de redução de conflitos e de renovação. Em 1991, Lange investigou a ocorrência desses ritos organizacionais e concluiu que as organizações estudadas apresentavam comportamentos altamente ritualizados, nos quais o envolvimento dos empregados nas cerimônias os fazia compartilhar valores comuns. Oliveira (1997) investigou o papel desempenhado por ritos e também por valores organizacionais na predição do comprometimento organizacional afetivo, concluindo que valores relativos à interação no trabalho e ritos de degradação se constituíam nos melhores preditores daquela variável.

No que se refere à mensuração da cultura, Ferreira, Assmar, Estol, Helena e Cisne (2002) desenvolveram um instrumento para avaliação da cultura organizacional, pautando-se nas proposições de Hofstede, Nueijen, Ohavy e Sanders (1990), de acordo com as quais é por meio das "práticas que ela (cultura) afeta os membros da organização, razão pela qual as percepções compartilhadas das práticas diárias constituem a essência da cultura organizacional." (p. 273).

A consulta à literatura indica claramente a ampliação dos estudos que envolvem a cultura organizacional. Por exemplo, Porto e Tamayo (2005) investigaram que tipos de valores organizacionais se relacionam a civismo nas organizações, destacando os valores de autonomia como preditores importantes. O estudo de Horta (2006) se propôs a realizar a análise funcional do comportamento como uma estratégia da cultura organizacional baseando-se no modelo de Schein.

Em um estudo mais recente, Franco (2008) investigou as relações entre valores pessoais e organizacionais e a compatibilidade entre eles (denominada encaixe pessoa-organização - P-O) na qualidade de vida no trabalho (QVT) de funcionários do setor médico-hospitalar. Os resultados apontaram que os valores organizacionais se relacionam de maneira mais acentuada com a QVT do que os valores pessoais.

O estudo de Sarris e Kirby (2007) examinou a cultura organizacional da Estação Antártica australiana, utilizando o Inventário de Cultura Organizacional (Cooke & Lafferty, 1989), e a confiabilidade das escalas para a amostra variou de 0,70 a 0,87. Os resultados indicaram a predominância de uma cultura orientada para a satisfação, caracterizada por estilos de humanismoencorajamento, afiliação, autoatualização e realização. Os autores identificaram também que estilos baseados nas normas de segurança-pessoa (aprovação, convenção e dependência) apresentaram correlações positivas com conflito de papéis e acomodação, ocorrendo reações inversas com ajustamento e recomendação da organização.

As indicações da literatura sugerem que apreender a cultura organizacional implica a necessidade de se investigar uma multiplicidade de expressões (Ott, 1989; Borges, Argolo, Pereira, Machado & Silva, 2002). A partir dessa perspectiva, investigar normas e expectativas comportamentais como forma de manifestação da cultura organizacional seria não apenas apropriado e atual, mas representaria uma contribuição à compreensão do fenômeno.

Na concepção de Cooke e Lafferty (1989), a cultura organizacional pode ser medida com relação às crenças normativas e expectativas comportamentais compartilhadas pelos membros das organizações. As crenças normativas são cognições mantidas pelos indivíduos em relação às expectativas de outros membros organizacionais quanto ao papel a ser desempenhado naquele contexto. Já as expectativas comportamentais compartilhadas são aquelas crenças comuns que são mantidas pelos membros do grupo.

Em conjunto, normas e expectativas especificam o modo pelo qual todos os membros de uma organização devem lidar com seu trabalho e interagir com os outros. Essas prescrições comportamentais são vistas como um elemento importante da cultura organizacional, uma vez que elas refletem pressupostos básicos, crenças e valores compartilhados pelos membros da organização.

Assim, o Organizational Culture Inventory (Inventário de Cultura Organizacional), proposto por Cooke e Lafferty (1989), um instrumento diagnóstico do tipo autorrelato, planejado para medir crenças normativas e expectativas comportamentais compartilhadas nas organizações, pode se constituir em fonte de investigação da cultura tanto para pesquisadores quanto para profissionais. Este estudo tem, portanto, o objetivo de adaptar e validar esse instrumento para o contexto brasileiro.

Bases Teóricas do Inventário de Cultura Organizacional

De acordo com Cooke e Szumal (1993), o Inventário de Cultura Organizacional (Organizational Culture Inventory - OCI) foi desenvolvido para identificar pressões que atuariam sobre os membros organizacionais de forma a tornar seus comportamentos disfuncionais, afetando atividades de desenvolvimento ou de mudanças organizacionais. Considerando a existência de forças culturais mantenedoras de estilos disfuncionais exibidos pelos membros organizacionais, bem como a necessidade de identificá-las para posteriormente alterá-las, é que Cooke e Lafferty (1989) se propuseram a criar o OCI, que tem por objetivo medir a força das normas e expectativas para o mesmo conjunto de estilos avaliado pelo Inventário de Estilo de Vida (Lafferty, 1973).

De forma semelhante ao Inventário de Estilo de Vida, o Organizational Culture Inventory avalia doze estilos de crenças normativas e expectativas comportamentais definidas a partir de duas dimensões: 1) tarefa-pessoa e 2) satisfação-segurança. "Estas dimensões determinam o foco de normas e comportamentos específicos e a extensão em que eles são recompensados ou punidos pelo grupo." (Cooke & Russeau, 1988, citados por Sarris & Kirby, 2007, p. 710).

Cooke e Szumal (1993), ao apresentarem as bases teóricas do instrumento, afirmam que "a primeira dimensão distingue entre preocupação com as pessoas versus preocupação com as tarefas. Esta dimensão tem sido enfatizada consistentemente não somente na literatura sobre cultura organizacional, mas também naquela relativa à interação grupal, liderança e orientação pessoal." (p.1302).

Blake e Mouton (1992) sustentam o Grid Gerencial a partir dessas dimensões e fundamentam sua utilização ao discutirem o papel dos pressupostos na orientação do comportamento do líder. As premissas, certas ou erradas, "se tornam parte das crenças e atitudes de um gerente, orientando comportamento. Constituem uma teoria pessoal de liderança. Se alguém tivesse de agir sem premissas, o comportamento seria aleatório, dispersivo; não teria sentido nem seria previsível." (p.6). Os autores acrescentam que os pressupostos operam de forma silenciosa, mas isso não diminui a necessidade e importância de compreendê-los. A preocupação com a produção (resultados, desempenho, lucros ou missão) e a preocupação com as pessoas (subordinados e colegas) indicam a força dos pressupostos presentes nos estilos de liderança.

A segunda dimensão sobre a qual se apoia o Inventário de Cultura Organizacional, satisfação-segurança, origina-se da literatura sobre cultura organizacional, embora não haja menção explicita a essa dimensão (Cooke & Szumal, 1993). Os autores assumem o trabalho de Maslow (1954) como referencial. De acordo com Sampaio (2009), "A hierarquia das necessidades (fisiológicas, segurança, pertença e amor, estima, auto-realização ou auto-atualização, desejo de saber e entender e estéticas) surge como conceito à medida que Maslow (1954, p. 83) classifica suas categorias como superiores e inferiores." (Sampaio, 2009, p. 9). Sampaio (2009) afirma que Maslow confere maior destaque à motivação para o crescimento em contraposição à motivação baseada nas deficiências de caráter organicista e fisiológico, pois a primeira pode orientar melhor o entendimento do funcionamento psíquico.

A motivação de crescimento tem como característica ampliar a excitação mesmo diante da gratificação. O crescimento em si é recompensador e incentiva o indivíduo a buscar desafios e realizações. Conforme Sampaio (2009), como as pessoas se acham gratificadas e são motivadas com o próprio resultado do trabalho, elas passam a não mais realizar as atividades para obter as recompensas concretas, que virão satisfazer às suas necessidades de deficiência.

O trabalho pioneiro de Maslow, embora não esteja voltado para cultura organizacional, constituiu-se na segunda base teórica do instrumento. As implicações do trabalho de Maslow são apresentadas por Schein (1982), ao discutir a motivação e suas implicações gerenciais.

A representação das dimensões tarefapessoa e satisfação-segurança é realizada dividindo-se um círculo com um xis (linhas representativas do diâmetro do círculo). As necessidades de satisfação são dispostas em um dos dois polos extremos da linha representativa do diâmetro e as necessidades de segurança são representadas no outro polo. O mesmo ocorre com a orientação para a tarefa em relação à orientação para as pessoas. Em função da proximidade conceitual em relação a cada uma das dimensões, doze estilos de crenças normativas e expectativas comportamentais se distribuem dentro do círculo, sendo que cada quatro deles representam um tipo de cultura, totalizando, assim, três tipos de cultura: construtiva, defensiva-passiva, defensiva-agressiva.

Esse tipo de modelo configuracional é caracterizado por um ordenamento circular dos estilos, no qual a distância entre eles reflete seu grau de similaridade e correlação. Estilos similares estão dispostos próximos uns dos outros no círculo. Estilos que são mais distintos ou independentes estão dispostos em outra posição. A posição dos estilos se assemelha ao relógio no sentido horário e, por isso, a cada um deles é atribuída uma posição nomeada conforme a posição horária.

A cultura construtiva (cultura da satisfação), representada pelos estilos humanismo-encorajamento, afiliação, realização e autoatualização, indica uma cultura na qual os membros são estimulados a lidar com as tarefas e interagir com os outros de modo a ajudá-los a satisfazer suas necessidades de ordem mais elevada. Os quatro estilos relacionados à cultura construtiva são:

A.1 realização (posição: 11 horas): uma cultura voltada para a realização caracteriza organizações que procuram desenvolver bem suas atividades e valorizar os membros que estabelecem e realizam seus próprios objetivos. Espera-se de seus membros que eles estabeleçam objetivos desafiantes e reais, elaborem planos para alcançarem esses objetivos e busquem, com entusiasmo, realizá-los.

A.2 autoatualização (posição: 12 horas): essa cultura caracteriza organizações que valorizam a criatividade, a qualidade em detrimento da quantidade, o crescimento e a valorização do indivíduo. Os membros são encorajados a obter prazer à medida que desenvolvem seu próprio trabalho e assumem tarefas novas e interessantes.

A.3 humanismo-encorajamento (posição: 1 hora): essa cultura caracteriza organizações que são administradas de forma participativa e têm as pessoas como o centro das atenções. Esperase de seus membros que sejam protetores, construtivos e que tenham abertura para o entendimento.

A.4 afiliação (posição: 2 horas): caracteriza organizações que priorizam relações interpessoais construtivas. Espera-se que seus membros sejam amigáveis, abertos e sensíveis à satisfação de seu grupo de trabalho.

A cultura defensivo-passiva, representada pelos estilos aprovação, convenção, dependência e esquiva às normas, indica uma cultura na qual os membros acreditam que devem interagir com outros de modo a não ameaçar sua própria segurança. Constituem-se estilos relacionados à cultura defensivo-passiva:

B.1 aprovação (posição: 3 horas): esse estilo descreve organizações nas quais os conflitos são evitados e as relações interpessoais são agradáveis, mas superficiais. Os membros sentem que devem concordar com os outros, obter aprovação e ser queridos.

B.2 convenção (posição: 4 horas): essa cultura descreve organizações que são conservadoras, tradicionais e controladas burocraticamente. Espera-se de seus membros conformidade, obediência às normas e a manutenção de uma boa impressão.

B.3 dependência (posição: 5 horas): organizações caracterizadas por esse estilo são controladas hierarquicamente e administradas de forma não-participativa. A tomada de decisão é centralizada, levando os seus membros a fazer somente o que é ordenado e decidido pelos superiores.

B.4 esquiva às normas (posição: 6 horas): nessa cultura, a organização falha em recompensar o sucesso, mas os erros são punidos. Esse sistema de recompensa negativo leva os empregados a transferirem responsabilidades para os outros e a evitar a possibilidade de serem culpados por um erro.

A cultura agressivo-defensiva, representada pelos estilos oposição, competição, poder e perfeccionismo, indica uma cultura na qual se espera que os membros lidem com as tarefas de modo eficaz, protegendo seu status e segurança. Seus estilos são:

C.1 oposição (posição: 7 horas): esse estilo descreve organizações nas quais a confrontação e o negativismo são recompensados. Os membros adquirem status e influência por serem críticos e, dessa forma, são reforçados a fazer oposição às ideias dos outros.

C.2 poder (posição: 8 horas): a cultura do poder descreve organizações estruturadas com base na autoridade inerente às posições de seus membros. O indivíduo acredita que será recompensado por assumir responsabilidades, controlar subordinados e, ao mesmo tempo, atender às demandas dos superiores.

C.3 competição (posição: 9 horas): nessa cultura, vencer significa valorização e os membros são recompensados por superarem uns aos outros. Os membros atuam no esquema vencer-vencer, e acreditam que precisam ser melhores que seus colegas no trabalho para serem percebidos.

C.4 perfeccionismo (posição: 10 horas): a cultura perfeccionista caracteriza organizações em que a persistência e trabalho árduo são valorizados. Os membros sentem que devem evitar qualquer erro, sempre "manter a linha" e trabalhar longas horas para alcançar objetivos bem delimitados.

O Inventário de Cultura Organizacional, proposto por Cooke e Lafferty (1989), apresentou índices de consistência interna (Alpha de Cronbach) que variaram de 0,67 a 0,95, em suas três formas originais. Cada uma das formas foi aplicada em amostras distintas com 1.375, 183 e 859 participantes. A Tabela 1 mostra o coeficiente Alpha de Cronbach das escalas originais.

 

 

A validade do construto, verificada por meio da análise fatorial, indicou a presença de três fatores - construtivo, agressivo-defensivo e passivo-defensivo -que, em conjunto, explicaram 65% da variância na forma I e 65,7% e 72,9%, respectivamente, nas formas II e III. A cultura construtiva obteve as maiores cargas fatoriais (maiores que 0,80). Para as escalas da cultura agressivo-defensiva, embora os resultados tenham sido consistentes, escalas como oposição (forma I) e perfeccionismo (formas II e III) dividiram cargas fatoriais no fator passivodefensivo. Em relação às escalas da cultura passivo-defensiva, houve evidência de validade convergente, porém as escalas de esquiva às normas e convenção apresentaram cargas fatoriais que oscilaram entre 0,42 e 0,53 no fator agressivo-defensivo.

As evidências encontradas refletem, segundo Cooke e Szumal (1993), a similaridade entre os fatores defensivos, o que confirma que esses estilos fazem a ligação entre normas passivas e agressivas, ambas associadas à defensividade.

No geral, a estrutura dos fatores e o padrão das cargas fatoriais são consistentes com a estrutura teórica subjacente ao inventário. Estes resultados apoiam a validade de construto das doze escalas, porém muito mais com respeito à validade convergente que à validade discriminante. (p.1316)

A partir da visualização sobre a estrutura conceitual do instrumento, algumas questões relativas à seleção de análise de dados se fazem necessárias.

Parâmetros para a escolha da análise de dados do Inventário de Cultura Organizacional

Segundo Acton e Revelle (2004), alguns modelos psicológicos podem ser definidos pela ausência de uma estrutura simples, sendo esse o caso do modelo circumplexo. A representação de dados psicológicos nem sempre se ajustam a uma estrutura simples (itens com carga fatorial não-zero somente em um fator). Os autores relatam que esse modelo se aplica a variáveis tais como: habilidades cognitivas, valores interpessoais, desordens de personalidade, estados afetivos, entre outras.

O conceito circumplexo foi introduzido por Guttman (1954), que o descreve como "um sistema de variáveis que tem um ordenamento circular" (citado por Gurtman & Pincus, 2000, p. 374). O modelo geométrico relaciona duas variáveis similares (correlação) com suas respectivas posições em torno de um círculo.

Gurtman e Pincus (2000) descrevem três tipos de modelos circumplexos: representação espacial, ordenamento circular e correlação circulante. Cada um dos modelos oferece uma prescrição para determinar uma dada estrutura. Tratando-se do OCI, foi utilizado o modelo da representação espacial, que consiste em combinar a estrutura de uma medida desenhada no espaço euclidiano com a topologia do círculo ou dimensionalidade ideal. À medida que as relações entre as escalas se conformam à configuração circular, o modelo recebe apoio empírico. A Smallest Space Analyses - SSA - (Análise do Menor Espaço) é uma forma não-métrica da Análise Multidimensional (MDS) apropriada para identificar uma estrutura circumplexa, se ela existir. No entanto, por se tratar de uma técnica não-métrica, os pressupostos não são tão robustos. Tamayo (1997) ressalta a indeterminação estatística dessa técnica. Os índices de "bondade de ajuste" da SSA referem-se à dimensionalidade do espaço onde serão representadas as distâncias entre as variáveis reveladas pelas correlações. Posteriormente, cabe ao pesquisador traçar linhas que reúnam as variáveis que supostamente representam uma categoria teorizada previamente, o que certamente dificulta a rejeição do modelo teórico (Tamayo, 1997).

A comprovação empírica de um modelo teórico requer técnicas estatísticas mais sofisticadas, com índices de ajustes que permitam refutar o modelo quando os dados empíricos não se ajustam a ele. De acordo com Gurtman e Pincus (2000), os modelos do ordenamento circular e de correlação circulante apresentam pressupostos mais rigorosos. Contudo, há maior possibilidade de refutação do modelo quando se empregam "índices de bondade" de ajustes bastante exigentes, como é o caso da análise fatorial confirmatória.

De acordo com Cooke e Szumal (1993), "estudos baseados na análise dos componentes principais, análise de cluster e Análise do Menor Espaço têm consistentemente identificado esses fatores subjacentes ou clusters empíricos." (p. 1303). Esse modelo foi aplicado aos estilos culturais, obtendo resultados que os confirmaram (Cooke & Fisher,1985, citados por Cooke & Szumal, 1993).

Considerando o objetivo deste estudo, a análise fatorial se mostra apropriada para verificar a validade de construto do instrumento. Segundo Pasquali (1999), o instrumento é uma hipótese a ser testada empiricamente.

Gouveia, Martínez, Meira e Milfont (2001), ao analisarem as técnicas de Análise do Menor Espaço (SSA), análise fatorial exploratória e análise fatorial confirmatória, afirmam, acerca da função desempenhada pela segunda técnica, que se trata de uma técnica mais criteriosa que a SSA, pois fornece indicadores da estrutura do conjunto dos itens, porém "não permite estabelecer a priori e comprovar uma estrutura teórica definida; o que fornece são indicadores sobre como os itens podem ser reunidos em fatores, segundo a resposta de um grupo de participantes." (p. 134). Segundo Tabachnick e Fidell (2001), "a análise fatorial exploratória é geralmente realizada em estágios iniciais da pesquisa, quando se constitui em uma ferramenta para consolidar variáveis e gerar hipóteses sobre processos subjacentes." (p. 584). Desse modo, a análise fatorial, devido ao seu caráter exploratório, porém criterioso, parece ser mais adequada, visto que não se procura, com este estudo, confirmar o modelo original, mas verificar a validade do instrumento e, consequentemente, analisar como escalas que compõem cada tipo de cultura se definirão em realidades culturais distintas.

Utilizando essa fundamentação teórica e as considerações feitas sobre a análise de dados, este trabalho se deteve na verificação da confiabilidade e validade de construto do Inventário de Cultura Organizacional.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo de validação 1.046 voluntários, todos eles empregados em organizações públicas e privadas de Uberlândia e região (400 participantes), de Brasília (206 participantes), de Belo Horizonte (182 participantes) e de Goiânia (258 participantes).

Dos participantes deste estudo, 350 eram do sexo masculino (33,9%) e 670 do sexo feminino (64,9%), com idade média de 28 anos (DP = 8,08). Contudo, 12 (1,2%) participantes não informaram o sexo, e 19 (1,8%) não forneceram informações sobre a idade.

A coleta de dados ocorreu em instituições de ensino e organizações. Em ambos os contextos, os pesquisadores solicitaram permissão dos dirigentes para ter acesso aos participantes, que foram esclarecidos a respeito do objetivo do estudo. Os questionários foram entregues à área de recursos humanos de cada uma das organizações, que providenciou sua distribuição e recolhimento. No caso das instituições de ensino, prevaleceu a aplicação coletiva em sala de aula, com autorização dos professores e anuência dos alunos. Assegurou-se aos participantes o sigilo de suas respostas e a não identificação de sua organização ou instituição.

Aproximadamente 606 questionários (58% do total) foram obtidos em instituições de ensino médio e superior.

Procedimentos

O Inventário de Cultura Organizacional foi validado, no contexto brasileiro, de acordo com as seguintes etapas: (1) tradução; (2) validação semântica e (3) validação empírica.

Na primeira etapa, o instrumento foi traduzido pelos autores com a colaboração de um especialista em língua inglesa, com os objetivos de assegurar a integridade do conteúdo dos itens, preservar o significado das palavras e alcançar um sentido bastante similar em uma cultura distinta daquela em que o instrumento foi originalmente criado.

No segundo momento, os itens foram submetidos à validação semântica com o objetivo de garantir a compreensão de cada item por parte dos respondentes. Um grupo composto por 20 pessoas, com grau de escolaridade variado (primeiro, segundo e terceiro graus), respondeu ao questionário e, posteriormente, comentou suas dúvidas com relação a alguns termos. A partir dessa apreciação, foram realizadas correções na redação de alguns itens, de modo que se assegurasse a mesma compreensão do conteúdo entre os participantes do estudo. Dois itens cujos conteúdos estavam retratados em outros foram eliminados. Assim, o instrumento submetido à análise fatorial passou a conter 118 itens.

A instrução contida no instrumento - "usando as opções de resposta, indique o quanto, na sua organização, é esperado que as pessoas..." - era seguida pelos itens, e o respondente indicava o quanto uma crença ou expectativa estaria presente em sua organização de trabalho. Para essa indicação, ele dispunha de quatro opções de resposta, distribuídas em uma escala de quatro pontos: 1 (nunca), 2 (raramente), 3 (quase sempre) e 4 (sempre). A escala original utilizava o sistema de cinco pontos de Likert, mas, conforme Pasquali (1999), o número de pontos usados na escala parece ser algo irrelevante, uma vez que estudos indicam que o número de pontos da escala, bem como a existência ou não de um ponto neutro, não afetaria a consistência interna de uma escala desse tipo. Assim, optou-se pelos quatro pontos em função de uma tentativa de se evitar o erro conhecido como "tendência central" das respostas (Pasquali, 1999).

Para responder ao questionário, o participante deveria usar a escala de resposta apresentada, escolhendo a alternativa que julgasse adequada. Por se tratar de um estudo de validação, procurou-se assegurar a variabilidade dos dados por meio de uma amostra heterogênea em relação ao porte ou área de atuação da organização, bem como ao cargo ocupado pelos respondentes.

Com relação ao período de tempo do participante na organização, os pesquisadores adotaram como critério o tempo mínimo de permanência em uma mesma organização igual a um ano, de modo que o participante tivesse maior familiaridade com a cultura de sua organização.

 

RESULTADOS

Para a análise dos dados, utilizou-se, separadamente, o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), especificamente as técnicas análise dos componentes principais (PC) e análise fatorial exploratória (PAF - Principal Axis Factoring) com rotação oblíqua, para cada um dos três tipos de cultura previstos.

A análise exploratória dos dados foi realizada com o objetivo de verificar a precisão do arquivo de dados e pressupostos necessários à aplicação das técnicas.

Os valores ausentes foram substituídos pela média de cada item. Não se observou padrão entre esses dados; os percentuais de respostas ausentes foram menores que 5%. Os questionários incompletos (14) foram eliminados, permanecendo 1.032 respondentes. Pasquali (1999) postula que o número de participantes depende do número de itens do instrumento, sendo cinco o número mínimo para cada item, e 10, o ideal. Neste estudo, foi possível obter oito casos por item. Assim, a recomendação da literatura especializada foi atendida.

Na primeira etapa, foi realizada a análise dos componentes principais para verificar a fatoriabilidade da matriz. Os valores de KMO (Kaiser-Meyer-Olkin Measure of Sampling Adequacy) variaram de 0,87 a 0,96, e os testes de esfericidade foram significativos (p<0,001), indicando a adequação do uso da análise fatorial. Adotaramse como critério de extração cargas fatoriais mínimas iguais a 0,30.

Os resultados das análises e a confiabilidade das escalas são apresentados considerando os três tipos de cultura propostos pelos autores, cada qual composto por quatro fatores previstos teoricamente -os estilos. Posteriormente, a confiabilidade de cada uma das escalas de estilo foi calculada pelo Alpha de Cronbach. A Tabela 2 mostra os resultados relativos à cultura passivo-defensiva.

 

 

Na Tabela 2, são apresentadas as cargas fatoriais, as comunalidades, a variância explicada pelos fatores individualmente e o coeficiente de precisão (Alpha de Cronbach). Como pode ser observado, a cultura passivo-defensiva é representada por 23 itens distribuídos em três fatores (estilos). Os coeficientes de precisão, que variam entre 0,75 e 0,78, são satisfatórios quando se adotam os critérios de Pasquali (1999), que classifica índices superiores a 0,70 dessa maneira.

A análise fatorial identificou quatro fatores, porém apenas três apresentaram índices de confiabilidade satisfatórios:

Fator 1 - Fuga de conflitos (5 itens): esse fator apresentou cinco itens que se referem à expectativa da organização, visando à conformidade dos empregados, o que significa evitar situações de confronto e manter uma boa impressão. Esse fator é composto por itens relativos às escalas de convenção e esquiva às normas.

Fator 2 - Aprovação (8 itens): a aprovação mostra a valorização, por parte da organização, de relações interpessoais agradáveis, porém superficiais. Seus membros acreditam que devem concordar com os outros para serem aceitos e se sentirem queridos. Os itens desse fator, originalmente, compõem a escala de aprovação, indicando a busca de concordância do indivíduo com os membros de seu grupo e de sua aceitação por meio de um relacionamento que destaca os aspectos positivos dos outros.

Fator 3 - Acomodação do empregado (10 itens): o conteúdo desse fator refere-se a formas de evitar riscos. Para tanto, o empregado evita assumir responsabilidades e desagradar os colegas no ambiente de trabalho. As normas da organização são usadas como meio de proteção do empregado. O descompromisso e não-envolvimento do empregado estaria apoiado por mecanismos criados pela própria organização. A necessidade de segurança predomina nesse fator.

Os resultados não confirmam a hipótese dos autores em relação aos quatro estilos culturais. Notase que a escala de aprovação é a que mais se aproxima da concepção original.

A Tabela 3 apresenta os resultados da segunda análise fatorial relativa à cultura construtiva.

 

 

Na Tabela 3, são apresentadas as cargas fatoriais, as comunalidades, a variância explicada pelos fatores individualmente e o coeficiente de precisão. A cultura construtiva é representada por 29 itens que compõem dois fatores (estilos) cujos coeficientes de precisão são 0,91 e 0,87. Os resultados dessa análise revelaram três fatores, mas apenas dois com confiabilidade satisfatória. Em conjunto, os fatores explicam 37% da variância. Os conteúdos dos fatores são descritos a seguir:

Fator 1 - Relações interpessoais cooperativas (17 itens): caracteriza um estilo cultural que prioriza a valorização das pessoas e a construção de relacionamentos construtivos entre colaboradores. Espera-se deles que sejam amigáveis, abertos, íntegros e sensíveis à satisfação das necessidades de seu grupo. Dentro desse estilo, o trabalho deve ser fonte de prazer. Assim, espera-se também que o empregado demonstre interesse pela área de atuação da organização, bem como pela valorização da qualidade em detrimento da quantidade. Os itens dessa escala, originalmente, compõem as escalas de afiliação e autoatualização. A variância explicada é de 33,3%, percentual superior ao do próximo fator (4,20%).

Fator 2 - Humanismo-encorajamento (12 itens): revela um estilo cultural que caracteriza organizações cuja administração é participativa, valorizando as contribuições de seus colaboradores. O foco central da organização seria o desenvolvimento das pessoas, a exploração de alternativas de ação e a resolução de conflitos de forma construtiva. Estimula-se o oferecimento de apoio entre colegas e incentivo ao crescimento.

O resultado confirma empiricamente a escala de humanismo-encorajamento proposta pelos autores, com índice de precisão bastante satisfatório (0,87).

Em síntese, no que tange à cultura construtiva, não se confirmou a estrutura com quatro estilos distintos. A escala de humanismo-encorajamento foi confirmada. Por outro lado, a escala de realização deve ser reavaliada e novos itens construídos, a fim de se alcançar um índice de precisão adequado. Por fim, um quarto fator, que conteve somente dois itens, não se mostrou preciso e foi eliminado.

A seguir, a estrutura da cultura agressivodefensiva foi verificada na terceira análise fatorial. As escalas propostas pelos autores não se configuraram da forma prevista, conforme mostra a Tabela 4. Somente dois fatores (estilos), nominados controle do trabalho e competição, alcançaram índices de confiabilidade satisfatórios (0,80 e 0,76). Em conjunto, eles explicam 25,29% da variância.

 

 

O conteúdo dos fatores, ou seja, os estilos culturais são descritos a seguir:

Fator 1 - Controle do trabalho (10 itens): referese ao trabalho realizado de forma eficaz, ao cuidado pessoal com os detalhes, à busca do melhor desempenho, à lealdade e à abertura para criticar e ser criticado. Os empregados, de forma objetiva e imparcial, podem buscar formas mais adequadas para realizar seu trabalho, fazendo críticas quando for necessário. Originalmente, os itens componentes desse fator pertencem às escalas perfeccionismo, competição e poder. Apesar das escalas distintas, os itens formam uma unidade semântica que mostra o foco no trabalho eficaz cujo controle estaria no próprio empregado.

Fator 2 - Competição (9 itens): caracteriza organizações em que os membros são recompensados por superarem uns aos outros. A regra do jogo é vencer-vencer, competindo contra os colegas, procurando superá-los e manter uma imagem de superioridade. Alcançar o topo e ser o alvo das atenções é a meta do empregado, incentivado pela própria organização. Para obter uma posição privilegiada, é permitido que o empregado faça política e procure impressionar as pessoas no ambiente de trabalho. Nesse fator, predominam, claramente, os itens originais da escala de competição, exceto por dois itens relativos ao poder. Entretanto, competição e poder são estilos similares, pertencentes ao mesmo tipo cultural. Competir pode ser um modo de se alcançar o poder dentro da organização.

 

DISCUSSÃO

Podem-se observar redundâncias nos tipos de culturas e nos estilos neles contidos, que acabam por afetar a operacionalização dos itens. Por exemplo, na cultura construtiva, especificamente nas escalas de realização e autoatualização, a valorização do indivíduo -no caso o empregado - está presente em ambos os estilos. Uma diferença sutil é observada ao se tratar dos objetivos. No estilo de realização, espera-se dos indivíduos que eles estabeleçam objetivos desafiantes e reais, enquanto que, na autoatualização, o esperado é que eles assumam tarefas novas e interessantes. De acordo com Cooke e Szumal (1993), os estilos de realização, autoatualização e humanismo-encorajamento são similares em função da posição dos estilos na circunferência, mas eles também possuem características que os tornam únicos.

Certa similaridade pode ser vista na comparação entre os estilos de humanismo-encorajamento e afiliação. Por exemplo, os itens que mostram preocupação com os outros e em ser um bom ouvinte, a princípio, poderiam pertencer a qualquer uma das escalas. Essa argumentação dos autores foi confirmada empiricamente por meio da fusão dessas escalas.

Ao se referir à cultura passivo-defensiva, Cooke e Szumal (1993) admitem a similaridade entre os estilos convencional e dependente, apesar de enfatizar que o primeiro destaca a observância de regras, procedimentos e tradições, enquanto o segundo está centrado em seguir ordens e solicitações de superiores. No estilo cultural de esquiva às normas, os itens parecem não o retratar com precisão, principalmente, quando se trata do sistema de recompensa negativo e de punições.

O último tipo, a cultura agressivo-defensiva, tem como foco a realização das tarefas, mas compartilha com a cultura defensiva-passiva o aspecto de proteção e segurança do indivíduo. Uma análise dos estilos dessa cultura sugere que as escalas de poder e perfeccionismo poderiam ser mais bem definidas, e consequentemente, seus itens operacionalizados de forma mais objetiva. Nota-se que as definições são bastante amplas, e os itens não retratam seu conteúdo. Assinale-se, ainda, que os estilos perfeccionista, competitivo e de realização apresentam similaridades por abordarem tarefas e objetivos. Na realização, os objetivos são baseados no desempenho passado do indivíduo; na competição, os objetivos estão relacionados ao desempenho dos outros; e as normas perfeccionistas levam o indivíduo a lutar pela realização de objetivos irreais e desnecessariamente difíceis.

Sem dúvida, contemplar todas as especificidades de cada estilo, e ainda manter as similaridades postuladas, é um trabalho complexo. Os dados apresentados por Cooke e Lafferty (1989) relatam que isso foi conseguido com êxito. Contudo, os resultados obtidos no contexto brasileiro não confirmaram os resultados obtidos pelos autores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo validar o Inventário de Cultura Organizacional no contexto brasileiro. Todavia, os resultados não confirmaram a estrutura do inventário de acordo com a qual os três tipos de cultura seriam formados por quatro estilos culturais.

Na cultura construtiva, as escalas de afiliação e autorrealização se fundiram, resultando na escala de relações interpessoais cooperativas. As escalas de humanismo-encorajamento e realização foram confirmadas, embora a última apresente índice de precisão insatisfatório, tornando sua aplicação não recomendável. Assim, somente duas escalas dessa cultura são confiáveis, podendo ser usadas para fins de pesquisa e diagnóstico. Entretanto, deve-se ressaltar que elas não abrangem toda a extensão conceitual da cultura construtiva.

No que concerne à cultura agressivodefensiva, duas escalas, controle do trabalho e competição, se mostraram com índice de precisão adequado, o que não ocorreu com as escalas de poder e perfeccionismo. E ainda, o estilo de oposição não se confirmou empiricamente, e seus itens passaram a integrar a escala de controle do trabalho.

A natureza dessa cultura encontra-se preservada na estrutura fatorial, considerando as expectativas da organização quanto à eficácia na realização da tarefa (Controle do Trabalho), assim como na necessidade de proteção do status quo que ocorre por meio da competição.

Por último, a cultura passivo-defensiva também não se configurou da forma prevista. As escalas fuga de conflitos, acomodação do empregado e aprovação podem ser utilizadas para fins de pesquisa, considerando suas confiabilidades. As escalas esquiva às normas, convenção e dependência, embora não tenham sido confirmadas, tiveram seus itens retidos. De certa forma, a natureza dessa cultura é preservada nos fatores identificados.

Os resultados obtidos neste estudo de validação podem, em parte, ser atribuídos às diferenças culturais existentes entre a realidade dos trabalhadores brasileiros e aquela dos americanos. A análise fatorial, também usada pelos autores, permite a identificação da estrutura latente, mas não daquela estrutura postulada.

A estrutura fatorial identificada é a seguinte: cultura agressivo-defensiva, composta por controle do trabalho e competição; cultura construtiva, composta por relações interpessoais cooperativas e humanismo-encorajamento; e cultura passiva, composta por fuga de conflitos, aprovação e acomodação do empregado.

Os resultados obtidos mostram a necessidade de redefinições conceituais e operacionais que possam traduzir com clareza cada um dos tipos culturais e, consequentemente, seus estilos, no contexto brasileiro. A partir desse refinamento, novos estudos de validação serão necessários até o momento em que seja apropriado realizar a análise fatorial confirmatória (PASQUALI, 1999). Apesar dessa consideração, a estrutura empírica do instrumento e os índices de confiabilidade verificados tornam seu uso recomendável. Seus resultados poderão indicar a presença de crenças normativas e expectativas comportamentais cuja influência sobre a dinâmica organizacional poderá ser disfuncional.

Portanto, os autores sugerem, como agenda futura de pesquisa, a confrontação desse instrumento com outros já validados que envolvam constructos de mesma natureza para a confirmação de sua validade discriminante. Além disso, sugerem sua utilização em investigações que façam uso de modelos explicativos para critérios de desempenho organizacionais com o intuito de verificação do poder preditivo do construto.

Adicionalmente, com vistas ao planejamento da mudança cultural, sugerem a validação para o contexto brasileiro do Organizational Effectiveness Inventory - OEI (que investiga o clima organizacional), posto que as estruturas e os métodos gerenciais de uma organização afetam sua cultura.

Ante a perspectiva atual de abordagem multinível dos fenômenos organizacionais, os autores sugerem, ainda, a validação, para o contexto brasileiro, dos outros instrumentos propostos pelo Centro de Pesquisa Aplicada Human Synergistics, que abordem os níveis individual, grupal e organizacional, o que pode permitir uma maior compreensão dos fenômenos e possibilitar não somente o diagnóstico, mas também o planejamento de ações que lidem de maneira mais efetiva com a cultura das organizações.

 

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Recebido em: 15.01.2008
Aprovado em: 02.11.2009
Publicado em: 22.03.2010

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