SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número2Pesquisa sobre mudança nas organizações: a produção brasileira em micro comportamento organizacionalSatisfação com o emprego em call centers: novas evidências sobre o emprego trampolim índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Compartilhamento do conhecimento nas organizações: possibilidades e limitações

 

Knowledge sharing in organizations: possibilities and delimitations

 

 

Sylvia Constant VergaraI ; Luiz Ernesto Fonseca AlvesII

IDoutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora titular da FGV/EBAPE. Ebape - Fundação Getulio Vargas, Praia de Botafogo, 190, CEP 222253-900, Rio de Janeiro (RJ). sylvia.vergara@fgv.br. lattes http://lattes.cnpq.br/3434512478247756
IIMestre em Gestão Empresarial pela FGV/EBAPE, perito criminal federal da Diretoria Técnico-Científica, Departamento de Polícia Federal. luizernesto.lefa@dpf.gov.br. lattes http://lattes.cnpq.br/4642796113877414

 

 


RESUMO

A literatura tem sido pródiga a respeito da gestão do conhecimento e, nela, do compartilhamento do conhecimento. Afirma a existência de uma era do conhecimento e a importância da captura e transferência do conhecimento individual e coletivo. De tão repetidas, essas ideias revestiram-se de legitimidade, pouco provocando discussões acerca das circunstâncias que suportam o compartilhamento e dos motivos grupais que podem, ou não, fazê-lo acontecer. Eis aí a lacuna percebida que motivou o presente estudo. Baseado em uma metodologia desconstrucionista, ele levanta a seguinte questão: que circunstâncias e motivos podem facilitar ou dificultar o compartilhamento do conhecimento nas organizações? Em outras palavras: quais as possibilidades e limitações de tal compartilhamento? Com base na extensa literatura clássica e contemporânea a respeito de grupos na organização, assim como na pesquisa de campo levada a efeito em duas organizações, o estudo conclui que grupos, indivíduos e organizações sofrem e exercem, permanentemente, ações contraditórias e que ações organizacionais que visam ao compartilhamento do conhecimento devem admiti-las. Elementos polares, como cooperação e competição, individualidade e conformidade, liberdade de expressão e inibição de sentimentos caracterizam circunstâncias e motivos que podem, de um lado, se apresentar como possibilidades de compartilhamento do conhecimento e, de outro, como limitações.

Palavras-chave: desconstrução, vontade, disponibilidade, contradição, polaridade.


ABSTRACT

The literature has been prodigal regarding knowledge management and share of knowledge. It states the existence of an age of knowledge and the relevance of capture and transference of individual and collective knowledge. Due to its continued repetition, these ideas have been legitimated, not establishing, however, a debate upon the circumstances that support the share of knowledge and which collective reasons can stimulate sharing the knowledge. Here is the perceived gap that motives the present study. Supported by a deconstructive methodology, it raises the following question: which circumstances and reasons can facilitate or difficult the share of knowledge within organizations? In other words, what are the possibilities and limitation of this share of knowledge? Based on extent classic and contemporaneous literature which address focus on groups within organizations, as well as on a field research conducted inside two organizations, the study concludes that groups, individuals and organizations suffer and exercise contradictory actions, so that organization initiatives aiming the share of knowledge can not disregard them. Polar elements, such as cooperation and competition, individuality and conformity, freedom for expression and inhibition of feelings characterize circumstances and reasons that can be seen as possibilities and also limitation for sharing knowledge.

Keywords: deconstruction, will, availability, contradiction, polarity.


 

 

O termo conhecimento abriga diversas definições de inúmeros pensadores. Davenport e Prusak (1998), por exemplo, referem-se ao conhecimento como a soma das experiências, valores, informação contextual e insights, com origem e aplicação na mente de seus possuidores. Acrescentam que o conhecimento é fruto da informação e esta, dos dados.

Gestão do conhecimento, por sua vez, é uma expressão que abriga questões relativamente diversas e concernentes à aprendizagem individual e coletiva, criação, integração e compartilhamento de conhecimentos, inovação, pesquisa e desenvolvimento, métodos de mensuração do capital intelectual e de ativos intangíveis, e tecnologia da informação. A gestão do conhecimento pode ser definida como um processo consciente e sistemático de captura, organização, análise e compartilhamento do conhecimento, aqui entendido como a agregação de informações, experiências e valores, em suas dimensões individual e coletiva (Bontis & Fitz-enz, 2002; Davenport & Prusak, 1998; Hackett, 2002; Nonaka & Takeuchi, 1997).

Da gestão do conhecimento destaca-se, neste estudo, a questão do compartilhamento do conhecimento (Nonaka & Takeuchi, 1997; Oliveira e col., 2001; Salim, 2005; Senge, 1990). Se a literatura tem sido vasta no que concerne às diferentes composições da gestão do conhecimento, pouco, porém, discute o compartilhamento do conhecimento, de um ponto de vista crítico. Em geral, a literatura parte do pressuposto de sua necessidade, assim como dos benefícios daí advindos, porém pouco questiona acerca da vontade e disponibilidade das pessoas para compartilharem conhecimento. Vontade diz respeito ao arbítrio de alguém para, nas tarefas, incluir o compartilhamento do conhecimento. Pode ser facilitada ou obstada por uma infinidade de valores e sentimentos. Disponibilidade envolve as condições de trabalho nas organizações e pode ser impedida por condições adversas ou facilitada por condições estimuladoras. A questão que, então, se coloca é: que circunstâncias e motivos podem facilitar ou dificultar o compartilhamento do conhecimento nas organizações? Em outras palavras: quais as possibilidades e limitações de tal compartilhamento?

Para responder à questão formulada, justificada pela contribuição que sua resposta possa trazer à pouca discussão acerca do tema, do ponto de vista teórico não só resgataram-se autores clássicos, como contemporâneos. Do ponto de vista metodológico, utilizou-se o método da desconstrução, tanto na análise da literatura resgatada, quanto na pesquisa de campo levada a efeito.

O estudo está aqui exposto em seis seções, além desta Introdução. A seção 1 especifica o método empregado. A segunda seção discorre acerca da dinâmica de grupo, enquanto a terceira seção discute a formação e o comportamento dos grupos. A seção 4 aborda a questão dos interesses conflitantes, da competição, da dominação e poder. Na quinta seção, são apresentadas reflexões alimentadas pela pesquisa de campo. A última seção expõe as conclusões a que o estudo permitiu chegar, suas implicações para a prática nas organizações e para as teorias existentes, assim como propõe uma nova agenda de pesquisa.

A respeito do método utilizado no estudo

O estudo nutre-se das provocações da desconstrução, método que se insere na perspectiva pós-modernista e que foi introduzido por Jacques Derrida no início da segunda metade do século passado, destinado à análise de textos filosóficos e literários. Para Derrida, textos são polissêmicos, logo, admitem múltiplas interpretações (Calás & Smirch, 1991; Martin, 1990). Os trabalhos de Derrida foram posteriormente seguidos por autores que utilizaram o método em contextos distintos, como no estudo da burocracia, na linguagem das organizações e na prática da psicologia. A utilização da desconstrução avançou, portanto, para outros contextos, não se limitando à linguagem do texto, mas podendo estender-se para os contextos sociais e políticos nos quais o texto se insere (Kilduff, 1993). É nesse entendimento que se apoia o presente estudo.

O objetivo da desconstrução é o de quebrar o poder do autor de afirmar sua primazia com relação a uma narrativa particular e, dessa forma, impor significados ao leitor (Burrell, 1999; Calás & Smircich, 1991). Se Cooper (citado por Burrell,1999) chama a atenção para o fato de que qualquer representação é capaz de permitir mais de uma leitura e interpretação, Vergara (2008), por sua vez, assevera ser a desconstrução um método adequado à exposição das contradições ou dicotomias presentes em qualquer texto. Desconstruir um conceito ou uma ideia não implica destruí-los (Calás & Smircich, 1991); implica, como observado por Hassard (1993), analisar relações entre elementos polares (masculino e feminino, por exemplo) e, dessa forma, revelar ambiguidades.

Veja-se, por exemplo: em organizações que defendem a necessidade do compartilhamento do conhecimento e, ao mesmo tempo, incentivam fortemente a competição e a luta pelo poder, pode o compartilhamento ocorrer? Essas e outras questões são aqui analisadas do ponto de vista desconstrucionista, cuja prática requer a confrontação de pontos de vista distintos, objetivando a revelação de possíveis contradições. Já que a literatura pouco discute a vontade e a disponibilidade dos grupos em compartilharem conhecimento, o método de desconstrução parece útil. Começa-se com questões relativas à dinâmica de grupo.

A dinâmica de grupo

Quando se fala em dinâmica de grupo, é possível que se esteja referindo tanto a grupos formais, quanto aos informais. No caso desses últimos, Castoriadis (citado por Enriquez, 1997) defende a ideia segundo a qual sentimentos de solidariedade por eles abrigados energizam a luta em relação às determinações da organização. A tão conhecida investigação de Mayo (1933) aponta a possibilidade de a solidariedade ser nutrida pela satisfação com a tarefa. Comenta Enriquez (1997) que a pesquisa de Mayo acentuou alguma humanização da empresa, assim como a importância do sistema de relações e comunicações, o significado da afetividade, os sentimentos e a consideração frente às necessidades dos indivíduos e grupos. Mas revelou também o surgimento de elementos de solidariedade em torno de reagrupamentos de produção e luta. Aí está um exemplo da possibilidade de dupla interpretação na leitura de um texto, como argumenta o método da desconstrução (Burrell & Cooper, 1988; Calás & Smircich, 1991; Hassard, 1993; Kilduff, 1993; Vergara, 2008).

Com base nesses estudiosos, poder-se-ia dizer que o compartilhamento do conhecimento é possível em grupos que se organizam informalmente, geram equilíbrio interno e proteção externa e se sentem satisfeitos com sua tarefa? O que pode acrescentar ao nosso entendimento os estudos que tratam da dinâmica de grupo?

Ao falarmos em dinâmica de grupo logo nos vem à mente as figuras de Kurt Lewin, Jacob Levy Moreno e Wilfred Ruprecht Bion. Aqui destacamos Bion (1961), para o qual o grupo opera ora no nível da tarefa, que valoriza a ordem e a organização e na qual a cooperação e a colaboração coexistem conscientemente, ora no nível dinâmico, em geral inconsciente. O grupo, então, divide-se entre grupos de refinamento e de primitivismo. Enquanto o primeiro valoriza a aprendizagem, disposto a reformular suas regras e aberto para aprender, o segundo permanece avesso à experiência, não desejando o aprendizado, pois isso pode questionar pressupostos e comportamentos internalizados.

É possível haver compartilhamento do conhecimento nesses momentos em que o grupo está avesso à experiência, não desejando o aprendizado? Quando não deseja questionar pressupostos e comportamentos internalizados?

William C. Schutz (1978) também estudou a dinâmica dos grupos. Para ele, o ser humano tem necessidades interpessoais básicas de inclusão e afeição. A primeira identifica a necessidade de o indivíduo sentir-se considerado pelo outro, como alguém que existe. A segunda está associada ao sentimento recíproco de amar e ser amado. Essas ideias prenunciam a predisposição dos indivíduos ao relacionamento interpessoal, podendo-se dizer que as pessoas possuem, originalmente, a vontade de compartilhar. Conclui Schutz que tais relacionamentos dependem, contudo, de equilíbrio e de mecanismos de defesa minimizados, um processo de caráter notadamente individual (Weil e col., 1967).

O resgate da obra de Amitai Etzioni (1961) a respeito de organizações, por sua vez, permite perceber que o autor introduziu os conceitos de polos de envolvimento nas organizações: o compromisso (envolvimento positivo) e a alienação (envolvimento negativo). Organizações sadias (e, por analogia, grupos sadios) são aquelas nas quais o compromisso prevalece sobre a alienação. Segundo Etzioni, a alienação ocorre quando a organização trata os indivíduos e grupos como unidades abstratas, meros instrumentos passivos que, em troca de salário e remuneração, cumprem tarefas segundo especificações autocraticamente determinadas. Diante da posição de Etzioni, vem mais uma pergunta: como se dá o compartilhamento do conhecimento, se isso for possível, quando o grupo está alienado, negativamente envolvido?

Reforçando o pensamento de Etzioni, Erich Fromm (1958) argumenta que a organização formal despersonaliza o trabalho, levando o trabalhador a acreditar que, aos olhos da administração, é uma unidade facilmente substituível. O trabalhador assume o sentimento de ser um indivíduo anônimo, somente uma peça da engrenagem, sentindo-se impotente e insignificante, notadamente aqueles que atuam com maior frequência na execução de tarefas operacionais, automatizadas.

Se a estruturação do trabalho provoca alienação do trabalhador, ou o sentimento de ser facilmente substituível, como garantir o compartilhamento do conhecimento entre indivíduos que se sentem impotentes e insignificantes? Como fazê-los se sentirem membros de um grupo?

Formação e comportamento do grupo

A existência de propósitos comuns e o engajamento nos processos que conduzam à sua realização são aspectos basilares da constituição dos grupos que têm necessidades e aspirações às quais procuram satisfazer convertendo-as em objetivos.

A escolha dos meios para alcançá-los resulta da interação de muitas forças interiores de cada membro do grupo e do produto de pressões internas e externas. Enquanto as primeiras originam-se de experiências passadas e de conhecimentos, de necessidades, de motivações e de expectativas diferentes dos membros, as últimas surgem das relações de conflito, de cooperação ou de competição com outros grupos ou indivíduos e dos estímulos vindos da estrutura social, da situação econômica, política ou institucional e da lealdade dos membros a outros grupos internos ou externos à organização (Minicucci, 1982).

A coesão dos grupos apoia-se na força do vínculo de dependência de seus membros, sendo a adesão pessoal resultante de fatores como o conhecimento mútuo, confiança, incorporação pessoal dos objetivos e assimilação das regras do grupo (Mucchielli, 1979). Uma vez que nos grupos a produção não é unicamente individual, necessário se torna um entendimento entre as pessoas. No entanto, elas podem não estar preparadas para a cooperação, o que as leva a um desgaste prematuro das energias utilizadas na superação ou reorientação de determinados conflitos (Luft, 1972).

Argyris (2000) defende uma tese em relação a grupos. Afirma que, neles, há ações esposadas e ações em uso. As primeiras são aquelas mencionadas pelas pessoas quando questionadas a respeito das regras que seguem. As outras referem-se ao comportamento verificado na prática. Argumenta Argyris que a contradição entre ações esposadas e ações em uso é inconsciente. Estaria nas ações esposadas o discurso segundo o qual há compartilhamento do conhecimento nas organizações, ao mesmo tempo em que as ações em uso desconstroem o discurso?

Enriquez (1997) percebe as contradições existentes nos grupos, que são por ele definidos como comunidades nas quais é possível a coexistência voluntária e simultânea da união e das diferenças, dos acordos e dos desacordos, onde as contradições não geram sofrimento e as tensões são os pontos de partida de novas criações.

Se cooperação, conflito, forças interiores, pressões externas, ações esposadas e ações em uso conformam a formação e o comportamento dos grupos, que papel possui a liderança, tema tão recorrente na literatura referente à gestão?

Admitindo-se que a liderança tem por propósito fazer o grupo locomover-se eficientemente em direção aos seus objetivos, ajudando o a definir caminhos que devem ser percorridos, se ela deve procurar intensificar a coesão e a interação, facilitando a ação grupal (Bennis, 1972; Blau & Scott, 1970; French & Snyder, 1959; Lewin, 1948, 1965; Lewin e col., 1939), teria um líder maiores chances de obter o compartilhamento do conhecimento entre os integrantes do grupo? Teria mais chance de reorientar interesses conflitantes? E como ficaria a questão da dominação e poder (Crozier & Freidberg, 1977; EtzionI, 1961; French & Raven, 1960, Weber, 2000)?

Interesses conflitantes, competição, dominação e poder

Alguns grupos possuem estrutura formal, consubstanciada por estatutos ou regimentos; outros são espontâneos e informais, como estudos diversos resgatados da ampla literatura já argumentaram. Mas, em todos, o conflito é inevitável. De forma generalizada, há uma luta permanente entre os binários cooperação versus competição, individualidade versus conformidade e liberdade de expressão versus inibição dos sentimentos (Hearn citado por Luft, 1972). Individualidade deve aqui ser entendida como a possibilidade de livre arbítrio.

Enriquez (1997) enfatiza: ao mesmo tempo em que preconizam o espírito de equipe, que permite a competição e a melhoria dos desempenhos, as organizações sabem que, se esses grupos conquistarem uma identidade fortalecida, poderão questionar os ideais da organização e transgredir as normas. Ficam, então, as organizações divididas entre o desejo de ver cada grupo reforçar a sua autonomia e o temor de que esses grupos tenham projetos de mudanças radicais ou abandonem a organização e formem uma organização concorrente.

Uma característica essencial na análise weberiana da burocracia é a dominação por meio do conhecimento técnico (Weber, 1968). Muito criticada pelos teóricos das organizações, essa interpretação evidencia as dificuldades do compartilhamento do conhecimento nas organizações burocráticas. Nessa visão, se conhecimento é poder, compartilhar conhecimento diminui o poder de quem o possui?

Retoma-se, aqui, o pensamento de Enriquez (2001), segundo o qual o controle do ser humano é preocupação constante dos homens do poder, impedindo as pessoas de perceberem o que lhes acontece, submetendoas e tornando-as satisfeitas em sua submissão ou, pelo menos, prontas a aceitá-la.

Pensar no compartilhamento do conhecimento a partir da compreensão dos posicionamentos aqui mencionados leva à aceitação de que a probabilidade de ocorrer o compartilhamento parece menos provável em um ambiente de dominação. Em um ambiente de resistência não desejada pelas organizações, não raro elas se valem da coerção, com mecanismos de regulamentação e da coação, por meio de ameaça de privações.

Compartilhar conhecimento, portanto, parece requisitar um ambiente organizacional norteado por regras mais flexíveis, no qual a dominação seja aceita a partir de atitudes positivas e haja predisposição para o convencimento e a aceitação consciente dos objetivos e dos meios para que sejam atingidos.

Parece difícil pensar em um compartilhamento do conhecimento entre grupos em organizações nas quais prevalece o controle do ser humano e sua submissão passiva ou mesmo dotada de alguma resistência. Nas abordagens aqui apresentadas para entendimento do poder, fica claro o distanciamento entre os que o exercem e os que a ele se submetem. No entanto, não se deve esquecer que compartilhamento requer proximidade.

Se não há condições de estabelecimento de relações de cooperação conscientes, voluntárias, se a organização limita a cooperação entre trabalhadores e incentiva conflitos e competição individual, impedindo, igualmente, a libertação dos trabalhadores em relação à dominação que os aliena, mesmo considerando-se a época contemporânea de mais fácil acesso a informações, como aceitar a probabilidade, ou mesmo a possibilidade de ocorrência de um compartilhamento do conhecimento na organização?

Questões como a contradição entre binários, o poder como fruto do conhecimento, o controle do ser humano, a submissão passiva, o incentivo aos conflitos, o poder de atitudes positivas ensejam destacar alguns pontos sensíveis observáveis na literatura que orientou a pesquisa de campo apresentada a seguir.

A pesquisa de campo levada a efeito

A orientação buscada no método desconstrucionista permitiu uma reflexão acerca da literatura existente e acerca do discurso que domina a cena empresarial, construído, notadamente, pelo desejo de afirmar não só a importância, como a existência de compartilhamento do conhecimento. No presente estudo, convém lembrar, associa-se compartilhamento à vontade e à disponibilidade das pessoas para que tal ocorra.

Na pesquisa de campo, a implementação do método objetivou buscar considerações e desconsiderações acerca dessa vontade e disponibilidade das pessoas. Tal se deu em duas organizações estabelecidas no Rio de Janeiro e engajadas na gestão do conhecimento, a que se teve acesso. São elas: (a) federação patronal de indústrias, que congrega mais de 100 sindicatos industriais e cerca de 4.000 funcionários, onde a prática da gestão do conhecimento é um projeto em fase de maturação, ou seja, em estágio avançado; (b) banco de varejo, de capital estrangeiro, com cerca de 20.000 funcionários, 75% dos quais atuantes na área comercial. Nessa última organização, a gestão do conhecimento é um projeto que ainda se encontra em um momento inicial, ou seja, recém implementado, e conta com o incentivo da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).

Com relação à federação de indústrias, apesar de criada sob os auspícios do setor público e dele ter recebido prerrogativas para conformação da receita, configura-se como uma empresa privada. O banco de varejo é também uma organização privada.

Ambas as organizações buscam maximizar seus resultados a partir de um orçamento anual de receitas e despesas, possuem, em seus escritórios centrais, as operações responsáveis por garantir a administração do empreendimento e a gestão do marketing, das finanças e das pessoas. A estrutura comercial de prestação dos serviços está implantada em unidades de negócios de abrangência nacional no banco de varejo, e estadual, na federação de indústrias. Nessa última, as unidades de negócio sempre existiram, ainda que sob outras denominações. Nessas unidades, os indivíduos possuem como objetivo principal as vendas e o atendimento aos clientes, apesar de executarem, igualmente, serviços de apoio e serviços administrativos, como tesouraria, controle de contas a receber, estoques, gestão de inadimplentes e promoção de eventos.

Nessas duas organizações, foram realizadas, entre julho e setembro de 2006, entrevistas focalizadas com 10 profissionais de cada, totalizando 20 indivíduos em uma amostra por acessibilidade. Como ressaltado por Vergara (2009), entrevistas são interações verbais, diálogos, conversas, troca de significados e, por serem assim, foram consideradas adequadas à coleta de dados para este estudo. A ênfase quanto aos entrevistados recaiu nos profissionais atuantes em unidades de negócios, voltadas a vendas e diretamente responsáveis pelos resultados financeiros. Na federação de indústrias, entretanto, houve também participação de profissionais de áreas de apoio. As entrevistas foram realizadas no próprio local de trabalho. Optou-se por entrevistas individuais por três razões: (a) grupos são formados por indivíduos que têm ou não vontade e disponibilidade para compartilhar conhecimento; (b) entrevistas coletivas, embora pertinentes, nem sempre permitem obter profundidade no tema que se questiona; (c) ao contrário das entrevistas individuais, que permitem sua marcação conforme as agendas individuais dos entrevistados, as coletivas requerem uma compatibilização de agendas, o que, no caso, mostrou-se muito difícil. Nas entrevistas, buscou-se obter dos indivíduos informações de caráter individual, bem como relativas ao funcionamento dos grupos. Com relação às primeiras, as questões formuladas versaram a respeito do indivíduo, seus anseios pessoais e profissionais, sua disposição para interagir com os pares, a confiança depositada no gestor e na organização, a vontade de contribuir para o aprendizado coletivo, entre outras questões. Para melhor avaliar o funcionamento dos grupos, as questões elaboradas procuraram identificar sinais de possível cooperação entre os integrantes de determinado grupo, de disponibilidade efetiva de condições favoráveis ao intercâmbio de ideias e ações e centrou esforços na investigação dos sentimentos de aceitação e rejeição nas equipes de trabalho.

Os entrevistados, na federação das indústrias, compunham o nível gerencial e o técnico, tinham entre 28 e 60 anos de idade, 8 a 35 anos de experiência profissional, 1 a 20 anos de tempo na empresa e escolaridade que variava entre especialização e mestrado. No banco de varejo , os respondentes também compunham o nível gerencial e técnico, possuíam entre 23 e 38 anos de idade, 4 a 20 anos de experiência profissional, 4 a 15 anos de tempo na empresa e escolaridade que variava entre graduação e especialização.

A cultura organizacional é bastante relevante no ambiente empresarial voltado à gestão do conhecimento. Na organização bancária, o depoimento dos entrevistados permitiu a identificação de uma cultura voltada para resultados, que privilegia a competição em detrimento da cooperação. Não foi percebido apoio da hierarquia para o compartilhamento do conhecimento; muito pelo contrário, percebeu-se uma ação oposta, reforçando a dominância do termo competição na análise do binário cooperação versus competição.

Na federação das indústrias, por sua vez, identificou-se uma cultura sintonizada com a busca e o desenvolvimento do conhecimento, fruto do papel educador que diversas entidades integrantes do sistema, tal como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi) realizam cotidianamente.

Ações de apoio desenvolvidas pela hierarquia superior, média e alta gerência, que auxiliam os funcionários no compartilhamento do conhecimento foram percebidas nos depoimentos dos entrevistados, confirmando os estudos de Davenport e Prusak (1998), Pfeffer e Sutton (1999) e Sveiby (2000).

Ao longo das entrevistas, foi possível perceber a existência de grupos refinados, que se caracterizam por valorizar a cooperação para o aprendizado, e grupos primitivos, cujos integrantes se mantêm avessos ao aprendizado, confirmando os estudos de Bion (1961), autor que definiu tais grupos há quase meio século. De um modo geral, os grupos refinados, a partir das respostas dos entrevistados, foram percebidos como existentes com maior intensidade na federação das indústrias, ao passo que os grupos primitivos o foram no banco de varejo.

Igualmente, foi percebida a existência de indivíduos positivamente envolvidos, nos quais prevalece o compromisso, e indivíduos negativamente envolvidos, com o predomínio da alienação, conceitos desenvolvidos nos célebres e clássicos trabalhos de Amitai Etzioni (1961). Alguns técnicos de ambas as organizações também mencionaram o sentimento de despersonalização do trabalho, da fragilidade de sua permanência ou continuidade na organização, do sentimento de impotência e de insignificância, elementos presentes nos estudos de Erich Fromm (1958).

Em ambas as empresas, os conflitos divergências de entendimento - surgem a todo o momento. A competição afronta a cooperação, com maior destaque, no banco de varejo. O depoimento de um profissional dessa organização reflete o pensamento de Enriquez (1997), Hearn (1955), Morgan (1966) e Schutz (1978), quando ele diz que procura cumprir sua meta superando-a, se possível, para "ficar bem na foto". O gosto de competir e ficar na frente dos outros é estimulante. Se ninguém coopera com ele, como diz, não vê porque cooperar com os "adversários".

Falas como essas também espelham a incidência do binário individualidade versus conformidade. A individualidade diz respeito ao livre arbítrio. Aquele que se conforma reprime, em parte, sua individualidade. Em ambas as organizações pesquisadas, esse fato pôde ser percebido, segundo os entrevistados.

A conformidade dos indivíduos faz o grupo aceitá-los melhor, mas embota a capacidade de o grupo criar, segundo um gerente da federação de indústrias, ao afirmar que os que se conformam são mais bem aceitos nos grupos, pois não discutem as estratégias adotadas pelos líderes. Quem perde é o grupo, disse ele, pois a ausência do debate compromete o ato criativo.

O cerceamento do ato criativo e a valorização da repetição arrefecem o ímpeto para a formação do conhecimento e, em última análise, seu compartilhamento.

A análise dos depoimentos obtidos no campo gerou indícios de que, na federação de indústrias, certos grupos são levados a validar algo já anteriormente deliberado pela alta administração. Trata-se, na verdade, de uma simulação, pois a organização faz de conta que está pedindo a opinião, e os funcionários, por sua vez, fazem de conta que a dão. O que pode explicar tal comportamento de convergir a opinião individual para aquela que representa a opinião da organização, conformando-se e perdendo a individualidade, é um interesse específico: preservar o emprego. Poder-se-ia atestar o surgimento do binário liberdade de expressão versus inibição dos sentimentos, na medida em que os indivíduos sentem-se constrangidos em comunicar o que efetivamente pensam, sabem e sentem.

Em alguns grupos formados no banco de varejo, a partir dos depoimentos dos entrevistados, percebeu-se a existência de elementos presentes no estudo clássico de Mayo (1933). Questionados a respeito da capacidade de os grupos superarem determinados objetivos organizacionais, muitas vezes arbitrados em patamares muito elevados, informaram os entrevistados que não raro emergiam sentimentos que se opunham à crítica recebida da chefia, quando o desempenho parecia não corresponder a tais objetivos. Nesses casos, diferentemente do ocorrido na pesquisa de Mayo, a solidariedade é nutrida mais pelo sentimento do orgulho ferido que pela satisfação com a tarefa.

Um gerente da federação de indústrias afirmou que as organizações cumprem o papel fundamental de tornar tangível para o funcionário o sentimento de pertencimento a um grupo, de constituir-se em cidadão que participa e constrói. Aí está a necessidade de inclusão e de afeição proposta por Schutz (1978). Contudo, pertencer a um grupo pode fazer o indivíduo sentir-se incluído, mas não o bastante para sentir-se amado.

A entrevista concedida por uma técnica da federação de indústrias mostra todo o seu desencanto ao dizer que perde totalmente a vontade de colaborar com o grupo quando não se sente valorizada pelo chefe. Nessas condições, se fica difícil compartilhar informação, o que dizer de compartilhar conhecimento?

Um gerente da federação utilizou-se de metáfora para expressar o que entende por vontade de compartilhar. Disse ele: "a vontade de compartilhar requer que as pessoas abram brechas nas suas engrenagens para que as engrenagens dos colegas possam acoplar". É um fenômeno complexo, que pressupõe desprendimento e arrefecimento dos mecanismos de defesa, novamente confirmando o pensamento de Schutz (1978).

Por outro lado, resultados da pesquisa trouxeram elementos que parecem, a princípio, contrariar a conclusão de Schutz (1978), citada em Weil e col (1967), o qual afirma que minimizar mecanismos de defesa é um processo de caráter notadamente individual. Alguns profissionais, em ambas as organizações pesquisadas, reputaram a seus respectivos gestores o mérito de terem conseguido reduzir os mecanismos de defesa dos integrantes dos grupos, por meio do reconhecimento explícito da contribuição de cada profissional para o resultado da produção coletiva. A minimização de mecanismos de defesa continua sendo um processo eminentemente individual, porém cabe ao gestor provocar, nos integrantes do grupo, o estímulo necessário para o enfraquecimento de tais mecanismos. O desprendimento mencionado por Schutz (1978) surge a partir do reconhecimento do esforço dos membros do grupo por parte do gestor, bem como pela autoconfiança que eles passam a nutrir em relação à sua capacidade de alcançar os objetivos da organização.

Aparece aqui o fenômeno da liderança eficaz, aquela que é tida como a responsável pela direção do grupo aos seus objetivos, ajudando-o a definir as metas que devem ser percorridas para que os fins sejam alcançados. Ela procura intensificar a coesão, aspecto fundamental que propicia o vínculo de dependência positiva dos integrantes, consubstanciado por fatores como conhecimento mútuo, confiança e assimilação das regras, o que confirma os trabalhos de Mucchielli (1979).

Quando se fala em liderança, ela é vista com reserva, principalmente no banco de varejo, pois não se evidencia preocupação do líder com a formação das pessoas, como Bennis (1972) afirma ser o papel de um líder. Um dos entrevistados disse que "os cursos ensinam que a diferença entre líder e chefe está na ênfase que o líder coloca nas pessoas, enquanto o chefe enfatiza a tarefa. O líder orienta, o chefe exige. O líder influencia, o chefe manda. O líder encoraja, o chefe quer ver resultado". Isso implica que liderança é uma atividade que extrapola os limites da função chefia.

Em que pese a contundência desse depoimento, outros foram ouvidos, ainda que em pequena proporção, demonstrando haver chefes que também são líderes, pessoas preocupadas em desenvolver equipes de trabalho e que se utilizam de métodos menos autoritários e mais participativos, como explicitado no pensamento de diversos autores clássicos (Blau & Scott, 1970; French & Snyder, 1959; Lewin, 1965; Lewin e col., 1939, Lippitt, 1940; Lippitt & White, 1943).

Com relação a poder e dominação, um gerente da federação de indústrias manifestou seu pensamento ao dizer que o poder pessoal é fruto da capacidade de influenciar e da competência individual. Ele pode ser "positivo ou negativo", entendido o primeiro como uma força capaz de contribuir para o desenvolvimento das pessoas, compreendendo suas possibilidades e limitações, ao contrário do segundo. As organizações de hoje dizem valorizar mais o poder pessoal positivo, mas, segundo esse gerente, geralmente são aqueles que apresentam poder pessoal negativo - opressor ou dissimulador - os que mais crescem profissionalmente.

Essa opinião revela a crença do entrevistado em um modelo de gestão autoritário como trampolim para alcance de metas arrojadas e, em consequência, crescimento para postos mais importantes na hierarquia organizacional. Contrariam-se, aqui, as pesquisas de Bennis (1972), Blau & Scott (1970), French & Snyder (1959), Lewin (1965), Lewin e col. (1939), Lippitt (1940), Lippitt & White (1943), as quais demonstraram mais eficiência e melhor relacionamento interpessoal nos modelos de gestão menos autoritários.

A literatura oferece exemplos a respeito de como as pessoas não percebem as regras que utilizam para planejar seu comportamento, bem como para compreender o comportamento alheio. Pode divergir em muito, portanto, o discurso supostamente adotado, da ação efetivamente praticada. Alguns dos entrevistados confirmaram esse fato.

Com efeito, parece que os indivíduos, normalmente, não percebem as regras de seu comportamento, pois a crítica é sempre direcionada para a chefia imediata, independentemente do nível hierárquico do profissional. Parece ser inconsciente o "paradoxo da ação", pois o indivíduo, notadamente o ocupante de cargo gerencial, reproduz o discurso da organização, evidenciando ter assimilado os significados que sua empresa pretendia impingir, abstendo-se, todavia, de reproduzi-los na prática cotidiana. Poder-se-ia aqui aventar a materialização do já mencionado poder pessoal negativo, ainda que menos opressor do que o dissimulado. Aparecem, nesse momento, as ações esposadas e as ações em uso, abordadas nos estudos de Argyris (2000).

Haverá uma tendência humana universal no sentido de planejar as próprias ações de acordo com alguns valores decorrentes da luta pela manutenção do espaço e poder conquistados? A esse respeito, alguns depoimentos de profissionais do banco de varejo esclareceram que, quando fazem um grande negócio, é muito importante divulgar para todos na empresa, pois "o que não é visto não vale de nada. Não basta ser bom, tem que parecer bom. Há que se usar a vitória como trampolim para voos mais altos". Esse parece ser um discurso que não avança rumo ao compartilhamento, pois sua intenção primeira é a de enaltecer o feito de alguém, para impressionar o grupo.

Por outro lado, quando as coisas não funcionam tal qual o desejado, os profissionais do banco de varejo fazem de tudo para minimizar o impacto negativo, não deixando que seus erros sejam divulgados, prevenindo a crítica, fortalecendo seus mecanismos de defesa. Eles ficam quietos e jogam o problema para bem longe, segundo vários profissionais entrevistados. Os erros ficam, então, escondidos, suprimidos, e tal prática impede que se aprenda com eles.

Como pensar no compartilhamento do conhecimento em uma organização onde os indivíduos mascaram seus erros e, assim agindo, privam-se de aprender por meio de práticas melhores, confirmando a teoria de Argyris (2000) acerca da maximização de vitórias e minimização de derrotas?

Para concluir

Como mencionado, a justificativa para o presente estudo está na constatação de que, a despeito de a literatura ser relativamente pródiga no que diz respeito à gestão do conhecimento, pouco discute, de um ponto de vista crítico, a questão do compartilhamento do conhecimento. Quais as possibilidades e limitações de tal compartilhamento? Eis aí o problema de pesquisa definido no presente estudo. Para respondê-lo, o método escolhido foi o da desconstrução.

Com base em autores clássicos e contemporâneos, assim como em entrevistas concedidas por gerentes e técnicos de duas empresas, chegou-se à conclusão de que, nessas empresas, embora o compartilhamento do conhecimento possa acontecer, as circunstâncias que o facilitam são menos representativas do que as que o dificultam.

No que concerne ao grupo, os resultados da pesquisa de campo permitiram perceber que a informalidade na construção do grupo, associada à satisfação com a tarefa, configura-se como circunstância facilitadora do compartilhamento.

Grupos são formados por indivíduos, e suas características afetam decisivamente o compartilhamento, pois, apesar de existirem fortes necessidades interpessoais, como necessidade de inclusão e de afeição, outros fenômenos psicológicos afetam o comportamento dos indivíduos, condicionando suas ações nos grupos. No interior dos grupos, a vontade e a disponibilidade dos indivíduos os impele a se mover na direção do compartilhamento, tanto quanto na direção oposta.

Aceitou-se a tese de Schutz (1978), segundo a qual as pessoas desejam proximidade, afeição e compreensão; todavia este estudo, com base nas entrevistas realizadas em uma federação de indústria e em um banco de varejo, permitiu concluir que, ao se agruparem, as próprias pessoas podem desmantelar as conexões, impedindo, assim, o relacionamento participativo. Pontos de vista divergentes e, muitas vezes, antagônicos, desconfiança generalizada entre os membros do grupo, falta de reconhecimento do desempenho individual, falas que não se materializam na prática diária do trabalho, presença do poder pessoal negativo e da competição acirrada no seio do grupo são aspectos que ajudam a compreender o porquê da ruptura de conexões aparentemente desejadas pelas pessoas.

Formas de organização, coordenação, execução e controle do trabalho que privilegiam a competição interna agressiva, a luta pelos melhores cargos e a disputa pelo poder resultam em grande probabilidade de inexistência do compartilhamento do conhecimento.

Papel de destaque assume a liderança. Alguns dos entrevistados, em ambas as organizações, asseveram que líderes preocupados em desenvolver equipes de trabalho e que se utilizam de métodos menos autoritários e mais participativos pendem positivamente para a consecução do compartilhamento do conhecimento. Indicou a pesquisa ser necessária, mas não suficiente, a presença de um líder eficaz.

Se a organização deixa de criar condições para o estabelecimento de relações de cooperação conscientes por incentivar constantemente conflitos destruidores, inibindo a libertação dos grupos em relação à dominação que os aliena, torna-se difícil aceitar a possibilidade de indivíduos e grupos compartilharem seu conhecimento.

Do ponto de vista da organização, portanto, compartilhar conhecimento parece requisitar um ambiente organizacional norteado por regras mais flexíveis, no qual poder e dominação sejam aceitos a partir de atitudes positivas e haja predisposição para o convencimento e a aceitação consciente dos objetivos e propósitos comuns e dos meios para que sejam alcançados.

As informações obtidas nas entrevistas mostraram, então, que o compartilhamento do conhecimento é constituído por um tripé, cujas bases estão assentadas no grupo, no indivíduo e na organização.

Resta, segundo Hassard (1993), analisar as relações entre elementos polares, ou binários, conforme Hearn (citado por Luft, 1972), que revelem ambiguidades com o objetivo maior de desconstruir um conceito sem, contudo, destruílo (Calás & Smircich, 1991). No caso estudado, encontrou-se o paradoxo inserido no binário cooperar versus competir, pelo fato de as organizações defenderem a necessidade do compartilhamento do conhecimento, por um lado, e incentivarem a competição e a luta pelo poder, de outro.

Outro binário, individualidade versus conformidade, criou um segundo paradoxo relevante nas organizações estudadas, visto que apregoam um discurso em prol do desenvolvimento da criatividade dos indivíduos, mas exigem, por outro lado, sua conformação a modelos preconcebidos, nos quais o ato criativo parece apenas coadjuvar. O cerceamento do ato criativo arrefece o ímpeto para a formação do conhecimento e, em última análise, seu compartilhamento.

Um terceiro binário, liberdade de expressão versus inibição dos sentimentos, mostrou o conflito a que estão sujeitos os indivíduos nas organizações, na medida em que a liberação de suas ideias e a consequente exposição de seus sentimentos pode fragilizar suas posições no jogo do poder.

Compartilhar conhecimento em uma organização é uma tarefa multifacetada, que recebe influências diversas. Acreditar que compartilhar é decorrente das decisões corporativas e que os grupos estão prontos para o ato é simplificar um processo de relacionamento humano cujos primeiros estudos remontam há três quartos de século e, ainda hoje, permanecem desafiadores.

A reflexão desconstrucionista aqui apresentada coloca interrogações sobre a possibilidade e as limitações de compartilhamento de conhecimento nas organizações. A conclusão a que se chega, com base na literatura consultada e nas falas dos entrevistados do presente estudo, é a de que grupos, indivíduos e organizações sofrem e exercem permanentemente ações contraditórias e, muitas vezes, conflitantes. Portanto, ações organizacionais que visam ao compartilhamento de conhecimento não podem deixar de admiti-las. Se esta é uma implicação dos achados do presente estudo para a prática nas organizações, para as teorias existentes acerca da gestão do conhecimento, incluindo seu compartilhamento, uma das possíveis implicações é revelar a complexidade de que tal compartilhamento se reveste, pelas contradições que abriga. Logo, contradições e ambiguidades não podem ficar de fora em estudos que digam respeito ao tema.

A pesquisa aqui apresentada tem limitações, como qualquer pesquisa. Embora a desconstrução não diga respeito a generalizações estatísticas e, portanto, admita amostras reduzidas, seria útil que outros pesquisadores se interessassem pelo tema e realizassem outras entrevistas em organizações distintas. Elas poderiam corroborar ou, ao contrário, refutar o que aqui foi apresentado e, dessa forma, enriquecer o processo de investigação sobre compartilhamento do conhecimento.

 

REFERÊNCIAS

Argyris, C. (2000). Ensinando pessoas inteligentes a aprender. Rio de Janeiro: Campus.         [ Links ]

Bennis, W.G. (1972). Desenvolvimento organizacional: sua natureza, origens e perspectivas. São Paulo: Edgard Bleicher.         [ Links ]

Bion, W. R. (1961). Experience in Groups and other Papers. Londres: Tavistock Publications.         [ Links ]

Blau, P. & Scott, W.R. (1970). Organizações formais (uma abordagem comparativa). São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Bontis, N. & Fitz-Enz, J. (2002). Intellectual Capital ROI: a causal map of human capital antecedents and consequents. Journal of Intellectual Capital, 3, 3, 223-247.         [ Links ]

Burrell, G. & Cooper, R. (1988). Modernism, postmodernism and organizational analysis: an introduction. Organizational Studies, 9, 1.         [ Links ]

Burrell, G. (1999). Ciência normal, paradigmas, metáforas, discursos e genealogia da análise. In Caldas, M.; Fachin, R.; Fischer, T. (Orgs.),Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. (Vol.1) São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Calás, M. & Smircich, L. (1991). Voicing seduction to silence leadership. Organizational Studies, 12, 4, 567-602.         [ Links ]

Crozier, M. & Friedberg. (1977). L'acteur et le système. Paris: Editions du Seuil.         [ Links ]

Davenport, T. & Prusak, L. (1998). Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual (4ª Ed). Rio de Janeiro: Campus (Original publicado em 1954).         [ Links ]

Enriquez, E. (1997). A organização em análise. Petrópolis (RJ): Vozes.         [ Links ]

______. (2001). Instituições, poder e "desconhecimento". In Garcia, J.N.; Carreteiro, T.C. Cenários sociais e abordagem clínica. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Etzioni, A. (1961). A Comparative analysis of complex organizations: on power, involvement ant their correlates. New York: The Free Press of Glencoe.         [ Links ]

French, J.R. & Raven, B. (1960). The basis of social power. In Cartwright, D.; Zander, A.F. (Eds.) Group Dynamics. Evanston: Row Peterson & Co.         [ Links ]

French, J.R. & Snyder, R. (1959). Leadership and Interpersonal Power. In Cartwright, D. Studies in Social Power. Ann Arbor: Institute for Social Research, University of Michigan.         [ Links ]

Fromm, E. (1958). Escape from freedom. New York: Harper & Brothers.         [ Links ]

Hackett, J. (2002). Beyond knowledge Management - new ways to work. In Bontis, N. & Choo, W.C. The strategic management of intellectual capital and organizational knowledge. New York: Oxford University Press.         [ Links ]

Hassard, J. (1993). Sociology and organization theory: positivism, paradigms and postmodernity. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Hearn, G. (1955). The Process of Group Development. Conferência feita na Universidade de Toronto sob o patrocínio da School of Graduate Studies e da School of Social Work, 7 de dezembro de 1955.         [ Links ]

Kilduff, M. (1993). Deconstructing Organizations. Academy of Management Review, 18, 1, 13-31.         [ Links ]

Lewin, K. (1948). Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix         [ Links ]

______. (1965). Teoria de Campo em Ciência Social. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciência Social.         [ Links ]

Lewin, K., Lippitt, R. & White, R. K. (1939). Patterns of aggressive behaviour in experimentally created social climates. Journal of Social Psychology, 10, 271-299.         [ Links ]

Lippitt, R. (1940). An experimental study of authoritarian and democratic group atmospheres. University of Iowa Studies: Studies in child welfare, 46, 45-195.         [ Links ]

Lippitt, R. & White, R. (1943). The social climate of children's groups. In Barker, R.; J. Kounin, J.; Wright, H. (Orgs.): Child behaviour and Development. New York: McGraw-Hill Book Co.         [ Links ]

Luft, J. (1972). Introdução à Dinâmica de Grupos. Lisboa: Moraes.         [ Links ]

Martin, J. (1990). Desconstruction organizational taboos: the suppression of gender conflict in organizations. Organization Science, 1, 4, 339-359.         [ Links ]

Mayo, E. (1933). Human Problems of an Industrial Civilization. New York: Macmillan.         [ Links ]

Minicucci, A. (1982). Dinâmica de Grupo: Teorias e Sistemas. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Morgan, G. (1996). Imagens da organização. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Mucchielli, R. (1979). Dinâmica de Grupo. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.         [ Links ]

Nonaka, I. & Takeuchi, N. (1997). Criação do conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação (9ª ed.). Rio de janeiro: Campus.         [ Links ]

Oliveira Jr., M.M., Fleury, M.T. & Child, J. (2001). Compartilhando conhecimento em negócios internacionais: um estudo de caso na indústria de propaganda. In Fleury, M.T. & Oliveira Jr., M.M. (Org). Gestão estratégica do conhecimento - integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Pfeffer, J. & Sutton, R.I. (1999). Knowing 'what' to do is not enough: turning knowledge into action. California Management Review, 42, 1, 83-108.         [ Links ]

Salim, J.J. (2005). O conhecimento em ação. In Wood Jr, T. (Coord.). Gestão Empresarial - comportamento organizacional. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Schutz, W. C. (1978). Psicoterapia pelo encontro. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Senge, P. M. (1990). The fifth Discipline: The Art & Practice of the Learning Organization. New York: Currency Doubleday.         [ Links ]

Sveiby, K.E. (2000). O valor intangível. HSM Management, 22, set/out, 66-69.         [ Links ]

Vergara, S. C. (2008). Métodos de pesquisa em administração (3ª ed.). São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Vergara, S. C. (2009) Métodos de coleta de dados no campo. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Weber, M. (2000). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva (2ª ed.). Brasília: Universidade de Brasília.         [ Links ]

______. (1968). Economy and Society. New York: Bedminster Press.         [ Links ]

Weil, P. (1967). Dinâmica de Grupo e Desenvolvimento em Relações Humanas. Belo Horizonte: Itatiaia.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 08.10.2008
Aprovado em: 25.01.2010
Publicado em: 22.03.2010

Creative Commons License