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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.12 no.3 Florianópolis dez. 2012

 

A qualidade de vida no trabalho: relações com o comprometimento organizacional nas equipes multicontratuais1

 

The Quality of life at work: relationships with organizational commitment in teams of several forms of employment contract

 

 

Renata SchirrmeisterI; Ana Cristina Limongi-FrançaII

I(Universidade de São Paulo). Universidade de São Paulo FEA EAD - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho. Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, sala C-09. São Paulo, SP, Brasil. Tel. +55-11-99264-2294. E-mail: renatas@usp.br
II(Universidade de São Paulo). Universidade de São Paulo FEA EAD - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho. Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, sala C-09. São Paulo, SP, Brasil. Tel. +55-11-99901-5488. E-mail: climongi@usp.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é contribuir para a reflexão das relações de satisfação com bem-estar no trabalho e os tipos de comprometimento organizacional. O pressuposto é de que os vínculos psicossociais de comprometimento e do tipo de contrato de trabalho modificam a percepção e o significado da qualidade de vida no trabalho (QVT). O estudo foi realizado em um Instituto de Pesquisas Tecnológicas, com uma amostra intencional de 270 participantes, de um quadro total que à época era de 1.550 pessoas. Foram utilizados testes estatísticos ANOVA, LSD e correlação de Pearson. Os resultados indicaram relações entre os vetores estudados. As mais significativas foram: 1) associações positivas entre a satisfação com QVT e o comprometimento, especialmente o afetivo, notadamente na variável Imagem Organizacional (0,55) e Camaradagem (0,51), inexistindo correlações negativas; 2) diferenças entre vínculos de trabalho, em todas as dimensões. As análises de satisfação com a QVT demonstraram variabilidade em 35 das 45 variáveis, notadamente nas variáveis cuidados com a saúde e limpeza. As variáveis Qualidade das Refeições (média 8,16) e vínculo (8,56) apresentaram diferença positiva para os celetistas. A variável camaradagem foi mais alta entre os flexibilizados (7,48). A dimensão instrumental do comprometimento aparece com mais intensidade entre terceirizados - foi constatada média 9,64 no sentimento obrigação pelo desempenho entre os autônomos; e 3) Confiança apresentou resultados associados à gestão de equipes multicontratuais. Os achados de pesquisa demonstram laços estatísticos entre as variáveis estudadas, contribuindo como sinalizadores de estudos com esses construtos, com vistas à diferenciação dos novos desafios de gestão.

Palavras-chave: Equipes Multicontratuais, Qualidade de Vida no Trabalho, Comprometimento Organizacional, Flexibilização do Trabalho, Institutos de Pesquisa.


ABSTRACT

The central objective is to contribute to consideration of psychosocial aspects in the management of people within the framework of personal satisfaction with well-being and organizational commitment (OC). The assumption is that the links change administrative and psychosocial meaning of quality of life at work (QLW). The sample is composed of 270 workers, from 1.550, in a Technological Research Institute. Statistical tests used ANOVA, LSD and Pearson correlation. The results indicated relationships between vectors QLW versus OC versus type of contract. The most significant were: 1) positive associations between satisfaction with the quality of life at work-QWL and affective commitment especially, notably Image (0.55) and camaraderie (0.51), with no negative correlations; 2) significant statistical differences were found between the collaborators with differentiated work contracts, with fairly strong degree of significance in all dimensions of the instrument: satisfaction with the quality of life at work showed significant variability in 35 of 45 variables, especially in people management processes, health care and cleaning. The variable quality of the meals (average 8.16) and contracts form (8.56) showed a big positive difference to the formal workers (CLT) and variables as camaraderie (7.48) were the highest among the flexible workers; instrumental commitment appears with more intensity between outsourced; 3) Trust presented strong evidence on the results of managing multi-contractual teams. It can be concluded that for this study, the variables of quality of life and commitment have positive relations with significant variations from the type of employment contract.

Keywords: Multi-contractual Teams, Quality of Working Life, Organizational Commitment, Work Flexibility, Research Institutes.


 

 

O Terceiro Milênio chega à vida das pessoas e das organizações de forma intensa em termos de consciência ambiental, desafios dos mercados locais e globais e da consequente flexibilização das relações de trabalho. Neste cenário, a consolidação da gestão da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) como demanda de bem-estar tem se ampliado em várias áreas, especialmente na gestão de pessoas. A Qualidade de Vida no Trabalho representa, nesse novo cenário global, tecnológico e com valores de sustentabilidade, a necessidade de atuar mais profundamente na melhoria das condições da vida no trabalho, desde as práticas e os processos organizacionais, ao ambiente físico e aos padrões de relacionamento.

O novo olhar sobre as condições de vida no trabalho promove maior visibilidade dos valores e das demandas pessoais diante das novas formas de contratação de pessoas, que originaram o aparecimento de equipes formadas com diversos tipos de vínculos contratuais. O comprometimento organizacional é atualmente um ponto crítico na estratégia de gestão de pessoas; e a QVT vem incorporar qualidade nos processos organizacionais.

O objetivo foi estudar as relações entre práticas de contratação em Gestão de Pessoas e a Qualidade de Vida no Trabalho e comprometimento. Para tanto, definiu-se como objetivos secundários: a) identificar relações entre a QVT e os tipos de relações contratuais; b) identificar relações entre os tipos de relações contratuais e o Comprometimento Organizacional; e c) identificar relações entre a QVT e o Comprometimento Organizacional. Nesse ínterim, o problema de investigação estabelecido foi: Quais são as diferenças e relações estabelecidas em QVT e comprometimento que decorrem da variabilidade de vínculos contratuais em uma organização?

No Relatório Delphi RH 2010 (Fischer & Albuquerque, 2011), o Modelo de Gestão Múltiplo, contemplando diferentes vínculos de trabalho e relacionamento com os funcionários foi considerado de alta relevância, mas com baixa implementação. Permanecendo como um princípio de alta dificuldade de implementação nas organizações. Sarsur, Cançado, Fernandes e Steuer (2002) notam que, atualmente, quanto mais o gestor ascende na carreira, maior a necessidade de sua preparação para gestão de múltiplos vínculos.

O presente estudo foi realizado em um instituto de pesquisas tecnológicas, que atende aos critérios da pesquisa - organização de grande porte e presença de equipes com diversos vínculos contratuais.

O artigo se estrutura da seguinte forma: após a introdução, onde foram apresentados os objetivos e a justificativa do estudo, segue-se a retrospectiva teórica, apresentando os conceitos de QVT, comprometimento e o contexto atual de flexibilização das relações de trabalho, passando-se à metodologia, análise dos resultados e às conclusões do estudo.

 

RETROSPECTIVA TEÓRICA

Qualidade de vida no trabalho

Demandas relativas à Qualidade de Vida no Trabalho são quase tão antigas quanto a própria civilização. A grande diversidade de abordagens enriquece a sua análise, mas exige clara delimitação para que as relações estabelecidas sejam claramente associáveis. O início da industrialização foi caracterizado por hábitos e práticas de atenção às pessoas voltadas para a produtividade centrada nos conceitos tayloristas de tempos e movimentos. Embora ainda se encontre forte influência desses fatores, houve mudanças significativas quanto às questões de motivações, lideranças, formação de equipe e contratos de trabalho antes dos anos de 1970. Nos anos de 1970 ocorrem mudanças culturais relativas à autonomia, liberdade e iniciativa. No Brasil, as maiores mudanças nas políticas das empresas e expectativas dos empregados e empregadores ocorreram nos anos de 1990, com a abertura de mercados internacionais. A competitividade brasileira prescindia de qualificação, qualidade de processos, implantação de certificações, acreditações, reestruturação produtiva e parcerias internacionais.

Outro movimento importante é o crescente nível de formação educacional no Brasil e no mundo, que se reflete na organização das empresas. Segundo Albuquerque (2002), as empresas passaram do paradigma do controle para o paradigma do comprometimento. Este foi um dos impulsos para qualificação e valorização de práticas de gestão de pessoas e também de promoção da saúde e da qualidade de vida no trabalho.

Os estudos mais difundidos no Brasil, desde os anos de 1970 são os de Walton (1973) que publicou indicadores de QVT com oito critérios básicos. São também conhecidos e aplicados os modelos de Hackman e Oldham (1975) que desenvolveram o Job Diagnostic Survey (JDS) em torno das dimensões básicas da tarefa, sustentando que essas dimensões precedem a satisfação do indivíduo e a performance. O modelo de Westley (1979) visou a organização do trabalho e agrupou os obstáculos que prejudicam a QVT em quatro aspectos:

• Políticos: sentimento de insegurança no emprego;

• Econômicos: sentimento de injustiça no sistema de recompensas, iniquidade;

• Psicológicos: ausência de autorrealização, levando à alienação;

• Sociológicos: ausência de participação nas decisões, gerando anomia.

A construção e socialização da abordagem biopsicossocial originam-se da Medicina Psicossomática, especialmente com Lipowski, psiquiatra social que sinaliza a importância dos aspectos psicossociais na eclosão de sinais, sintomas e doenças e também a importância dos suportes sociais para reduzir os agravos à saúde e proteger a vida dentro e fora do trabalho.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e grande parte das suas lideranças nos anos de 1980 construíram um novo paradigma para a visão de saúde e doença. A definição de Saúde que abriu espaço para atuação e manejo psicossocial é: "Saúde é o completo bem-estar biológico, psicológico e social e não apenas ausência de doença". O professor emérito Lennart Levi e o psiquiatra Christopher Dejours participam ativamente dessa abordagem na revelação dos fatores psicossociais, como também no reconhecimento das manifestações de "Loucura no Trabalho". Centenas de pesquisadores em todo o mundo têm atuado nessas abordagens, sendo que mais recentemente destacam-se os estudos sobre emoções e precarização das condições específicas do ambiente de trabalho.

O modelo de análise metodológica baseado na abordagem biopsicossocial foi acrescido da organizacional por Limongi-França (1996). O domínio organizacional se estabelece como elemento diferenciador e identificador das demandas da qualidade da vida no trabalho. O pressuposto desse modelo considera que todas essas dimensões respondem simultaneamente às condições de vida. Essas respostas apresentam variadas combinações e intensidades e podem ser mais visíveis em um deles, embora todos sejam sempre interdependentes.

Os quatro domínios que definem a qualidade de vida no trabalho são compostos pelos seguintes elementos:

• Domínio Biológico: hábitos saudáveis como alimentação e atividades físicas;

• Domínio Psicológico: clima organizacional, oportunidades de carreira, relacionamento com colegas e chefes, autoestima;

• Domínio Social: previdência, cursos, lazer e família;

• Domínio Organizacional: imagem corporativa, inovação e tecnologia, ergonomia, natureza da atividade, políticas e rotinas de recursos humanos.

Limongi-França (2003) conceitua QVT como a percepção do conjunto de escolhas de bem-estar relativas a hábitos saudáveis pessoais, familiares e organizacionais em ambiente ético e sustentável, que interferem nas condições da vida no trabalho.

Em geral, qualidade de vida no trabalho é entendida como procedimentos em gestão de pessoas que visam produtividade saudável, motivação, desenvolvimento humano e bem-estar pessoal e organizacional. Os elementos-chave desse construto apóiam-se em quatro pilares básicos, que são a resolução de conflitos, a reestruturação da organização do trabalho, a inovação nos sistemas de recompensa (financeiras e não financeiras) e a melhoria no ambiente de trabalho, como clima, cultura, ambiente, ergonomia e assistência. Na última década, a QVT ascendeu, de forma gradativa e sistemática, de características essencialmente operacionais e legisladas para ações corporativas estratégicas. As responsabilidades ampliam-se para a qualidade pessoal, qualificações profissional e cultural, planejamento, trabalho voluntário e cidadania, o que requer novas competências.

Em temos de novos modelos de QVT, além do BPSO-96 utilizado no presente estudo, Constantino (2007) desenvolveu um instrumento de qualidade de vida a partir da teoria de Kertesz e Kerman, sob a ótica biopsicossocial e Quel (2010) explica empiricamente a importância da G-QVT (Gestão da QVT) para atingir a estratégia organizacional e de sustentabilidade, elevando esse conceito a um patamar estratégico.

Sant'Anna, Kilimnik e Moraes (2011) ressaltam que ainda não há um construto definido em QVT, localizando-se em um estágio intermediário. Os autores recomendam estudos que abranjam as complexidades das relações de trabalho e ampliação do foco para a percepção dos indivíduos pesquisados.

 

COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

O comprometimento do indivíduo com a organização, ou comprometimento organizacional, vem sendo estudado com o declínio do modelo taylorista, estabelecendo, com a integração indivíduo-organização, uma conexão entre a satisfação, estudada desde o surgimento da escola de relações humanas, e a produtividade. Todas as mudanças contextuais verificadas nesse período estimularam a comunidade científica e as próprias organizações a buscarem subsídios na compreensão da relação indivíduo-organização e todas as atitudes que a permeiam - os antecedentes, correlatos e consequentes (Moraes, Marques & Kilimnik, 1995; Mowday, 1998). O comprometimento ocorre em diversos aspectos da vida de um indivíduo. Com relação ao aspecto profissional, os estudos a respeito de comprometimento recaem em diversos focos principais, que são, de acordo com Morrow (1983), valores, carreira, trabalho, organização e sindicato.

A maioria dos estudos sobre comprometimento geralmente são de vertente organizacional, gerando por vezes a noção de esta ser sinônimo de comprometimento individual. A abordagem afetiva, ou atitudinal, é a mais amplamente estudada, tendo sido marcada pelo clássico estudo de Mowday, Porter e Steers (1982), com enfoque unidimensional, relacionado a sentimentos de lealdade, desejo de permanecer e se esforçar pela organização. A segunda abordagem mais importante em sua presença na literatura é a instrumental (side-becks ou de continuação).

Embora os primeiros modelos de comprometimento sejam unidimensionais, os estudos evoluem para abordagens mais complexas, sendo o modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991) o mais citado e estudado. Esse modelo contempla as dimensões afetiva, normativa e de continuação. O'Reilly e Chatman (1986) propõem três bases independentes: compliance (envolvimento instrumental), identificação (ou afiliativo) e internalização (congruência entre valores organizacionais e individuais).

Bastos (1997) descreve o comprometimento como um grande rótulo, com sobreposições entre as definições conceituais e operacionais com que os pesquisadores trabalham, constituindo um construto complexo e ainda disperso. Mowday (1998) conclui que há necessidade de muitas pesquisas longitudinais para que o comprometimento seja melhor compreendido.

Cohen (2007) propõe que o comprometimento seja estudado considerando duas dimensões básicas apenas: a instrumental e a afetiva (que inclui a normativa). Esse ponto de vista confirma o modelo de Medeiros (2003) que também polariza o comprometimento nessas duas dimensões. Cohen (2007) propõe ainda estudos longitudinais que contemplem como uma atitude que pode ou não ser modificada.

Rodrigues e Bastos (2010) realizam um mapeamento das definições de comprometimento organizacional, aglomerando-as em dois tipos básicos de vínculos: o ativo, que contempla o afetivo e afiliativo, e o passivo, que contempla o instrumental e a permanência. Com base na literatura, demonstram que a satisfação do trabalhador (em diversos aspectos) está relacionada às bases afetiva (principalmente) e normativa; já questões como estresse, absenteísmo e conflitos família-trabalho estão inversamente associadas àquelas bases, sendo correlacionadas com a base instrumental, defendendo que esta última não é comprometimento.

Carvalho, Alves, Peixoto e Bastos (2011) apontam para a tendência ao retorno da unidimensionalidade em torno da base afetiva e, neste ínterim, propõem que a dimensão de continuação é similar à de entrincheiramento, constituindo construto diverso.

O presente estudo é baseado no modelo que Medeiros (2003) desenvolveu buscando explorar a dimensionalidade do comprometimento organizacional, ajustado à cultura brasileira. Seu modelo, com seis dimensões de comprometimento, a partir da teoria de Meyer, Allen e Smith (1993) e O'Reilly e Chatman (1986), se relacionam de forma simultânea e complexa:

1. Afetivo (internalização de valores e objetivos);

2. Instrumental (poucas alternativas);

3. Normativo (obrigação pelo desempenho);

4. Normativo (obrigação em permanecer);

5. Afiliativo (sentimento de fazer parte);

6. Instrumental (linha consistente de atividade).

Há estudos também a respeito do comprometimento organizacional em instituições de pesquisa. Borges-Andrade, Cameschi e Xavier (1990) obtiveram como resultados de um estudo na Embrapa que as variáveis mais poderosas para o comprometimento são a existência de um sistema justo de promoções e de oportunidades de crescimento na carreira e progresso profissional e a influência que a instituição exerce no ambiente externo. Destacam-se ainda como variáveis relacionadas positivamente ao comprometimento: dificuldade de ingresso na instituição, percepção da organização como influente no país, satisfação com o relacionamento com os colegas e interesse despertado pelas atividades que realiza. Com relação ao pessoal de suporte à pesquisa, o comprometimento é condicionado por aspectos pessoais e de papel organizacional, sendo também muito importante o funcionamento dos grupos de trabalho e distribuição de tarefas.

Em um estudo realizado no Centro Técnico Aeroespacial, Ricco (1998) concluiu que, apesar dos pesquisadores trabalharem sob condições adversas, principalmente a incerteza nos pagamentos de salários possui, em geral, um comprometimento afetivo em relação à organização.

Com relação a estudos que relacionam especificamente a QVT e o comprometimento, Kanste (2011) encontrou correlações positivas moderadas entre realização pessoal (variável de bem-estar) com identificação com valores e objetivos da organização (r=0,40), disposição para o desempenho (r=0,44), e comprometimento ocupacional (r=0,37). Moraes, Marques e Kilimnik (1995) realizaram um estudo de caso comparativo com três organizações e estabeleceram uma correlação positiva entre as variáveis indicando que o indivíduo que encontra condições de trabalho favoráveis ao equilíbrio de seus aspectos racionais, emocionais e afetivos desenvolve, paralelamente, uma maior motivação interna e uma integração consistente aos valores e objetivos da empresa.

Flexibilização das formas de contratação

Em um mundo tão dinâmico, as relações humanas tornam-se mais flexíveis em todas as suas dimensões, incluindo nas relações de trabalho, que perderam sua estabilidade. De acordo com Chahad (2003), a flexibilidade passa a ser um fim em si, independente da posição e do grau de desenvolvimento da empresa.

Além da conjuntura socioeconômica, a flexibilização das relações de trabalho ocorreu também porque o governo entendeu que reduzir a rigidez das relações trabalhistas significaria proteger um contingente maior de trabalhadores, embora em níveis inferiores ao anterior; um terceiro motivo apontado pelo autor para a promoção da flexibilização do contrato de trabalho é a livre negociação entre empregador e empregados, notadamente no caso americano (Chahad, 2003).

A qualidade dos postos de trabalho sofreu degradação também sob a ótica do ritmo de trabalho, da jornada e das condições de saúde do trabalhador, e doenças ocupacionais como LER e DORT assumem proporções preocupantes (Kremer & Faria, 2005).

O termo terceirização é mais utilizado na literatura para contratação de serviços não ligados ao core-business da empresa (Giosa, 2003). Assim, optou-se pelo termo contratação flexibilizada, pois as equipes com múltiplos vínculos contratuais existem, atualmente, independentemente de esses trabalhadores estarem atuando em atividades essenciais da empresa (Sarsur et al., 2002).

Rubery, Earnshaw, Marchington, Cooke e Vincent (2002) apontam três motivos que levam as empresas a utilizar a multicontratação: o primeiro motivo está na redução de custos, o segundo está no foco em uma estrutura baseada estritamente no core business da empresa, e como terceiro motivo existe a aprendizagem e aquisição de novos conhecimentos, já que há a contratação de pessoal qualificado, com competências específicas que não são do core business da empresa, mas que agregam novos conhecimentos e experiências.

Os mesmos autores levantam diversas ambiguidades na multicontratação relacionadas à QVT. A primeira delas é a responsabilidade pela saúde e segurança no trabalho que, embora o terceirizado atue fisicamente na empresa que contratou o serviço, não há uma regulamentação sobre a responsabilidade com a integridade física do funcionário. A insalubridade é outro item ambíguo nesse tipo de contratação já que, em uma relação de trabalho tradicional, haveria uma remuneração compensatória, negociação com sindicatos e busca de soluções para melhoria das condições de trabalho. Paradoxalmente, Rubery et al. (2002) ressaltam que as empresas supõem uma lealdade que não existe por princípio em uma relação de terceirização e ainda creem que a motivação surge espontaneamente com a troca de conhecimentos e o trabalho em grupo.

Sarsur et al. (2002) verificaram que as principais queixas dos empregados das terceirizadas, que chegam aos gestores das empresas centrais, são as diferenças de remuneração e benefícios que, entretanto, não estão entre as principais preocupações dos gestores. Fernandes e Carvalho Neto (2005) encontraram tendência de ampliação da multicontratação nas empresas brasileiras e, paralelamente, constataram o aumento da distância no tratamento conferido aos flexibilizados em relação aos empregados, em aspectos fundamentais da gestão de pessoas, como a remuneração por metas e resultados (mesmo nas melhores e maiores empresas do Brasil).

Corcetti e Behr (2009), entre outros, apontam para a precarização do trabalho terceirizado e desnivelamento entre estes e efetivos no setor metalmecânico. Azevedo e Tonelli (2009) lembram que há um descompasso entre o sistema trabalhista brasileiro e o mercado de trabalho, onde os trabalhadores flexibilizados ficam fora do sistema, perdendo o acesso a serviços assistenciais, como a previdência, e sem poder de negociação coletiva.

Para os economistas, o mercado de trabalho apresenta hoje diversos sinais de que, talvez na maioria das atividades, estamos caminhando para um futuro onde inexistem vínculos permanentes de emprego, com uma economia cada vez menos intensiva em mão de obra e os empregos permanentes sendo gradualmente substituídos por contratos transitórios (Zylberstajn, 2009).

Kelliger e Anderson (2008) encontram resultados com forte relação positiva entre trabalho flexível e percepções de qualidade do trabalho. Este estudo foi realizado em uma empresa de tecnologia que, na busca de inovar os processos de gestão de pessoas, ofereceu a contratação flexível como opção a seus colaboradores, ocorrendo principalmente o job share. Os custos relacionados a essa flexibilização residem especialmente na relação de longo prazo, em relação às possibilidades de desenvolvimento e progresso de carreira, sugerindo uma relação mais complexa.

Nos estudos publicados por Wilson, Brown e Cregan (2008), os empregados em trabalhos temporários, especialmente em meio período, perceberam que tinham baixa qualidade do trabalho em relação aos empregados em trabalho permanente. Já nos estudos de Silva, Santos, Veloso e Dutra (2010) foi possível verificar diferenças na percepção dos empregados quanto ao equilíbrio do tempo gasto com o trabalho na empresa e as suas necessidades pessoais, considerando diferentes características de perfil.

O esforço na melhoria da qualidade nas contratações terceirizadas pode ser notado em Souza, Maldonado e Rados (2011) em duas empresas do setor elétrico brasileiro, que buscaram ampliar seus modelos de gestão de terceirização com maior qualidade nos contratos, incluindo alinhamento estratégico e melhoria de clima e segurança organizacionais.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e transversal único, cuja estratégia de pesquisa escolhida foi o estudo de caso, com o propósito de estudar o fenômeno, que é atual, dentro de um contexto específico. De acordo com Yin (2005, p.32) "um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos". Os estudos de caso podem se basear em qualquer mescla de provas quantitativas e qualitativas (Yin, 2005). As técnicas utilizadas foram predominantemente a quantitativa (questionários) e complementarmente a qualitativa - o estudo foi realizado in loco com o acesso a documentos da organização e o contato direto com os gestores e colaboradores, procedendo-se a entrevistas semiestruturadas com gestores de áreas com maior variabilidade contratual. A escolha do conceito que melhor expressa QVT, pertencente ao protocolo BPSO, é considerado qualitativo.

Para atender os objetivos do estudo, foram elaboradas as seguintes hipóteses:

H1: Existe correlação entre a satisfação com a qualidade de vida no trabalho e o comprometimento organizacional.

H2: Trabalhadores com vínculos contratuais diferenciados possuem satisfação com qualidade de vida no trabalho diferenciada.

H3: Trabalhadores com vínculos contratuais diferenciados possuem atribuições de importância em qualidade de vida no trabalho diferenciadas.

H4: Trabalhadores com vínculos contratuais diferenciados possuem comprometimento diferenciado.

As categorias de pesquisa definidas para este trabalho foram QVT, em suas dimensões biopsicossocial-organizacional e comprometimento, nas quatro dimensões do modelo de Medeiros (2003), mediadas pelo vínculo de trabalho. Foi elaborado um questionário autoadministrado com questões estruturadas do protocolo BPSO (Limongi-França, 1996), e Comprometimento, de Medeiros (2003), em escala razão, com notas de zero a dez, distribuído em toda a organização, resultando em uma amostra intencional de 270 participantes.

Em relação ao universo da pesquisa, trabalhou-se com os seguintes dados: 815 celetistas, 277 cooperados, 310 bolsistas e estagiários, 73 autônomos e 75 provenientes de empresas de terceirização, totalizando 1.550 trabalhadores. Mais de 70% se encontrava diretamente envolvido em atividades-fim. Esses vários tipos de contratos foram agrupados em quatro tipos de trabalhadores: Celetista, Cooperado, Autônomo ou Estagiário. A atuação conjunta desses trabalhadores e estagiários em uma mesma equipe de uma organização caracteriza o conceito aqui adotado de Equipes Multicontratuais.

Os dados apresentaram bom nível de confiabilidade, com Alpha de Cronbach no valor de 0,940, e normalidade, com nível de significância de 0,05 no teste de Kolmogorov-Smirnov. Para confirmar as hipóteses, foram utilizados os testes ANOVA e LSD (H2, H3 e H4), assim como a Correlação de Pearson (H1).

 

RESULTADOS

A média geral de satisfação com QVT ficou em 5,86 e o desvio-padrão (DP) ficou em 2,77. A média geral de importância ficou em 8,90 e o desvio-padrão ficou em 1,71. Nota-se que as médias de atribuição de importância são bem mais altas e o desvio-padrão bem menor, indicando pouca variabilidade nas opiniões. A Tabela 1 apresenta as variáveis com maior índice de satisfação e atribuição de importância.

Foi observado que os celetistas se concentram em faixas de idade superiores aos cooperados e autônomos - aquele grupo possui maior frequência nas faixas acima de 35 anos e os flexibilizados concentram-se nas faixas até 28 anos. No ponto de flexão, vê-se uma frequência bem menor de trabalhadores na faixa de 29 a 34 anos de idade, ou seja, na fase final de formação do pesquisador, indicando a perda de talentos (e do investimento realizado) para o mercado.

Os conceitos que melhor expressam a qualidade de vida no trabalho são, para essa amostra, realização pessoal, responsabilidade e confiança; entretanto, os conceitos que foram elencados em primeiro lugar foram realização pessoal, confiança e saúde. Confiança é o conceito mais lembrado pelos autônomos e cooperados, enquanto realização pessoal é o mais lembrado para os celetistas e estagiários.

Satisfação com QVT

Os testes de ANOVA e LSD revelaram uma variabilidade significativa em uma grande quantidade de variáveis de satisfação com a QVT: 35 em um total de 45. Todas as variáveis do domínio psicológico apresentaram diferenças. As variáveis que apresentaram diferenças estão apresentadas na Tabela 2.

As diferenças se concentram nos celetistas e nos estagiários. Os cooperados e os autônomos apresentam pouca diferença de opiniões entre si, apenas em relação aos outros dois grupos, comportando-se, na maioria das variáveis, como se fossem um só grupo.

Nota-se que os celetistas apresentam menor satisfação nas variáveis avaliação de desempenho, mecanismos de promoção, carreira, remuneração, ausência de interferência na vida pessoal, mecanismos de integração, treinamento, melhorias nos processos de trabalho, financiamento de cursos externos, loja, saúde geral dos colegas, bem-estar, adequação das ações de QVT para as necessidades pessoais. Essa diferença pode ser explicada possivelmente por maiores expectativas em relação a esses itens e maior tempo de casa.

Por outro lado, os celetistas estão significativamente mais satisfeitos com a atenção à saúde, limpeza, refeições oferecidas, vínculo de trabalho, qualidade dos convênios, atendimento aos filhos e cesta básica. Os trabalhadores flexibilizados não têm acesso a alguns serviços e as refeições são oferecidas mediante um subsídio menor.

Os autônomos apresentaram menor satisfação na variável atendimento às rotinas de pessoal em relação aos celetistas e cooperados, possivelmente pela própria forma de contratação, vinculados a empresas de terceirização. Esse grupo apresentou maior satisfação nas variáveis CIPA e controle de riscos ambientais. Este é um indício importante porque são esses trabalhadores que têm maior contato com riscos no trabalho.

Os estagiários apresentaram diferença em relação aos celetistas e aos cooperados em relação à imagem da organização; em relação à ética e integração, os estagiários apresentaram diferença em relação a todos os grupos. Demonstraram, ainda, satisfação significativa em todas as variáveis psicológicas. Esse grupo concentra as maiores médias de satisfação da amostra, possivelmente por a instituição atender às expectativas que os estagiários possuem nessa fase da carreira.

Com relação às dimensões psicológica e estado pessoal de QVT, os cooperados e autônomos não apresentaram diferença entre si em nenhuma das variáveis. Curiosamente, os cooperados apresentaram diferença de opinião em relação a todos os grupos na variável formas de organização dos funcionários (associações, conselhos, sindicatos), demonstrando menor satisfação nesse item. Os cooperados, assim como os gestores, vêem a cooperativa como mais uma empresa de terceirização, e não como uma organização de trabalhadores. Embora alguns cooperados entrevistados tenham se mostrado relativamente mais satisfeitos do que os trabalhadores propriamente terceirizados, devido a algumas facilidades como convênio médico e odontológico e treinamentos, além de eventos de confraternização, essa impressão foi contrariada estatisticamente.

Atribuição de importância em QVT

Os testes de ANOVA e LSD revelaram uma variabilidade significativa de opinião em apenas cinco variáveis (das 45 oferecidas), o que significa certo consenso entre os grupos (Tabela 3).

Ao contrário do tópico anterior, as diferenças de opiniões em relação à importância em QVT se concentram no grupo dos autônomos e, portanto, nesse caso os autônomos e os cooperados não demonstram formar um grupo com semelhança de opiniões.

Na variável atendimento do convênio médico, as médias dos celetistas e estagiários indicam que essa variável se classifica em 4º lugar em importância para esses dois grupos, e em 33º e 38º para cooperados e autônomos, respectivamente. De acordo com as ocorrências de saúde-doença registradas, de fato os celetistas e estagiários, além de atribuírem mais importância, usam mais os serviços de saúde.

Os autônomos atribuem menor importância à variável melhorias nos processos de trabalho em relação aos celetistas e cooperados e em relação a todos os grupos na avaliação de desempenho e na ausência de interferência na vida pessoal.

A remuneração encontra-se em 3º lugar para os estagiários e 5º para os celetistas, 16º para os cooperados e 19º para os autônomos. Em relação à remuneração, o teste LSD indica que os autônomos apresentam diferenças de opinião em relação aos celetistas e aos estagiários, enquanto os cooperados não apresentam diferença significativa com quaisquer grupos.

As diferenças apresentadas nessas variáveis possivelmente se devem ao fato de haver uma predominância de cooperados e autônomos envolvidos em trabalhos de nível técnico, principalmente os autônomos.

Comprometimento organizacional

O comprometimento organizacional predominante na organização corresponde ao sentimento de obrigação pelo desempenho, de domínio normativo. Além de obter as médias mais elevadas, também apresentou um desvio-padrão razoavelmente baixo, indicando pouca variabilidade nas opiniões. Dos 27 indicadores apresentados, verificou-se diferença em sete variáveis, conforme Tabela 4.

Em relação às três variáveis do domínio normativo obrigação em permanecer e linha consistente de atividade "Para conseguir ser recompensado aqui é necessário expressar a atitude certa", os celetistas apresentaram diferença significativa em relação aos grupos. Nessas quatro variáveis os celetistas apresentaram médias mais baixas em relação aos outros grupos. O domínio obrigação em permanecer é a que apresenta médias mais baixas entre os celetistas. Essas variáveis possuem médias regulares para todos os outros grupos.

Em relação à variável "o bom empregado deve se esforçar para que a empresa tenha os melhores resultados possíveis", do domínio normativo obrigação pelo desempenho, os estagiários apresentaram uma diferença significativa em relação a todos os grupos, também com médias mais baixas.

Em relação às duas variáveis do domínio instrumental falta de recompensas e oportunidades, os autônomos apresentaram diferença significativa em relação aos outros grupos, com médias mais altas. A variável "a menos que eu seja recompensado de alguma maneira, não vejo razões para despender esforços extras em benefício dessa organização" apresenta uma média regular entre os autônomos (no terceiro quartil). A variável "minha visão pessoal dessa organização é diferente da que eu expresso em público" é a que apresenta médias mais baixas em todos os grupos, inclusive para os autônomos.

Embora os testes não tenham apontado diferenças estatísticas no domínio Internalização de Valores e Objetivos Organizacionais, os celetistas tiveram médias mais altas nessa dimensão.

Correlação entre QVT e comprometimento

De acordo com Hair, Babin, Money e Samouel (2005), a correlação de Pearson mensura a associação linear entre duas variáveis métricas e, em geral, pode-se categorizar a força da associação entre as variáveis como leve; pequena, mas definida; moderada; alta; ou muito forte. Nos testes de correlação utilizados neste estudo foi utilizado um nível de significância de 0,05. Foi encontrada uma correlação moderada entre a satisfação com QVT e o comprometimento, com coeficientes de correlação situados entre 0,4 e 0,6, como mostra a Tabela 5. Podemos perceber que imagem e camaradagem demonstram ser as variáveis mais fortes, em relação ao comprometimento afetivo.

Foram efetuadas entrevistas com alguns gestores nas áreas visitadas e ainda foram captadas reações dos participantes, dispostas em comentários ao longo deste estudo, em geral muito favoráveis à realização da pesquisa. Em relação às entrevistas, os gestores afirmam que encontram dificuldades em trabalhar com equipes de múltiplos vínculos, devido ao sentimento de falta de equidade e por haver dificuldades nos meios de cobrança já que há uma cultura de empresa pública, com baixo índice de demissões, mas com perspectivas desiguais em relação à estabilidade de emprego na equipe. As principais dificuldades relatadas pelos gestores é a falta de equidade nas equipes, falta de implementação de um plano de carreira, falta de recompensa por desempenho e remuneração abaixo do nível de mercado, em geral. Foram relatados também problemas como perda de talentos para o mercado e o tempo de formação de um pesquisador, de 10 anos, que se perde devido à falta de atrativos - como remuneração e premiação - para mantê-lo na organização.

 

CONCLUSÕES

Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos contratuais na análise das médias das variáveis de satisfação e atribuição de importância em QVT, indicando que as hipóteses do estudo foram confirmadas.

A qualidade das refeições parece ser uma variável de importância na cultura da organização, além de apresentar elevadas médias, foi muito citada nas questões abertas. Natureza do trabalho e cooperação também foram percebidas como variáveis fortes, o que é esperado em uma instituição de pesquisa. Outras variáveis fortes na satisfação dos trabalhadores são o programa de controle médico e saúde ocupacional e ainda as SIPATS, percebido principalmente na parte qualitativa, especialmente pelos autônomos. Com relação à satisfação com QVT, a amostra se comportou como se fossem três grupos - os celetistas, com as menores médias de satisfação; os estagiários, com as maiores médias de satisfação; e os flexibilizados, com médias situadas entre os dois grupos citados.

Diversas diferenças em torno da satisfação foram notadas em função da diferença na forma de contratação. Programas de orientação à saúde, segurança e riscos ambientais são percebidos com maior satisfação pelos autônomos, provavelmente devido ao tipo de função exercida na organização. Evidentemente, os profissionais com contratação flexibilizada apresentam menor satisfação em aspectos que não têm acesso, como assistência médica e odontológica. Os estagiários demonstraram estar, em geral, mais satisfeitos, possivelmente porque a instituição atende às expectativas que possuem nessa fase da carreira. Os celetistas demonstraram estar significativamente menos satisfeitos em questões como carreira, remuneração, reconhecimento e mecanismos de integração, que surgiram como variáveis fortes no desafio de gestão de pessoas na organização.

O estudo indica também diferença significativa na variável vínculo de trabalho, demonstrando que os celetistas valorizam o contrato que mantém e confirmando que os trabalhadores flexibilizados estão menos satisfeitos nesse item. Os celetistas e estagiários dão mais importância ao convênio médico, e usam mais o atendimento do convênio e do ambulatório. Os autônomos dão menos importância à avaliação de desempenho, remuneração e ausência de interferência na vida pessoal, provavelmente devido à diferença de expectativas.

Os resultados que indicam a confiança como conceito que melhor expressa qualidade de vida no trabalho para os trabalhadores flexibilizados reforça a literatura, que pontua a confiança como variável fundamental no estabelecimento de parcerias e na flexibilização do trabalho (Sarsur et al., 2002; Giosa, 2003; Pastore, 2006).

É importante notar que, embora o domínio de comprometimento obrigação pelo desempenho seja predominante e praticamente homogêneo na amostra, os trabalhadores flexibilizados possuem um sentimento instrumental significativamente mais forte do que os celetistas e os estagiários.

Trata-se de um estudo exploratório não generalizável, com necessidade de estudos longitudinais para avaliação dos resultados à luz de séries históricas. Entretanto, esses resultados são consistentes com outros estudos que vêm sendo realizados. Estudos indicam que os trabalhadores flexibilizados tendem a desenvolver um comprometimento mais instrumental, diferentemente do que ocorre com os celetistas, sugerindo, com base no modelo de Medeiros (2003), que práticas de gestão éticas levam a um melhor desempenho da empresa (Costa, Bastos, Souza & Macambira, 2008; Filenga & Siqueira, 2006; Ribeiro, 2008; Schirrmeister, Nunes, Limongi-França & Gonçalves, 2008).

Por se tratar de uma empresa pública, a abertura de concursos está vinculada a instâncias superiores, dependendo de políticas públicas e, portanto, deixando pouca autonomia aos atores internos da organização.

O estudo demonstrou uma associação moderada entre o comprometimento afetivo, a internalização de valores e os objetivos organizacionais, com dez variáveis de satisfação com QVT distribuídas nas cinco dimensões do instrumento, confirmando a sincronicidade da abordagem biopsicossocial-organizacional. As variáveis são imagem e processos (domínio organizacional); saúde dos colegas e limpeza (domínio biológico); promoção, carreira, remuneração e camaradagem (domínio psicológico); distração (domínio social); e bem-estar (domínio estado pessoal de QVT). Ratificando estudos anteriores de Campanário e Limongi-França (2002) a saída para a gestão de pessoas nesse ambiente é priorizar os atores internos dos institutos e organizações de pesquisas, reforçando sistemas de participação nos processos decisórios e difusão de informações que, de acordo com esses autores, são fatores críticos de qualidade de vida nessas organizações.

Este estudo, embora não seja generalizável, pretende contribuir para o avanço dos estudos em comprometimento, QVT e relações de trabalho. Há indicações de que a força dos laços entre esses construtos e os vínculos de trabalho mais fracos não geram comprometimento, reforçando as proposições de que comprometimento instrumental não é comprometimento organizacional, ainda que a qualidade de vida no trabalho se relacione positivamente com o comprometimento, notadamente o de base afetiva. Pode-se observar também que a flexibilização no mercado de trabalho pode ser positiva para o trabalhador e a organização nas situações em que o bem-estar seja parte dos valores e práticas organizacionais.

 

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Recebido em: 16.11.2011
Aprovado em: 24.11.2012

 

 

1 As autoras agradecem o apoio financeiro da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior para a realização da dissertação de Mestrado, a partir da qual foi desenvolvido este artigo.