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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.9 no.2 Florianópolis Dec. 2009

 

ARTIGOS

 

Mudando a gestão da qualidade de vida no trabalho

 

Changing quality of work life management

 

 

José Vieira LeiteI; Mário César FerreiraII; Ana Magnólia MendesIII

IPós-Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Pesquisador-associado no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília. Rua Paissandu, 228/201, Bairro Laranjeiras, CEP 22210-080, Rio de Janeiro (RJ). jose.v.leite@hotmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/6578737805887144
IIPós-Doutor em Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho pela Université Paris 1 Sorbonne. Professor-associado 1 no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília. mcesar@unb.br. lattes http://lattes.cnpq.br/5833453038151889
IIIPós-Doutora pelo Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris. Professora no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília. anamag@unb.br. lattes http://lattes.cnpq.br/2763241614261951

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar uma experiência sobre Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) ocorrida no âmbito da Empresa X. O enfoque utilizado busca a integração entre a pesquisa (diagnóstico com fundamentos científicos) e a intervenção nas organizações. Ele é resultado de diálogo interdisciplinar entre as abordagens teóricas e metodológicas oriundas da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho, incorporando, ainda, a crítica de Simone Weil à opressão do trabalho. O método utilizado foi o de análise de discurso. O principal resultado alcançado foi a produção de análise a respeito do fórum de QVT da Empresa X e de seus mais significativos desdobramentos, a política de QVT da Empresa X e as doze ações imediatas em QVT da Empresa X. A principal conclusão obtida é a da existência, na atualidade, na Empresa X, de política de QVT que pode, por certo, ser dita de vanguarda, nas áreas privada e pública, nacional e internacional, em convivência com uma realidade teórico-prática de QVT localizada, não poucas vezes, em contradição com as prescrições, princípios e valores presentes em tal política.

Palavras-chave: qualidade de vida no trabalho, ergonomia da atividade, psicodinâmica do trabalho, opressão do trabalho.


ABSTRACT

The goal of this work is to analyze a Quality of Work Life (QWL) experience placed inside the Company X environment. The used approach seeks the integration between research (diagnosis with scientific backgrounds) and intervention in the organizations. It results from the interdisciplinar dialogue between the theoretical and methodological approaches originated from Activity Ergonomics and Work Psychodynamics, incorporating, still, Simone Weil's critics to Work Oppression. Our method was Speech Analysis. The main results were the production of analysis regarding the QWL Forum of the Company X and its more significant consequences, the Politics of QWL of the Company X and the Twelve Immediate Actions in QWL of the Company X. The most important conclusion is the existence, in the present time, at the Company X, of a QWL Politics that could, surely, to be said as of vanguard, in the private and public, national and international areas, sharing with a theoretician-practical reality of QWL located, not few times, in contradiction with the prescriptions, principles and values occurring in such Politics.

Keywords: quality of work life, activity ergonomics, work psychodynamics, work oppression.


 

 

O objetivo deste trabalho é analisar uma experiência sobre Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) ocorrida no âmbito da Empresa X, instituição de grande destaque no contexto da sociedade brasileira - e também internacional - da atualidade. O foco é o papel de um fórum que teve relevante significado para a mudança de práticas de QVT até então implementadas na Empresa X, considerados os desdobramentos concretos, até os tempos atuais, de tal iniciativa.

Preliminarmente, é necessário assinalar que a relevância da temática da QVT na atualidade manifesta-se, inicialmente, na dimensão mais geral da sociedade. O valor da qualidade de vida encontra-se hoje incorporado a relações travadas em todos os quadrantes da vida social. É preciso dispor de boa qualidade de vida quanto ao corpo, à mente e ao espírito, quanto às relações estabelecidas com o meio ambiente e com os demais seres humanos e quanto aos diversos produtos e serviços que consumimos. Particularmente no que diz respeito ao mundo do trabalho, a ideia de qualidade de vida assume, presentemente, no mínimo, um papel de amplamente difundido como instrumento de gestão de pessoas por parte de um conjunto crescente de empresas, muitas das vezes com o foco da aplicação da ideia de QVT como ferramenta de incremento de produtividade de quem trabalha.

Todavia são muitos os conceitos de QVT ora utilizados. Ferreira (2006) aponta a evolução histórica do conceito de QVT: em 1972, era tratada como uma variável; em 1973, a ênfase recai na abordagem; em 1975, a ênfase se volta para o método; em 1980, é considerada como um movimento; e, em 1985, uma panaceia. Ferreira, Alves & Tostes (2009) assinalam as proposições de Hackman (1975), que aludem à motivação interna, ao enriquecimento do cargo, à satisfação e ao comprometimento como principais elementos constitutivos do conceito de QVT; de Walton (1973), que remetem a equilíbrio entre trabalho e outras esferas da vida, papel social da organização e produtividade com QVT; e de Limongi-França (2003), que consideram a QVT como um conjunto das ações e melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas, estruturais. Observadas a evolução histórica do conceito de QVT e as contribuições de Hackman, Walton e Limongi-França, pode-se sugerir a localização dos conceitos de QVT ora utilizados predominantemente no universo da conservação das formas dominantes de condições, organização e relações socioprofissionais do trabalho, desempenhando, majoritariamente, o papel social de mecanismo de manutenção de um sentido do trabalho que apequena o ser humano.

A atuação em QVT vem sendo fundamentada por diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com contribuições de estudiosos pertencentes a vários campos científicos, como, por exemplo, a medicina, a ecologia, a ergonomia, a psicodinâmica do trabalho, a psicologia, a sociologia, a economia, a administração, a engenharia. De todas essas contribuições, a concepção da administração é uma das mais utilizadas nas organizações. Ela tem bases em teorias centradas nas pessoas, particularmente relacionadas à Escola Humanista, cujos fundamentos estão ancorados na Psicologia Organizacional.

Essa concepção, na maior parte das vezes, é fortemente influenciada (especialmente na década de 1990) pelas políticas e programas de qualidade total, certificação ISO9000 e outros métodos centrados, sobretudo, na satisfação do cliente. As ferramentas administrativas utilizadas exigem ainda mais dos trabalhadores para o sucesso da implantação desses programas, assentados no modelo toyotista de gestão do trabalho.

No final da década de 90, associados a esses programas, surgem os programas de QVT como uma proposta para democratizar o trabalho e, ao mesmo tempo, com a intenção de transformar QVT em um meio para dar suporte ao aumento da lucratividade e à dominação dos trabalhadores por parte das gerências. Contrapondo-se a essa perspectiva, surgem, conforme Ferreira, Ferreira, Antloga e Bergamaschi (2009), movimentos científicos para o estudo e a gestão da QVT com outras bases teóricas e novas perspectivas. Eles preconizam que um programa de QVT requer a construção de um espaço organizacional que legitime e valorize a intersubjetividade, com base na premissa de que os trabalhadores devem ser os sujeitos do seu trabalho e não objetos de produção. A perspectiva é de redesenhar os modelos de gestão para que os trabalhadores transitem da posição histórica de mera mão de obra para a posição futura de ter a obra em suas mãos.

O enfoque aqui utilizado para QVT busca a integração entre a pesquisa (diagnóstico com fundamentos científicos) e a intervenção nas organizações. Ele é resultado de um diálogo interdisciplinar entre as abordagens teóricas e metodológicas oriundas da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho, incorporando, ainda, a crítica de Simone Weil à opressão do trabalho.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

Ergonomia da Atividade

Grandjean (1998) registra que ergonomia é palavra originalmente grega, composta pelos termos ergon, que tem o significado de trabalho e nomos, que significa legislação, o que conduz à ideia de busca de formas adequadas de exercício do trabalho. Iida (2005) assinala que a Ergonomics Society Research define a ergonomia, em meados do século XX, como o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamento, ambiente, e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas que surgem desse relacionamento. Já a ergonomia da atividade, segundo Ferreira e Mendes (2003), investiga a relação entre os indivíduos e o contexto de produção, sendo seu objetivo principal a compreensão dos indicadores críticos presentes nesse contexto, para transformá-los com base em uma solução de compromisso que atenda às necessidades e aos objetivos dos trabalhadores, gestores, usuários e consumidores (Ferreira, 2008). Este artigo busca identificar alguns dos indicadores críticos quanto à QVT presentes no contexto de trabalho investigado.

Psicodinâmica do Trabalho

Segundo Mendes (2007), é objeto da psicodinâmica do trabalho o estudo da dinâmica que perpassa as relações entre a organização do trabalho e os processos de subjetivação. Esses processos são caracterizados pelas vivências de prazer-sofrimento, pelas estratégias de mediação do sofrimento frente às contradições da organização do trabalho e pelas patologias provocadoras de adoecimento.

Essa dinâmica requer a mobilização da inteligência prática, da subjetividade e da cooperação, como elementos que, articulados, ajudam os trabalhadores a enfrentar a "loucura" do trabalho e manter a sua saúde.

Tal mobilização se insere em um coletivo, uma vez que os investimentos individuais ocorrem, mas não são suficientes para mudar a realidade de trabalho. São fundamentais as oportunidades oferecidas pela organização do trabalho, de modo que prevaleça a liberdade de expressão pela fala e ação na realidade, o que leva ao prazer, à emancipação do sujeito e à QVT.

No entanto, a depender das exigências da organização do trabalho, os modos de subjetivação podem se transformar em ferramentas úteis, explorados em nome de uma ideologia produtivista, do desempenho, da excelência. Nesse contexto o sofrimento se mantém, falham as mediações, e se desenvolvem patologias como perversão, violência e servidão, comprometendo a qualidade de vida dos trabalhadores.

A exploração ocorre pelas características contraditórias do sofrimento, o qual pode, ao mesmo tempo, assumir a função de mobilizador de saúde e de instrumento para obtenção da produtividade. Nesse sentido, "O trabalho não causa o sofrimento, é o próprio sofrimento que produz o trabalho." (Dejours, 1993, p. 103). O que é explorado pela organização do trabalho não é o sofrimento em si mesmo, mas, principalmente, as estratégias de mediação utilizadas contra esse sofrimento. Um exemplo é a autoaceleração, que é um modo de se evitar contato com a realidade que faz sofrer e uma ferramenta usada pelos gestores da organização do trabalho para aumentar a produção.

Nessas bases, para a psicodinâmica do trabalho, a QVT implica espaço de fala e escuta do sofrimento dos trabalhadores. O sofrimento deve ser compreendido, interpretado, elaborado e reelaborado num espaço público de discussão. Esse espaço é a possibilidade de (re) construção dos processos de subjetivação e do coletivo, uma vez que falar do sofrimento leva o trabalhador a se mobilizar, pensar, agir e criar estratégias para transformar a organização do trabalho. Desse modo, essa mobilização que resulta do sofrimento se articula à emancipação e à reapropriação de si, do coletivo e da condição de poder do trabalhador. Nesse sentido, "ser sofrente" é constituinte do humano e do trabalho, não sendo um mal em si mesmo; o mal é a negação do próprio sofrimento e do sofrimento do outro.

O sofrimento, como parte da condição humana, opera como um mobilizador dos investimentos para a transformação da realidade. Isso implica que a psicodinâmica do trabalho é uma abordagem para além da teoria e da pesquisa, sendo também um modo de ação na organização do trabalho. Desvelar o sofrimento pela fala permite resgatar a capacidade de pensar sobre o trabalho, é um modo de desalienação, uma possibilidade de apropriação e dominação do trabalho pelos trabalhadores, aspecto fundamental para ter início a construção do coletivo com base na cooperação e nas mudanças da organização do trabalho.

Nessa direção, a psicodinâmica do trabalho é uma abordagem de pesquisa e ação sobre o trabalho. É um modo de fazer análise, crítica e reconstrução da organização do trabalho e das relações socioprofissionais estabelecidas a partir dela, uma vez que são inexoravelmente as provocadoras de sofrimento e do fracasso das mediações, e, consequentemente, dos prejuízos à qualidade de vida dos trabalhadores. O presente artigo foi construído com base na escuta de trabalhadores - por intermédio do Fórum de QVT da Empresa X -, visando ao entendimento da dinâmica que envolve a organização do trabalho e a QVT dos trabalhadores da Empresa X.

Qualidade de Vida no Trabalho (QVT)

Ferreira e Mendes (2004) afirmam que a QVT é resultante do conjunto de ações individuais e grupais levadas a efeito nas organizações, com vistas ao alcance de um contexto de produção de bens e serviços no qual as condições, a organização e as relações sociais de trabalho contribuem para a prevalência do bem-estar de quem trabalha. Por condições de trabalho entende-se o ambiente físico, como sinalização, espaço, ar, luz, temperatura, som; instrumentos, ferramentas, máquinas, documentação; equipamentos materiais arquitetônicos, aparelhagem e mobiliário; a matéria-prima e informacional; o suporte organizacional como informações, suplementos e tecnologias; e a política de remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios. A organização do trabalho contempla a divisão hierárquica, técnica e social do trabalho, metas, qualidade e quantidade de produção esperada; as regras formais, missão, normas e procedimentos; a duração da jornada, pausas e turnos; ritmos, prazos e tipos de pressão; controles como supervisão, fiscalização e disciplina; a natureza, conteúdo e características das tarefas. As relações sociais de trabalho englobam as interações hierárquicas, interações coletivas intra e intergrupos e interações externas com clientes, usuários, consumidores, representantes institucionais e fornecedores. Este artigo, lançando o olhar para o Contexto de Produção de Bens e Serviços da Empresa X, propõe uma leitura da QVT praticada em tal organização.

Com base no que aqui foi anteriormente afirmado a propósito do enfoque para QVT adotado neste estudo, é sustentada a tese de que o êxito de um programa de QVT é, por definição, uma tarefa complexa, pois depende de uma articulação combinada de inúmeros fatores e o engajamento de diversas pessoas. De partida, alguns pressupostos devem orientar o planejamento, a execução e a avaliação de uma política de QVT nas organizações:

- Alterar positivamente as práticas em QVT, no sentido de se redesenhar o fazer dos protagonistas envolvidos (agir diferentemente), requer transformar mentalidades (pensar diferentemente), ou seja, modificar concepções comumente cristalizadas.

- É fundamental romper com a dicotomia entre bem-estar e produtividade, fortemente presente nos modelos de gestão do trabalho; a produtividade deve ser um componente inseparável do bem-estar (ser produtivo é um dos modos de ser feliz).

- As ações em QVT devem ter como alvo, a médio e longo prazo, a prevenção de agravos à saúde, primando por criar um ambiente social de trabalho que estimule e propicie a "produtividade positiva" e as vivências de bem-estar.

- O sucesso de um programa de QVT impõe uma sinergia organizacional que envolve a cooperação de profissionais de formação diversa, o engajamento ou compromisso de gestores em diversos escalões hierárquicos e a realização de parcerias intersetoriais.

- A QVT tem como um de seus desafios a construção de um espaço organizacional que promova a valorização dos trabalhadores como sujeitos do seu métier e em que a flexibilidade seja um ingrediente fundamental da organização do trabalho.

- A cultura organizacional (crenças, valores, ritos organizacionais etc.) deve ser orientada para o desvendar do potencial criativo dos trabalhadores, criando condições para sua participação efetiva no planejamento de tarefas e nas resoluções de problemas e, sobretudo, no processo de tomada de decisões que afetam o bem-estar individual e coletivo.

Em consonância com os pressupostos apresentados, a abordagem de QVT utilizada no presente trabalho enfatiza os indicadores que são centrais, tanto para a compreensão (diagnóstico) da perda e (ou) redução de QVT, quanto para o planejamento de ações no âmbito organizacional. Para uma visão sucinta e global, esses elementos e suas articulações estão esquematizados na Figura 1, apresentada a seguir.

Opressão do Trabalho

Para Weil (1991), citada por Leite (2004), a opressão do trabalho ocorre quando a organização da produção, por certo impotente para eliminar as necessidades naturais e a pressão social daí resultante, avança para muito além disso, passando a esmagar os espíritos e os corpos dos trabalhadores. A opressão deriva, portanto, não do trabalho em si, mas de modos determinados de organização da produção, os quais, eles sim, geram a opressão na maioria das vezes associada ao próprio trabalho. Nesse contexto, a verdadeira liberdade não se define como uma relação entre o desejo e a satisfação, mas como uma relação entre o pensamento e a ação; seria totalmente livre o homem cujas ações, todas elas, procedessem de um juízo prévio sobre o fim a que ele se propõe e o encadeamento dos meios próprios que levam a esse fim.

É amplamente aceito, na atualidade, que a mais relevante característica do ser humano é a capacidade de criação. Tanto é assim que a opressão do trabalho é compreendida, por Weil, entre outros pensadores, como produzida não pela supressão do espaço para a criação - situação vivenciada, dia após dia, pelos que hoje trabalham, sob a égide do taylorismo e do modelo toytotista de produção flexível -, mas sim pelo fato de que, submetido a tal antihumana restrição, o homem, ainda assim, não consegue não pensar, não sentir, não criar, enfim. Como a quase totalidade dos seres humanos não encontra ambiente favorável, no mundo do trabalho contemporâneo, para a manifestação de sua capacidade de criação, instala-se, então, em tal locus social fundamental, uma inafastável circunstância de opressão.

Tal circunstância está em oposição, pelo vértice, a uma realidade em que, no espaço humano de existência, se constroem mais e melhores processos e produtos, com agentes sociais - pessoas, empresas, sociedades - que ampliam seu espaço de utilização de criatividade, incorporando à vida cotidiana a chama luminosa da criação. O presente artigo intenta apontar alguns aspectos da opressão do trabalho presentes no dia a dia da empresa estudada. Tal opressão é derivada da ausência de um juízo prévio sobre o fim a que os trabalhadores se propõem e do nãoencadeamento dos meios próprios que levam a esse fim. Ou, dito de outra forma, do grau de participação dos trabalhadores na gestão de seu trabalho - no processo coletivo de criação, enfim -, o que, por evidente, afeta diretamente a QVT de quem trabalha.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS, CONTRIBUIÇÕES, LIMITAÇÕES E IMPLICAÇÕES DO ESTUDO

As informações abordadas neste estudo foram tratadas com base em parâmetros da técnica de análise do discurso. Tais parâmetros podem ser sinteticamente descritos como a assunção da consciência de que não há neutralidade possível de ser alcançada, ainda que nos encontremos, por exemplo, no campo social da prática do discurso científico. As dimensões do simbólico, dos sentidos, do político estão sempre presentes no dia a dia de qualquer ser humano, ou seja, estamos sempre interpretando, e não meramente reproduzindo a realidade sob observação, como afirmado por Orlandi (2001).

Foram compulsados dois papers da Empresa X - Política de QVT da Empresa X e Fórum de QVT da Empresa X. Foram ainda acompanhados, pari passu, o processo de realização do Fórum de QVT da Empresa X, o de implantação da Política de QVT da Empresa X e o das Doze Ações Imediatas em QVT da Empresa X, o que permitiu aos autores do presente artigo a formação de posicionamento crítico acerca de tal processo.

Entre as contribuições deste estudo, podem ser elencadas a relevância social da organização estudada, a utilização de referencial teórico de natureza interdisciplinar, o foco em processo de construção de uma política de QVT que pode, por certo, ser dita inovadora, tanto nas áreas privada e pública, quanto nacional e internacionalmente.

Entre as limitações deste estudo, podem ser indicadas: a não-incorporação de outras disciplinas, como, por exemplo, a Sociologia do Trabalho, ao referencial teórico; a não-utilização de instrumento específico para proceder-se à avaliação dos resultados mudancistas eventualmente alcançados; a apresentação tão somente inicial das causas mais solidamente enraizadas na cultura organizacional das dificuldades hoje existentes quanto à aplicação teórico-prática da Política de QVT da Empresa X.

Entre as implicações deste estudo, podem ser elencadas: a atualidade e relevância do tema (QVT) abordado; a apresentação de Figura Aspectos Fundamentais para a Compreensão da QVT, que sintetiza a concepção de QVT adotada neste artigo e pode ser utilizada como recurso didático de tranquila exposição e fácil compreensão; a possibilidade da aplicação do estudo como subsídio de análises e intervenções a serem possivelmente efetuadas junto a outras organizações privadas e públicas, nacionais e internacionais.

 

RESULTADOS

Fórum de QVT da Empresa X

Como em muitas das organizações do presente, a Empresa X contava, já há algum tempo, com ações de incremento de QVT sendo realizadas em pelo menos algumas das dez capitais de Estados brasileiros onde dispõe de representação (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre).

Tais ações - de que são exemplos atividades como ginástica, yoga, dança de salão - podem ser localizadas no terreno da QVT de natureza assistencialista e compensatória (em significativa diferenciação em relação à QVT de natureza preventiva), uma vez que buscam tão somente atenuar os efeitos de uma baixa QVT, e não a alteração das causas que produzem tais efeitos.

Essas ações eram efetuadas de modo pulverizado pelos servidores das diferentes representações da Empresa X, sem que houvesse adequada comunicação, troca de experiências e formulação coletiva, em âmbito nacional, de um caminho para a QVT na Empresa.

Com o objetivo inicial de consolidar e aprimorar a ação de QVT na Empresa X, foi promovido, pelo Programa a Empresa X e pelo Departamento de Gestão de Pessoas - instâncias organizacionais da Empresa X -, uma ação configurada não como um projeto-piloto, mas como uma ação de intervenção, institucionalmente patrocinada, com vistas a atingir a totalidade do universo organizacional, nos dias 24 e 25 de maio de 2004, em Brasília (Sede da empresa): o Fórum Qualidade de Vida - Trabalhando e Vivendo com Qualidade.

Entre os múltiplos aspectos relevantes, presentes na realização do Fórum, destacam-se:

- Colocar em debate, com todos os participantes do evento (aí incluído o fornecimento prévio, a todos, de materiais que embasaram o debate), três tipos de informações: o estado da arte de QVT no mundo, com base em exposições efetuadas por dois professores especialistas no tema, sendo proposto, inclusive, um modelo teórico de abordagem de QVT; experiências de sucesso na implantação de QVT em três organizações públicas cuja realidade, de algum modo, se aproximava da da Empresa X (Banco do Brasil S.A., Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); inventário crítico das ações de QVT até então praticadas na Empresa X.

- Utilizar um método de discussão (estação cibernética) em que os participantes percorrem diversas estações de trabalho, propondo ações concretas quanto aos diferentes temas enfocados. Foram criadas as seguintes estações: estrutura, mobilidade, avaliação; segurança do trabalho e instalações prediais; assistência psicossocial e atendimento ao público interno; medicina do trabalho; treinamento e desenvolvimento; responsabilidade social e terceirizados; Programa Empresa X Integral; parceiros. O uso de tal método possibilitou a produção de mais de setecentas sugestões que, posteriormente consolidadas e hierarquizadas quanto à relevância, urgência e possibilidade de efetivação, passaram a integrar o Plano de Ação 2004-2005 de QVT da Empresa X.

- Ter o permanente acompanhamento, desde a concepção do Fórum (a partir do início de 2004) até a produção de seus mais relevantes desdobramentos (que alcança o fim de 2005), de dois consultores externos em QVT, professores especializados na matéria. Isso permitiu tanto um processo quanto um produto referidos a um denso lastro teórico e também a superação de dificuldades de natureza prática já enfrentadas em outras organizações nas quais atuaram na implantação de projetos de QVT. Tal trabalho de acompanhamento por parte dos consultores externos foi realizado em diferentes etapas, a saber: concepção do fórum; participação no momento mesmo de realização do evento; tratamento das sugestões apresentadas durante o fórum; apresentação pública dos principais resultados obtidos com a promoção do evento; implementação de algumas das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X, mais adiante abordadas.

- Contar com a participação ativa de cerca de cento e vinte pessoas, oriundas das dez representações da Empresa X de todo o país, todas elas já realizando ações de QVT ou de alguma forma envolvidas com o tema. Isso permitiu, com base na diferença de olhares e práticas, a construção de mosaico representativo da realidade de QVT da Empresa.

- Dispor, na qualidade de participantes, da adesão de personalidades e entidades de grande relevo no contexto da Empresa X, como dirigentes de destaque da organização, o que assegurou apoio político e acesso a recursos materiais (passagens aéreas e diárias, por exemplo), indispensáveis para a obtenção do caráter nacional do fórum. Participaram ainda: representantes dos três sindicatos de servidores da Empresa, o que conferiu credibilidade ao evento; representantes de entidades socioculturais, esportivas e assistenciais de servidores e aposentados da Empresa, o que incrementou a proposta de parceria presente no fórum.

- Incluir, com idêntico direito de manifestação detido pelos demais participantes do evento, segmentos até aquele momento desprovidos de maior reconhecimento institucional: STARNET, rede informal e crítica de comunicação, e, talvez de modo ainda mais significativo, o expressivo contingente de trabalhadores terceirizados - técnicos de informática, vigilantes, estagiários, menores aprendizes etc. - que prestam serviços à Empresa. Com isso, foi possível afirmar o conceito comunidade Empresa X, para dizer do significativo grupo de pessoas que, em seu dia a dia de trabalho ou de aposentadoria, relaciona-se com a organização. Tal conceito supera, à larga, o entendimento, ainda hoje dominante na Empresa, sobre a existência de diversas castas (servidores, aposentados, terceirizados, etc).

Política de QVT da Empresa X

Em 2 de dezembro de 2004, em teleconferência transmitida para as estações de trabalho em todo o país, o diretor de Administração da Empresa X anunciou a aprovação da política de QVT da Empresa X e das doze ações imediatas em QVT da Empresa X, a nosso juízo, os principais produtos do Fórum.

Algumas proposições alcançaram elevado nível de consenso entre os participantes do Fórum: as ações de QVT constituem uma responsabilidade institucional; as ações de QVT são uma tarefa de todos; o modelo de gestão organizacional deve primar pela compatibilidade entre bem-estar dos servidores, desempenho funcional e missão institucional; a superação de ações localizadas, dispersas e isoladas em QVT impõe a formulação de um mecanismo orientador das ações, proposição essa materializada na política de QVT da Empresa X.

Tal política contribuirá para aprimorar as condições, a organização e as relações sociais de trabalho, agregando efetividade à missão institucional da Empresa X na estrutura do Estado brasileiro. Ela está em consonância com o planejamento institucional da Empresa (Voto Empresa X nº 029/2004) e busca operacionalizar um dos objetivos estratégicos da Diretoria Colegiada: fortalecer a governança e a gestão corporativa da Empresa X, com ênfase (também) em qualidade de vida dos servidores.

A Política de QVT da Empresa X apresenta, como sua Concepção Institucional: A QVT na Empresa X é um preceito de gestão organizacional, expressa por um conjunto de normas, diretrizes e práticas no âmbito das condições, da organização e das relações socioprofissionais de trabalho, que visa à promoção do bem-estar coletivo, o desenvolvimento da Comunidade Empresa X e o exercício da cidadania na função pública.

O planejamento, a execução e a avaliação de programas de QVT na Empresa X devem ser operacionalizados com base nas seguintes diretrizes:

A. As ações em QVT se fundamentam nas premissas de responsabilidade institucional, responsabilidade social, de comprometimento de dirigentes em todos os níveis hierárquicos, de parcerias intersetoriais e da participação efetiva dos servidores.

B. A disseminação de uma cultura organizacional do bem-estar coletivo deve ser ancorada em pressupostos da prevenção de riscos para a saúde, segurança e conforto dos servidores, do desenvolvimento do funcionalismo e da valorização da função pública como vetor de cidadania.

C. A concepção e as práticas de gestão organizacional devem primar pela edificação de um ambiente social de trabalho que promova a saúde, a segurança e o conforto dos servidores, bem como convivências de bem-estar e relações harmoniosas com os usuários-cidadãos dos serviços da Empresa X.

D. As concepções e as práticas de gestão do trabalho devem se orientar pelo exercício responsável da autonomia, cooperação, flexibilização do processo de trabalho e valorização de competências dos servidores.

E. O planejamento de tarefas, os critérios de produtividade e a avaliação de desempenho dos servidores devem ser concebidos em sintonia com a política de QVT da Empresa X.

F. O desenvolvimento de uma política de comunicação interna deve proporcionar a alavancagem das ações de QVT, fortalecendo os canais existentes, criando canais alternativos, incrementando a integração dos servidores e disseminando informações que propiciem um clima organizacional centrado em valores de QVT.

G. A disponibilização de suporte organizacional aos servidores deve pautar-se por uma adequabilidade dos meios de trabalho que busque a compatibilidade entre as exigências do trabalho, as características dos ambientes e as necessidades ou expectativas de servidores e usuários-cidadãos, contemplando, inclusive, as pessoas com necessidades especiais.

H. O monitoramento da incidência de doenças e a prevenção de riscos à saúde e à segurança de servidores devem se apoiar em pesquisas fidedignas, ações de controle médico e de assistência psicossocial - com ênfase na realização sistemática e impostergável de "Exames Médicos Periódicos (EMP)" - e ações de engenharia de segurança do trabalho no âmbito dos riscos físicoambientais.

I. As ações complementares de natureza assistencial, voltadas para atividades de combate à fadiga ou de atenuação do desgaste proveniente do ambiente de trabalho, devem ser consideradas nos programas de QVT.

J. A política de educação corporativa, em especial todas as iniciativas de desenvolvimento de competências individuais e coletivas, deve ser compatível com a concepção e as diretrizes de QVT da Empresa X.

Doze ações Imediatas em QVT da Empresa X

Juntamente com a Política de QVT da Empresa X, foram aprovadas doze ações imediatas em QVT da Empresa X, que serão apresentadas e analisadas a posteriori.

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

O trajeto metodológico percorrido, ancorado na abordagem teórica adotada, produziu resultados significativos.

Fórum de QVT da Empresa X

A realização do Fórum de QVT da Empresa X, considerado o que é descrito no item 4.1, representou, em si mesmo, um significativo avanço em relação à teoria e à prática de QVT até então levadas a efeito no contexto da organização.

Do ponto de vista da ergonomia da atividade, o Fórum significou um momento privilegiado de compreensão e também de construção de condições de possibilidades de transformação positiva dos indicadores críticos da relação entre indivíduos e contexto de produção. A elaboração da política de QVT da Empresa X e a definição das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X são exemplos do que aqui é afirmado.

Do ponto de vista da psicodinâmica do trabalho, o Fórum significou um momento privilegiado de investigação da relação entre modos de organização do trabalho e vivências de prazer e sofrimento. Não foi possível a construção do coletivo e do espaço da fala e da escuta, como prescreve a abordagem, embora alguns ganhos tenham sido produzidos na forma utilizada para a estruturação da participação dos presentes ao evento. A montagem de oito espaços de proposição, as assim denominadas estações cibernéticas, envolvendo temas de grande interesse para a QVT da Empresa X, possibilitou o debate sobre as diferentes realidades de trabalho provocadoras de vivências de prazer ou sofrimento. A elaboração da política de QVT da Empresa X e a definição das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X ocorreram à luz do que aqui é afirmado.

Do ponto de vista do conceito de QVT aqui adotado, o Fórum significou um momento privilegiado de aferição do estado da arte do conjunto de ações que contribuem para a prevalência do bem-estar de quem trabalha na Empresa X. A elaboração da política de QVT da Empresa X e a definição das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X espelharam o que aqui é afirmado.

Do ponto de vista da crítica weiliana à opressão do trabalho, o Fórum significou um momento privilegiado da verificação da existência de tal opressão. Com base em relatos de participantes, constatou-se a ocorrência de opressão do trabalho, principalmente no que respeita às dimensões da organização do trabalho e das relações sociais de trabalho. A elaboração da política de QVT da Empresa X e a definição das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X consideraram importantes elementos do que aqui é afirmado.

Política de QVT da Empresa X

Tal Política incorpora algumas das proposições centrais da ergonomia da atividade, da psicodinâmica do trabalho, do conceito de QVT aqui adotado e da crítica weiliana à opressão do trabalho.

Quanto à ergonomia da atividade, destaca-se a Diretriz G (ver p. 117). Adequabilidade, compatibilidade são valores essenciais da ergonomia da atividade, aplicados, na citada diretriz na qual se trata não apenas quem - servidor, trabalhador terceirizado etc. - trabalha na Empresa X, mas também quem com a Empresa X estabelece relação na qualidade de usuáriocidadão, aí incluídas pessoas com necessidades especiais.

Quanto à psicodinâmica do trabalho, avulta em significado a Diretriz H (ver p.117). O tema da saúde psíquica dos trabalhadores é o foco da psicodinâmica do trabalho, tema esse destacadamente presente na política de QVT da Empresa X, com a inclusão da assistência psicossocial, por exemplo, como uma das áreas relevantes de atuação.

Quanto ao conceito de QVT aqui adotado, conquista relevo a concepção institucional da política (ver p. 117). A definição de QVT na Empresa X afilia-se, claramente, ao conceito de QVT aqui adotado, devendo ser destacada a finalidade última da QVT, que inclui bem-estar, desenvolvimento e exercício de cidadania, com a superação de dicotomias falsificadoras do real, tais como individual versus coletivo, produtividade do trabalho versus prazer no trabalho, organização versus sociedade.

Quanto à crítica weiliana à opressão do trabalho, apresenta significativa presença a Diretriz D (ver p. 117). Autonomia, cooperação, flexibilização e valorização, presentes na Política de QVT da Empresa X, são meios adequados com vistas a se atingir a efetiva participação do trabalhador na concepção e na prática de gestão de seu trabalho, tornando possível, assim, a participação criativa, negadora da opressão do trabalho, por parte de quem trabalha.

Doze ações imediatas em QVT da Empresa X

Tais ações - que apresentaram, em linhas gerais, até o presente momento, os resultados a seguir descritos em sua implementação - podem ser examinadas à luz do modelo analítico de contexto de produção de bens e serviços, adotado neste artigo, que propõe três nichos de classificação do trabalho, a saber: condições de trabalho, organização do trabalho e relações sociais de trabalho.

No campo das condições de trabalho, encontramos as seguintes ações:

- Revitalização dos prédios - ação que vem sendo implementada, em escala nacional, pela administração da Empresa X.

- Construção de instalações adequadas para alimentação - ação que vem sendo implementada, em escala nacional, pela administração da Empresa X.

- Melhoria da acessibilidade - atendimento e instalações - para pessoas com necessidades especiais, ação que vem sendo implementada, em escala nacional, pela administração da Empresa X.

Na esfera da organização do trabalho, localizamos a seguinte ação:

- Flexibilização do horário de trabalho - ação não realizada. Foi a principal demanda colocada no Fórum, mas foi constituído um grupo de trabalho encarregado do exame das condições e possibilidades de sua implantação. Contando inicialmente com a participação do principal sindicato dos servidores da Empresa X - que se desligou do grupo por discordar de sua atuação -, o grupo de trabalho encerrou sua tarefa concluindo pela impossibilidade, em decorrência de restrições legais, de implementação da flexibilização do horário de trabalho na Empresa X.

No universo das relações sociais de trabalho, podem ser listadas as seguintes ações:

- Criação do comitê de gestão da política de QVT da Empresa X - ação realizada, padecendo, todavia, de desdobramento. O comitê foi criado em dezembro de 2004, permanecendo atuante até fins de 2005. A partir desse momento, não mais veio, até agora, a reunir-se.

- Criação de uuvidoria Interna - colocação da proposta em audiência pública. Ação parcialmente realizada. Após haver sido colocada em audiência pública junto à comunidade Empresa X, e apesar da inexistência de restrição, de qualquer natureza, à proposta, a iniciativa não logrou, até o momento, continuidade.

- Realização do fórum de QVT no Departamento do Meio Circulante. Ação realizada, padecendo, todavia, de desdobramento em relação a diversas deliberações tomadas por ocasião do evento.

- Realização da pesquisa "Trabalho e Riscos para a Qualidade de Vida no Trabalho". Ação realizada, padecendo, todavia, de desdobramento.

- Promoção do curso "Desenvolvimento de Gestores em QVT da Empresa X". Ação realizada nas representações da Empresa X no Rio de Janeiro e em São Paulo, padecendo, todavia, de desdobramento.

- Produção de campanha de divulgação da política de QVT na Empresa X. Ação parcialmente realizada, interrompida ainda durante o processo de proposição, pela instância organizacional institucionalmente responsável por fazê-lo e por alternativas para sua realização.

- Administração das questões específicas das regionais. Ação não efetivamente localizada no âmbito de atuação do Comitê de Gestão da Política de QVT da Empresa X.

- Criação de Canal permanente de acompanhamento, pela comunidade Empresa X, da Aplicação da Política de QVT. Ação realizada, padecendo, todavia, de desdobramento. A página na intranet da Empresa, criada com essa intenção, por exemplo, deixou, a partir de fins de 2005, de ser adequadamente atualizada.

Observado o acima exposto quanto às doze ações imediatas em QVT da Empresa X, temos:

A. Uma distribuição significativamente diferenciada das ações, do ponto de vista quantitativo, entre os três nichos de classificação do trabalho: três ações no campo das condições de trabalho, uma ação na esfera da organização do trabalho e oito ações no universo das relações sociais de trabalho. Isso indica a existência de uma realidade organizacional que pode ser descrita como razoavelmente atendida quanto às condições de trabalho, claramente definida no que diz respeito à organização do trabalho e amplamente questionada relativamente às relações sociais de trabalho.

B. Uma distribuição significativamente diferenciada das ações, do ponto de vista qualitativo, no que respeita à sua implementação. Em que pese o fato de as doze ações serem ditas, em sua totalidade, imediatas, verifica-se um ritmo muito diferenciado de sua implantação e de sua aprovação até o presente momento. De um modo geral, aquelas referentes às condições de trabalho contam com uma mais tranquila implementação, enquanto que a que se encontra situada no terreno da organização do trabalho, e, especialmente, as que se localizam no campo das relações sociais de trabalho, veem postergada, no tempo, sua implantação.

 

CONCLUSÃO

A análise do fórum de QVT da Empresa X permite afirmar o relevante significado de tal evento para a mudança da gestão da QVT até então vigente naquela destacada organização. A implantação da política de QVT da Empresa X e das doze ações Imediatas em QVT da Empresa X exemplificam, adequadamente, tal afirmação.

A quase totalidade do processo - da concepção do fórum à implementação inicial da política e das ações - contou com o lastro teórico-prático da ergonomia da atividade, da psicodinâmica do trabalho, do conceito de QVT aqui adotado e da crítica weiliana à opressão do trabalho.

Ao examinar-se a realidade atual da aplicação das teorias e práticas de QVT derivadas da realização do fórum, imperativa se torna a constatação da ocorrência de não poucas nem pouco expressivas dificuldades quanto ao assunto, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitativo.

Tais pontos de vista, considerados em conjunto, até porque eles se revelam indissociáveis no mundo real - ou seja, de uma parte, a distribuição quantitativa das doze ações imediatas (três ações no campo das condições de trabalho, uma ação na esfera da organização do trabalho e oito ações no universo das relações sociais de trabalho), e, de outra parte, a distribuição qualitativa de tais ações, no que respeita ao ritmo de sua implementação -, permitem sugerir a existência de:

A. Uma estrutura material, no geral, satisfatória - se considerados os parâmetros dominantemente em vigor no serviço público brasileiro - quanto às condições de trabalho. As dificuldades existentes quanto a condições de trabalho derivam, principalmente, de restrições orçamentárias há muito existentes e só recentemente suavizadas no âmbito do serviço público. As três ações relativas às condições de trabalho - revitalização dos prédios, construção de instalações adequadas para alimentação e melhoria da acessibilidade e atendimento com instalações para pessoas com necessidades especiais (1/4 do total de ações Imediatas sugeridas) - vêm encontrando, um modo geral, tranquila implementação.

B. Uma organização do trabalho solidamente estabelecida, com praticamente todos os quadrantes de atuação organizacional definidos, normatizados e manualizados. O trabalho prescrito, dessa forma, envolve a organização como um todo, e quase tudo que é realizado vem sendo feito segundo padrões, normas e regras preestabelecidos. Qualquer proposta de mudança, portanto, em relação ao status quo, conta com não pequena reação, embasada na conservadora cultura organizacional. Não por acaso, uma única ação - apenas 1/12 das ações imediatas propostas - diz respeito à organização do trabalho. Foi ela, a flexibilização do horário de trabalho, que, ao se constatar a existência de restrições legais para a sua implantação, teve sustado o debate sobre sua implementação, ao invés de, por exemplo, haver sido buscada, no Congresso Nacional, uma alteração da legislação que viesse a permitir a prática de tal flexibilização, amplamente considerada, na atualidade, um ponto crucial de incremento positivo de QVT.

C. Uma relevante demanda quanto a mudanças nas relações sociais de trabalho, expressa pela escolha de oito ações - 2/3 das ações Imediatas aprovadas - atinentes a tal esfera da produção. Em todas elas, um traço em comum, hoje: a descontinuidade, relativa ou absoluta, de sua implantação. Cinco delas - criação do comitê de gestão da política de QVT da Empresa X, realização do fórum de QVT no Departamento Y, realização da pesquisa "Trabalho e Riscos para a Qualidade de Vida no Trabalho", promoção do curso "Desenvolvimento de Gestores em QVT da Empresa X" e criação de canal permanente de acompanhamento, pela comunidade Empresa X, da aplicação da política de QVT - foram realizadas, padecendo, todavia, de desdobramentos. Duas delas - criação de ouvidoria interna e colocação da proposta em audiência pública e produção de campanha de divulgação da política de QVT na Empresa X - foram apenas parcialmente realizadas, não logrando efetiva implementação. Uma delas - administração das questões específicas das regionais - não chegou a ser efetivamente localizada no âmbito de atuação do comitê de gestão da política de QVT da Empresa X. A descontinuidade, relativa ou absoluta, da implantação de tais ações, guarda relação - mormente em empresas de cultura organizacional conservadora, das quais a Empresa X é um exemplo, até mesmo em decorrência da natureza de seu papel institucional - com a circunstância de ser a dimensão das relações sociais de trabalho o locus social privilegiado, em qualquer organização, do embate mudança versus conservação. É em tal locus social onde encontra privilegiada localização a mais central das questões, no que diz respeito à QVT: a questão da distribuição do poder, ou, dito o mesmo de outro modo, da definição teórico-prática acerca do quanto alguém pode vir a exercer poder, e, ainda, acerca do como alguém pode vir a exercer poder.

A política de QVT da Empresa X apresenta como uma de suas diretrizes: "- As ações em QVT se fundamentam nas premissas de responsabilidade institucional, responsabilidade social, de comprometimento de dirigentes em todos os níveis hierárquicos, de parcerias intersetoriais e da participação efetiva dos servidores". Entre tais premissas, destaca-se aqui a da participação efetiva dos servidores (e demais integrantes da Comunidade Empresa X). Existente, de algum modo, durante a realização do fórum e ao longo do período inicial de implantação das ações imediatas - além da participação direta dos presentes ao fórum (muitos deles eleitos representantes de setores de trabalho) -, a Comunidade Empresa X era razoavelmente informada a respeito do andamento da implementação das ações.

Entretanto, a participação foi paulatinamente decrescendo, em decorrência da insuficiência crescente da comunicação acerca das ações. No limite do processo, o que aconteceu foi a ausência de qualquer manifestação por parte da administração da Empresa X quanto à QVT. Isso teve como uma de suas consequências o reforço do desencanto da comunidade Empresa X frente a experiências mudancistas, uma vez que já ocorreram, na organização, muitos episódios antecedentes em que o sepultamento de uma proposição renovadora se dava pela prática do mais absoluto silêncio em torno daquela proposição.

A política de QVT da Empresa X apresenta como outra de suas Diretrizes: "O desenvolvimento de uma política de comunicação interna deve proporcionar a alavancagem das ações de QVT, fortalecendo os canais existentes, criando canais alternativos, incrementando a integração dos servidores e disseminando informações que propiciem clima organizacional centrado em valores de Qualidade de Vida no Trabalho". Como visto no parágrafo imediatamente anterior, o que ocorreu, no decorrer do processo de implantação das ações imediatas, foi exatamente o oposto do que havia sido proposto na diretriz, ou seja, a política de comunicação interna proporcionou, não somente a não-alavancagem das ações de QVT, como também, e até principalmente, sua desalavancagem. Em qualquer momento da história do homem, e muito particularmente na era do conhecimento, tempo histórico em que nos é dado existir, é tautológica a reafirmação do lugar privilegiado socialmente ocupado pela comunicação. No caso concreto da aplicação teórico-prática dos principais produtos do fórum de QVT da Empresa X, a comunicação, mantendo seu status de condição sine qua non do fazer humano, vem contribuindo decisivamente para a obtenção dos resultados até o momento presente verificados.

A Gestão de QVT na Empresa X experimentou radical - na acepção de "ida à raiz" - transformação, com a realização do fórum de QVT da Empresa X.

A reflexão e a aprovação coletivas, ocorridas no fórum, de diversas iniciativas trouxeram mudança positiva na cultura organizacional, reforçando os valores do bemestar coletivo, do desenvolvimento pessoal e profissional da comunidade Empresa X e do exercício da cidadania na função pública.

Em que pese o conjunto de dificuldades hoje existentes em torno da transformação positiva da QVT da Empresa X, há, por certo, luz no fim do túnel: indução de mudanças, catalisação de anseios, propulsão de uma cultura de participação, cooperação, integração, horizontalização, aproximação de pessoas, construção coletiva do futuro pessoal e organizacional.

Esses são alguns dos resultados possíveis no futuro com base na mais adequada incorporação à comunidade Empresa X e à organização que a acolhe, a Empresa X, das proposições de vanguarda que tiveram no fórum o solo fértil de sua semeadura.

Utopia? Talvez não.

E aqui, lançando mão do esclarecimento de Cortella (2000) - mais que oportuno, para os tempos que correm -, registra-se que utopia não significa, em seu sentido de origem, lugar inatingível, mas, sim, lugar que tão somente ainda não foi possível atingir.

 

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Recebido em: 13.02.2009
Aprovado em: 25.02.2010
Publicado em: 22.03.2010

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