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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.12 no.1 Florianópolis abr. 2012

 

Gestão social do desenvolvimento de territórios

 

Social management of territorial development

 

 

Tânia Fischer

(CIAGS/UFBA)

 

 


RESUMO

Os sentidos e os significados da gestão social do desenvolvimento de territórios podem ser compreendidos na contemporaneidade quando se considera o território como a origem e o destino das ações. Para quem se faz, onde, como e quando se faz, quem são os gestores sociais, que perfis e designs formativos desses gestores são questões que estruturam esse texto que se apoia na experiência de um programa de formação de gestores sociais.

Palavras-chave: Gestão Social, Desenvolvimento de Territórios.


ABSTRACT

The senses and the meanings of social management in the development of territories can be understood contemporarily when the territory is considered as the source and destination of action. For whom is it done, where, how, and when is it done, who are the social managers, what are the profiles and formative designs of these managers, are questions that frame this text, which is based on the experience of a programme for training social managers.

Keywords: Social Management, Territorial Development.


 

 

Quais os sentidos e os significados da gestão social do desenvolvimento territorial em 2012, em um país continental com múltiplos territórios que tem a diversidade cultural como um de seus grandes ativos?

Na última década, a primeira de um novo milênio, a gestão social se delineou como um campo de conhecimentos e práticas que se aprofundam em programas de formação profissional implantados em diversas regiões do país.

O novo ciclo do desenvolvimento brasileiro requer profissionais qualificados para diferentes escalas e tipos de ocupações em territórios com níveis diferenciados de crescimento econômico e integração socioprodutiva.

A gestão social do desenvolvimento territorial depende de profissionais qualificados, orientados pelas necessidades do contexto. A primeira questão que se deve responder se refere aos destinatários da gestão social: para quem se faz? A segunda questão será sobre as instituições que fazem a gestão social: que instituições fazem? A terceira versa sobre os tempos e espaços da gestão e sobre os instrumentos da ação pública utilizados: onde, quando e como se faz?

Nesse ponto, pode-se delimitar o campo conceitual da gestão social do desenvolvimento territorial, o que nos leva ao perfil tentativo do gestor e aos requisitos dos designs formativos desses profissionais.

A Figura 1 ilustra essa articulação de questões orientadoras da organização deste texto.

 

 

GESTÃO SOCIAL DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: CONTEXTOS, PROCESSOS, INSTITUIÇÕES, TEMPOS E TERRITORIALIDADES

A gestão é um ato relacional que se processa entre atores sociais em tempos e espaços territorialmente delimitadas. A gestão é uma manifestação de poder ou uma forma sensível de poder em qualquer tempo e qualquer espaço.

Ao se enfatizar a dimensão social da gestão, está implícito que o alvo principal é a sociedade, que é também a origem e o entorno desses processos.

A gestão ocorre em tempos e espaços territoriais que requerem ações individuais e coletivas de produção de bens, serviços e significados. Se hoje as conexões das redes sociais podem gerenciar mobilizações e até guerras urbanas, os primeiros homens usaram ferramentas colhidas na natureza para exercer poder sobre seus pares.

A gestão social, como condição essencial, não é a gestão de processos descontextualizados, mas sim ancorados territorialmente, como uma forma de representação de poderes locais articuladas em interorganizações, que são instituições de convergência que produzem e recriam ações, projetos e programas, possíveis "instrumentos de ação pública" (Lascomumes & Lê Galès, 2004, p.12).

O que mobiliza, então, os processos e o desenvolvimento territorial?

O processo de desenvolvimento é mobilizado por organizações que trabalham juntas ou por interorganizações cuja principal característica é a hibridização ou a complexidade (Figura 2). As interorganizações são constituídas por organizações diferenciadas, conectadas por propósitos comuns, isto é, integradas. A associação se faz pela complementaridade - portanto, pela busca do diferente que possa cooperar para se atingir um resultado.

Interorganizações são espaços multiformes e plurais onde ocorre a gestão da sociedade contemporânea que ultrapassa os limites de uma organização e se exercem em escalas de complexidade crescente com conexões e interdependências.

Conceitos como cocriação, coevolução, rizomas ou redes de trabalho em formato de multidão dão novos contornos e limites mais ampliados ao conceito de interorganização como o espaço privilegiado da gestão social.

A gestão social orientada para e pelo desenvolvimento é uma forma de poder ancorada territorialmente.

A construção social do desenvolvimento local é, então, forjada por interorganizações que refletem os interesses plurais das instituições que operam no espaço público. Governo local, empresas e organizações sociais se articulam dentro de uma trama singular de interesses criando modelos de ações coletivas, traduzidos em desenhos organizativos complexos, onde o poder flui diferentemente conforme a verticalização ou horizontalização das relações, guardadas as contradições desses processos e jogos de interesse dos atores (Fischer, 2002, 23)

Pactos territoriais como as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro, o pacto pela vida na Bahia, os conselhos de planos diretores urbanos ou de políticas setoriais, as mobilizações que resultam em ocupações de territórios e parcerias multiescalares (do microlocal ao transnacional) que se articulam em função do desenvolvimento territorial vão requisitar gestores com competências de diversas naturezas e níveis.

Interorganizações orientadas ao desenvolvimento territorial são híbridas, intensamente dinâmicas e mutantes quando atuam em convergência para desenvolver territórios. Essa ação em convergência é integrativa e aponta, como um sentido obrigatório ao desenvolvimento.

O conceito de desenvolvimento territorial é hoje percebido por Mangabeira Unger (2009,p.11) como "ampliação de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir".

Com base na Figura 2, as organizações de primeiro nível são as organizações associativas, organizações de governo e empresas, bem como agentes financiadores, consultorias, fundações, bancos de desenvolvimento e outras organizações discretas, que se desenvolvem em ações estratégicas sobre o território.

Assumindo a forma de programas e projetos conjuntos, parcerias e cooperativas, as organizações se articulam em um segundo nível: o das redes.

Organizações associativas podem articular redes temáticas entre si, focalizando temas específicos como saúde, infância, gênero, etc. Podem também articular redes na forma de parcerias e alianças no desenvolvimento de programas e projetos, que contam com ONGs como nós de tramas socioprodutivas.

As redes de redes têm um grau maior de complexidade e podem ser representadas por fóruns e consórcios, associados a recortes territoriais na forma de arranjos socioprodutivos a espaços virtuais (websites).

As redes sociais são rizomas, redes de redes representadas por comunidades virtuais.

Assim, os destinatários das dinâmicas da gestão social são múltiplos, bem como as origens quando atuam em convergência para desenvolver territórios.

Essa ação em convergência é integrativa e aponta, como um sentido obrigatório, ao desenvolvimento.

A relação de imbricação entre desenvolvimento como processo e território como ancoragem resgata as concepções de desenvolvimento sustentável de Ignacy Sachs, entre outros, que, no limiar da conferência Rio +20 que se realizará no Brasil em junho de 2012, reitera as dimensões sociais, ambientais, culturais, econômicas e espaciais que deve ter o desenvolvimento territorial (Sachs, 2007, p.298).

 

POSSÍVEIS PERFIS E ITINERÁRIOS FORMATIVOS FACE AOS SIGNIFICADOS E SENTIDOS DA GESTÃO SOCIAL

A gestão social pode ser considerada um campo de conhecimentos e práticas tendo, portanto, dimensões epistemológicas e praxiológicas articuladas.

Um campo de conhecimento supõe uma interorganização de domínios cognitivos que podem se articular multi, inter ou transdiciplinarmente segundo categorização de Jean Piaget (1970, p. 84).

Quando a gestão social é orientada ao desenvolvimento de territórios, temos uma dimensão praxiológica substantiva.

O que nos solicitam as práticas em tempos de convergência? Como gerir interorganizações como um consórcio público que congrega prefeitos, sindicatos, gestores empresariais, gestores de cooperativas, movimentos sociais, lideranças indígenas e afrodescendentes e outras redes como fóruns e conselhos?

As propostas de desenvolvimento territorial decorrem da identificação de problemas de educação, saneamento, habitação, saúde e outras que, por sua vez estão imbricadas em produção de bens, serviços, conectadas com organizações de mercados plurais (empresas, cooperativas, associações de produtores).

Os espaços de prática e os domínios de conhecimento e suas tecnologias se articulam em interorganizações de um lado e em composições multi, inter e transdisciplinares do outro.

Dessa relação das teorias e das práticas, emergem os perfis de gestores sociais necessários para atuar em nós organizacionais (governo, empresa, movimentos) nas conexões interorganizacionais (pactos, conselhos, fóruns), nas redes de redes mais complexas e em outros níveis escalares cada vez mais complexos.

A Figura 3 a seguir representa a gestão social como campo e indica a necessidade de delinear o perfil do gestor social.

 

 

Quais são os perfis do gestor social? Que competências devem ter o gestor social e que designs de itinerários formativos podem ser propostos? Antes de elencar competências ou fazer referências a itinerários formativos, evocam-se as proposições sobre a gestão social formuladas em 2002 (Fischer, 2002, p. 27) que agora podem ser consideradas assertivas, pois sua função foi a de oferecer um marco referencial para a experiência do Programa de Desenvolvimento e Gestão Social da Universidade Federal da Bahia, concebido em 1999 e implantado em 2002, criando um Centro de Referência em Gestão Social.

Assertiva 1

A gestão do desenvolvimento social é um campo de conhecimento e espaço de práticas marcado pelo hibridismo e a contradição. A cooperação não exclui a competição; a competitividade pressupõe articulações, alianças e pactos. Fazendo parte, essencialmente, do ser e agir humanos, o conflito de percepções e interesses está presente também em formas organizativas solidárias que, por sua vez, estão embebidas em contextos capitalistas ocidentais. Como projetos de resistência e contradependência desses contextos, são experiências de ruptura e de construção de novos paradigmas do agir social e, como tal, são "organizações de aprendizagem" da gestão do desenvolvimento.

Assertiva 2

Orientada por valores e pela ética da responsabilidade, a gestão do desenvolvimento social deve atender aos imperativos da eficácia e eficiência. O que é uma gestão eficaz e eficiente nesse campo? Caracterizadas por fluidez, agilidade e inovação, as organizações e interorganizações de cunho social enfrentam desafios e correm sérios riscos de insustentabilidade e extinção. Como quaisquer outras organizações, devem mapear necessidades, delinear estratégias consequentes, desenvolver planos, gerir recursos escassos, gerir pessoas, comunicar-se e difundir resultados, construindo a identidade e preservando a imagem da organização. Prestar contas à sociedade, avaliar processos e resultados e regular ações são também tarefas essenciais do gestor eficaz. No caso de organizações de desenvolvimento social, a eficiência é função de efetividade social, isto é, da legitimidade conquistada.

Assertiva 3

A gestão do desenvolvimento social é gestão, também, de redes, de relações sociais, mutáveis e emergentes, afetadas por estilos de pessoas e comportamento, pela história do gestor, pela capacidade de interação e por toda a subjetividade presente nas relações humanas. Há um viés de análise dessas organizações que privilegia as dimensões sociais, minimizando ou excluindo as dimensões subjetivas.

Assertiva 4

A gestão do desenvolvimento social é um processo em contextos culturais que conformam e para as quais contribui, refletindo e transformando esses contextos de forma tangível e intangível. O gestor social é gestor do simbólico e do valorativo, especialmente quando se trata de culturas locais e da construção de identidades.

Tendo o território como ancoragem e o desenvolvimento como motor, pode-se concluir que um perfil do gestor social deve compreender as competências como estrategista, mediador, dirigente e avaliador, conforme o Tabela 1.

 

 

Um perfil de competências do gestor social pode ser resumido pelo elenco no Tabela 2.

 

 

Pode-se concluir que a gestão do desenvolvimento social é um processo de mediação que articula múltiplos níveis de poder individual e social. Sendo um processo social e envolvendo negociação de significados sobre o que deve ser feito, por que e para quem, a gestão não é uma função exercida apenas por um gestor, mas por um coletivo que pode atuar em grau maior ou menor de simetria/assimetria e delegação. Mapeamentos de competências e outros estudos de avaliação foram conduzidos por Gondim entre 2003 e 2012.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para qualificar o gestor social do desenvolvimento territorial que requisitos devem ter os itinerários formativos? Por itinerário formativo entende-se um conjunto articulado de ofertas de ensino constituído de eixos curriculares e dinâmicas de ensinar e aprender traduzidos em designs, ambientes de aprendizagem, recursos e ferramentas.

Os itinerários de formação profissional segundo o Plano Nacional de Pós-graduação 2011-2020 devem integrar "inovações curriculares e de formação e dar atenção à diversidade curricular" (Brasil, v. 2, p. 8) "bem como ao desenvolvimento social com um todo e de tecnologias sociais em particular" (Brasil, v. 2, p 175).

Estamos em tempos de internacionalização, mas também de interiorização do ensino para desenvolver competências profissionais de respeito à diversidade também de valorização da qualidade e relevância. Itinerários formativos para gestores sociais podem incorporar os princípios que o escritor Ítalo Calvino propôs para este milênio: agilidade, simplicidade, precisão, consistência e multiplicidade.

O desenho curricular que encerra este texto é representativo da estrutura do Programa de Desenvolvimento e Gestão Social da UFBA e é um itinerário formativo de gestores sociais que se inicia com a graduação superior tecnológica e avança até o mestrado profissional.

Com essa proposta (Figura 4), produto de ação compartilhada de professores, pesquisadores, estudantes e parceiros, espera-se contribuir para a gestão social do desenvolvimento, desafio do país de tantos territórios.

 

REFERÊNCIAS

Brasil. (2010). Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011- 2020, v.2. Brasília, DF: CAPES.         [ Links ]

Fischer, T. (2002) Gestão do desenvolvimento e poderes locais. Salvador: Casa da Qualidade.         [ Links ]

Gondim, S.M. G., Fischer, T., & Melo, V. P. (2006) Formação em Gestão Social: um olhar crítico sobre uma experiência de pós-graduação. In T. Fischer, S. Roesch, & V.P. Melo (Orgs.). Gestão do desenvolvimento territorial e residência social:casos para ensino (p.43-61). Salvador: CIAGS/EDUFBA.         [ Links ]

Lascoumes, P., & Le Galès, P. (2006). Gouverner par les instruments. Paris: Presses de Sciences Pó (Collection Académique Presses de Sciences Pó         [ Links ]).

Piaget, J. (1970). O estruturalismo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro.         [ Links ]

Sachs, I. (2007). Rumo à Ecossocioeconomia. Teoria e prática do desenvolvimento. . São Paulo: Cortez Editora.         [ Links ]

Unger, R. M. (2009). O que a esquerda deve propor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 01.03.2012
Aprovado em: 01.04.2012