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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.2 Florianópolis dez. 2010

 

RESENHA DA OBRA

 

Orientação para aposentadoria nas organizações de trabalho: construção de projetos para o pós-carreira

 

 

Lucia França

Doutora em Psicologia. Professora do Mestrado em Psicologia da UNIVERSO - Universidade Salgado de Oliveira. luciafranca@luciafranca.com. lattes http://lattes.cnpq.br/5241064205933556

 

 

ZANELLI, J. C., SILVA, N. & SOARES, D. H. (2010). Orientação para Aposentadoria nas Organizações de Trabalho: Construção de Projetos para o PÓS-CARREIRA. PORTO ALEGRE: ARTMED.

"Sem dúvida, o livro é uma leitura obrigatória a todos que se debruçam nessa área. A experiência bem-sucedida de seus autores irá, por certo, inspirar outros profissionais na condução da orientação para a aposentadoria nas empresas, nas universidades e nas comunidades."

No mundo inteiro se discute a importância de os trabalhadores mais velhos se manterem atualizados e motivados para o trabalho, postergando a aposentadoria para aqueles que desejam continuar no mercado. É igualmente destacada a orientação para os que desejam ou precisam se aposentar, e que nem sempre foram educados para planejar ou decidir sobre o seu futuro. No caso específico do Brasil, essa situação é ainda mais crítica porque a transição para a aposentadoria não implica necessariamente na saída do mercado, já que o país permite que os aposentados acumulem o provento da aposentadoria com outro trabalho. Assim, a preparação para a aposentadoria pode implicar também na orientação para uma segunda carreira. As responsabilidades desse planejamento para a aposentadoria envolvem o governo, as organizações (profissionais de RH e demais gestores), os pesquisadores e o próprio trabalhador.

Na área acadêmica, apesar das peculiaridades brasileiras, precisamos nos apoiar nas práticas e estudos de países que já passaram pelo que estamos vivenciando agora, aprender com os erros e acertos deles, adaptando as ideias à nossa realidade. É necessário ainda fomentar nossas pesquisas e avançar na criação de paradigmas e na difusão dos seus resultados para a sociedade. Como ressaltado por Ekerdt (2010), desejamos que nossos estudos tenham impacto nas práticas das organizações, seja para influenciar as políticas ou inspirar os futuros aposentados em como guiar a busca do seu bem estar.

No âmbito governamental, a preparação para a aposentadoria é recomendada desde 1994 pela Política Nacional do Idoso (Lei 8.842) e reforçada em 2003 pelo Estatuto do Idoso (10.741). Entretanto é preciso que essas leis sejam cumpridas e que o governo se articule com as organizações por meio de seus órgãos de recursos humanos e que estejam apoiados nas produções acadêmicas para fazer frente ao desafio do envelhecimento.

Por se tratar de temática emergente, ainda são raros os livros brasileiros abordando as questões psicossociais da aposentadoria (Zanelli & Silva, 1996; França, 2002; França, 2008). Esse é um dos motivos pelo qual recomendamos a obra Orientação para aposentadoria nas organizações de trabalho: construção de projetos para o pós-carreira, um excelente guia para aqueles que desejam iniciar na área, principalmente os profissionais de recursos humanos.

Seus autores são professores doutores respeitáveis tanto pela produção acadêmica quanto pela riqueza de experiência profissional relacionada ao tema. Este livro, que teve início em 1992, foi baseado nos estudos e pesquisas realizados pioneiramente pelo Prof. Dr. José Carlos Zanelli e seus alunos nos grupos de PPA - Programas de Preparação para a Aposentadoria. Posteriormente o PPA foi conduzido pelo Prof. Dr. Narbal Silva no período de 1994 a 1997 e continuado por Zanelli em 1998. Em 2006, o trabalho, sob o nome de Aposenta-Ação, é retomado pela Profa. Dra. Dulce Helena P. Soares. O resultado dessa prática se iniciou com o público interno da UFSC - aposentandos e recém-aposentados - e se expandiu por toda a cidade de Florianópolis.

O livro se divide em duas partes. Na primeira parte os autores exploram as publicações existentes nessa área, convencendo o leitor sobre a relevância do cuidado que as organizações devem ter com o seu capital humano, mesmo com aqueles que estão se aposentando.

O primeiro capítulo apresenta algumas conceituações do trabalho, enquanto esforço físico e intelectual, sofrimento e "elemento-chave na formação das coletividades", ressaltando a distância existente entre os objetivos pessoais e os interesses organizacionais. O segundo capítulo discorre sobre o significado da aposentadoria e a sua relação com a improdutividade e em alguns casos com a velhice. Os autores atribuem esse significado às práticas do capitalismo e criticam os espaços praticamente inexistentes para a orientação para a aposentadoria nas organizações, especialmente dentro de uma perspectiva longitudinal. Nesse capítulo, os autores antecipam ainda a importância do planejamento para essa fase e as possibilidades de uma segunda carreira.

O terceiro capítulo aborda as dificuldades dos trabalhadores em pensarem sua vida pessoal enquanto atrelados às organizações. Os autores discutem as possibilidades na aposentadoria dos indivíduos reverterem os tempos de trabalho em tempos de lazer e prazer. Sentimos falta da abordagem dos programas de work-life balance (equilíbrio vida-trabalho), diretriz emergente dos governos dos países centrais para o bem-estar dos trabalhadores nas organizações. Tais programas estimulam a flexibilização de horários para que os trabalhadores de todas as idades possam preencher seus espaços de vida pessoal, seja para a realização das atividades educacionais, culturais, de responsabilidade social e de lazer ou para cumprirem outras obrigações e responsabilidades além do trabalho (veja mais em Stepansky & França, 2008).

O quarto capítulo discute alguns pressupostos dos programas focados na aposentadoria. Os autores destacam uma carência de estudos e pesquisas no Brasil relacionados a esse tema, bem como as poucas iniciativas organizacionais na orientação para a aposentadoria. São analisados os termos preparação, orientação e relação de ajuda na aposentadoria, válidos na intenção de apoiar os futuros aposentados na busca de novas áreas de interesse, potencialidades, reconhecimento de limitações e prevenção de futuros conflitos. Os autores reforçam a competência técnica e interpessoal do orientador/facilitador que atuará nesse programa. Ressaltam ainda a responsabilidade das organizações na condução desse programa, que se insere na prioridade de desenvolvimento do capital humano.

O Capítulo 5 apresenta o processo de construção do pós-carreira, desde a revisão de um passado não tão construtivo ou recheado de experiências agradáveis, até a elaboração de um projeto de vida na aposentadoria. De acordo com os autores, o projeto de vida é "o processo de construção e de elaboração de ideias, que deve ser continuamente refinado, de modo a transformá-las em estratégias de ação, sempre levando em conta aspectos referentes à viabilidade e ao valor que será agregado, tendo-se em vista a condição futura de aposentado" (p. 53). A partir de então, os leitores são instigados a refletirem sobre as situações que podem levar à construção de um projeto de vida ou a transformar o sonho em realidade.

O Capítulo 6, Bases conceituais do programa, é dedicado à revisão de literatura do modelo concebido pelos autores. O capítulo é iniciado com a afirmação de que "os pressupostos que orientam nossas concepções teóricas, de bases sociocognitivas, à semelhança das postulações de Blustein (1987) e Osipow (1990)" (p. 57). Logo a seguir, é citado o apoio dos construcionistas sociais, tendo em vista que "a realidade na qual se encontram inseridos os aposentados resulta de um processo histórico das suas interações sociais" (p. 57). Os autores se basearam ainda nos humanistas (Maslow, 2000; 2003) e em Frankl (1984) quanto ao propósito da existência. Apesar de o capítulo ser enriquecedor, sentimos falta de uma abrangência mais detalhada sobre os postulados teóricos do programa. Sugerimos a leitura complementar sobre outras teorias que embasam o trabalho com a preparação para a aposentadoria, tais como a teoria dos papéis (Ashforth, 2001), a teoria da continuidade de Atchley (1984) e a de perspectiva do curso de vida (Elder & Johnson, 2003; Kim & Moen, 2002; Szinovacz, 2003). Uma discussão sobre essas teorias dentro de um contexto do planejamento para a aposentadoria é apresentada no trabalho de França e Soares (2009).

No Capítulo 7 e último dessa primeira parte do livro, os autores avaliam os resultados da orientação para a aposentadoria enquanto um processo de aprendizagem mútua para os participantes, familiares e facilitadores. Essas trocas, além de favorecer o bem-estar para os que irão passar pela transição, reforçaram a ideia de que a aposentadoria sem orientação pode se tornar uma crise, e a orientação é fundamental na fase da decisão. Os facilitadores constaram ainda que a aposentadoria "deve ser interpretada como um processo, caracterizado por um conjunto de adaptações ao longo do tempo, mais do que como um evento de curta duração" (p. 65).

A segunda parte do livro contém cinco capítulos (8 a 12), que abordam a questão prática da aposentadoria, estabelecendo os passos necessários para a elaboração de um programa de orientação, desde o diagnóstico até a avaliação e seu acompanhamento. Esses conteúdos são articulados com a teoria apresentada na primeira parte do trabalho.

O Capítulo 8 aborda uma parte fundamental e que muitas vezes é relegada a segundo plano pelas organizações: o diagnóstico do programa. Os autores aqui denominam o diagnóstico como pesquisa preliminar e discorrem dois objetivos gerais que devem ser observados logo no início do programa: o conhecimento sobre a realidade da organização e o trabalho de motivação e desmistificação do processo da aposentadoria. Apresentam ainda itens relevantes para a entrevista que devem considerar os aspectos administrativos, profissionais e pessoais dos participantes.

O Capítulo 9 discorre sobre a qualificação dos profissionais que irão gerenciar o programa nas organizações. A sensibilização e qualificação da equipe e a capacitação do coordenador são elementos indispensáveis para o sucesso do programa. Esse é um aspecto crucial a ser considerado pelos Recursos Humanos das organizações, que, às vezes, entendem o Programa de Preparação (ou orientação) para a Aposentadoria, como mais um subprojeto entre tantos da área de RH. Esse desconhecimento pode levar à contratação de intermediários que, por sua vez, tendem a oferecer pacotes de palestras em uma interpretação equivocada e oportunista da preparação da aposentadoria. Portanto, a preparação da equipe gestora é fundamental para o sucesso do programa, que deve estar de acordo com as necessidades dos futuros aposentados e o perfil da organização. Nesse capítulo, são apresentados ainda alguns dos conteúdos que podem ser abordados no programa e a duração desejável para essa qualificação.

O décimo capítulo é dedicado à estrutura do programa. Os autores apresentam as linhas mestras do trabalho, reforçando a importância de o programa ser interdisciplinar e ter caráter biopsicossocial. Apresenta, ainda, seus objetivos, aspectos metodológicos relativos às dinâmicas de grupo e à operacionalização do programa.

O Capítulo 11 apresenta sugestões de palestras informativas a serem organizadas no programa. Como os próprios autores reforçam, as palestras devem ser eleitas pelos próprios participantes na pesquisa preliminar, atualizadas ao longo do trabalho desenvolvido.

No Capítulo 12, os autores oferecem exemplos bastante úteis de exercícios grupais e vivências que podem ser desenvolvidos com os futuros aposentados, facilitando a relação de ajuda nos seus projetos de vida. Nesses exercícios estão definidos os objetivos, tempo, material e procedimentos a serem adotados, facilitando a operacionalização dos mesmos pelos facilitadores.

O livro encerra com o Capítulo 13, no qual os autores reforçam a importância da avaliação do programa, principalmente em função de sua qualidade e coerência dentro da Política de Recursos Humanos adotada pela organização. Discutem ainda algumas alternativas de avaliação do programa, em diferentes níveis, seja dos participantes, dos orientadores, dos recursos humanos, gerentes e supervisores, administração central e dos familiares dos participantes e outros interessados.

Sem dúvida, o livro é uma leitura obrigatória a todos que se debruçam nessa área. A experiência bem-sucedida de seus autores irá, por certo, inspirar outros profissionais na condução da orientação para a aposentadoria nas empresas, nas universidades e nas comunidades.

 

REFERÊNCIAS

Ashforth, B. (2001). Role transitions in organizational life: An identity based perspective. Mahwah, NJ: Erlbaum.         [ Links ]

Atchley, R. C. (1989). A continuity theory of normal aging. The Gerontologist, 29, 183-190.         [ Links ]

Blustein, D. L. (1987). Social cognitive orientations and career development: a theoretical and empirical analysis. Journal of Vocational Behavior, 31, 63-80.         [ Links ]

Ekerdt, D.J. (2010). Frontiers of research on work and retirement. Journal of Gerontology: Social Sciences, 65B(1), 69-80.         [ Links ]

Elder, G. H., & Johnson, M. K. (2003). The life course and aging: Challenges, lessons, and new directions. In R. A. Sttersten, Jr. (Ed.), Invitation to the life course: Toward new understandings of later life (pp. 49-81). Amityville, NY: Baywood.         [ Links ]

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França, L. H. (2008). O desafio da Aposentadoria. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

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Szinovacz, M. (2003). Context and pathways: Retirement as institution, process and experience. In G. A. Adams, & T. A. Beehr (Eds.). Retirement: Reasons, processes, and results (pp. 6-52). New York: Springer.         [ Links ]

Stepansky, D. V. & França, L. H. (2008). Trabalho e vida pessoal: o equilíbrio necessário. Boletim Técnico do SENAC, 34(1), 65-71.         [ Links ]

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Zanelli, J.C. & Silva, N. (1996). Programa de Preparação para a Aposentadoria. Florianópolis: Insular.         [ Links ]

 

 

Aprovado em: 26.11.2010
Publicado em: 28.03.2011
Publicado em: 28.03.2011

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