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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Pesquisa sobre mudança nas organizações: a produção brasileira em micro comportamento organizacional

 

Research on change in organizations: the brazilian production on micro organizational behavior

 

 

Maíra Gabriela Santos de SouzaI; Lísian Camila VasconcelosII; Jairo E. Borges-AndradeIII

IMestre em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília. Analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA. SHIN CA 11, lote 06, casa 03, Lago Norte, CEP 71 503 511, Brasilia (DF). mairasan@unb.br. lattes http://lattes.cnpq.br/5622494198374714
IIMestre em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília. SENAI-DF. lattes http://lattes.cnpq.br/3226527010920922
III
Ph.D. em Sistemas Instrucionais pela Florida State University. Professor titular no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília. jairo.borges@gmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/3622720842959126

 

 


RESUMO

O presente trabalho analisa a pesquisa brasileira sobre mudanças nas organizações, no âmbito do micro comportamento organizacional. O período investigado foi de 1996 a 2007. O foco dessas pesquisas foi em percepções e crenças dos membros das organizações sobre essas mudanças e nas conseqüências das mesmas para esses membros. Os artigos incluídos na análise necessitavam ser baseados em coletas de dados feitas no Brasil e ter seu objeto de estudo claramente enunciado. Foi utilizado o julgamento de pares de juízes, com base num sistema padronizado, previamente desenvolvido e já descrito na literatura, de análise e categorização de investigações empíricas sobre micro comportamento organizacional. Foram encontrados 23 artigos. Os resultados indicaram que não há uma linha de pesquisa nacional na área e que as principais variáveis estudadas foram: cultura, poder e processos psicológicos, comunicação e gestão de pessoas na compreensão da mudança organizacional. A partir das lacunas encontradas, é proposta uma agenda de pesquisa que sugere, dentre outras coisas, a construção de instrumentos de medida e mais pesquisas sobre cultura e poder.

Palavras-chave: mudança organizacional, percepção e crenças sobre mudança, conseqüências das mudanças organizacionais, revisão bibliográfica, micro comportamento organizacional.


ABSTRACT

The present text analyses the Brazilian research on organizational change, in the context of micro organizational behavior, between 1996 and 2007. The focus was on perception and believes of organizational members about these changes and on their consequences for these members. The criterion for inclusion of the articles in the analysis was that they reported data collection made in Brazil, with a clear statement of their intended aim. They were analyzed by pairs of judges, based on a standardized system which had been previously developed and has been already described for the review of micro organizational behavior. The results, based on 23 articles, show that there is not a clear national research line in this area. The major variables that have been studied on organizational change are: culture, power and psychological processes, communication and personnel management. Based on the gaps which have been found, a research agenda is proposed. It suggests, among other things, the construction of measurement instruments and more research related to culture and power.

Keywords: organizational change, perception and believes about change, consequences of organizational changes, literature review, micro organizational behavior.


 

 

O objetivo do presente trabalho foi analisar de modo sistemático a produção empírica no Brasil sobre mudança organizacional a partir da revisão da literatura nacional existente na área. O foco da análise foram as mudanças relacionadas a fenômenos micro organizacionais. São inicialmente apresentadas as principais definições necessárias para delimitar o trabalho. Em seguida, é apresentada a revisão da produção empírica com os resultados encontrados, que são analisados e discutidos. Por fim, é proposta uma agenda de pesquisa para a área.

O comportamento organizacional

O campo de Comportamento Organizacional foi reconhecido na década de 70 como disciplina independente e, desde então, diversas definições foram apresentadas no Annual Review of Psychology na tentativa de estruturar e delimitar a área. Apesar de não haver consenso em relação a sua definição (Siqueira, 2002), a produção teórica e empírica tem se destacado o suficiente para despertar a atenção de diversos pesquisadores e auxiliar na explicação de comportamentos no âmbito das organizações, como pode ser verificado nas revisões de Rousseau (1997) e Brief e Weiss (2002).

De acordo com Siqueira (2002), é possível encontrar definições que focam em diferentes aspectos da disciplina, como níveis de análise e variáveis de resultados. Essa autora apresenta diferentes conceituações para a área e adota uma definição que considera o entendimento do comportamento organizacional a partir de três níveis de análise, micro, ênfase nos indivíduos, meso, grupo/equipes, e macro, organização. Estes níveis de análise são, há várias décadas, mencionados nas revisões periodicamente publicadas pelo Annual Review of Psychology.

Tendo em vista que o foco do presente trabalho não é uma revisão profunda acerca das definições e do desenvolvimento da disciplina Comportamento Organizacional, não serão discutidas diferentes definições existentes. A definição adotada para Comportamento Organizacional neste trabalho segue a mesma linha de Siqueira (2002) e considera que essa disciplina busca investigar o comportamento dos indivíduos e dos grupos nos contextos organizacionais, bem como o comportamento da própria organização em relação a seu ambiente externo e interno. O Micro comportamento organizacional estuda os comportamentos individuais e os processos através dos quais estes influenciam e são influenciados pelos sistemas organizacionais.

A quantidade de pesquisas em Comportamento Organizacional é considerável e tem sido influenciada pelas mudanças ocorridas no mundo do trabalho (Rousseau, 1997). Essas mudanças refletem, sobretudo, a maneira como os construtos de interesse são definidos e mensurados. De acordo com a revisão apresentada por Rousseau (1997), em relação às mudanças organizacionais, observa-se que estas ações têm se voltado para a implementação e institucionalização de novas tecnologias, cultura e práticas organizacionais. As pesquisas, sobretudo as norte-americanas, buscam compreender as conseqüências dessas mudanças para o comportamento dos indivíduos no trabalho, por exemplo, por meio do estudo de esquemas mentais e de percepção de justiça.

O presente trabalho buscou analisar a produção empírica nacional sobre mudanças organizacionais, no âmbito da disciplina Comportamento Organizacional. O foco adotado foi o nível micro de análise que enfatiza os aspectos psicossociais do indivíduo e as dimensões de sua atuação no contexto organizacional. Na categoria de mudanças, o nível micro analisa as percepções e crenças dos indivíduos sobre as mudanças e as conseqüências destas para estes membros das organizações de trabalho. A seguir serão apresentadas conceituações fundamentais sobre o foco de análise da presente revisão.

A mudança organizacional

A mudança é uma característica de toda organização. É um fenômeno multidimensional devendo ser apreendido nos diversos níveis em que ocorre. O tema está presente na literatura há anos e o ritmo e a força com que as condições do ambiente têm mudado atribuem uma velocidade de mudança cada vez maior às organizações (Lima & Bressan, 2003). Isto tem chamado a atenção dos autores e diversas definições são encontradas para o tema.

Este artigo adotará a definição de mudança proposta por Lima e Bressan (2003), uma vez que esta aborda o conceito de um ponto de vista abrangente e complexo. A mudança é definida como:

...qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais - pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura - ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possa ter conseqüências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência, eficácia e/ou sustentabilidade organizacional. (p.25.

Mudança Organizacional Lima & Bressan (2003)

Esta definição considera características organizacionais (macro) e individuais (micro) das mudanças e aspectos interno e externo (contextuais) às organizações. Considerando o nível micro da disciplina Comportamento Organizacional, é fundamental compreender a influência que as mudanças, externas, internas, micro e macro, exercem no comportamento dos indivíduos que fazem parte das organizações, já que, de acordo com Lima e Bressan (2003), é praticamente impossível que essas mudanças não afetem as pessoas nos seus locais de trabalho.

Assim sendo, será considerada aqui qualquer mudança organizacional que afete o comportamento dos indivíduos no trabalho, gerando reações positivas ou negativas, resistências e adaptações. Além disso, considerar-se-ão também as percepções e as crenças individuais sobre os processos de transição, uma vez que essas também poderão influenciar as atitudes individuais frente à mudança.

A literatura sobre mudança organizacional é vasta e abrange distintas disciplinas. Por esse motivo, é fundamental delimitar o foco de análise, já que praticamente qualquer alteração que afete a organização pode ser considerada como sendo uma mudança.

Crenças, percepções individuais e consequências da mudança para trabalhadores

Armenakis e Bedeian (1999) realizaram uma revisão sobre a teoria e pesquisa na área de mudança organizacional nos anos 90. Boa parte das pesquisas na área foca o nível macro de análise, estudando como os fatores de sucesso e fracasso afetam a efetividade organizacional, como as organizações têm reagido às mudanças ambientais e quais são as melhores maneiras de implementar mudanças. Alguns pesquisadores, entretanto, têm estudado atitudes individuais frente a estas. Modelos mostram que é possível identificar estágios nos comportamentos dos indivíduos que vivenciam situações de mudança como negação, resistência, exploração e, por fim, comprometimento (ou não). Identificam-se duas tendências de pesquisa, uma que estuda reações afetivas às mudanças e outra que estuda reações comportamentais.

Segundo esses autores, pesquisas mostram que algumas mudanças produzem alterações nos níveis de lealdade, comprometimento e estresse dos empregados, que, por sua vez, influenciam taxas de rotatividade, cinismo, satisfação e motivação. As pesquisas sobre afeto tradicionalmente têm investigado variáveis como comprometimento e satisfação, mas é comum encontrar estudos com variáveis menos tradicionais como depressão, ansiedade e exaustão. Além disso, em termos comportamentais, as estratégias de enfrentamento, resistência, adaptação são objeto de estudo. Cabe ressaltar que a revisão de Armenakis e Bedeian (1999) focou na produção empírica internacional, sobretudo as publicações norte americanas. No contexto brasileiro não foi encontrada revisão sistemática publicada em periódicos sobre a produção científica nessa área, o que fundamenta a relevância do presente trabalho para o estudo do fenômeno.

Em relação às crenças e às percepções, de acordo com o modelo clássico da estrutura tripartite de atitude, crenças são um de seus componentes (Weiss, Nicholas & Daus, 1999) e representam a informação que a pessoa tem sobre o objeto da atitude. A crença vincula um objeto a um atributo, o objeto pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas, uma instituição, um comportamento, por exemplo. O atributo associado ao objeto pode um traço, uma propriedade, uma qualidade, uma característica, um resultado ou um evento (Ajzen & Fishbein, 1980). No presente trabalho, o objeto da atitude é a mudança organizacional e os atributos seriam os diversos aspectos sobre os quais a mudança poderia ser vista pelos indivíduos.

A percepção é a maneira como os indivíduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais, a fim de dar sentido ao seu ambiente (Robbins, 1999). A percepção de mudança organizacional seria a forma como o funcionário organiza e interpreta as impressões sensoriais sobre a mudança para dar sentido ao ambiente organizacional em transição. Bressan (2001) destaca que a percepção é um aspecto fundamental para reação dos indivíduos à mudança, mesmo que a percepção seja diferente do que de fato ocorre na organização.

O tema relacionado à mudança organizacional aqui abordado foi escolhido pela importância do mesmo nas revisões internacionais. Por exemplo, Rousseau (1997) orientou sua revisão de literatura tendo como base as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e nas empresas de maneira geral. Tais questões revelam a pertinência de se verificar, de modo sistemático, como aspectos do nível individual têm sido investigados nas pesquisas nacionais.

A seguir são apresentados o método utilizado nesse estudo e os resultados encontrados. Por fim, esses são discutidos e uma agenda de pesquisa na área será proposta.

 

MÉTODO

Como já foi informado, o foco do presente trabalho foi o estudo das mudanças organizacionais no nível individual. Para alcançar tal objetivo, realizou-se uma revisão bibliográfica sistemática da produção empírica sobre Comportamento Organizacional nos principais periódicos nacionais (Tabela 1), existente numa base de dados previamente produzida e organizada por Borges-Andrade, Coelho Jr. e Queiroga (2006).

As categorias de análise formuladas por estes autores foram baseadas nas revisões publicadas no Annual Review of Psychology, desde a metade do século passado. Os periódicos escolhidos para integrar esta base de dados deveriam ser indexados e apresentar avaliação satisfatória (classificação A ou B, nacional ou internacional) conforme critérios da CAPES (sistema QUALIS de classificação).

Revisões sistemáticas, isto é, que utilizam critérios claros e prévios para definição do universo de artigos a ser investigado, para seleção e classificação dos artigos relevantes e para julgamento dos mesmos por meio de juízes independentes, são raras na literatura brasileira. Um método objetivo e padronizado para realizá-las foi proposto por aqueles autores e gerou uma base de dados que é periodicamente atualizada. Revisões sobre distintos temas de comportamento organizacional foram recentemente produzidas no Brasil, utilizando esse método e essa base, mas faltava uma sobre mudança nas organizações.

As revisões teóricas sobre comportamento organizacional de Brief e Weiss (2002), Rousseau (1997) e Siqueira (2002) foram utilizadas para delimitar melhor o foco do estudo e servir de referencial para a análise dos juízes. O período de análise investigado foi de 1996 a 2007 e incluiu todos os números dos periódicos referentes ao mencionado período de doze anos (353 artigos registrados). A seleção dos artigos foi feita com base nos seguintes critérios, previamente definidos, como o fato do estudo relatar análise de dados coletados no Brasil e discutidos dentro dessa realidade, clareza do objeto de análise e relevância temática. Os critérios de análise de cada artigo podem ser observados na Tabela 2.

Posteriormente, em função do objetivo deste estudo, foram selecionados para análise os artigos que se referissem à categoria "mudança organizacional", no que diz respeito às percepções e crenças sobre mudanças, aos comportamentos de reação, adaptação e resistência às mudanças. Apesar do material revisado ser bastante específico, acredita-se que tal decisão possibilita uma análise aprofundada e realística da produção científica sobre mudança organizacional. Além disso, lembra-se que internacionalmente já existe uma linha de pesquisa que busca compreender o comportamento dos indivíduos em situações de mudança organizacional (Armenakis & Bedeian,1999), o que justifica o recorte e delimitação feitos. Do total de 33 artigos encontrados sobre mudança organizacional na base de dados, 23 de alguma forma se enquadraram na categoria estabelecida. A análise deles será descrita a seguir.

 

RESULTADOS

A apresentação dos resultados está organizada em três partes. Inicialmente é feita uma análise geral das características dos autores e dos periódicos onde as pesquisas são publicadas. Posteriormente são apresentados os aspectos metodológicos utilizados nos artigos e, por fim, as principais variáveis estudadas.

Em relação ao período de tempo considerado para análise no presente trabalho, é possível observar um aumento da quantidade de publicações ao longo dos anos. No primeiro quadriênio (1996 a 1999) foram publicados três artigos; no segundo (2000 a 2003) e no terceiro (2004 a 2007), foram encontrados dez artigos em cada um. Como se pode observar, com o passar dos anos parece ter aumentado o interesse dos pesquisadores em estudar aspectos micro-organizacionais relacionados à mudança.

Em relação aos periódicos, observa-se que os artigos estão distribuídos em diversas revistas, sendo que, do total de vinte e três, cinco foram publicados na RAC, cinco na O&S, quatro na RAP, quatro na RAE, dois na RAUSP, dois na rPOT e um na Psicologia: ciência e profissão. Há, portanto, claramente uma predominância de publicações em periódicos da área de administração (20 artigos), assim como há uma quantidade maior de autores (dezessete) com titulação em Administração e dez possuem titulações em Psicologia.

Da mesma forma, não há predominância de alguma instituição de ensino, nem de um tipo de pesquisa. Os autores são de diversas Unidades da Federação e instituições, não sendo possível verificar tendências quanto a essa distribuição dos pesquisadores da área. Apesar disso, quatro autores aparecem em mais de um artigo: Maria José de Brito, Carmem Lígia Iochins Grisci; Maria das Graças Torres da Paz; Mariana Viana dos Santos, além da parceria José Roberto Gomes da Silva e Sylvia Constant Vergara, que publicou dois artigos encontrados na base de dados investigada.

Dos vinte e três artigos analisados, cinco são relatos de experiência e dezoito tratam de pesquisa com desenho. Dezoito adotaram o survey como método de investigação e dois, pesquisa experimental. A maioria coletou os dados em organizações prestadoras de serviços (setor terciário da economia). Apenas quatro pesquisas foram feitas no setor secundário (Chaves, Santos & Morais, 2004; Bastos & Santos, 2007; Oltramari & Piccinini, 2006; Fleig, Pereira, Grzybovski & Brito, 2005) e uma no setor primário (Ichikawa, 2004).

Em relação à amostragem, dez artigos se referem a estudos de caso sendo que destes nove adotaram uma metodologia qualitativa e um adotou metodologia quantitativa, a maioria combinou diferentes instrumentos de coleta de dados. Feuerschütter (1997), por exemplo, utilizou tanto entrevistas como observações e análises documentais. Verifica-se que apesar da combinação de instrumentos, a maioria das pesquisas qualitativas utilizou em algum momento entrevistas para coletar os dados.

Dos demais artigos, todos estudaram amostras populacionais, sendo que seis adotaram métodos qualitativos, três utilizaram métodos quantitativos, e quatro utilizaram uma combinação de técnicas qualitativas e quantitativas (quali-quanti). Seabra (2001) e Chaves et al. (2004) utilizaram tanto questionários como análise documental em suas pesquisas, enquanto Haak (2000) e Dias (2000) coletaram os dados por meio de questionários e entrevistas.

Nas pesquisas qualitativas predomina o uso de análise de conteúdo e nas pesquisas quantitativas análises descritivas e inferenciais. Destaca-se que não é possível afirmar a preferência por estudos de amostra, uma vez que há certo equilíbrio na produção científica quanto à natureza da amostragem (13 estudos de amostra e 10 estudos de caso).

Vinte e um artigos utilizaram dados primários, ou seja, coletados pelo próprio autor. Deste total, três pesquisas também analisaram dados secundários (documentos, atas de reuniões e relatórios), enquanto que Faria (2002) analisou somente dados secundários. Apenas três pesquisas (Martins & Paz; 2000, Grisci, Cigerza, Hofmeister & Becker; 2006 e Neiva & Paz; 2007) podem ser consideradas longitudinais, uma vez que os autores coletaram os dados antes e após o processo de mudança.

A seguir, serão apresentados os resultados dos artigos analisados. Esses resultados foram categorizados de acordo com os fenômenos relacionados ao estudo da mudança, ou seja, os temas apresentados foram definidos a posteriori, com base no conteúdo de cada estudo analisado. Em geral, observa-se que há uma variedade considerável em relação às variáveis pesquisadas no âmbito da área de mudança organizacional.

Motivação e processos psicológicos

O tema mais abordado nas pesquisas é a relação entre as mudanças e os processos psicológicos como motivação, vivência de sofrimento no trabalho, ansiedade e estresse. A mudança organizacional é, essencialmente, algo que mobiliza as emoções dos indivíduos (Silva & Vergara, 2003).

Caldas e Hernandez (2001), citados por Chaves, Santos e Morais (2004), destacam que um sentimento prontamente relacionado a momentos de mudança é a ansiedade. Essa variável foi objeto de estudo em quatro dos artigos analisados. No artigo de Chaves e cols. (2004), ansiedade foi uma das categorias mais evocadas. Os autores comentam que o temor em relação à mudança pode diminuir a eficácia das mudanças ou provocar sintomas indesejados nos atores organizacionais.

Nas organizações analisadas por Silva e Vergara (2003), observou-se que na instituição bancária os indivíduos expressam maior ansiedade e maior sentimento de impotência diante da mudança e são mais intensas as queixas com relação à falta de oportunidade para que os sentimentos possam ser explicitados. Não parece ser circunstancial o fato de a empresa farmacêutica ser a que os indivíduos manifestam maior nível de tranqüilidade e conseguem expressar suas percepções sobre o discurso da organização. Ou seja, os autores sugerem uma relação entre oportunidade de se expressar e nível de ansiedade. Outro artigo escrito pelos autores, em 2000, encontrou que a maior fonte de angústia foi a percepção de que esse rompimento é involuntário, gerado por motivos alheios à própria vontade da organização e das pessoas que dela participam.

Oltramari e Piccinini (2006) estudaram indústrias têxteis e encontraram que a implementação de mudanças provocou sobrecarga de trabalho, tensão, ansiedade, ausência de perspectivas de crescimento. Além disso, um artigo enfatizou o sofrimento psíquico dos trabalhadores em função de um processo de modernização de um banco (Grisci, Cigerza, Hofmeister & Becker, 2006).

Dois artigos estudaram a motivação no âmbito da mudança organizacional. Haak (2000) observou que a mudança gerou um aumento na motivação dos funcionários que participaram do programa de qualidade total. Já Dias (2000), ao investigar a influência da motivação na resistência ao uso de computador por gerentes, encontrou que a motivação atuou como uma variável antecedente fundamental na explicação do uso deste. Os resultados dessa pesquisa, entretanto, devem ser analisados com cautela em função do reduzido número de observações utilizadas nas análises de regressão.

Por fim, dois artigos, estudaram o impacto das mudanças do mundo do trabalho para os indivíduos. Kilimnik (1998) buscou identificar as conseqüências dessas mudanças para profissionais constantemente sujeitos a ameaças de demissões e os já desempregados. A autora encontrou que, apesar dos distúrbios, como estresse e ansiedade, ocorreu melhoria no conteúdo do trabalho e no amadurecimento profissional em situação de desemprego. Fleig, Pereira, Grzybovski & Brito (2005) estudaram as representações sociais construídas pelos exoperários de uma organização do setor metalúrgico sobre o processo de demissão, as percepções do trabalho e os significados do desemprego. Os resultados apontaram que o trabalho é representado socialmente como eixo central que orienta as ações sociais, promove elos entre a realidade, a subjetividade humana e o cotidiano social do trabalhador. O desemprego representa perdas em vários sentidos, mas também emerge como impulsionador pela busca de alternativas como o estabelecimento do próprio negócio.

Finalmente, um artigo (Bastos & Santos, 2007) estudou os significados associados ao processo de privatização em uma indústria petroquímica. O estudo focou cognição social e redes informais. Os resultados indicaram que os gestores possuem percepções positivas (crescimento profissional e pessoal, melhores resultados), os empregados, percepções positivas e negativas (insegurança, incerteza, expectativa de melhorias, remuneração) e os terceirizados, percepções relacionadas à segurança, saúde e qualidade de vida.

Esses resultados indicam que os processos micro organizacionais podem estar associados tanto a mudanças internas à organização, como mudanças do mercado e do ambiente em que estas estão inseridas. Aspectos individuais devem ser considerados uma vez que os processos de mudança afetam as percepções das pessoas, podendo impactar tanto positivamente como negativamente nas suas vivências. Além disso, alguns processos psicológicos, como a motivação, podem funcionar como variáveis antecedentes que facilitam ou dificultam a aceitação da mudança.

Gestão de pessoas

No processo de mudança, é natural que ocorram alterações no modo como as políticas e práticas de gestão de pessoas são concebidas. A implementação de propostas de revisão dos modelos de gestão são elementos-chave na efetivação das mudanças (Brito, Melo, Monteiro & Costa, 2004 e Silva & Vergara, 2000).

Na pesquisa de Chaves e cols. (2004), a mudança é percebida como transformações na gestão de pessoas e está associada a novas formas de gerenciamento das atividades e dos relacionamentos. Brito e cols. (2004) sugeriram que mudanças nos modelos de gestão dos hospitais propiciavam a revisão dos modelos de gestão e interferiam nas condições e na organização do trabalho, nas relações hierárquicas, no tipo de estrutura organizacional, no controle dos resultados e nas políticas de gestão de pessoal.

Junquilho (2004), analisando o novo papel do gerente em uma organização pública, encontrou que o gestor se caracteriza por apresentar características como habilidade para conjugar o convívio informal com o conjunto de legislação formal; liderança construída por meio de um misto entre carisma e autoridade formal; capacidade criativa e/ou empreendedora para resolução de problemas imediatos.

Quando a gestão de pessoas não acompanha as mudanças propostas pela organização, a mudança dificilmente será bem sucedida. No estudo de Seabra (2001) mesmo com a mudança, a cadeia de comando hierárquico aparentou não ter sofrido alterações significativas, permanecendo com características do modelo burocrático clássico. Apesar de mudanças no sistema de recompensas, os respondentes não se sentiam motivados com o novo sistema de desempenho adotado. O pagamento não se tornou uma recompensa eficaz ao bom desempenho.

Brito, Cappelli, Brito e Cramer (2002) estudaram a mudança de equipes mono-disciplinares para equipes multi e interdisciplinares. Paradoxalmente, o modelo de gestão utilizado nas equipes premiava e promovia as ações individuais. Essa dissonância provocou resistências ao trabalho em equipe e dificuldades relativas à apropriação dos resultados, possibilitando emergirem ações oportunísticas no momento de dividir as responsabilidades e os resultados do trabalho em equipe.

No estudo de Chaves e cols. (2004), as representações dos participantes retrataram a ausência de um modelo gerencial consistente e estruturado como uma realidade ainda existente na organização. Os autores sugerem que, possivelmente, essa indefinição colaborou com outras representações negativas e a instabilidade. Lima e Queiroz (2003) destacam que as formas como são conduzidas e monitoradas as ações transformacionais, por parte dos gestores, se constituem como empecilhos à implementação de um novo programa.

Xavier e Dornelas (2006) estudaram o papel do gerente em um processo de implantação de CRM (customer relationship management) em uma empresa de tecnologia da informação. Os resultados mostraram que os gerentes exercem papéis específicos no processo de mudança e que sua postura influencia o negócio. Foi identificado que ocorreu resistência à mudança quando não houve a percepção de vantagem coletiva ou individual no uso do sistema. Silva e Vergara (2000) ressaltam que indefinições quanto ao processo de gestão de pessoas não favorecem o desenvolvimento de um senso comum e de uma ação coletiva eficaz nem asseguram uma preparação adequada de todos para os novos tempos.

É fundamental, pois, considerar que determinadas mudanças exigem alterações nas práticas de gestão de pessoas e que estas podem gerar impactos tanto negativos como positivos para os indivíduos. Haak (2000), ao estudar as conseqüências da adoção de um programa de qualidade total, encontrou que houve um aumento na motivação dos funcionários, assim como aumento no significado do trabalho para os participantes, indicando que nesse estudo a mudança exerceu uma influência positiva para os indivíduos. Já no artigo de Grisci (2003), a modernização do trabalho bancário trouxe aumento no ritmo de trabalho; exigências quanto a produtividade, complexidade e competitividade e sofrimento psíquico, exercendo, assim, uma influência negativa.

Nova Administração Pública

Muitos artigos investigaram mudanças ocorridas no Setor Público. Os autores destacam que a globalização afeta o papel do Estado, impondo a necessidade de redefinir suas funções e sua burocracia (Crubellate & Machado-da-Silva, 1998; Lima & Queiroz, 2003). O maior desafio do governo é transformar o Estado de forma a adaptá-lo às novas demandas da contemporaneidade, aumentando sua efetividade (Lima & Queiroz, 2003). Junquilho (2004) e Seabra (2001) estudaram a influência das práticas da nova administração pública nas condutas dos funcionários e identificaram que essa mudança provocou alterações nos comportamentos dos funcionários públicos, exigindo uma postura mais pró-ativa e dinâmica.

O Estado vem repensando sua forma de atuação e deixando de agir como gestor para atuar mais como regulador das atividades (Crubellate & Machado-da-Silva, 1998; Faria, 2002). Passou a ser imperativo que o Estado se organize, adotando critérios relativos à gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a sociedade, definir prioridades democraticamente e cobrar resultados (Lima & Queiroz, 2003). Nos artigos revisados, foram identificados dois documentos do governo relacionados a essas mudanças: O Programa Qualidade no Serviço Público (1997, citado em Lima & Queiroz, 2003) e o Plano Diretor da Reforma do Estado (1998, citado em Seabra, 2001). Ambos estariam orientando o movimento para a transformação gerencial no setor público brasileiro.

Nas organizações deste setor, o processo se sustenta em premissas econômicas relacionadas à necessidade de padrões adequados de eficiência e eficácia em face da escassez de recursos (Crubellate & Machado-da-Silva, 1998). O governo tem por objetivo tornar mais ágil a administração pública, tornando seus serviços mais acessíveis e de melhor qualidade, além da intenção de reduzir drasticamente o déficit público (Faria, 2002). Frente a esse cenário, as empresas estatais brasileiras estão passando por processos de privatização (Faria, 2002) ou buscando no mercado apoio financeiro para desenvolver seus projetos (Ichikawa, 2004).

Comunicação

A comunicação é um dos elementos mais importantes no processo de implementação da mudança estratégica. Ela é um instrumento para anunciar e explicar as transformações; preparar as pessoas para seus efeitos positivos e negativos; elevar a compreensão e o comprometimento com o processo; reduzir a confusão de significado e a resistência à inovação; o; sustentar o processo de mudança; obter feedback sobre percepções e crenças dos membros da organização e preparar as pessoas para as alterações nas suas atitudes e comportamentos (Silva & Vergara, 2000).

Essas autoras, em 2003, destacaram que o problema da implementação da mudança estaria na atitude das pessoas e na forma como ela é comunicada pela organização. Para ser possível criar um processo de mudança em que haja engajamento das pessoas da organização, é preciso que cada uma delas esteja engajada como um ator que se apropria do sentido de coletividade. É importante que haja comunicação entre os indivíduos.

Para desenvolver mecanismos capazes de integrar indivíduos, equipes e processos, o papel da gerência passa a ser o de divulgar estratégias igualitariamente, em todos os níveis e para os diferentes membros, que facilitarão o esforço necessário para a implementação da mudança (Brito et al., 2002). O estudo de Brito e cols. (2004) aponta que intensificações nos fluxos de comunicação são marcas incontestáveis das organizações. Nesse contexto, percebe-se que as práticas gerenciais assumem um caráter muito mais coletivo do que individual e que a equipe de trabalho tem sido considerada um fator determinante para a sobrevivência e o desenvolvimento da organização.

Silva e Vergara (2003) sugerem que o aspecto que mais parece contribuir para a autodescoberta como sujeito é a possibilidade de fazer uso da palavra. A comunicação pode também reforçar as barreiras para aprendizagem e a incorporação de mudança (Argyris, 1994 citado por Silva & Vergara, 2000).

Brito e cols. (2002) enfatizam que problemas de comunicação e falta de diálogo promovem resistência ao processo de mudança, pois proporcionam restrições que dificultam o alcance de um consenso quanto às posturas teóricas e metodológicas a serem adotadas pelos trabalhadores. Os achados de Seabra (2001) sugerem que os indivíduos são menos propensos a mostrar comportamentos próativos, cooperativos e/ou inovadores em um ambiente organizacional caracterizado por um processo formalístico de comunicação interna e rigidez de procedimentos. Quanto maior o nível de flexibilidade para tomada de decisão e do processo de comunicação informal na organização, maior é a preocupação com qualidade.

Silva e Vergara (2000) indicam que dificuldades no processo interno de comunicação não favorecem o desenvolvimento de um senso comum e de uma ação coletiva eficaz nem asseguram uma preparação adequada de todos para os novos tempos. Lima e Queiroz (2003) destacam também que um dos obstáculos à implementação de um novo programa é o modo como são compreendidos e disseminados os princípios que orientam tais práticas.

Cultura e Poder

O gerenciamento da mudança envolve a necessidade de alterar políticas, procedimentos e estruturas promovendo novas formas de comportamento dos indivíduos e equipes. Para que a mudança tenha chances de ser bem sucedida, é preciso que seja vista como um processo de construção coletiva de novos significados acerca da realidade, de desenvolvimento de uma nova cultura organizacional (Silva & Vergara, 2000).

A cultura incorpora as ambigüidades e as divergências existentes entre grupos na organização. O caráter dinâmico da cultura resulta em desafios para a gerência das organizações, em especial quando esta precisa lidar com contextos sociais em rápida transformação (Crubellate & Machado-da-Silva, 1998).

A análise dos artigos mostra que o estudo da cultura e do poder tem estado diretamente relacionado ao estudo da mudança organizacional. Crubellate e Machado-da-Silva (1998) verificaram, num contexto de redução de verbas, a influência da cultura e do poder na reação de professores frente à postura adotada por seus departamentos (diversificação ou manutenção das atividades), de tal forma que as dependências de poder (interesses) foram mais decisivas do que a cultura (crenças/valores) na definição da postura de adaptação organizacional nas unidades pesquisadas. Feuerschütter (1997) estudou a influência das mesmas variáveis na reação dos funcionários frente à mudança estrutural de uma organização privada. Os resultados destes trabalhos, entretanto, são divergentes. No primeiro o poder atua positivamente para a aceitação da mudança e no segundo negativamente. Em relação à cultura, no primeiro, há variações quanto a sua influência e no segundo ela facilita a implementação da mudança.

Seabra (2001) observou uma ligeira mudança na cultura organizacional, passando para uma cultura "mais gerencial", na qual maior flexibilidade para tomada de decisão apresentou correlação significativa com a parte relacionada ao perfil gerencial dos indivíduos. Houve uma significante associação entre redução de barreiras burocráticas no processo de comunicação com mudanças tanto na parte da cultura relacionada com comportamento gerencial quanto naquela relativa a valores compartilhados na organização. A pesquisa de Martins e Paz (2000) verificou que a mudança ocorrida na organização estudada não afetou os níveis de comprometimento e manteve as configurações de poder, havendo apenas uma alteração na qualidade desse vínculo, que passou a ser mais calculativo e menos afetivo.

Em outro estudo, Neiva e Paz (2007) encontraram resultados que indicam que, após o processo de mudança, houve alteração nas configurações de poder na empresa estudada (de autocracia e arena política para autocracia, sistema autônomo e missionário). Não houve mudança de valores organizacionais percebidos e desejados e o grau de insatisfação com os valores organizacionais diminuiu.

Apesar de observar-se que essas variáveis são importantes no processo de mudança, sobretudo na reação dos indivíduos às mudanças, não é possível ainda afirmar, a partir dos estudos citados, exatamente qual é o papel da cultura e do poder na aceitação ou na resistência à mudança organizacional, uma vez que os resultados das pesquisas são divergentes e ora a cultura atua como facilitadora, ora como característica que dificulta os processos de mudança.

 

DISCUSSÃO

A análise dos resultados permite concluir que, em geral, a categoria "mudança organizacional", sobretudo no que tange a comportamentos individuais, foi pouco estudada por pesquisadores com formação em psicologia. Apesar da literatura indicar a relevância das mudanças no mundo do trabalho e conseqüente mudança nas organizações, para os indivíduos (Rousseau, 1997; Brief & Weiss 2002), parece que esse tema especificamente ainda não despertou interesse desses pesquisadores no Brasil. As pesquisas realizadas por estes, no âmbito da disciplina Comportamento Organizacional, têm como foco alguns processos psicológicos que, muitas vezes, estão relacionados a processos de mudança. Nota-se que a pesquisa na área está em desenvolvimento e há uma tendência de crescimento.

Além disso, é claramente perceptível a ausência de uma linha de pesquisa nacional cujo interesse seja a compreensão e o estudo dos micro fenômenos relacionados às mudanças organizacionais. Não existe ainda um corpo teórico comum ou um paradigma dominante. A área está se construindo havendo a necessidade de criação de uma rede de comunicação entre os pesquisadores interessados.

No entanto, certo amadurecimento pode ser notado quando se observa algum direcionamento nas pesquisas em relação às variáveis estudadas. Parece haver interesse pelo estudo de processos psicológicos (10 artigos), da gestão de pessoas (10 artigos), da cultura e do poder (6 artigos) e da comunicação (6 artigos) na compreensão da mudança organizacional. Verificase também uma tendência a estudar o comportamento ou a conduta das pessoas envolvidas em mudanças, sobretudo na administração pública (6). Nota-se que um conjunto de artigos esteve incluído em mais de uma categoria.

Os artigos analisados mostram a relevância do tema para a realidade organizacional e, de alguma forma, tentam compreender a relação da mudança com algum aspecto individual (comportamentos, crenças, resistência, relações de poder, percepções de cultura). A questão da mudança despertou o interesse de alguns pesquisadores, a partir de suas experiências práticas, os levando a se interessar pela compreensão do fenômeno.

A diversidade metodológica observada reflete mais uma vez a ausência de uma organização dos pesquisadores em termos de uma ou mais linhas de pesquisa e dificulta a comparação dos resultados encontrados. Muitas investigações adotaram amostras de conveniência, que dificultam a generalização dos resultados.

Entretanto, não surpreendentemente, a maioria das pesquisas foi feita em organizações prestadoras de serviços, indicando que é o setor terciário que pode estar passando por maiores transformações. Mas, segundo Borges e Pinheiro (2002), as dificuldades na coleta de dados com trabalhadores de baixa renda podem ser um fator que reduz a produção empírica no setor primário, por exemplo.

Além disso, a organização da área exige uma delimitação melhor do fenômeno em estudo. A revisão de Armenakis e Bedeian (1999) indicou que há uma diferenciação quanto ao nível de análise estudado nas pesquisas sobre mudança. Diversas adotam um nível de análise macro em que a mudança é estudada a partir das reações organizacionais frente às alterações do contexto. A análise da produção nacional apontou essa tendência, uma vez que foram encontrados vários artigos que se referiam a aspectos macro da mudança no âmbito do Comportamento Organizacional (Machado-da-Silva & Fernandes, 1998; Corrêa & Prochno, 1998; Eboli, 1997). A clareza no nível de análise e delimitação do objeto é fundamental para estudo e compreensão do fenômeno e revela certo amadurecimento da área, como pode ser verificado em pesquisas multinível sobre equipes de trabalho (Puente-Palacios & Borges-Andrade, 2005).

Por fim, verifica-se que as pesquisas analisadas utilizaram diferentes tipos de mudança (inovações tecnológicas, alterações estruturais, programas de qualidade) e isso impossibilita, mais uma vez, a generalização dos resultados, tendo em vista que essas mudanças podem ser percebidas pelos indivíduos de maneiras distintas. É pertinente considerar que as reações dos trabalhadores poderão ser diferentes em função do tipo de mudança ocorrido.

Grande parte dos artigos realizou a coleta de dados depois que a mudança foi implantada. Como já exposto, a percepção é um aspecto fundamental para reação dos indivíduos à mudança (Bressan,2001). Além disso, para formar novas atitudes ou para modificar atitudes já existentes, as intervenções passariam, necessariamente pela aquisição de novas informações sobre o objeto, isto é, pela reconfiguração das crenças (Freitas & Borges-Andrade, 2004). Tendo em vista que os artigos revisados investigam percepção, crenças, reações e resistências às mudanças, seria recomendável também realizar a coleta de dados antes da implementação da mudança.

Apesar de ser bastante conhecido que a participação dos sujeitos no processo de mudança é importante, algumas organizações não os envolvem, nem proporcionam oportunidade para os funcionários se expressarem. Uma mudança radical implica necessariamente em uma mudança na gestão. Caso não ocorra percepção sobre tais mudanças, o processo pode ser prejudicado.

A partir do exposto anteriormente e com o objetivo de direcionar o desenvolvimento da área, o presente artigo será concluído com uma sugestão de agenda de pesquisa para os próximos anos.

 

AGENDA DE PESQUISA

A criação de instrumentos que mensurem reação e adaptação a diferentes tipos de mudança organizará a área e facilitará a comparação entre resultados de pesquisas. Será possível também comparar se há diferenças nas reações dos indivíduos em função dos diversos processos de mudanças por quais passam as organizações. Em relação à criação de instrumentos, foi encontrado o trabalho de Fischer e Lima (2005) que trata da validação de medida para diagnóstico de condições facilitadoras de mudança organizacional, o que já contribui para o avanço da área.

É necessária a realização de mais pesquisas sobre cultura e poder, uma vez que os resultados encontrados são divergentes e inconclusivos. É preciso continuar estudando o impacto da proposta da nova administração pública no comportamento dos servidores e na realização do trabalho. Como os artigos indicaram a importância de uma boa disseminação das informações, sugere-se investigar a relação da comunicação na organização com as seguintes variáveis: nível de ansiedade dos membros; diminuição de barreiras culturais para a implantação da mudança; engajamento dos membros da organização no processo de mudança e eficácia dos sistemas de gestão de pessoas.

É importante analisar a relação entre as percepções dos indivíduos e o sucesso da mudança organizacional. Algumas possibilidades são o desenvolvimento de estudos sobre crenças acerca das mudanças organizacionais e o sucesso destas. Essas primeiras propostas sugerem relacionar indicadores subjetivos (percepção e crenças) com indicadores "duros" do sucesso de mudanças. Isto será um grande avanço, se as medidas daqueles indicadores estiverem validadas.

Será preciso verificar quais estratégias de implementação da mudança são mais eficazes para promover o engajamento dos funcionários no processo. Armenakis e Bedeian (1999) identificaram essa lacuna também na produção internacional. Seria interessante, portanto, em próximos estudos, adotar desenhos de pesquisa experimental ou "quasi-experimental", utilizando diferentes táticas para diferentes grupos.

Conforme já apontado por Rousseau (1997), é fundamental desenvolver pesquisas, no contexto brasileiro, sobre as conseqüências, tanto positivas como negativas, do desemprego para os trabalhadores. Apenas dois artigos abordaram o tema (Klimnik, 1998 e Fleig e cols., 2005).

Apesar da dificuldade metodológica, as pesquisas longitudinais possibilitam analisar todo o processo envolvido na mudança, assim como suas conseqüências. Os resultados são mais ricos e permitem comparações. A realização de tais estudos precisa ser intensificada, para apontar direções para novas pesquisas.

Ainda em relação ao método, como essa área está se estruturando, é importante continuar realizando pesquisas qualitativas, pois estas possibilitam análises aprofundadas dos fenômenos. Entretanto, paralelamente, há a necessidade de aumentar significativamente a produção empírica com pesquisas quantitativas, uma vez que estas permitem analisar com mais segurança as relações entre as variáveis envolvidas nos fenômenos e podem ampliar a generalidade dos achados.

 

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Recebido em: 16.12.2008
Aprovado em: 30.09.2009
Publicado em: 22.03.2010

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