SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 issue1The work of musicians of a blues band from a psychodinamics of work viewpointDevelopment of a measure of team commitment author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.1 Florianópolis June 2010

 

ARTIGO

 

Redes sociais e indicações para processos de recrutamento e seleção: uma análise pela perspectiva dos candidatos

 

Social networks and nominations for recruitment and selection processes: an analysis from the candidate's perspective

 

 

Geyza Cunha D'ÁvilaI; Helder Pontes RégisII; Lúcia Maria Barbosa de OliveiraIII

IFaculdade Boa Viagem. geyzadavila@click21.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/2179456768888856
IIUniversidade Federal Rural de Pernambuco. hregis@hotlink.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/3463466159292486
IIIFaculdade Boa Viagem. luciabarbosa@fbv.br. lattes http://lattes.cnpq.br/3705441020776893

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apoiado nas premissas teóricas das redes sociais, este estudo busca compreender os significados compartilhados pelos candidatos que foram indicados por terceiros a participar de processos de seleção. Mais especificamente, toma como foco a percepção sobre o poder da rede de relacionamentos na indicação, considerada como parte do processo de seleção. A coleta de dados identificou os papéis sociais desempenhados pelas pessoas que fazem as indicações. Um questionário fechado foi usado para medir o grau de interação, e uma questão aberta foi usada nas entrevistas para capturar os significados compartilhados sobre a indicação como parte do processo de seleção. Os dados foram formatados segundo a estatística descritiva e a análise de conteúdo para material textual. A amostra reuniu 30 candidatos que, no transcorrer de sua carreira profissional, participaram de algum processo de seleção através da indicação. Os 30 candidatos citaram um total de 119 pessoas e os seus respectivos papéis sociais. Essas 119 pessoas foram as responsáveis pelas indicações. Os significados compartilhados indicam a existência de categorias próprias de pensamento sobre o contexto das indicações para os processos de seleção. O estudo traz contribuição teórica para a área de recrutamento e seleção, por mostrar o poder das redes sociais e a existência de aspectos tanto positivos quanto negativos relacionados às indicações. Vale destacar as categorias "responsabilidade" e "temor" dos que foram indicados, no que diz respeito a não atenderem às expectativas daqueles que os indicaram.

Palavras-chave: redes sociais, indicações, recrutamento e seleção.


ABSTRACT

Supported by the theoretical premises of social networks, this study seeks to understand the shared meaning for candidates who were nominated by third parties to participate in selection processes. More specifically, it takes as focus the perception of the influence of the social network in the recommendation, as part of the selection process. The collected data identified the roles played by those who make the nominations. A closed questionnaire was used to measure the degree of interaction and an open question was used in interviews to capture the shared meanings of the nominations as part of the selection process. The data were prepared in the form of descriptive statistics and content analysis, for textual material. The sample collected 30 candidates that, during their professional careers, were nominated and participated in some selection process. The 30 candidates cited a total of 119 persons and their respective social roles. These 119 people were responsible for the nominations. The shared views indicate the existence of proper categories of thought about the context of the nominations for the selection processes. The study provides a theoretical contribution for the Recruitment and Selection area by showing the power of the social networks and the existence of aspects, both positive and negative, related to nominations. It is worth mentioning the categories of "responsibility" and "fear" of those who were nominated, with respect to not meeting the expectations of those who nominated them.

Keywords: social networks, nominations, recruitment and selection


 

 

No ambiente empresarial sempre mutável, global e tecnologicamente exigente, a obtenção e retenção de talentos são as armas utilizadas no campo de batalha onde as organizações atuam. As empresas bem sucedidas serão aquelas mais experientes em atrair, desenvolver e reter indivíduos com habilidade, perspectiva e experiências suficientes para conduzir um negócio global (Ulrich, 2004).

Nesse contexto, faz-se necessária uma melhor compreensão da rede de relacionamentos dos candidatos, a qual deve ser valorizada tanto pelas empresas como pelos próprios candidatos. A network é considerada uma forma de organização humana presente em nossa vida cotidiana e nos diferentes níveis de estrutura das organizações modernas (Marteleto, 2001).

As relações sociais em que cada indivíduo está inserido podem ser vistas como uma rede. Cada pessoa pode ser vista como pertencente a uma teia a partir da qual linhas conectam pessoas de seu convívio e relacionamento profissional (Marinho-da-Silva, 2003).

No contexto das relações sociais, a network refere-se aos diversos relacionamentos nos quais os indivíduos estão envolvidos, e essas conexões reúnem ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados (Marteleto, 2001). Em qualquer network, alguns elos mantêm relações mais estreitas ou mais íntimas e são denominados cliques. A vantagem criada pela localização da pessoa em uma estrutura de relacionamentos é conhecida como capital social, que pode ser um ativo ao seu favor e explica a vantagem obtida por certas pessoas.

A diversidade de maneiras como as pessoas se relacionam diz respeito aos laços que permeiam sua network. Marteleto (2001) afirma que a força dos laços fracos favorece os atores da rede, uma vez que neutralizam a homogeneização de conhecimentos e ideias que existem entre os laços fortes.

Dentro de uma postura proativa, o profissional que está em busca de uma colocação no mercado de trabalho necessita do conhecimento da estrutura de sua rede de relacionamentos, independentemente da sua área de atuação, pois ela poderá viabilizar sua participação em um processo de recrutamento e seleção.

O recrutamento e a seleção são práticas e processos usados para atrair candidatos a vagas existentes ou potenciais. O recrutamento pode ser tanto de candidatos internos como externos à organização. Vários métodos são usados para recrutá-los: anúncios em mídia, informações em quadro de avisos ou em tabuletas na porta, agências de emprego, indicações e sites da internet especializados em oferta e procura de mão de obra. Já o processo seletivo é realizado por meio de instrumentos que variam de acordo com a filosofia da empresa. Como exemplos, podem ser citados: as entrevistas, a análise de currículo, os formulários de proposta de emprego, as busca de referências, as dinâmicas de grupo, os testes psicotécnicos, os testes de desempenho, dentre outros (Lacombe & Heilborn, 2003).

Identificar as razões de escolher uma pessoa para trabalhar em uma determinada área implica conhecer qual a contribuição desse indivíduo para a organização e conhecer as possibilidades de sua participação em um processo de recrutamento e seleção. O grau de acerto na escolha dos candidatos pode ser aumentado através da análise da network dos candidatos em questão (Ho, Rousseau & Levesque, 2006).

Todo material coletado no processo de seleção, nas redes sociais online, nos bancos de currículos, ou mesmo nas indicações de terceiros deve ser analisado. Essa análise fundamenta o processo de recrutamento e seleção da empresa estudada, pois, por meio dessa análise, podem-se direcionar as solicitações de vagas aos papéis sociais de maior aderência, aumentando a qualidade da seleção.

A presente pesquisa pretende contribuir para as práticas dos processos de recrutamento e seleção, no sentido de identificar novas formas de recrutar um candidato e na tentativa de mudar os paradigmas dos processos utilizados pelos profissionais da área. Para isso, utilizou conceitos que explicitam a força dos laços existentes entre o candidato e as pessoas que o tenham indicado a participar de processos de recrutamento e seleção durante a sua vida profissional (Brown & Konrad, 2001a).

De acordo com Régis, Dias e Bastos (2006), a network pode ser estudada em três dimensões distintas: a estrutural, a relacional e a cognitiva. Sua pesquisa tem como foco a dimensão estrutural, baseando-se nos laços existentes para mostrar de que forma os atores estão relacionados, mais especificamente com respeito à proximidade da relação, ou à força dos laços.

Os laços fracos são contatos menos frequentes ou inerentes a um papel social desempenhado, com baixa percepção de amizade, reciprocidade e confiança entre os atores. Sua função é difundir informações, trabalhando nas regiões de fronteira da network, as quais funcionam como interface entre redes, permitindo a troca de conhecimentos e a busca por soluções externas, em função da posição que ocupam. Já os laços fortes são usados em mobilizações políticas, através de maior interação, reciprocidade e amizade existente nos relacionamentos (Brown & Hendry, 1998).

Vários estudos realizados confirmam os benefícios gerados pela network para o indivíduo, no desenvolvimento de sua carreira (por exemplo, Régis, 2005; Souza, 2006) e, nesse contexto, as forças dos laços assumem um papel importante quando analisadas em um processo de recrutamento e seleção. Morgan (1996) ressalta que, além da questão estratégica e cultural, o aspecto político é fundamental na escolha de pessoas. As organizações são, ou podem ser vistas como arenas políticas.

Há, em qualquer organização, uma rede de relacionamentos de pessoas que apoiam outras, grupos e subgrupos com opiniões diferentes e várias participações no poder que são alteradas com a entrada de novas pessoas. Esse jogo político poderá, inclusive, determinar a aprovação de um candidato em detrimento da sua competência técnica, afetando o lado estratégico da escolha. O aspecto político pode determinar, também, a quem caberá a decisão de escolha das pessoas que irão trabalhar na empresa e até mesmo os métodos e as técnicas empregadas.

Dentro dessa visão, respondeu-se a seguinte pergunta: Como os candidatos que foram indicados para participar de um processo de recrutamento e seleção percebem o poder de sua rede de relacionamentos na busca pelo emprego?

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Toda atividade humana leva as pessoas a interagirem, o que varia em frequência, duração e sentido. As pessoas e os grupos que conseguem resultados mais eficazes são aqueles que estão conectados de uma melhor forma.

Segundo Marteleto (2004), essas interações, ou redes de relacionamentos, ou ainda network, geram o capital social, um relacionamento afinado que soma conhecimentos, informações e emoções que podem e devem ser utilizados por todos que compõem a rede. Afirma, ainda, que a construção dessas redes e a consequente aquisição de capital social estão condicionadas a fatores culturais, políticos e sociais.

Régis (2005) usou a abordagem teórica do capital social para investigar como empresários buscam apoio em suas redes de relacionamentos, a partir da ótica de cada uma das três dimensões do capital social, como é mostrado na Figura 1.

No canto superior direito, é mostrada a dimensão cognitiva (compartilhamento de significados); no canto superior esquerdo, a dimensão relacional (conteúdo transacionado); na base, a dimensão estrutural (posicionamento dos atores).

Régis (2005) elaborou a representação gráfica das dimensões do capital social, a qual mostra a sua natureza multidimensional. Seu estudo considera que as três dimensões do capital social - relacional, cognitiva e estrutural operam de forma concomitante para formar a complexidade das relações em rede (Figura 1).

A dimensão cognitiva, mostrada na parte superior direita, refere-se ao compartilhamento de significados entre os atores de uma determinada network. Cada indivíduo, em sua história de vida, pessoal e profissional, reúne conhecimentos, experiências e valores que servem de base para a compreensão sobre a coletividade social. Essa compreensão é denominada capital intelectual da pessoa e reflete a crença de que é um fator social, pois ele é criado e sustentado pelas relações entre os atores da rede social. Uma parte relevante dessa troca social é realizada através do compartilhamento da linguagem, do vocabulário e das narrativas coletivas. Esses elementos constituem facetas compartilhadas pela cognição, que facilitam a criação do capital social, especialmente com o uso da capacidade de comunicação, agindo tanto como mediadores quanto como produtos da interação social (Nahapieth & Ghoshal, 1998).

Segundo Régis (2005), a dimensão relacional, identificada na parte superior esquerda da figura 1, refere-se ao conteúdo transacionado entre os atores da rede. Esse conteúdo pode ter como base os acontecimentos da organização como um todo (oportunidades de ascensão, processo decisório, etc.); a troca de amizade e a socialização, que fornecem apoio e melhoram a autoestima; ou ainda a informação que cruza a fronteira da rede, fazendo uso do entorno para a conexão com outras redes pelos laços informais e pelos laços fracos. Na transação de tais conteúdos, um ator corre risco, ao compartilhar informações importantes, constituindo uma rede de confiança. Como exemplos, são mostrados, na Figura 1, os conteúdos transacionados: amizade, informação e confiança.

A confiança é frequentemente definida com base na disposição para estar vulnerável. As pessoas estarão dispostas a assumir o risco da vulnerabilidade quando têm uma expectativa positiva de que, ao confiarem em uma determinada pessoa, isso lhe trará benefício, em vez de dano. A confiança no ambiente organizacional traz benefícios, por exemplo, em termos de sa-tisfação no trabalho, comprometimento organizacional, cidadania organizacional, cooperação, aprendizagem e compartilhamento de conhecimentos (Levin, 2007).

A dimensão estrutural, na parte inferior da Figura 1, traz aspectos do nível micro, como a força dos laços (que pode ser medida pelo tempo de conhecimento, frequência de interação e proximidade da relação) e aspectos do nível macro, como a configuração da network (que pode ser medida pela densidade da rede, centralidade, conectividade, reciprocidade e intermediação) (Régis, Bastos & Dias, 2006).

Nesse contexto das redes sociais (Hatala, 2006), os gestores de RH podem contar com as indicações e com a possibilidade de pesquisas online. Como exemplos, podem ser citados os achados de Brown e Konrad (2001b). Elas descobriram que, em setores de negócios em declínio, os laços fortes são mais usados, pois favorecem a mudança de área de atuação da pessoa que busca uma colocação no mercado. Por outro lado, em setores de negócios em ascensão, os laços fracos são mais usados, uma vez que disponibilizam mais informações sobre vagas disponíveis. Assim, as novas formas de recrutamento trazem influência sobre os processos seletivos contemporâneos.

Processo Seletivo

Por ser a seleção um processo contínuo, na maioria das organizações muitas fontes de informações são usadas para fornecer o quadro mais confiável e válido do potencial do candidato para o sucesso no emprego. A rotatividade ocorre inevitavelmente, deixando vagas a serem preenchidas por candidatos de dentro e fora da organização e gerando a necessidade de diversos procedimentos para minimizar os riscos de uma contratação errada. Dentre os meios para obter informações sobre os candidatos, podem-se citar: o preenchimento de formulários de solicitação de emprego, as entrevistas, os testes, os exames médicos, as investigações de formação, a internet e as indicações (Capelli, 2001; Bohlander, Snell & Shermam, 2003; Rynes, 1993).

Terpstra (1996), em uma pesquisa feita com 201 executivos de recursos humanos, perguntou aos participantes quais os métodos de seleção que identificavam os melhores funcionários. A classificação média para nove métodos, em uma escala de cinco pontos (sendo 1 ruim e 5 extremamente bom), foi: para testes práticos, 3,68; referências e recomendações, 3,49; entrevistas não-estruturadas, 3,49; entrevistas estruturadas, 3,42; centro de avaliação, 3,42; teste de aptidão específica, 3,08; teste de personalidade, 2,93; testes de capacidade cognitiva geral, 2,89; e fichas de informações pessoais, 2,84.

Para Boog e Boog (2002), as formas tradicionais de recrutamento e seleção tornam-se rapidamente obsoletas. Mais do que nunca, é preciso apropriar-se das novas técnicas e tecnologias, principalmente da internet. A principal revolução que a internet introduziu no processo de captação de pessoas diz respeito a localizar profissionais que não estão procurando emprego, os denominados "candidatos passivos", através de visitas a salas de bate-papo, ingressos em comunidades virtuais, conforme sugere Capelli (2001). A captação de candidatos ativos, isto é, aqueles que estão buscando uma nova oportunidade no mercado, vai desde as home pages corporativas até uma rede web informal de relacionamentos, encorajando os que estão empregados a avisarem aos amigos a existência de vagas nas empresas em que trabalham (Zaccarelli & Teixeira, 2007).

Em conjunto com o processo de recrutamento, que se destina a aumentar o número de candidatos cujas qualificações atendam aos requisitos de cargos e às responsabilidades da organização, a seleção é o processo de redução daquele número - de recrutados - e a escolha entre indivíduos com qualificações relevantes. Um processo seletivo adequado necessita da definição de critérios. O conhecimento das políticas de seleção da empresa e dos cargos que se deseja preencher é fundamental. Cada etapa do processo seletivo deve ser avaliada em termos de sua contribuição para o cargo selecionado.

O Quadro 1 mostra as etapas que podem servir de base para um processo de seleção, as quais variarão de acordo com a organização, o tipo e o nível de cargo a ser preenchido.

 

 

Atualmente, o contato inicial entre o candidato e a empresa pode ser realizado, por exemplo, pela internet, onde muitas organizações abrem um link "trabalhe com a gente"; diretamente nos Recursos Humanos (RH) da organização; ou ainda com a intermediação de empresas especializadas, que realizam uma primeira avaliação dos candidatos, enviando para a empresa somente os candidatos com o perfil para a vaga em aberto.

Quando as empresas decidem pelo recrutamento interno podem procurar, na maioria das vezes, atender às indicações dos colaboradores. Porém, quando o perfil do indicado não é adequado à vaga, há necessidade de candidatos externos, cujos currículos, depois do processo seletivo, são arquivados no banco de dados do Departamento de Recursos Humanos. Na Internet também há sites que são especializados na indicação de profissionais, especialmente na área de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação). Alguns desses sites oferecem, inclusive, remuneração para as pessoas que fazem indicação (Alludere, 2010; Indica, 2010; LinkedIn, 2010).

Com o advento da Internet e das redes de relacionamentos online, as indicações passaram a ser mais usadas nos processos de recrutamento e seleção. A indicação, seja interna à organização, ou via redes sociais, permite que o avaliador tenha um conhecimento prévio do perfil do candidato (Sodré, 2002). A informação fornecida pela pessoa que indica, ou mesmo a informação encontrada nas redes de relacionamentos também favorece ao recrutador, uma vez que traços de personalidade e aspectos atitudinais podem estar à sua mão antes da entrevista com o candidato (Weisbuch, Ivcevic & Ambady, 2009).

No caso da indicação, por se tratar de um processo em que se conhecem informações pessoais dos candidatos, a ética deve estar presente acima de tudo. No processo de seleção, o candidato enfrenta uma bateria de avaliações, com o objetivo de revelar aspectos de sua personalidade, interesses, sociabilidade, vida pessoal e vida profissional. Ser excluído no processo seletivo pode levar o candidato a questionar suas competências e habilidades. Por essa razão, os critérios devem ser informados previamente (França-Limongi & Arellano, 2002).

Percepção do Candidato

De acordo com Hausknecht, Day e Thomas (2004), as pesquisas em seleção de pessoal tradicionalmente têm como foco a compreensão do processo sob a perspectiva da organização. Estudos referentes à eficácia e à utilidade da técnica têm demonstrado como as organizações podem se beneficiar da utilização de determinadas ferramentas voltadas para a seleção.

A percepção do candidato quanto ao processo seletivo tem sido ligada conceitualmente a resultados diversos, tais como satisfação no trabalho, comprometimento, rotatividade e clima organizacional (Chan, Schmitt, Jennings, Clause & Delbridge, 1998).

Uma vez que a intenção e o comportamento tendem a estar moderadamente relacionados, a percepção do candidato pode ser relacionada com seu comportamento atual, tal como recomendar a organização para outro candidato, se recandidatar, refazer o teste, ou entrar com uma reclamação formal. Entretanto, poucas pesquisas atualizadas testaram essas proposições (Hausknecht & Col., 2004).

Neste contexto, a questão de pesquisa é reapresentada para uma melhor compreensão da problemática esboçada:

Como os candidatos que foram indicados para participar de um processo de recrutamento e seleção percebem o poder de sua rede de relacionamentos na busca pelo emprego?

 

MÉTODO

A amostra deste estudo foi composta por candidatos a vagas de emprego em uma empresa de terceirização de mão de obra, tendo como critério ter havido indicação de alguma pessoa para participar do processo seletivo. Além disso, foi feito um corte quanto ao grau de escolaridade dos participantes. Participaram apenas candidatos com nível superior completo ou cursando uma faculdade. Acreditou-se que tal perfil contribuiu para favorecer um maior entendimento dos questionamentos realizados na pesquisa e, assim, uma maior exatidão das respostas.

Também houve a intenção de pesquisar um quantitativo igual de homens e mulheres, a fim de verificar alguma peculiaridade existente. Participaram das entrevistas 30 candidatos que satisfizeram os critérios, sendo 15 homens e 15 mulheres. Ressalta-se que o limite de 30 candidatos ocorreu por saturação das evocações principais, ou seja, as falas dos candidatos começaram a se repetir. Como será mostrado nos resultados, houve 67 evocações sobre os pontos positivos de ter sito indicado por uma pessoa a participar da seleção e 53 evocações sobre os pontos negativos.

O instrumento de coleta dos dados será abordado logo a seguir, dando respaldo aos sujeitos da pesquisa. No primeiro momento, foi aplicado o cartão gerador de nomes (Régis, 2005), com a finalidade de obter dos respondentes informações sobre as pessoas que, durante a sua vida profissional, o indicaram a participar de processos de recrutamento e seleção, bem como o papel social por elas representado. Os dados levantados por esse cartão gerador de nomes foram complementados com informações sobre o papel social (ex. professor, sócio, amigo, primo, etc.) desempenhado pelos indivíduos que indicaram os respondentes.

No segundo momento, foi utilizado um questionário, adaptado da tese de Régis (2005), utilizando-se apenas os itens que mensuram a força dos laços. Essa parte do questionário de Régis (2005), com 05 itens, permitiu capturar a força dos laços existentes entre os respondentes e a sua network (aqueles que os indicaram para um processo de recrutamento e seleção). Os trinta indicados citaram, em média, 4 pessoas que os indicaram, tendo sido fornecidos os nomes de 119 pessoas que fizeram as indicações.

De posse dos nomes das pessoas que indicaram e do questionário respondido pelo participante com relação a cada pessoa, foi possível medir a força dos laços que regem a network do respondente. As questões envolveram o tempo da relação, a equivalência de idade, a frequência de interação e a proximidade do relacionamento existente entre a pessoa que indicou e o candidato.

Segundo Granovetter (1973), o tempo de interação deve ser maior do que um ano entre os atores para se considerar o laço forte. Essa afirmação foi fortalecida através da questão 1: "Há quanto tempo, aproximadamente, essa pessoa é, ou foi, parte da sua rede de relações - Network?". Além do tempo, a frequência de interações deve ser maior que a necessidade imposta pelas atividades profissionais para se considerar um laço forte, o que foi fortalecido pelas questões 3 e 4: "Indique a frequência com que essa pessoa encaminhou você para participar de processos seletivos" e "Indique a frequência com que você interage, ou interagiu, com essa pessoa".

Para Régis (2005), a diferença de idade maior que 10 anos indica diferença de gerações, tendendo a hábitos, costumes e comportamentos diferentes. Assim, a diferença de idade maior que 10 anos indica laço fraco, ratificado na questão 2: "Identifique o nível de equivalência da idade dessa pessoa em relação à sua". O nível de relacionamento foi extraído a partir da questão 5: "Indique o seu nível de relacionamento com essa pessoa". Tal questão, segundo o autor, visa a medir a proximidade da relação.

No momento final, os candidatos foram entrevistados e responderam a uma questão aberta, com o objetivo de identificar os aspectos positivos e negativos de terem sido indicados a participar de um processo de recrutamento e seleção: "Quando você pensa nos aspectos positivos e negativos de ter uma pessoa que o indica para participar de um processo de recrutamento e seleção, que ideias lhe vêm à mente?"

Análise Qualitativa dos Dados

A partir das evocações surgidas nas entrevistas, foi feita uma análise de conteúdo para identificar as unidades que se repetiam nas evocações dos pesquisados. Os dados foram formatados e processados segundo as prescrições da análise de conteúdo de Bardin (2004), que parte do pressuposto de que, por trás do discurso aparente, esconde-se outro sentido que convém descobrir. Dentre as técnicas oferecidas pela análise de conteúdo, optou-se por trabalhar com a análise categorial. Utilizaram-se critérios de classificação semântica do material produzido pelos candidatos, através de um procedimento de diferenciação interna ao material e posterior recomposição por analogia na forma de categorias, as quais compuseram o mapa cognitivo (Bastos, 2002). A seguir são apresentados os resultados e as discussões do estudo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Papel Social Representado pelas Pessoas que Indicaram o Candidato

A Figura 2 mostra os papéis sociais desempenhados pelas pessoas que indicaram os participantes a um processo de recrutamento e seleção. Das 119 pessoas que indicaram os candidatos, relacionadas no Quadro 2, observou-se que os papéis sociais desempenhados foram, em sua maioria (50%), de amigos, enfatizando a importância da rede de relacionamentos de amizade na geração de benefícios para o indivíduo e a importância dos laços fortes. A indicação através de uma relação profissional obteve a mesma porcentagem das indicações provenientes de familiares (23%). Esse resultado evidencia que uma relação profissional nem sempre está baseada nos mesmos valores que uma relação familiar, porém, em se tratando de um objetivo profissional, participar de um processo de recrutamento e seleção, os interesses em ajudar são compartilhados por esses dois papéis.

 

 

Com pouca influência nas indicações apareceram os papéis sociais: professores (2%), políticos (1%) e terapeutas (1%). É interessante observar o papel de pouca relevância do político nesse contexto. Os dados sugerem que, para uma amostra de candidatos com nível de escolaridade superior, como é o caso deste estudo, há pouca influência dos políticos. Esse tipo de indicação pode estar mais presente no contexto de pessoas com baixa escolaridade e situação financeira desprivilegiada.

Para Régis (2005), cada pessoa assume um ou mais papéis específicos: professor, sócio, amigo, empregado, marido, pai, etc. Através de cada papel, uma pessoa entra em contato com grupos particulares de pessoas que compartilham a mesma atividade ou interesse. Os resultados corroboram essa afirmação teórica, no sentido que se verificou a influência desses papéis na indicação de uma pessoa a participar de um processo de recrutamento e seleção.

O Quadro 2 descreve a quantificação dos papéis sociais, a idade média, a maior idade e a menor idade das pessoas que indicaram os candidatos a participarem de um processo de recrutamento e seleção.

Um fator relevante no estudo foi o gênero das pessoas que indicaram os candidatos, tendo o sexo feminino o percentual de 61%, diante de 39% do sexo masculino (Figura 3). Assim, há evidências de que as mulheres indicam mais do que os homens. Isso sugere que, mesmo no que diz respeito ao âmbito profissional, a mulher se preocupa em atender aos anseios das pessoas da sua rede de relacionamentos.

 

 

Força dos Laços Existentes na Indicação dos Candidatos

O Quadro 3 descreve quantitativamente os laços fortes e fracos gerados pelo questionário aplicado, assim como a identificação dos candidatos participantes do estudo quanto a serem homens ou mulheres.

 

 

A análise quantitativa dos dados levou à identificação da força dos laços existentes nas indicações de candidatos a participarem de um processo de seleção. Como já explicado, os 30 candidatos identificaram um total de 119 pessoas que haviam feito pelo menos uma indicação para que eles participassem de um processo de seleção. Dessa forma, cada candidato citou, em média, 4 pessoas da sua rede de relacionamentos. O número máximo de pessoas citadas foi 6, como destacado no Quadro 3 pelas letras A, B, C, D, E e F. Na perspectiva da dimensão estrutural da rede (Figura 1), observou-se que os candidatos estão ligados às pessoas da sua network através de laços fortes em 91% das indicações.

Esse resultado, com alto índice de laços fortes, corrobora as argumentações de Granovetter (1973) e Brown e Konrad (2001b), que definem a força dos laços com base na idade, na frequência dos contatos, na reciprocidade e na proximidade ou amizade existentes nos relacionamentos. As informações obtidas através dos laços fortes da rede são mais redundantes, pois esses laços tendem a formar um cluster de pessoas (cliques) conectadas mutuamente. Porém, o laço forte favorece as indicações de pessoas de outras áreas de atuação, normalmente setores em declínio, porque se baseia mais na confiança do que na competência.

Aspectos Positivos e Negativos Percebidos pelos Candidatos

Foi solicitado aos candidatos que descrevessem as ideias que lhes viessem à mente no tocante aos aspectos positivos e negativos de terem sido indicados por uma pessoa para participar de um processo de recrutamento e seleção durante sua vida profissional. Os significados compartilhados pelos respondentes com relação aos aspectos positivos e negativos de terem sido indicados por uma pessoa para participarem de um processo de recrutamento e seleção foram analisados a partir dos seus conteúdos salientes (evocações).

Tomando como base os pressupostos de Bardin (2004), foram identificadas 67 unidades de registro (evocações) para os aspectos positivos e 53 para os negativos, totalizando 120 evocações sobre a indicação para participar de processos de recrutamento e seleção. A apresentação dos dados e a análise foram efetuadas em dois momentos. No primeiro, identificaramse as categorias encontradas através das unidades de registros ou evocações, informadas pelos respondentes e relacionadas aos aspectos positivos. Em um segundo momento, aquelas relacionadas aos aspectos negativos. No processo de categorização, foram criadas subcategorias de acordo com as evocações livres dos candidatos, as quais formaram a base de dados.

Um mapa cognitivo sobre os aspectos positivos e negativos caracteriza toda a amostra dos respondentes, fornecendo um panorama geral dos conteúdos evocados, trazendo informações importantes sobre a dimensão cognitiva do poder das redes usado nas indicações. A seguir, é apresentado o mapa cognitivo que reúne, de forma gráfica, os significados compar-tilhados pelos respondentes. Primeiramente, é mostrada a Figura 4, com as categorias básicas dos conteúdos evocados. Observa-se que as categorias principais são confiança e vantagens, concernentes aos aspectos positivos em ter uma pessoa que faz a indicação para participar de um processo de recrutamento e seleção. Pertencentes aos aspectos negativos têm-se as categorias imagem do indicador, medo e responsabilidade.

 

 

Aspectos Positivos

Através das evocações dos trinta (30) respondentes, foram identificadas 67 unidades de registros representativas dos aspectos positivos relativos ao fato de terem sido indicados para participar de um processo de recrutamento e seleção. Essas evocações foram agrupadas em 2 categorias, como apresentadas na Figura 4 e que são descritas a seguir, com suas unidades de registro.

Categoria Confiança

As descrições que estavam relacionadas com a crença na probidade, na sinceridade afetiva, nas qualidades profissionais de outrem, as quais tornam incompatível imaginar um deslize, uma demonstração de incompetência de sua parte (Houaiss, 2004) foram agrupadas em uma categoria denominada "Confiança", com vinte e sete (27) evocações. A categoria confiança gerou cinco subcategorias: confiança da empresa no processo de indicação (A); confiança da empresa na pessoa que indicou (B); confiança do indicador na pessoa indicada (C); confiança do indicadocado na pessoa do indicador (D); autoconfiança gerada pela indicação (E).

A primeira subcategoria, confiança da empresa no processo de indicação (A), pode ser exemplificada com a fala do sujeito 18: "... confiança, pois já se tem uma referência". Também pode ser usada como exemplo a afirmação do sujeito 3: "... se houve uma indicação, algo de bom essa pessoa tem". Ou ainda, pela fala do sujeito 2: "... confia no meu desempenho como profissional".

Para a segunda subcategoria, confiança da empresa na pessoa que indicou (B), cita-se a fala do sujeito 3: "... gera uma maior confiança na empresa que faz a seleção". Também pode ser usada como exemplo a citação do sujeito 6: "... intimidade que o meu indicador tem com a empresa". Para a terceira subcategoria, confiança do indicador na pessoa indicada (C), a exemplificação aparece na fala do sujeito 12: "... essa pessoa acredita em nossa capacidade e no nosso potencial". Encontra-se correspondente nas falas dos sujeitos 20, "... a pessoa que me indicou acredita no meu potencial" e 27, "... a confiança que aquela pessoa depositou em mim".

Percebe-se, através da fala dos sujeitos 9 "(O indicador) conhece a empresa" - e 6 - "mais segura em ter alguém que conheça a organização" -, uma relação com a subcategoria confiança do indicado na pessoa do indicador (D).

Quanto à subcategoria autoconfiança gerada pela indicação (E), exemplifica-se com a fala do sujeito 6: "gera autoconfiança de que sou capaz de assumir a vaga". Encontra-se ainda correspondente na fala do sujeito 5: "você se sente (a pessoa se sente) mais confiante na conquista da mesma".

Categoria Vantagem

A segunda categoria identificada foi denominada Vantagem, que representa uma posição ou condição de superioridade ou adiantamento de alguém com relação a outro(s) em momentos anteriores (Houaiss, 2004). Bourdieu (1986) usou o termo capital social para referir-se às vantagens e às oportunidades de se pertencer a certas comunidades. As pessoas e os grupos que conseguem resultados mais eficazes são aqueles que estão conectados de uma melhor forma. Assim, o capital social, quando bem conectado entre si, traduz um valor social e é um componente bastante significativo como fonte de vantagem. Portanto, o fato de ter sido indicado a participar de um processo de recrutamento e seleção aparece na fala dos respondentes como uma vantagem.

A categoria vantagem gerou 7 subcategorias: conhecimento antecipado da empresa sobre o perfil do candidato (A); conhecimento antecipado do indicador sobre a existência da vaga (B); aumento das chances de o candidato ser contratado (C); conhecimento antecipado do candidato sobre o perfil da vaga (D); conhecimento antecipado da empresa sobre a experiência profissional do candidato (E); acesso mais rápido ao processo de recrutamento e seleção (F); aumento das chances de o candidato ser contratado (G). O número de evocações para essa categoria foi quarenta (40).

Como exemplo, cita-se a fala do sujeito 4: "precedência referente aos demais candidatos devido à indicação"; a do sujeito 29: "estou em vantagem em relação aos outros"; ou ainda "espécie de cartão de visita", do sujeito 26. Nesse caso, as relações sociais de cada indivíduo indicam suas possibilidades de ter acesso a recursos escassos, como, por exemplo, o conhecimento da existência de uma vaga não amplamente divulgada, enfatizada nas respostas dos sujeitos 11 "oportunidade que eu não saberia" e 16 "oportunidade não divulgada". Nesse contexto de indicações, o importante não é o que se conhece, mas quem se conhece (Woolcock, 2000). Percebe-se que a vantagem descrita pelos respondentes traz implicitamente um componente de esperança, pois, a partir do momento em que o candidato se sente em vantagem diante de outro, gerase uma maior expectativa de conquistar o almejado.

A seguir, serão descritos os aspectos negativos evocados pelos candidatos.

Aspectos Negativos

Foram identificadas 53 unidades de registro (evocações), através da fala dos 30 respondentes, as quais representaram os aspectos negativos encontrados pelos candidatos com relação ao fato de terem sido indicados para participar de um processo de recrutamento e seleção. Essas unidades de registro (evocações) foram agrupadas em 3 categorias, como é ilustrado na Figura 4.

Categoria Imagem do Indicador

A primeira categoria foi denominada Imagem do indicador. A palavra imagem refere-se à descrição de uma pessoa em traços de personalidade, ou caráter, e que ressaltam suas características básicas (Houaiss, 2004); já o indicador é um dos elementos pertinentes a este estudo, pois todo o contexto contempla o ato de indicar alguém a participar de um processo de recrutamento e seleção.

Nas unidades de registro (evocações) dessa categoria, não foram identificadas subcategorias de relevância para agregar as quatro evocações dos respondentes que consideraram a imagem do indicador como um aspecto negativo com relação à indicação para processos de recrutamento e seleção. Percebeu-se, através das evocações dos sujeitos, que a categoria imagem do indicador é vista como um aspecto negativo, principalmente se o indicador possuir uma imagem negativa perante a organização, desfavorecendo-o. Os exemplos a seguir tornam tal percepção clara: "prestígio, ou não, da pessoa que indicou a empresa" (sujeito 20); "não sei se a pessoa é bem vista na empresa" (sujeito 8); e "se a pessoa que me indicou é uma pessoa de má reputação, me prejudica" (sujeito 29). O que pareceu ser significativo é o fato de esses candidatos relatarem um conteúdo de negatividade com relação à pessoa que, em um primeiro momento, está lhe proporcionando uma oportunidade de participar de um processo de recrutamento e seleção.

Categoria Medo

A palavra medo remete ao sentimento de temor, ansiedade irracional ou fundamentada; a um receio diante de alguém ou de uma situação. Foi nesse sentido que surgiu a segunda categoria, explicitada na fala dos sujeitos. Pode-se observar o medo no sujeito 6: "tenho medo de não estar à altura da vaga"; no sujeito 9: "ser reprovado diante do processo". Deduz-se que essa sensação de medo está inserida em qualquer processo de recrutamento e seleção em que haja uma indicação, uma vez que o candidato está sendo avaliado de diversas formas, como nos passa o sujeito 5, quando fala: "a ideia de que eu não consiga a vaga por mérito próprio".

Essa categoria fortalece as características apresentadas na literatura sobre laços fortes, pois o medo está intrinsecamente relacionado à possível perda de confiança, à quebra de um relacionamento e à impossibilidade de receber os benefícios gerados pela network (Granovetter, 1973).

Categoria Responsabilidade

A última categoria identificada foi a Responsabilidade, conceito que não possui, em um primeiro momento, um sentido negativo, porém, diante do contexto de recrutamento e seleção em que há indicação de outrem, é percebida pelos candidatos como um aspecto negativo. Ou seja, o aumento da responsabilidade devido à indicação gera um sentimento negativo para o candidato que consegue a vaga.

Essa categoria gerou 4 subcategorias: cobrança da empresa (A); cobrança do indicador (B); valoração (C) e comprometimento (D), totalizando quarenta e uma (41) evocações. Para Houaiss (2004), o termo responsabilidade significa obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros. O conteúdo transacionado dentro dessas interações pressupõe o uso dos recursos e de informações com responsabilidade, principalmente considerando os elos existentes na rede.

A primeira subcategoria, cobrança da empresa (A), pode ser exemplificada através da fala do sujeito 13: "jamais fazer algo de errado"; ou na fala do sujeito 4: "fazer jus à indicação". A categoria cobrança do indicador (B) aparece na fala do sujeito 30: "ser cobrado mais tarde"; e na fala do sujeito 16: "vou ficar devendo esta". As duas últimas subcategorias, valoração (C) e comprometimento (D), estão expostas nas falas dos sujeitos 10, "prejudicar a pessoa que o indicou de alguma maneira". e 23, "comprometimento com os resultados do processo de seleção".

Constatou-se que as quatro subcategorias identificadas como aspectos negativos pelos candidatos indicados a participar de um processo de recrutamento e seleção possuem uma faceta negativa, que, no seu sentido inverso, corrobora os pressupostos do laço forte (confiança, amizade e recursos valiosos trocados) descritos no referencial teórico (Kuipers, 1999).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura ressalta os vários benefícios gerados pela participação do indivíduo em uma network (Régis, 2005; Granovertter, 1973; Krackhardt, 1992; Brown & Konrad, 2001a). Assim, a proposta deste estudo foi analisar, dentro da dimensão estrutural, o papel da força dos laços nas indicações em um processo de recrutamento e seleção. Respaldou-se, também, na dimensão cognitiva, por ter emergido dos resultados e demonstrado relações pouco estudadas para a área de recrutamento e seleção. Em um primeiro momento, os resultados do trabalho evidenciaram a importância de um indivíduo saber utilizar os recursos de sua network a fim de se beneficiar com uma indicação para um processo de recrutamento e seleção. As pessoas e os grupos que conseguem os resultados mais eficazes são aqueles que estão conectados de uma melhor forma (Marinho-da-Silva, 2003).

Diante dos resultados, gerados pela análise de conteúdo, que objetivaram identificar os aspectos positivos e negativos explicitados pelos candidatos em relação a serem indicados a participar de um processo de recrutamento e seleção, verificou-se o benefício gerado por estarem conectados a uma network, quando afirmaram estar em vantagem diante dos outros candidatos e de se sentirem mais confiantes e esperançosos. Fazer uso de um laço forte ou fraco que tenha com um membro de sua rede de relacionamentos permite, no mínimo, uma maior tranquilidade para ultrapassar as etapas de um processo de seleção.

Do ponto de vista da organização, sabe-se que a indicação não garante que o processo seja satisfatório, resultando na contratação do candidato, assim como na sua boa performance no trabalho. Contudo, pode servir como uma base prudente de comparação nos processos de recrutamento e seleção, uma vez que existem dificuldades de a pesquisa apenas em bancos de currículo, por exemplo, localizar as pessoas com o perfil adequado. A análise baseada unicamente em currículos pode deixar bons candidatos de fora do processo seletivo.

O papel social representado pela amizade foi marcante nas indicações dos candidatos, representando 50% de um total das 119 indicações. Sabe-se que o papel social da amizade vem carregado de nuanças que caracterizam o laço forte e possibilita um acesso a recursos escassos. Deve-se destacar a importância do papel social representado pelos familiares e profissionais, ambos representados por um percentual de 23%, que também são caracterizados pelos laços fortes.

O processo de indicação, mesmo que não seja fundamentado em laços estritamente profissionais, mas com interesses associados aos laços de amizade, também é importante para os processos de recrutamento e seleção. Ela revela conhecimento e experiência de vida com a pessoa que está sendo indicada. Isso pode evitar alguns problemas no ambiente de trabalho, como os problemas de relacionamento, por exemplo. Os testes e medidas têm percentuais conhecidos quanto ao erro. Dessa forma, as atitudes no ambiente de trabalho também podem ser endossadas por pessoas que a organização considera dignas de confiança.

Foi verificado que, nesse universo de indicações, o sexo feminino se destacou com 22% a mais do que o sexo masculino, tendo uma influência maior sobre as indicações. Isso corrobora o estudo realizado por Guy e Newman (2004) sobre o trabalho emocional realizado pelo sexo feminino, o qual enfatiza que as mulheres possuem características de mais protetoras, mais interessadas em ajudar outros. Granovetter (1983) afirma que os laços fracos proporcionam às pessoas acesso às informações e recursos além dos disponíveis em seus círculos sociais, enquanto que os laços fortes possuem uma maior motivação para ajudar e maior disponibilidade para a troca, confirmados por 91% dentre 119 indicações para participar de um processo de recrutamento e seleção. Um fato que se destacou nos dados foi uma preocupação constante dos candidatos com relação à pessoa que o indicou, gerando um sentimento de responsabilidade e um temor em não atenderem a suas expectativas.

O que se pode argumentar diante desse resultado sobre o sexo feminino é que as mulheres consideram, mais que os homens, o processo de indicação como algo legítimo. Em relação à indicação, as mulheres confiam mais e são capazes de assumir mais riscos no processo de indicação, considerado que a pessoa indicada não irá agir de maneira oportunista.

Observou-se que, durante um processo de recrutamento e seleção em que haja indicação do candidato, três atores interagem: o candidato, a pessoa que o indicou e a organização. Esta pesquisa direcionou sua coleta de dados exclusivamente sobre o candidato. Considera-se esse fato como uma limitação do estudo.

O que se percebe como contribuição do estudo é que, ao considerar o papel social e o poder dos laços, os resultados podem favorecer, também, a pessoa que indicou e a organização, partindo do pressuposto de que toda a rede se beneficia do conteúdo transacionado. Na visão da organização, ter um candidato indicado significa uma validação e a minimização dos recursos utilizados nas etapas do processo (Bohlander; Snell & Shermam, 2003). Outro benefício para a organização é ter o conhecimento sobre o papel social que mais influencia no processo e saber utilizar essa informação a seu favor.

Assim, conhecer as conexões informais das pessoas que indicam facilita a transferência de informação. Seus resultados podem ser: ajuda para realizar uma atividade, a confiança surgida entre os indivíduos e o suporte social entre as pessoas. Essas ligações informais são fontes de identidade, de troca e de amizade. Isso torna importante estudar o poder das redes de relacionamentos nos processos de recrutamento e seleção. Como implicação para futuros estudos, mostra-se a necessidade de ampliar as perspectivas observadas nesta pesquisa, focando profissionais com níveis de escolaridade distintos, culturas diferentes, locais diversos, etc. Além disso, uma análise mais ampla quanto ao aspecto moderador da variável sexo também se faz necessário.

 

REFERÊNCIAS

Alludere (2010). Alludere Consultoria Empresarial LTDA. São Paulo - SP. Retirado em 17/02/2010, no World Wide Web: http://www.alludere.com/aboutus.php        [ Links ]

Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo. (3ª ed.) Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Bastos, A. V. B. (2002). Mapas cognitivos e a pesquisa organizacional: explorando aspectos metodológicos. Estudos de psicologia, 7, (pp. 64-77). Número especial.         [ Links ]

Bohlander, G., Snell, S. & Shermam, A. (2003). Administração de recursos humanos. São Paulo: Pioneira Thomson Learrnig.         [ Links ]

Boog, G. & Boog, M, (Orgs.).(2002). Manual de gestão de pessoas e equipes: estratégias e tendências. São Paulo: Editora Gente.         [ Links ]

Bourdieu, P. (1986). The forms of capital. Em Richardson, J. G. (Org.). Handbook of theory and research for the sociology of education. (pp. 241-258). New York: Greenwood.         [ Links ]

Brown, D. W. & Konrad, A. M. (2001). Job-seeking in a turbulent economy: Social networks and the importance of cross-industry ties to an industry change. Human Relations. 54, 8, 1015-1044.         [ Links ]

______. (2001). Granovetter was right: The importance of weak ties to a contemporary job search. Group & Organization Management. 26, 4, 434.         [ Links ]

Brown, J. E. & Hendry, C. (1998). Industrial districts and supply chains as vehicles for managerial and organizational learning. International Studies of Management & Organization. 27, 4, 127-157.         [ Links ]

Capelli, P. (2001). Making the most of online recruiting. Harvest Business Review, 79, 3, 139-146.         [ Links ]

Chan, D., Schmitt, N., Jennings, D., Clause, C. S. & Delbridge, K. (1998) Applicant perceptions of test fairness: Integrating justice and self-serving bias perspective. International Journal of Selection and Assessment, 6, 232-239.         [ Links ]

França-Limongi, A. C. & Arellano, E. B. (2002). Os processos de recrutamento e seleção. Em: Fleury, Maria Tereza (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente.         [ Links ]

Granovetter, M. (1973). The strength of weak ties. American Journal of Sociology, 78, 6, 1360-1380.         [ Links ]

______. (1983) The strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological Theory, 1, 201-233.         [ Links ]

Guy, M. E. & Newman, M. A. (2004). Women's jobs, men's jobs: sex segregation and emotional labor. Public Administration Review, 64, 3, 289-298.         [ Links ]

Hatala, J-P. (2006). Social Network Analysis in Human Resource Development: A New Methodology. Human Resource Development Review, 5, 1, 45-71.         [ Links ]

Hausknecht, J. P., Day, D. V. & Thomas, S. C. (2004). Applicant reactions to selection procedures: an updated model and meta analysis. Personnel Psychology, 57, 639-683. In World Wide Web: http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/articles/125        [ Links ]

Ho, V. T., Rousseau, D. M. & Levesque, L. L. (2006). Social networks and the psychological contract: Structural holes, cohesive ties, and beliefs regarding employer obligations. Human Relations. 59, 4, 459-481.         [ Links ]

Houaiss, A. (2004). Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Manaus: Objetiva. CD-ROM.         [ Links ]

Indica (2010). Indica. The Networking. Uma empresa Allis. Retirado em 17-02-2010, no World Wide Web: http://www.indica.com.br/        [ Links ]

Krackhardt, D. (1992). The strength of strong ties: the importance of philos in organizations. Em Nohria, N. & Eccles, R. G. (Eds.). Networks and organizations: structure, form, and action. (pp. 216-239). Boston: Harvard Business School Press.         [ Links ]

Kuipers, K. J. (1999). Formal and informal networks in the workplace. Tese (Ph.D.) não-publicada. Stanford University, Stanford: Calif.         [ Links ]

Lacombe, F. J. M. & Heilborn, G. L. J. (2003). Administração: princípios e tendências. São Paulo: Saraiva.         [ Links ]

Levin, D. Z. (2007). Trust. Em Clegg, S. R. & Bailey, J. R. (Eds.). International Encyclopedia of Organization Studies. (1ª ed). Thousand Oaks, CA: SAGE Publica-tions, v. 1.         [ Links ]

LindekIn (2010). LinkedIn Corporation ©. Mountain View, Ca. Retirado em 17/02/2010, no World Wide Web: http://www.linkedin.com         [ Links ]

Marinho-da-Silva, M. C. (2003). Redes sociais intraorganizacionais informais e gestão: um estudo nas áreas de manutenção e operação da planta HYCO-8, Camaçari, BA. Dissertação de Mestrado em Administração não-publicada. Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia. Bahia, Salvador.         [ Links ]

Marteleto, R. M. (2001). Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação. Ciência da Informação. 30, 1, 71-81.         [ Links ]

______. (2004). Redes e capital social: o enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ciência da Informação, 33, 3, 41-49.         [ Links ]

Morgan, G. (1996). Imagens da organização. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Nahapiet, J. & Ghoshal, S. (1998). Social capital, intellectual capital, and the organizational advantage. Academy of Management Review, 23, 242-266.         [ Links ]

Régis, H. P. (2005). Construção social de uma rede informal de mentoria nas incubadoras de base tecnológica do Recife. Tese de Doutorado em Administração. Universidade Federal de Pernambuco. Pernambuco, Recife.         [ Links ]

Régis, H. P., Bastos, A. V. B. & Dias, Sônia. M. R. C. (2006). Redes sociais informais: o caso das incubadoras de base tecnológica do Recife. Em Anais do II Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho - II CBPOT, Brasília: SBPOT, 1, 2-5.         [ Links ]

Régis, H. P., Dias, S. M. R. C. & Bastos, A. V. B. (2006). Articulando cognição, redes e capital social: um estudo entre empresários participantes de incubadoras de empresas. Em XXX Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. Salvador: ANPAD.         [ Links ]

Rynes, S. L. (1993). Who's selecting whom? Effects of selection practices on applicant attitudes and behavior. Em Schmitt, N., Borman, W. C. & Associates (Eds.). Personnel selection in Organizations (pp. 240-274). San Francisco: Jossey-Bass.         [ Links ]

Sodré, M. (2002). O ethos midiatizado. Em Muniz Sodré, M. (Org.) Antropológica do Espelho - Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis-RJ: Vozes, pp.11-78.         [ Links ]

Souza, D. C. de. (2006). Mentoria como processo em redes e seu impacto na construção de carreira profissional: evidências na história de vida do executivo do Rapidão Cometa. Dissertação de Mestrado em Administração. Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco.         [ Links ]

Terpstra, D. E. (1996). The search for effective methods (employee recruitment and selection). HR Focus, 17, 5, 16-18.         [ Links ]

Ulrich, D. (2004). Recursos humanos estratégicos: novas perspectivas para os profissionais de RH. (3ª ed.) São Paulo: Futura.         [ Links ]

Weisbuch, M., Ivcevic, Z. & Ambady, N. (2009). On being liked on the web and in the ''real world": Consistency in first impressions across personal webpages and spontaneous behavior. Journal of Experimental Social Psychology. 45, 573-576.         [ Links ]

Woolcock, M. (2000). The place of social capital in understanding social and economic outcomes. Em OECD and HRDC (Orgs.), Paper presented in International Symposium on the Contribution of Human and Social Capital to Sustained Economic Growth and Well-Being. Quebec City, Canada, March, 19-21. Retirado em 07-06-2010, no World Wide Web: http://www.oecd.org/dataoecd/5/13/1824913. pdf        [ Links ]

Zaccarelli, L. M. & Teixeira, M. L. M. (2007). Um lado da moeda: atraindo e selecionando pessoas. Em Hanashiro, Darcy Mitiko Mori et al. (Orgs.). Gestão de fator humano: uma visão baseada em stakeholders. (pp. 113-148). São Paulo: Saraiva.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Simão Mendes, 85-901, Jaqueira
CEP 52050-110, Recife (PE)

Recebido em: 30.10.2009
Aprovado em: 05.05.2010
Publicado em: 17.09.2010

Creative Commons License