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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.12 no.1 Florianópolis abr. 2012

 

O mundo do trabalho em imagens: memória, história e fotografia

 

The working world in pictures: memory, history and photography

 

 

Maria Ciavatta

(Universidade Federal Fluminense). Doutora em Ciências Humanas (Educação)-PUC-RJ; Pós-Doutorado na Università di Bologna, Itália; Professora Titular em Trabalho e Educação, Associada ao Programa de Pós-graduação em Educação da UFF; Professora Visitante da Faculdade de Serviço Social da UERJ, Bolsista 1-A de Produtividade do CNPq. End.: Av. Rui Barbosa, 100/201 - Flamengo - 22250-020-Rio de Janeiro, RJ. Tel. 21-2553-8816 / 21-9606-9410. Email: mciavatta@terra.com.br

 

 


RESUMO

O uso da fotografia na pesquisa em trabalho e educação contribui para o alargamento da visão sobre o que denominamos o mundo do trabalho, o que entendemos como o trabalho livre e a identidade de classe dos trabalhadores, a formação profissional, o ambiente, as condições de vida, as relações de trabalho, as lutas de emancipação. O texto tem os seguintes objetivos: (i) a discussão do mundo do trabalho como um conjunto de processos sociais; (ii) a apresentação das memórias legadas pelas fotografias das três primeiras décadas do século passado (1900-1930), por meio das fotografias existentes em arquivos públicos e privados das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo Campinas e Bologna (Itália). A reconstrução histórica da memória comparada nos acervos pesquisados contribui para a compreensão dos mundos do trabalho, constituídos por diferentes memórias e diferentes visões do trabalho e dos processos vivenciados pelos trabalhadores.

Palavras-chave: Mundo do trabalho, Memória, História, Fotografia


ABSTRACT

The use of photography in research on work and education contributes to the enlargement of insight into what we call the world of work, which we think of as the free labor and the class identity of workers, vocational training, environment, living conditions, labor relations, and the struggle for emancipation. The text has the following objectives: (i) the discussion of the working world as a set of social processes; (ii) the presentation of the memories bequeathed in photographs from the first three decades of the last century (1900-1930), through the photos preserved in public and private archives of the cities of Rio de Janeiro, Sao Paulo - Campinas, and Bologna (Italy). The historical reconstruction of memory, compared in the collections studied, contributes to the understanding of the worlds of work, consisting of different memories and different views of the work and the processes experienced by workers.

Keywords: work, memory, history, photography


 

 

"Silvestre Vitalício interditava as lembranças. A família éramos nós, sem mais outros. Os Ventura não tinham antes nem depois" (Mia Couto). Assim, o autor resume a tentativa de um homem de apagar o passado. O tema da interdição da memória e da história é recorrente na história dos povos. "Afinal, quem não se lembra doBig Brother do famoso livro de Georges Orwel [1984], que dominava através do duplo mecanismo que consistia em modificar e apagar o passado de cada indivíduo, para depois obrigá-lo a esquecer o próprio esquecimento? " (Motta, 1992, p. 11-12). Contraditoriamente, a fotografia, por suas características de volatilidade e de permanência participa dos dois mundos, do apagamento rápido da memória e de sua conservação, sempre na dependência dos Silvestres Vitalícios, dos Big Brothers e dos sujeitos sociais interessados em apagar ou preservar a memória da produção da vida, dos sonhos, das lutas e dos sentimentos.

A produção da vida é o mundo da criação e do trabalho na sua acepção mais ampla, englobando todas as ideias e ações que constituem a natureza e a cultura, tal como as conhecemos nos seus diversos momentos históricos e nas áreas de conhecimento.

O uso da fotografia na área de pesquisa sobre trabalho e educação, marcada pelos estudos baseados na história e na crítica à economia política, contribui para o alargamento da visão sobre o que denominamos o mundo do trabalho, o que entendemos como o trabalho livre e os trabalhadores urbanos, a formação profissional, o ambiente e as relações de trabalho, as condições de vida, as lutas de emancipação e a identidade de classe dos trabalhadores.

Falamos em mundos do trabalho chamando a atenção sobre as imagens que constituem memórias legadas em diferentes arquivos e que constituem visões diferenciadas dos processos vivenciados por trabalhadores urbanos em um mesmo período, aproximadamente, 1900 a 1930.

Este artigo tem os seguintes objetivos: primeiro, a discussão do mundo do trabalho como um conjunto de processos sociais que envolvem as relações de trabalho, as condições de vida e as lutas de emancipação dos trabalhadores; assim como a apresentação das memórias legadas pelas fotografias, pelo poder e pelos trabalhadores, nas três primeiras décadas do século passado (1900-1930), por meio das fotografias existentes em arquivos públicos e privados das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e Bolonha (Itália).

 

MUNDO OU MUNDOS DO TRABALHO?

A comparação não se faz em abstrato, ela ocorre sempre entre seres ou fenômenos relacionados, situados em um tempo e espaço, em um determinado contexto de relações sociais. Por isso, é importante entender o sentido da memória do trabalho e dos trabalhadores no contexto do mundo ou dos mundos do trabalho, the worlds of labours como entende Hobsbawn (1987). Para tanto, é preciso, distinguir o trabalho tanto na sua forma ontológica,1 fundamental, estruturante de um novo tipo de ser, o homem, ser social; quanto nas suas formas históricas, penosas, alienantes, desintegradoras dos melhores valores da pessoa humana. Na primeira forma, a delimitação entre a reprodução estritamente biológica e a produção/reprodução própria dos homens é constituída não apenas pelo produto do trabalho, mas pela consciência, pela capacidade de representar o ser, o produto, de modo ideal, na sua imaginação criadora (Ciavatta Franco, 1990, p.43).

O conceito de mundo de trabalho, portanto, inclui as atividades materiais, produtivas, assim como todos os processos de criação cultural que se geram em torno da reprodução da vida. Queremos, com isso, evocar o universo complexo que, à custa de enorme simplificação, reduzimos a uma das suas formas históricas aparentes, tais como a profissão, o produto do trabalho, as atividades laborais, fora da complexidade das relações sociais que estão na base dessas ações. Apenas enfocando o trabalho na sua particularidade histórica, nas mediações específicas que lhe dão forma e sentido no tempo e no espaço, podemos apreendê-lo ou apreender o mundo do trabalho na sua historicidade, seja como atividade criadora, que anima e enobrece o homem, ou como atividade aviltante, penosa ou que aliena o ser humano de si mesmo e dos produtos de seu trabalho.

No sentido historicizado da própria noção, Hobsbawn (1987) amplia a noção de classe trabalhadora, de um conteúdo meramente econômico (proprietários e não proprietários dos meios de produção), para suas dimensões sociais e culturais. O autor propõe caracterizar a classe operária, observando as especificidades do contexto ao qual pertencem. Identifica algumas forças que contribuem para a especificação do conceito: a economia nacional, o Estado, as leis, as instituições, as práticas e a cultura de um país. Além disso, o pertencimento a um grupo social, político ou religioso pode se constituir em elemento importante dessa especificação. Aponta, ainda, a existência, dentro da classe operária, de identificações múltiplas, não excludentes, e que variam no tempo e no espaço, de acordo com o contexto histórico (Hobsbawn, 1987, p.79-98).2

E. P Thompson (1981) nos convida a um duplo movimento: de crítica à dimensão reducionista de trabalho como emprego e seu vínculo linear com os processos educacionais escolares, para compreender o trabalho na sua relação necessária com a produção da vida. Como historiador das classes trabalhadoras e de suas lutas na Inglaterra, ajuda-nos a compreender o trabalho vinculado à experiência humana e à cultura. Superar a visão meramente economicista do trabalho significa pensá-lo a partir dos sujeitos sociais, "como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas, como necessidades e interesses e como antagonismos e, em seguida, tratam essa experiência em sua consciência e em sua cultura". Assim, por meio da experiência de trabalho, homens e mulheres refazem, continuamente, a sua própria natureza.3

 

AS MEMÓRIAS LEGADAS PELAS FOTOGRAFIAS

Que lugar o saber histórico ocupa na vida social? Atua a favor da ordem estabelecida ou contra ela? É um produto hierarquizado que desce dos especialistas, dos historiadores para os de baixo por meio da escola e dos meios de comunicação? São perguntas que se aplicam ao nosso objeto de estudo (Chesnaux, 2000, p. 7). Qual o lugar social que ocupa a memória fotográfica do trabalho e dos trabalhadores? Em que sentido os documentos fotográficos educam, orientam o pensamento, os sentimentos e as ações?

Segundo Le Goff (1992), a reflexão sobre a natureza documental da fotografia implica também no seu tratamento enquanto monumento, ou seja, na análise de sua condição inevitável de construção histórica destinada à perpetuação de alguma memória, do ponto de vista do grupo social que produziu e/ou se apropriou das fotos (Pollack, 1989).

Na pesquisa sobre fotografias de trabalho e de trabalhadores no início do século XX, foi preservada a "memória oficial" das reformas urbanas de modernização do Rio de Janeiro. Os trabalhadores aparecem como objetos semelhantes a outros elementos das imagens preservadas. Em outras fotos, eles são agrupados disciplinadamente como a "grande família" da fábrica (Ciavatta, 2000). Em outros arquivos, os trabalhadores aparecem nas fotos como documentos/monumentos produzidos para a construção de sua própria história. O monumento é um sinal de passado. Caracteriza-se pela sua ligação ao poder de perpetuação das sociedades históricas e o reenvio a testemunhos principalmente não escritos; o documento se apresenta como prova histórica. O caráter objetivo do documento se opõe à intencionalidade do monumento.

Se a história já não mais se interessa somente pelos grandes homens e acontecimentos, mas por todos os homens, alterando a hierarquia dos documentos; a memória preservada e sua ligação com o poder permanecem dependentes de sua apropriação e da construção de uma determinada história. Faz-se necessário que o historiador faça uma análise das condições de produção do documento/monumento para compreender as relações de poder subjacentes.

O uso da imagem como documento histórico é um dos desafios mais inquietantes para a pesquisa em educação. Como fonte documental, como forma de conhecimento do mundo, guardiã da memória e elo de coesão de identidades, como representação da realidade, como elemento fundamental das artes visuais ou como produção cultural advinda do trabalho humano, a imagem participa de um universo sedutor e ambíguo de onde podem ser depreendidos múltiplos significados.

Todo o processo de produção da imagem, de sua apropriação, preservação e utilização, de sua observação e interpretação é permeado por elementos ideológicos da concepção de realidade e da visão de mundo de cada um dos sujeitos envolvidos. A imagem é sempre parte do pensamento, da linguagem, da cultura e da história vivenciada e expressa por cada um deles, salva nos vestígios de algum tempo e lugar.

Como instrumento de educação do olhar e da consciência, a fotografia é contemporânea de uma visão estética do mundo, por oposição a um olhar racionalista e ético que acompanhou os tempos modernos e moldou o campo educacional. É nesse espaço fascinante e movediço, tanto o da história dos homens como o das linguagens, dos discursos e das interpretações que eles constroem, que se move esse tema de estudo.

Como outras áreas, a história da educação se beneficiou dos estudos da renovação historiográfica operada por Lucien Febvre, Marc Bloch, Ferdinand Braudel e a criação da École des Annales e seus desenvolvimentos posteriores. A introdução de novos objetos, novos problemas e novas abordagens conceitual-metodológicas (entre outros, Le Goff e Nora, 1976, 1976a e 1979) contribuiu para a superação da história factual, alargando a visão dos fatos, renovando os enfoques, introduzindo outras fontes e documentos.

Desse modo, encontramo-nos no âmago de uma discussão aberta, que é o conceito de fotografia como fonte histórica e toda a discussão teórica que a acompanha: a crença na fotografia como imagem fidedigna, o realismo na fotografia, a sedução do prazer da visão, a informação e a desinformação trazidas pela ambiguidade de sentidos que envolvem o objeto fotográfico, a subjetividade e a objetividade que ela carrega, o problema do olhar, da interpretação que é buscar desvendar a natureza do documento fotográfico.

O objeto fotografia pertence a um conjunto de processos onde ciência, técnica e arte estão imbricados na criação de um mundo de possibilidades no domínio da imagem. A fotografia, diferente do cinema, paralisa, detém uma fração mínima do continuum do tempo e altera a percepção do movimento no ato de sua produção (Oliveira Júnior, 1994). Mas ainda está por ser compreendido, em toda sua extensão e poder, o alcance educativo dos processos ligados à imagem. Por ora, conhecemos alguns de seus efeitos, principalmente, nos estudos de comunicação e de crítica de arte.

A fotografia emerge no mundo ocidental sob o signo do modernismo, sob a racionalidade iluminista e a ótica renascentista. Por meio das sucessivas mutações técnicas que a aperfeiçoaram, a fotografia atravessa os dois mundos, do modernismo ao pós-modernismo, partilhando das diversas temporalidades. Buscamos nas imagens a verdade dos fatos e nos encontramos com meras imagens da verdade, a aparência dos fatos. Metodologicamente, trata-se de fazer a crítica interna das ideologias de legitimação da realidade ou das formas de apresentação da realidade pelas fotografias, e a função da produção e do consumo das imagens na construção da modernidade e da condição pós-moderna.

A comunicação, a velocidade, a produção de signos e imagens multiplicáveis, indefinidamente, a ênfase no fragmento e na aparência, a recusa à totalidade social dos fenômenos são alguns dos símbolos mais expressivos dessa época que se convencionou chamar de pós-moderna (Lyotard, 1979). Admite-se algum tipo de relação necessária entre a ascensão das formas culturais pós-modernas e a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e de um novo ciclo de "compressão espaço-tempo" na organização do capitalismo, o que o leva a conceber o pós-modernismo como uma condição histórica (Harvey, 1992).

Compreender o papel da imagem fotográfica na formação humana implica fazer a decodificação das mensagens subjacentes, a busca das relações ocultas ou menos aparentes. Significa buscar ir além da fragmentação da realidade e da perda de sentido das partes, dos elementos e dos aspectos, operada pela imagem. A busca da compreensão pela totalidade implícita, mas oculta, na fotografia supõe o esforço de articular as partes em um todo com seus significados, entendê-la como mediação. Isso supõe ir além da aparência do fenômeno (Kosik, 1976), investigar o contexto da produção, da apropriação e do uso da fotografia.

O termo mediação é de uso frequente nas análises da área de comunicação e também na educação. Entretanto, seu tratamento teórico ou conceitual é escasso na literatura disponível. Muitas vezes, quando é corretamente utilizado, ele pode permanecer mais no nível da intuição do que na teoria. Outras vezes, o termo mediação é utilizado com o entendimento de variáveis da pesquisa. Entendemos que a mediação não se confunde com variável. Diferente da variável, a mediação não é um instrumento analítico de medição quantitativa do comportamento de um fenômeno, nem a busca da relação de causa e efeito, mas, sim, é a especificidade histórica do fenômeno. A mediação se situa no campo dos objetos problematizados nas suas múltiplas relações no tempo e no espaço, sob a ação de sujeitos sociais.

Para a interpretação das fotografias como mediações, recorremos a outras fontes documentais (historiográficas, literárias), para situar as imagens no seu contexto, no período focalizado. Através de um processo de leitura intertextual, buscamos ir além da imagem visual, do fenômeno aparente, e poder reconstruir um pouco da história que lhe dá significado.

Tratar a fotografia como uma mediação significa entendê-la como um processo social denso, produzido historicamente. Para tanto, resgatamos o conceito de essência e aparência que permite fazer a distinção entre o objeto, seu conhecimento imediato e a concepção do conhecimento mediado pelos processos que o constituem (Ciavatta, 2001; 2002; 2009).

 

MEMÓRIAS LEGADAS E COMPARADAS NA RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA

A construção da história das sociedades é uma questão de memória não no sentido meramente subjetivo, mas no sentido cultural, uma questão da temporalidade da vida e de seu registro. Através da narrativa, da representação, da poesia ou do discurso científico, da historiografia escrita, da produção e da conservação de acervos que resgatam a memória histórica, preservamos o passado, nele nos reconhecemos e projetamos o futuro.

O sentido da fotografia vai além do objeto fotográfico e da imediaticidade da comunicação visual. A mediação se situa no campo dos objetos problematizados nas suas múltiplas relações no tempo e no espaço, sob a ação de sujeitos sociais. Lukács (1967) trata as mediações não como simples ponto de vista, mas como um conceito que supõe os diversos aspectos da realidade objetiva, suas relações e vinculações, que constituem modos e formas da existência social. É no campo da particularidade histórica que se situam as mediações.

Nas pesquisas desenvolvidas, tratar as fotografias como mediações implicou um triplo movimento inicial: (i) rever as diversas leituras possíveis da imagem fotográfica através de seus estudiosos; (ii) selecionar e identificar e organizar em séries as fotos nos arquivos e reconhecê-las dentro de seu contexto histórico, político e social; (iii) relacioná-las com outros textos disponíveis sobre o período, através da intertextualidade, de modo a ir além da aparência sedutora das imagens e compreendê-las como processos sociais complexos que guardam a história de seu tempo.

Importava reconhecer as diversas temporalidades do período, o desenvolvimento industrial que ainda convivia com técnicas produtivas artesanais, a ideologia do progresso e da modernização que legitimava a transformava a cidade e as novas relações de trabalho que conviviam com a pobreza da população trabalhadora. Paralelamente, esta procurava se organizar em entidades de classe e manifestações coletivas, buscando transformar as condições adversas de vida e de trabalho. Nesse sentido, o mundo do trabalho é visto não como uma denominação abstrata, mas como conjuntos de processos/acontecimentos que guardam especificidade histórica.

Conceitual e metodologicamente, buscamos historicizar as categorias analíticas e realizar o processo comparativo respeitando a totalidade histórica de cada um dos quatro acervos selecionados que tem uma história institucional, finalidades específicas da produção, preservação e apropriação diferenciada das fotografias.

Os estudos comparados têm uma tradição longa na história da educação e um exercício restrito entre os pesquisadores devido aos entraves dessa mesma tradição aos aspectos políticos envolvidos no tratamento comparado dos fatos. Queremos dizer com isso que a história factual sempre contemplou a dimensão comparativa ao passo que as experiências de diferentes países, o desenvolvimento dos sistemas educacionais e as figuras exemplares de grandes nomes ligados a sistemas, projetos e ideias serviram de modelo para outros países e para outros lugares e foram sendo registrados nos livros e manuais escolares.4

Paralelamente, ocorreu outro registro comparado dos fatos ligados à educação, particularmente, nos estudos sociológicos sob um referencial de matriz positivista, assim como nos estudos comparados em educação. Desenvolveram-se grandes surveys tomando algumas questões transformadas em variáveis dependentes (rendimento escolar, evasão ou exclusão escolar, etc.), outras como variáveis intervenientes (sexo, idade, escolaridade e profissão do pai, etc.), manipuladas por meio de complexos sistemas estatísticos, de regressões múltiplas. Consequentemente, a história construída sobre a educação tinha as conclusões permitidas por esses estudos e, implicitamente, seus pressupostos a-históricos herdados das ciências experimentais.

De forma limitada na educação, mas influenciando a produção científica das ciências sociais e sua aplicação nas áreas afins, a antropologia cultural disseminava as escalas evolutivas comparativas com a ideia de países mais e países menos desenvolvidos, culturas superiores e inferiores, tendo a civilização europeia e ocidental no topo do modelo (Matta, 1987), que começa a ser transformado a partir dos trabalhos de Franz Boas no final do século XIX.

No Brasil, o final do período da Ditadura nos anos de 1970 e a transição para a democracia no início dos anos de 1980, deram ensejo à revisão teórico-metodológica dos estudos comparados de base estatística e à apropriação da dimensão sócio-político-cultural e histórica da educação. O que significou, basicamente, o rompimento com a visão isolada dos fatos educacionais e sua compreensão articulada aos demais fenômenos sociais, tendendo a superar a aparência e a fragmentação com que os dados se apresentam à primeira vista (Ciavatta Franco, 1992 e Ciavatta,1999), bem como a historicização das categorias e o resgate de sua dimensão política.

Esse processo teórico e prático, enriquecedor dos estudos historiográficos, ocorre, também, no contexto do desenvolvimento da "nova história" de matriz francesa, principalmente, de novas temporalidades (Braudel, 1989) e novas fontes documentais (entre outros, Le Goff e Nora, 1976, 1976a, 1979), contexto no qual se insere a utilização da fotografia como fonte histórica em uma perspectiva comparada, no estudo aqui apresentado.

A "memória oficial" dos trabalhadores no Rio de Janeiro

O primeiro contato com as fotografias se deu nos arquivos públicos e privados da cidade do Rio de Janeiro de 1996 a 1998.5 Neles foram examinadas algumas centenas de fotografias buscando encontrar atividades laborais, fábricas, trabalhadores e suas condições de vida e de trabalho. Fomos encontrar as imagens sobre trabalho e trabalhadores em diferentes entradas arquivísticas, tais como a modernização do Rio de Janeiro, a abertura de ruas e outras obras públicas, as inaugurações, as demolições, as habitações populares, dependendo da organização dos acervos em cada arquivo. Nos arquivos de empresas, encontramos o registro pormenorizado das atividades laborais como é o caso da instalação do serviço de bondes e de telefone. Em outros arquivos, encontramos a memória política dos grandes vultos, dos feitos memoráveis da história nacional.

À medida que as fotos eram classificadas em diversas categorias, percebi a versão histórica que elas permitiam conhecer. Na cidade do Rio de Janeiro, os principais acervos utilizados são ricos da memória da modernização que ocorreu nas três primeiras décadas do século XX, cuidadosamente registrada nas fotos do fotógrafo oficial da Prefeitura Municipal (1903 a 1937), Augusto Malta.

A cidade foi atingida pela "febre da modernização". Já em 1901, o Presidente Rodrigues Alves anunciara que o saneamento da cidade constituía prioridade em seu projeto. O "Rio civiliza-se" era a ordem do dia nos debates políticos e jornalísticos. O centro da cidade foi eleito o lugar de onde os maus costumes e os espaços "doentes" deveriam ser erradicados. Uma das prioridades anunciadas pelo novo presidente foi a modernização do Porto do Rio de Janeiro, acompanhando as necessidades postas pela acumulação e reprodução do capital, pela circulação de mercadorias e de força de trabalho imigrante e pelas exigências fiscais do próprio Estado (Benchimol, 1992). À remodelação do porto corresponderia uma reestruturação do espaço físico da cidade que o governo acreditava estar a caminho de se transformar em uma metrópole à altura dos grandes centros industriais e comerciais do mundo.

A imposição pretendida de uma ordem capitalista na cidade exigia, também, a redefinição do conceito de trabalho. Era preciso dar-lhe uma conotação positiva em oposição aos tempos da escravidão, definindo-o como princípio regulador da sociedade, uma vez que a nova ordem implantada com a República se assentava na exploração direta do trabalhador livre sob a nova ordem. No entanto, o padrão de cidadania mantinha a restrição de acesso ao voto aos analfabetos e aos desprovidos de fortuna.

O olhar que educa para a nova ordem é o ponto de vista das elites. Salvo algumas fotos em um ou outro arquivo, os trabalhadores aparecem como objetos, misturados às pedras e aos instrumentos. Também nada sabemos sobre a apropriação das fotos da época, pelos trabalhadores. A pergunta que nos fazíamos era: se essa é a "memória oficial" onde está a "memória dos trabalhadores"?

A memória do movimento operário em São Paulo

Nas cidades de São Paulo e de Campinas, recomeçou a busca nos arquivos de 1998 a 1999.6 No Arquivo Edgar Leuenroth da UNICAMP, deparei-me com a documentação fotográfica, na época, escassamente identificada, da História da Industrialização desenvolvida nos anos de 1970, pelos professores Paulo Sérgio Pinheiro e Francisco Foot-Hardman que destacaram não apenas o processo de desenvolvimento da indústria em São Paulo, mas também as lutas dos operários militantes anarquistas, socialistas e comunistas.

Chalhoub (1986, p. 30) observa que o problema da disciplinarização das classes populares ia muito além de seu controle no ambiente de trabalho, alcançando também espaços como a rua e o botequim, lugares que tradicionalmente abrigavam o lazer popular. Note-se que tal esforço foi também um esforço moralizador na definição do homem de bem, trabalhador, enquadrado nos padrões sociais e familiares da época.

O desenvolvimento industrial tem um papel fundamental nesse processo. Generaliza-se, durante a virada do século, entre as elites, a ideologia do progresso. Para os industrialistas, o agente da transformação social ou do "progresso" seria a indústria. Enfatiza-se a identificação do crescimento industrial e da divisão social do trabalho

Mas os industrialistas não usavam apenas o despotismo para subordinar a mão de obra ao capital. Havia também as estratégias paternalistas e a geração de um consenso sobre a "nova ética" do trabalho. O paternalismo garantia a eficácia do projeto industrial e se expressava ainda nos progressos técnicos introduzidos na vida das famílias dos trabalhadores. Se é verdade que as condições de vida, por um lado, propiciavam a absorção de valores que facilitavam o controle social, também é verdade que esses valores eram "lidos" pelos trabalhadores de acordo com uma visão própria de mundo. Há um diálogo, onde a subordinação acontece, mas não sem haver certa negociação onde os trabalhadores modificam, de algum modo, esses valores (Chalhoub, 1986).7

A classe trabalhadora em movimento demonstra que as ações de seu dia-a-dia criam um padrão ideológico que contém em si os limites necessários da consciência de classe desses homens e mulheres em um determinado momento histórico. Organizar sindicatos e reivindicar direitos de classe era uma experiência difícil e contraditória para os trabalhadores porque, além de se opor à ideologia patronal, acirrava as disputas entre estrangeiros e brasileiros. Não obstante, o período de 1917 a 1920 foi marcado por intensa mobilização operária8.

Imigrantes, anarquistas, socialistas e comunistas criaram um campo permanente de lutas contra o patronato que mantinha em condições semiescravas o trabalho livre. A memória fotográfica legada retrata as diversas formas de luta: as comemorações do 1º de Maio, o Dia do Trabalho, as mobilizações contra a carestia, as greves e manifestações por melhores condições de trabalho.

A memória fotográfica preservada nos jornais operários

Foi no Arquivo Edgar Leuenroth, nome do militante e jornalista anarquista, colecionador de jornais operários, e no Centro de Memória da UNESP, que encontramos imagens que retratam a luta através da imprensa operária no período, preservada no Archivio Sociale della Memória Operaia Brasiliana.9 A massa operária, submetida a duras condições de trabalho e de sobrevivência, denunciava as más condições de vida e de trabalho e a perseguição política; organizava-se e difundia sua palavra por todo o país.

A leitura dos jornais operários ajudou a resgatar o invisível oculto nas fotografias. É o que se obtém da intertextualidade, pela busca de outras visões, outras linguagens e outros discursos sobre um mesmo objeto ou sobre seu contexto. Encontramos, assim, algumas das múltiplas relações que produzem cada fotografia, dão seu sentido histórico e os significados que colhemos ao contemplá-las.

Em dois jornais anarquistas, "Guerra Social" e "A Voz do Trabalhador" que circularam nos anos de 1911 a 1915, e em um jornal comunista, "A Nação" no ano de 1927, encontramos retratos da realidade diferentes da "oficial", não apenas pela tendência política que expressam mas, também, pelos problemas específicos de cada conjuntura histórica e pelas estratégias de luta dos trabalhadores em cada momento.

O uso das fotografias, nos jornais operários no início do século, parece transitar entre a fotografia de imprensa e o fotojornalismo, ou seja, "da simples transposição das imagens fotográficas para as páginas dos periódicos, para um tipo de fotografia específico, adaptado às demandas da imprensa ilustrada" (Costa, 1993, p. 75). No primeiro caso, as fotografias eram simplesmente ilustrativas ou reforçavam as informações escritas nas matérias. No segundo caso, as fotografias articulam um discurso sobre um tema, passando pontos de vista próprios do jornal sobre os acontecimentos relatados.10

No jornal "Guerra Social", as notícias divulgadas nas matérias e seções são recorrentes durante os dois anos de edições (1911-1912) e buscam a vinculação dos operários entre si. Aparecem notícias de várias categorias profissionais nos diversos Estados do Brasil e em algumas de suas cidades, como, por exemplo, São Paulo, Porto Alegre, Niterói, Fortaleza. As categorias profissionais são pedreiros, alfaiates, marceneiros, padeiros, tecelões, agricultores, trapeiros, engraxates, carroceiros, caixeiros e outros. O jornal abre espaço para o debate dos operários entre si, mediante as perguntas respondidas ao longo das edições.

No jornal A Guerra Social, a crítica às instituições burguesas e ao Estado assumem relevo, assim como as questões ligadas à Igreja, à escola, à polícia e aos patrões. A Voz do Trabalhador faz um trabalho de desmistificação da religião pela divulgação do que considera seu caráter escravizador dos povos. Combater os dogmas da Igreja significava se libertar de uma ordem construída para a submissão.

Nesse universo, a fotografia aparecia com uma diversidade de usos: para chamar a atenção do leitor para a relevância de determinado assunto (a exemplo do Carnaval, das classes sociais na foto de um palacete e das casas do proletariado); para identificar ou personalizar as principais figuras da burguesia e seus prepostos, ou figuras expoentes do proletariado nacional como Edgar Leuenroth, Luiz Carlos Prestes. A fotografia surge como poderoso instrumento de afirmação e articulação do discurso doutrinário do jornal, assumindo o caráter de denúncia da dura realidade dos trabalhadores e de suas famílias, conclamando a classe trabalhadora para a necessidade da sua organização, seja nos espaços do movimento anarquista, sindical ou político-partidário. No conjunto, os jornais operários buscam divulgar as transformações políticas, econômicas e sociais internas e externas. Essas matérias apresentam os movimentos dos trabalhadores, buscando divulgar práticas de organização e resistência e a dimensão educativa destes.

O trabalho como fonte de pesquisa

No início dos anos de 1980, a principal central sindical de Bolonha, Itália, a Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL), promoveu um movimento de resgate coletivo da documentação escrita, iconográfica e oral da memória do sindicato e a reconstrução de sua história em diversos eventos e publicações. A iniciativa constituiu um momento importante de autorreconhecimento e de valorização dos trabalhadores e de sua participação na história do país.

O contato com essa particularidade histórica da cidade ocorreu durante uma pesquisa de pós-doutorado sobre formação profissional comparada de trabalhadores. Nessa ocasião, pude observar o trabalho de recuperação, catalogação e arquivamento de bandeiras, documentos escritos, jornais, fotografias e outros materiais preservados por sindicalistas, pelos trabalhadores e por seus familiares. Estimulada por essa experiência, retomei minha aproximação com a fotografia como fonte de pesquisa.

A Itália não é apenas uma "República fundada sobre o trabalho" (Constituição, art. 1º). A cultura do trabalho, secularmente incorporada, é um valor presente na cidadania, no sentido da professionalità que é uma tradição dos ofícios, do saber fazer e do autorreconhecimento da qualidade de que se deve revestir toda atividade profissional. No entanto, a historiografia sobre o trabalho, como de resto, no Ocidente, somente na segunda metade do século XX, incluiu em seus estudos os trabalhadores que, até o final dos anos de 1970, eram definidos como "classes subalternas". Na Região Emilia-Romagna, onde se localizam a província e a cidade de Bolonha, naquele momento, "iniciou-se um processo de descentralização de algumas atribuições estatais em matéria de bens culturais, que criaram as condições para o recolhimento de documentos de interesse local nos arquivos e nas bibliotecas públicas" (Archivio, 1995, vol. II, p. 7 e seguintes).

Luigi de Pane, Renato Zangheri, Luigi Arbizzani, Giovanni Mottura, Gianni Bosio, entre outros, contribuíram para a mudança dos modelos clássicos de referência na pesquisa histórica, as chamadas fontes "não oficiais". Inicia-se um debate sobre as fontes orais e os arquivos locais que fizeram emergir a história das "minorias" ou dos "dominados" (localidades, mulheres, trabalhadores). Torna-se motivo de atenção a coleta de dados, a conservação e a guarda dos pequenos acervos de importância para a história local. Sucedem-se iniciativas públicas e privadas "de forma a reunir os materiais do próprio passado vistos como testemunho, memória e fundamento da origem e do orgulho da própria história" (Archivio, 1995, vol II).

Reconhece-se o protagonismo dos trabalhadores após a Segunda Guerra Mundial, não apenas como "classes subalternas", mas como parte do mundo do trabalho, de um movimento complexo e diversificado, como "sujeito social, econômico e político" consciente de sua história e de sua organização, da "dignidade de próprio percurso sindical" (Archivio, 1995, vol II).

Resgatam-se as antigas raízes profundas do mundo do trabalho no tecido social. A história do sindicato é alargada como parte construtora da dinâmica complexa da cidade, das instituições dos trabalhadores - principalmente as cooperativas, bastante difundidas na região -, da heterogeneidade da produção industrial e artesanal da cidade. Sucessivamente, procedeu-se ao levantamento de outros fundos afins com a história do movimento dos trabalhadores em outros arquivos e bibliotecas da cidade.

O trabalho de resgate da memória do trabalhou se concretizou em vários eventos e publicações na comemoração do Centenário da criação do sindicato, em 1993. O Arquivo se tornou um espaço privilegiado de consulta para estudantes que vieram a realizar inúmeros trabalhos e teses sobre questões relativas ao trabalho e suas organizações.

Além do processo particular de construção desse arquivo como memória e monumento dos trabalhadores, chama a atenção o sentido do coletivo presente nas fotos - cronologicamente, o sindicalismo italiano precedeu o brasileiro. Os trabalhadores militantes se apresentam juntos nas greves, nas assembleias, na prisão, na criação de instituições educacionais como a Università del Lavoro. Na memória do trabalho no arquivo, os trabalhadores se reconhecem não apenas como classes subalternas, mas como sujeitos sociais conscientes de sua história e de sua organização, das raízes profundas do trabalho no tecido social e na construção da democracia.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não obstante todo avanço que pode ser constatado nas instituições brasileiras, a preservação da memória coletiva em arquivos públicos ainda é restrita no Brasil. Existem, mas são relativamente poucos os arquivos que têm pessoal preparado em arquivística, instalações com controle de umidade e temperatura, prevenção de fungos que atacam os documentos, catalogação criteriosa da documentação escrita, sonora e iconográfica (mapas, desenhos, pinturas, fotografias), organização e pessoal disponível para permitir a consulta aos documentos. Ainda há muita documentação dispersa em sindicatos, espólios de antigas fábricas, heranças afetivas familiares que são desconhecidas e, frequentemente, se perdem ao passar de geração em geração, por desconhecimento de seu valor documental ou pela perda de significado para seus novos possuidores.

Salvo o Arquivo Edgar Leuenroth, o AMORJ, o Centro de Memória da UNESP e o arquivo da CGIL que têm, entre seus objetivos, a preservação da memória dos trabalhadores, os demais arquivos investigados estão destinados, por força do poder político de quem os organizou, a preservar o que denominamos de "memória oficial". Esta é conservada pelo Estado, pelo Município ou por grandes empresas. Ali estão presentes os grandes momentos de sua história, os seus homens ilustres em homenagens e comemorações, as obras de transformação das cidades, as fábricas, as empresas de serviços, os eventos sociais e artísticos.

No caso dos jornais operários, a análise do uso da fotografia e da organização dos espaços do jornal nos remete ao debate em torno do seu papel educativo. O discurso doutrinário permitia, entre outras coisas, reproduções integrais de pronunciamentos e de textos densos publicados em série, como difusores de novos valores e práticas de atuação e de novas estratégias de leitura. Na tentativa de alcançar os trabalhadores analfabetos, os jornais apresentavam, em suas páginas, análises da realidade diferenciadas do noticiário da grande imprensa e do pensamento hegemônico da época. "As fotografias compartilhavam dessa tarefa, articulando sentimentos, interesses, projetando caminhos e horizontes, alimentando o imaginário e as ações concretas" (Santos, 2000).

Textos e fotografias da época e dos jornais operários das diversas tendências buscam afirmar a existência do trabalhador brasileiro. Ele não poderia mais significar sinal de atraso e de desgraça, como fora identificado nos quatro séculos de escravidão. O discurso dos jornais operários tentava inverter essa visão. No início do século XX, "o trabalho e, em decorrência, aqueles que trabalhavam - os 'proletários' - eram as forças preponderantes na sociedade, seus elementos de prosperidade, de riqueza e de progresso" (Gomes, 1994, p. 23-4).

Os jornais operários, como porta-vozes dos trabalhadores oprimidos pela herança escravista e pelas exigências da nova ordem capitalista, buscavam dar voz política a essa parcela do povo que tinha sido até então ignorada pela sociedade. Parafraseando Chesnaux (2000), ao atuar no presente, eles construíam a história como uma relação ativa com o passado, porque o passado está presente em todas as esferas da vida social.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 01.03.2012
Aprovado em: 01.04.2012

 

 

1 O conceito de ontologia aqui empregado difere da tradição da metafísica clássica, assim como das correntes positivistas e neopositivistas que compartilham de uma visão estática e reificada do ser. Utilizamos o termo no sentido marxista e lukacsiano que tem no trabalho uma categoria central, estruturante de um novo tipo de ser, o homem, e de uma nova concepção da história com base na realidade externa, objetiva.
2 No Brasil, ainda temos pouca acumulação de conhecimento sobre os aspectos culturais da vida dos trabalhadores. Predominam os estudos sobre a constituição da classe operária e a atuação político-sindical dos diversos grupos e categorias. Exceções seriam os estudos de vida operária e cultura anarquista (Foot Hardman, 1983), o cotidiano operário em São Paulo (Decca, 1987), a mulher e a infância sob o regime fabril (Rago, 1985).
3 Ver Thompson, 1981; Frigotto e Ciavatta, 2002.
4 A título de exemplo, podemos citar, no Brasil, a influência do sistema francês no ensino secundário nos seus primórdios, depois a influência da high school americana na reforma do ensino primário, secundário e médio nos anos de 1970, assim como o modelo de ensino superior francês na criação da universidade brasileira nos anos de 1930 e as reforma universitária segundo os padrões americanos no final dos anos de 1960. Sobre a relação entre Europa e América Latina, podemos citar o método de Lancaster de ensino mútuo, trazido para a Gran Colômbia por Simon Bolívar e suas repercussões no Brasil, pouco a pouco revelado pelos estudos historiográficos em educação.
5 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ), Museu da Imagem e do Som (MIS), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Museu Histórico Nacional (MHN), Arquivo Nacional (NA), Biblioteca Nacional (BN), Centro Cultural da Light (cujo acervo hoje está no Instituto Moreira Salles), Museu do Telefone (cujo acervo hoje está no Instituto TELEMAR de Comunicação), Arquivo da Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Por esse trabalho exaustivo e por toda reflexão que ele gerou, agradecemos aos bolsistas Cláudia Sanz Linhares, Hugo Belluco e Rebeca Gontijo.
6 Examinamos os acervos do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP), o Arquivo da ELETROPAULO (depositário do antigo acervo da Light de São Paulo), o Museu da Universidade de São Paulo (outrora Museu do Ipiranga), o Arquivo do Estado de São Paulo, o Centro de Memória (CEDEM) da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Paralelamente, procuramos o Arquivo Edgar Leunroth (AEL) da Universidade de Campinas (UNICAMP).
7 Gramsci, discutindo a relação entre o senso comum, religião, filosofia e cultura, mostra como é um fato político, uma exigência de ação, quando um grupo "toma emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha (...)" (Gramsci, 1981, p. 15). Estudando o fenômeno das culturas populares no capitalismo e a construção da hegemonia, Canclini concorda com Gramsci e analisa que, nas culturas populares, a construção da hegemonia deve se basear também na divisão em classes, no manejo da fragmentação cultural e na produção de outras divisões: entre o econômico e o simbólico, entre a produção, a circulação e o consumo e entre os indivíduos e seu marco comunitário imediato (Canclini, 1983, p. 76).
8 No período, registraram-se 107 greves, inclusive uma greve geral nos principais centros do país, e criaram-se 52 associações de trabalhadores, enquanto que deputados e senadores de espírito avançado apresentaram 15 projetos de legislação do trabalho: acidentes de trabalho, duração da jornada, código do trabalho, regulamentação do trabalho feminino e de menores, criação de creches em estabelecimentos industriais, contrato de aprendizagem, comissão de legislação social, comissões de conciliação e conselhos de arbitragem com representantes patronais e operários (Gomes, 1979).
9 No período, registraram-se 107 greves, inclusive uma greve geral nos principais centros do país, e criaram-se 52 associações de trabalhadores, enquanto que deputados e senadores de espírito avançado apresentaram 15 projetos de legislação do trabalho: acidentes de trabalho, duração da jornada, código do trabalho, regulamentação do trabalho feminino e de menores, criação de creches em estabelecimentos industriais, contrato de aprendizagem, comissão de legislação social, comissões de conciliação e conselhos de arbitragem com representantes patronais e operários (Gomes, 1979).
10 No início de século XX são poucos os leitores no Brasil. O recenseamento geral do Brasil de 1920 informa que, no Estado de São Paulo, havia apenas 39,57% de leitores, na população considerada nacional, ao passo que 46,23% dos estrangeiros eram leitores. Leitores nem sempre eram aqueles que sabiam ler e escrever. Havia aqueles que, como ouvintes, apropriavam-se das leituras. De outra parte, os jornais impressos mantinham uma relação sistemática com os acontecimentos, alimentando debates e ideias em certas comunidades de leitores (Giglio, 2000, p. 51-3).