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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.11 no.1 Florianópolis jun. 2011

 

RESENHA

 

O trabalho do psicólogo no Brasil

 

Psychologists work in Brazil

 

 

Ana Maria Jacó-Vilela

Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Psicologia da UERJ. Presidente da ANPEPP biênio 2010-2012. amjaco@uol.com.br

 

 

BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (EDS.). (2010). O TRABALHO DO PSICÓLOGO NO BRASIL. PORTO ALEGRE: ARTMED.

O trabalho do psicólogo no Brasil vem suprir uma importante lacuna em nossa compreensão de quem (e quantos) somos, como escolhemos ser psicólogos, como nos formamos, como (e onde) trabalhamos, se sozinhos ou em equipe, em que áreas atuamos, que técnicas utilizamos (e que competências temos), como nos vemos, qual nossa identidade, que significado atribuímos ao trabalho, qual nosso comprometimento com ele, como está nossa ética. Trata-se, portanto, de uma pesquisa (e um relato) abrangente, multifacetado...

" Conhece-te a ti mesmo", a famosa inscrição no pórtico do templo de Apolo, em Delfos, que apontava aos homens sua situação peculiar - nem deus, nem animal-, faz parte da representação social da categoria de psicólogos sobre si mesmos. Contudo, individualista e intimista, o psicólogo não apreendeu o aforismo em seu sentido filosófico de ressaltar a importância da medida, da contenção, da evitação à hybris, ao exagero, ao orgulho, mas no sentido mais pregnante de conhecer sua interioridade para, só então, poder exercer seu trabalho de "cuidado do outro".

Se o campo da historiografia da psicologia no Brasil ainda é emergente, com poucos pesquisadores e cobertura ainda rarefeita da recepção e do desenvolvimento dessa disciplina entre nós, muito mais precário é o estudo da profissão. Tivemos um primeiro estudo de fôlego ainda nos anos de 1970, o trabalho pioneiro de Silvia Leser de Melo (1975) sobre o psicólogo de São Paulo. Na década seguinte, um avanço significativo: a publicação dos resultados de uma investigação aprofundada e de âmbito nacional, coordenada pelo Conselho Federal de Psicologia (1988). Por fim, a partir principalmente da década de 1990, começamos a encontrar muitos trabalhos, principalmente teses e dissertações, voltados para o estudo da inserção do psicólogo em determinados campos profissionais. Sem ter realizado um levantamento a respeito, uma avaliação impressionista sugere que boa parte desses trabalhos se situou, em um primeiro momento, na área da Psicologia nas Instituições Escolares e, posteriormente, na área da Psicologia da Saúde em geral ou, mais especificamente, da Saúde Mental, neste caso muitas vezes mapeando o exercício da profissão em dispositivos próprios desse campo.

A área de Psicologia Organizacional e do Trabalho tem se dedicado, desde seus primeiros tempos - ainda como psicotécnica - a estudar profissões, postos de trabalho, ocupações. Nesse sentido, nada mais "oportuno tomar como objeto de estudo a nossa própria categoria profissional" (p.14), que é a que se propõe o livro organizado por Antonio Virgílio Bittencourt Bastos e Sonia Maria Guedes Gondim e colaboradores, intitulado O trabalho do psicólogo no Brasil.

Fruto de um projeto de investigação desenvolvido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), o livro comporta 20 capítulos, cujos autores têm diferentes inserções institucionais: UFBA, UnB, Universidade Católica de Pelotas, UFSC, UCG, UFMG, UNIVERSO, UFU, UFRGS, ULBRA, UMESP, UFRN, FGV-SP, USP, Universidade Salvador. Ou seja, o GT, cumprindo um dos principais objetivos da ANPEPP, o de possibilitar intercâmbio entre pesquisadores de diferentes pontos do território nacional, abriga grande diversidade de origens que, certamente, contribui para a riqueza do olhar e dos caminhos metodológicos. Estes aparecem, por sua vez, em dois Apêndices, que tratam, respectivamente, da caracterização metodológica e dos instrumentos utilizados. São, sem dúvida, capítulos muito bem-vindos para todos os que querem dedicar mais atenção ao processo de construção de pesquisa.

O livro está muito bem descrito no Prefácio dos organizadores que, inclusive, fazem sugestões sobre usos mais específicos de determinadas partes, alem dos apêndices já mencionados acima.

O trabalho do psicólogo no Brasil vem suprir uma importante lacuna em nossa compreensão de quem (e quantos) somos, como escolhemos ser psicólogos, como nos formamos, como (e onde) trabalhamos, se sozinhos ou em equipe, em que áreas atuamos, que técnicas utilizamos (e que competências temos), como nos vemos, qual nossa identidade, que significado atribuímos ao trabalho, qual nosso comprometimento com ele, como está nossa ética. Trata-se, portanto, de uma pesquisa (e um relato) abrangente, multifacetado e que mantém, com qualidade, sua coerência interna.

O capítulo final, uma grande síntese do conteúdo do livro, é uma leitura instigante por si só, por trazer também uma comparação entre o trabalho do psicólogo em 1888 (a pesquisa do Conselho Federal de Psicologia [CFP]) e na atualidade.

Um de seus grandes méritos é, sem dúvida, as indicações relativas à formação do psicólogo e que devem reverberar na pósgraduação, formadora dos futuros professores. Nesse sentido, merecem destaque algumas observações, como por exemplo: a área preferencial de atuação é a clínica, mas emerge, em proporção crescente, a denominada "área da saúde"; o referencial teórico raramente é único, sendo comum o uso de dois ou mesmo três referenciais, com combinações variadas; a atividade mais exercida pelos psicólogos é a avaliação psicológica; a preparação para a atuação em equipe multiprofissional é considerada adequada; a ética é muito mais de caráter individual e crítico do que baseada estritamente no Código de Ética da profissão; uma das áreas de formação mais frágeis, pelos resultados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), é a de Fundamentos Filosóficos e Epistemológicos da Psicologia.

O livro deveria ser constitutivo das discussões de políticas e estabelecimento de ações voltadas para a formação e o exercício profissional dos psicólogos.

 

REFERÊNCIAS

Bastos, A. V. B. & Gondim, S. M. G. (Eds.). (2010). O Trabalho do Psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia (org.). Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, 1988.         [ Links ]

Mello, S. L. Psicologia e profissão em São Paulo. São Paulo: Ática, 1975.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 20.12.2010
Aprovado em: 27.12.2010
Publicado em: 31.10.2011

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