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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.13 no.2 Florianópolis ago. 2013

 

Efeitos do trabalho em turnos na saúde e em dimensões do contexto social e organizacional: um estudo na indústria eletrônica1

 

Shiftwork effects on health and on social and organizational life: a study in the electronics industry

 

 

Joana PrataI; Isabel Soares SilvaII

IUniversidade do Minho
IIUniversidade do Minho

Endereço para correspondencia

 

 


RESUMO

O estudo ocorreu em uma empresa industrial localizada em Portugal e teve como objetivo principal compreender os efeitos do trabalho em turnos. Especificamente, os turnos foram comparados ao nível da saúde, da vida familiar e social e da satisfação geral com o horário de trabalho (turno). Os dados foram recolhidos por meio de questionário junto a 490 trabalhadores, distribuídos por turnos fixos - manhã, tarde e noite - e turnos alternados. Os resultados indicam que os trabalhadores que realizam trabalho noturno apresentam maiores queixas de sono. Quanto às implicações na vida familiar e social, são os trabalhadores do turno da tarde os que referem maior interferência. A satisfação com o horário de trabalho também difere entre turnos, sendo que os de turnos alternados se encontram menos satisfeitos e manifestam maior desejo de mudança para o horário de trabalho considerado normal, caso as condições salariais se mantivessem. O trabalho termina com a referência a possibilidades de intervenção passíveis de serem utilizadas pelas organizações no sentido de gerirem a adaptação aos diferentes horários de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho em Turnos, Condições de Trabalho, Horários de Trabalho, Saúde Ocupacional.


ABSTRACT

The study took place in a manufacturing company located in Portugal with the primary goal of understanding the effects of shiftwork, in each shift. Specifically, the shifts were compared in order to understand the implications of shiftwork for health, for family and social life, and for general satisfaction with working hours (shift). Data were collected by a survey of 490 workers, spread across fixed shifts - morning, afternoon, and night - and rotating shifts. The results indicate that workers on the night shift, compared with those on other work schedules, have more sleep complaints. Regarding the implications for social and family life, the afternoon shift workers are the ones who report greater interference. Satisfaction with the work schedule also differs between shifts, with the rotating shift workers being the least satisfied and expressing the greatest desire to change to working a standard schedule if wage conditions were maintained. The study concludes with a reference to possibilities for intervention that can be used by organizations to manage workers' adaptation to different work schedules.

Keywords: Shiftwork, Working Conditions, Working Hours, Occupational Health.


 

 

A organização do tempo de trabalho é um fator preponderante das condições de trabalho (Parent-Thirion, Macías, Hurley & Vermeylen, 2007), cujo impacto ultrapassa o próprio indivíduo, dado que também afeta a família e a própria sociedade.

A mudança nos horários de trabalho, especialmente a sua diversificação, tem sido, porventura, uma das maiores alterações que ocorreu nas últimas décadas nos contextos organizacionais (Härmä & Ilmarinen, 1999). Como refere Presser (1999), a inter-relação entre fatores econômicos, tecnológicos e socioculturais tem levado as organizações da sociedade moderna a, cada vez mais, adotarem horários de trabalho diversificados, que fogem ao tradicional. De fato, é bem visível a tendência para implementar horários de trabalho alternativos ao considerado convencional, ou seja, das 9:00 às 17:00, de segunda a sexta, em diversos setores de atividade e em diversos países (Boisard, Cartron, Gollac & Valeyre, 2003; Parent-Thirion et al., 2007). Nas palavras de Smith, Folkard e Fuller (2003), vivemos em uma "sociedade de vinte e quatro horas", ideia que é reforçada por Fischer, Moreno e Rotenberg (2004), permitindo o trabalho em turnos, o prolongamento do período de laboração até às 24 horas por dia, 365 dias por ano. Além do aumento do período de funcionamento motivado pela procura dos usuários, especialmente nas áreas de serviços como alimentação, comunicação e saúde, existem outras razões que conduzem à implementação do trabalho em turnos pelas organizações, nomeadamente a melhor utilização de equipamentos caros, a manutenção da competitividade e a operacionalização de processos complexos (p.ex., químicos) que exigem mais do que as oito horas típicas de laboração (Johnson & Sharit, 2001).

Segundo Härmä e Ilmarinen (1999), existem razões para acreditar que o trabalho em turnos possa constituir, num futuro próximo, um dos principais problemas do ponto de vista da saúde e da segurança ocupacionais, dadas as atuais características da população mundial - com uma esperança média de vida cada vez maior, aliado ao aumento dos anos em atividade, em concomitância com os recentes dados epidemiológicos relativos a trabalho em turnos e fadiga, desempenho e efeitos crônicos na saúde.

O presente estudo pretende contribuir para o aprofundamento da compreensão do modo como os diferentes horários de trabalho (i.e., diferentes turnos) afetam o trabalhador em diversos domínios, fazendo comparações entre estes no nível da saúde (sono, sistema digestivo e "robustez psíquica") e vida familiar e social. Do ponto de vista organizacional, procura também compreender a satisfação geral com o horário de trabalho (turno) e o desejo de seu abandono.

O estudo foi realizado numa empresa industrial portuguesa no ramo eletrônico e envolveu 490 trabalhadores distribuídos por quatro turnos distintos: manhã fixo (06:00-14:30), tarde fixo (14:30-23:00), noite fixo (23:00-06:00) e alternados (envolvendo a rotação entre quatro equipes de trabalho).

Conceito de trabalho em turnos e principais efeitos associados

Costa (1997) refere-se ao trabalho em turnos como o "modo de organização diária do horário de trabalho, no qual diferentes equipes trabalham em sucessão de modo a estenderem os horários de trabalho, incluindo o prolongamento até as 24 horas diárias" (p. 89). Essa definição está em conformidade com a do Código do Trabalho português que postula o seguinte: "considera-se trabalho em turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipe em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores podem executar o trabalho em horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas"(Artigo 220º Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro).

Efeitos na saúde

Muitas têm sido as investigações centradas na compreensão dos efeitos do trabalho em turnos, encontrando-se tais efeitos, de uma forma global, mais negativamente associados aos turnos que envolvem trabalho noturno, de modo fixo ou alternado (Silva, 2012). Um aspecto que tem sido considerado nessa compreensão, sobretudo quando o trabalho em turnos envolve trabalho noturno, é a forma como essa condição afeta os ritmos circadianos. A investigação nesse âmbito tem-se baseado, por exemplo, na análise da secreção da melatonina (Arendt, 2010), da tireoide e do cortisol, diretamente envolvidos na resposta ao estresse, no sentido de comparar as diferenças de adaptação, por parte do organismo, em trabalhadores em turnos que implicam trabalho noturno e os do horário convencional (Goichot et al., 1998; James, Cermakian & Boivin, 2007). Em trabalhadores que desempenham trabalho noturno, pode-se assistir a uma dessincronização entre os ritmos circadianos e os sincronizadores ambientais dada a inversão do padrão do ciclo sono-vigília que o trabalho noturno exige (Smith et al., 2003). Como refere Silva (2012), a (des)organização da estrutura temporal interna resultante da interação entre o sistema circadiano e as pistas temporais externas que o alinham, parece constituir um aspeto incontornável na compreensão das consequências associadas à problemática do trabalho em turnos, em geral, e no nível da saúde, em particular. Com efeito, tem sido assinalado que as perturbações no sistema circadiano podem estar na base de muitas das queixas manifestadas pelos trabalhadores em turnos a curto prazo, nomeadamente ao nível do sono, humor, sistema digestivo, diminuição do desempenho ou fadiga (Comperatore & Krueger, 1990; Costa, 1996, 1997; Smith et al., 2003; Totterdell, 2005). Além da perturbação do sistema circadiano resultante da inversão do ciclo sono-vigília, têm sido assinalados fatores de natureza ambiental (p.ex., maiores níveis de luminosidade e ruído durante o sono diurno) e comportamental (p.ex., alterações no regime alimentar, como o aumento do consumo de cafeína durante o turno da noite) (Barton et al., 1995; Costa, 1996) no sentido de ajudar a compreender o impacto do trabalho em turnos na saúde, especialmente quando este envolve a realização de trabalho noturno. Como referem Smith e colaboradores (2003) ou Totterdell (2005), a etiologia envolvida no desenvolvimento de perturbações na saúde resultante do trabalho em turnos tende a ser complexa e multifacetada.

A privação do sono é apontada, em vários estudos, como tendo o impacto direto mais negativo nos trabalhadores em turnos, sendo que 60 a 70% se queixam de dificuldades nesse âmbito (Åkerstedt, 1990), residindo os principais problemas na capacidade de adormecer e/ou de manter o sono (Åkerstedt, 1990, 2003). Com efeito, estudos que envolvem turnos alternados com noites (p.ex., Folkard & Barton, 1993; Parkes, 2002) e trabalho noturno fixo (p.ex., Silva, 2000; Silva, 2008) indicam que a qualidade do sono diurno não é comparável à do sono noturno, tendendo este a ser encurtado e de menor qualidade. Por outro lado, como seria previsível, são os trabalhadores dos turnos da tarde os que manifestam menos perturbações neste domínio (Åkerstedt, 2003).

Segundo Folkard e Monk (1985), o trabalho em turnos pode acarretar problemas do foro digestivo, especificamente perturbações do apetite, alterações de peso, diarreia, indigestão e, em situações extremas, úlcera péptica. Segundo a revisão de Costa (1996), a incidência dos problemas gastrointestinais situa-se entre 20 a 75% no caso dos trabalhadores noturnos (permanentes ou alternados), em comparação com os trabalhadores sem trabalho noturno (diurnos ou trabalhadores em turnos) que oscila entre os 10 a 25%. De acordo com essa mesma revisão, dos 36 estudos epidemiológicos analisados, em 25 observou-se uma maior percentagem de desordens gastrointestinais (incluindo úlceras pépticas) nos trabalhadores em turnos em comparação com os trabalhadores diurnos. Em relação aos outros 11 estudos revistos, em 10 não foram observadas diferenças significativas entre trabalhadores em turnos e trabalhadores diurnos em relação a problemas digestivos e em um deles foi observada uma maior incidência de tais problemas no caso dos trabalhadores diurnos.

Do ponto de vista do impacto do trabalho em turnos na saúde psicológica, a investigação é mais escassa, sobretudo em termos da sua relação com quadros psicopatológicos (Cole, Loving & Kripke, 1990; Wedderburn, 2000). Em todo o caso, diversos estudos têm apontado para uma associação entre trabalho em turnos, sobretudo quando implica trabalho noturno, a uma avaliação subjetiva da diminuição do bem-estar geral, como indica, por exemplo, a revisão de Silva (2012). Por outro lado, é provável que uma parte significativa dos trabalhadores que decidem abandonar esse regime de trabalho, o faça devido ao estresse psicológico (Smith et al., 2003).

De modo relativamente mais recente, têm sido também associados ao trabalho em turnos outros problemas de saúde, nomeadamente em nível cardiovascular (p.ex., Boggild & Knutsson, 1999), oncológico (p.ex., Moser, Schaumberger, Schernhammer & Stevens, 2006) e sistema reprodutor feminino (p.ex., Costa, 1997; Nurminen, 1998). Contudo, dado não ser o objetivo do presente trabalho estudar tais efeitos, não será feito aqui o seu desenvolvimento.

Com base na revisão da literatura sobre a relação entre o trabalho em turnos e a saúde, apresentamos as seguintes hipóteses:

Hipótese 1a: Os trabalhadores dos turnos que incluem noites - de modo fixo e alternado - são os que apresentam mais problemas de sono, quando comparados com os trabalhadores de outros turnos.

Hipótese 1b: Os trabalhadores dos turnos que incluem noites - de modo fixo e alternado - são os que apresentam mais problemas digestivos, quando comparados com os trabalhadores de outros turnos.

Hipótese 1c: Os trabalhadores dos turnos que incluem noites - de modo fixo e alternado - são os que apresentam menor robustez psíquica, quando comparados com trabalhadores de outros turnos.

Vida familiar e social

A estruturação da vida familiar e social nos países industrializados encontra-se, em grande medida, sincronizada com os horários de trabalho da maior parte da população, ou seja, com um horário de trabalho diurno, de segunda a sexta-feira. Nesse contexto a investigação tem indicado que os períodos relativos ao final da tarde e aos fins de semana são os mais valorizados do ponto de vista familiar e social (Baker, Ferguson & Dawson, 2003; Gadbois, 2004), valoração que colide com o horário de trabalho dos trabalhadores em turnos, sobretudo os que trabalham ao final do dia/noite e ao fim de semana.

Assim, do ponto de vista social e familiar são várias as implicações do trabalho por turnos para o indivíduo. No aspecto social destacam-se as dificuldades no convívio social e de acesso a bens de consumo; no âmbito familiar, a supervisão e a educação dos filhos que, se por um lado pode ser melhorada dada a possibilidade de um maior acompanhamento, por outro, pode comprometer o tempo de repouso dos trabalhadores em turnos em virtude de estes tentarem maximizar o tempo de interação com os filhos. Ainda no contexto familiar, pode dificultar a organização das tarefas de casa (Santos, Franco, Batista, Santos P. & Duarte, 2008). Na vida conjugal, o desencontro entre o casal pode contribuir para dificuldades na comunicação e na relação sexual (Fischer et al., 2002).

Sobre essa temática, Wedderburn (2000) refere que existe um considerável grau de consenso na literatura de que o trabalho em turnos e os horários irregulares, quando comparados com o trabalho diurno fixo, impõem exigências acrescidas na organização das atividades domésticas e familiares, decorrentes da diversidade de padrões horários que têm de ser geridos entre si. Em nível social, o mesmo autor refere que a organização de atividades informais fora do contexto familiar no caso dos trabalhadores em turnos é mais difícil do que quando o trabalho é realizado nos horários "habituais", requerendo um maior esforço dos primeiros, por exemplo, para visitar familiares ou sair à noite com os amigos.

Partindo da revisão anterior, formulamos a seguinte hipótese quanto à relação entre turnos de trabalho e a satisfação com a vida familiar e social:

Hipótese 2: Os trabalhadores dos turnos da noite e os da tarde - de modo fixo e alternado - apresentam menor satisfação com a vida familiar e social quando comparados com os trabalhadores do turno da manhã.

Contexto organizacional e horário de trabalho

Do ponto de vista do impacto do trabalho por turnos no contexto organizacional, as variáveis mais frequentemente estudadas têm sido as relacionadas com a segurança e o desempenho (Silva, 2012), sendo mais escassos os estudos que se centram na compreensão de outras variáveis organizacionais, como a satisfação com o horário de trabalho (turno) ou desejo de mudança desse regime de trabalho. No entanto, e do ponto de vista da gestão de recursos humanos, a compreensão da retenção ou do abandono dos trabalhadores desses horários de trabalho tem sido assinalada como uma questão relevante nas organizações (Silva, 2008).

Se considerarmos as dificuldades referidas na literatura e apresentadas anteriormente em conexão com o trabalho noturno e com os horários que colidem com a estruturação do tempo em sociedade (ou seja, tempo de trabalho ao final do dia/noite e fins de semana), é de se esperar que os trabalhadores submetidos a horários que implicam a realização de trabalho nesses períodos sejam os que se encontram menos satisfeitos com o seu horário de trabalho e, consequentemente, exibam um maior desejo de mudança desse horário.

No estudo conduzido por Jamal (1981), onde foram comparados dois grupos de trabalhadores, um submetido a turnos fixos e outro a turnos rotativos, verificou-se que os primeiros evidenciavam maior satisfação com o horário de trabalho e com o compromisso organizacional. O estudo de Jamal e Baba (1992), com mais de 1100 profissionais de enfermagem, apontou também no mesmo sentido. Especificamente, foi feita uma comparação entre três grupos: turnos fixos (manhã, tarde e noite); turnos rotativos com "rotação parcial" (alternância regular apenas entre dois turnos) e turnos rotativos (envolvendo a alternância entre os turnos da manhã, tarde e noite), tendo-se observado que o grupo dos indivíduos submetidos aos horários rotativos, em comparação aos outros dois, exibiram um menor grau de satisfação com o horário de trabalho.

O estudo de Mott, Mann, McLoughlin e Warwick (1965), com mais de mil operários fabris, indicou que a proporção de trabalhadores no respetivo turno que desejavam mudar de horário de trabalho foi de 62% no turno alternado, 43% no turno da noite, 37% no turno da tarde e 6% no turno da manhã. Mais recentemente, o estudo de Silva (2000) com trabalhadores têxteis que, embora só tenha envolvido três turnos fixos (manhã, tarde e noite), indicou também que o turno da manhã era o mais preferido e o turno da noite o menos preferido.

Com base na revisão efetuada, foram formuladas as seguintes hipóteses:

Hipótese 3a: Os trabalhadores dos turnos alternados são os que exibem menor satisfação com o horário de trabalho, quando comparados com os trabalhadores de outros turnos.

Hipótese 3b: Os trabalhadores dos turnos alternados são os que mais desejam mudar para o horário de trabalho considerado normal quando comparados com os trabalhadores de outros turnos.

 

MÉTODO

Procedimentos

O estudo foi desenvolvido numa empresa industrial, no ramo eletrônico, situada em Portugal. Previamente foi apresentado à direção dos recursos humanos, com quem, após a aprovação, se discutiu conjuntamente todos os procedimentos.

Os trabalhadores preencheram os questionários num espaço disponibilizado pela empresa, em grupos de 10 a 20, na presença da investigadora responsável pela coleta dos dados. Após o seu preenchimento, o questionário era colocado em uma caixa fechada, a qual ficava sob a exclusiva responsabilidade da equipe de investigação. No momento da explicação dos propósitos do estudo e respectivas instruções, foi ainda reforçada a questão de anonimato, sendo garantida a total confidencialidade dos dados.

A recolha dos dados ocorreu entre os meses de maio e junho de 2011, tendo implicado deslocamento à organização, por parte da investigadora responsável pela coleta de dados, diversas vezes e em vários horários tendo em conta a disponibilidade da organização nas áreas diretamente relacionadas com a produção e a logística. Pretendeu-se que a amostra utilizada para este estudo fosse o mais representativa possível do universo da empresa em questão, tendo sido possível aplicar 511 questionários. No entanto, após análise dos valores em falta e tendo em conta as orientações de Bryman e Cramer (2003), foram eliminados os questionários que apresentaram valores superiores a 10%, tendo a amostra final ficado constituída por 490 trabalhadores. Considerando o total efetivo de trabalhadores nas mesmas funções e pelos diferentes turnos, constata-se que fazem parte da amostra 21,25% dos trabalhadores da manhã (6:00-14:30), 33,2% da tarde (14:30-23:00), 38,6% da noite (23:00-06:00) e 41,8% dos turnos alternados, que são quatro funcionando alternadamente. Os turnos alternados giram no sentido dos ponteiros do relógio - das 8 às 16h, depois das 16 às 0h e, posteriormente, das 0 às 8h, respetivamente - e a uma velocidade de 7 dias que são intercalados por folgas de dois ou quatro dias.

Amostra

Na Tabela 1 é apresentada uma caracterização da amostra em termos sociodemográficos, situação familiar e situação profissional, considerando o total e os quatro grupos de turnos.

A amostra é 62,9% composta por mulheres. Com exceção dos turnos alternados, observa-se um predomínio do gênero feminino nos turnos restantes, sendo este mais pronunciado nos turnos sem noites do que naquele que exige trabalho noturno.

A média etária situa-se nos 35,99 anos (DP = 9,28), sendo que o turno noturno fixo é aquele que exibe, em média, uma menor idade e o da manhã, em média, é o mais velho.

Mais de metade dos trabalhadores são casados ou vivem com companheiro, sendo o turno noturno aquele que representa uma exceção a esse padrão, dada a existência de uma distribuição relativamente equitativa entre solteiros e casados. O nível deescolaridade é relativamente elevado à medida que 35,4% dos trabalhadores possui o 3 ciclo do ensino básico e 39,6% dos trabalhadores, o ensino secundário. Praticamente a totalidade dos cônjuges (92,4%) dos trabalhadores exerce uma atividade remunerada, dos quais, 33,9% trabalha também em turnos. Mais de 70% dos trabalhadores tem filhos com idade até 18 anos, sendo que o turno da noite é aquele que se afasta do padrão geral dado que apresenta menos filhos (< 60%). A média de anos na empresa (antiguidade) é de 13,54 anos (DP=8,99), sendo esta maior no turno da manhã e menor no turno da noite. Em relação ao tempo de experiência de trabalho em turnos, a média total da amostra é de 12,28 anos (DP=7,97), demarcando-se, como previsível, o turno da noite do padrão geral com uma média de 6,9 anos (DP=7,47). A esmagadora maioria dos trabalhadores (94%) é operário, verificando-se tal situação em todos os turnos.

Instrumentos

Os dados foram recolhidos através de questionário, constando na sua parte inicial as seguintes seções: i) dados pessoais (p.ex., idade, gênero); ii) situação familiar (p.ex., existência de filhos); iii) situação profissional (p.ex., antiguidade na empresa).

No nível da saúde, foram incluídas escalas para avaliar os respectivos domínios. Assim, para avaliar os problemas de sono recorreu-se a uma escala de quatro itens (p.ex., durante o último mês tem sentido dificuldades em manter o sono?), desenvolvida por Marquié, Foret e Quéinnec (1999), traduzida e adaptada por Silva (2008). Os itens são respondidos numa escala Likert de quatro pontos (1 = "nunca" a 4 = frequentemente), constituindo o seu somatório indicador das dificuldades de sono no último mês. No estudo de Silva (2008) foi obtido um alfa de 0,76.

Os problemas digestivos foram avaliados a partir do Standard Shiftwork Index (SSI) (Barton et al., 1995), traduzido e adaptado para o português no Questionário de Saúde Físicado Estudo Padronizado do Trabalho por Turnos (EPTT) (Silva, Azevedo & Dias,1995). Essa medida é constituída por 8 itens (p.ex., com que frequência sofre de azia ou dores no estômago?) e as repostas variam numa escala de 4 pontos (1 = "nunca" a 4 = "frequentemente") permitindo avaliar a frequência dos sintomas, sendo que quanto maior for o escore total, maior a frequência de sintomas. Barton e colaboradores (1995), encontraram um valor de alfa de 0,86.

Para avaliar como o trabalhador se sentiu nos últimos tempos no domínio psicológico, incluíram-se três itens (p.ex., nos últimos tempos tem-se sentido otimista em relação ao futuro?) os quais constituem a escala designada por robustez psíquica retirada do Work Ability Index (Ilmarinen & Tuomi, 1992), cuja tradução se encontra no Índice de Capacidade para o Trabalho (Silva et al., 2000). Cada item é respondido numa escala de cinco pontos (1 = "nunca" a 5 = "sempre"), sendo que quanto maior a pontuação, melhor é a robustez psíquica. No estudo de Costa (2009) foi obtido um alfa de 0,67 com a versão portuguesa traduzida por Silva e colaboradores (2000).

A satisfação com o horário de trabalho foi avaliada a partir da escala desenvolvida por Silva (2008). Essa medida contempla quatro itens (p.ex., comparado com outros, o horário de trabalho que tem é, sem dúvida, o seu preferido?), cuja escala de resposta é tipo Likert de cinco pontos (1 = "discordo totalmente"a 5 = "concordo totalmente"). Quanto maior o escore, maior a satisfação com o horário de trabalho (turno). O alfa obtido no estudo original foi de 0,89.

Seguia-se uma parte destinada a avaliar as implicações do horário de trabalho na vida fora da empresa, designada como satisfação com a vida familiar e social. Para tal, usou-se a escala desenvolvida por Silva (2008), baseada no questionário da "situação social e doméstica" do EPTT (Silva et al., 1995) e na versão modificada por Bohle e Tilley (1998) da escala "conflito trabalho/não trabalho" de Shamir (1983). Essa medida é composta por cinco itens (p.ex., o seu horário de trabalho deixa-lhe tempo suficiente para estar com a família e os amigos mais chegados?), e também com cinco opções de resposta (1 = "discordo totalmente" a 5 = "concordo totalmente"). Quanto maior o escore obtido, maior a satisfação com a interface entre o horário de trabalho e a vida fora da empresa do ponto de vista familiar e social. O alfa obtido foi de 0,91.

A última questão fechada foi retirada do EPTT e procurava avaliar o desejo de mudança para o horário considerado normal, perguntando aos trabalhadores "se as condições e o salário fossem exatamente iguais, preferia desistir do trabalho em turnos e trabalhar só de dia (ou seja, das 8 às 17h)?", disponibilizando cinco possibilidades de resposta (1 = "certeza que não" até 5 = "certeza que sim"). Na parte final do questionário, existia um espaço de preenchimento facultativo, onde os trabalhadores podiam, se desejassem, fazer algum comentário relacionado com a sua experiência de trabalhador em turnos.

Os dados disponíveis têm revelado, de modo consistente, que o aumento da idade está associado a uma menor capacidade de adaptação ao trabalho em turnos, sobretudo quando envolve trabalho noturno como indicam várias revisões da literatura (Costa, 2003; Härmä & Ilmarinen, 1999; Smith et al., 2003; Nachreiner, 1998). Esta menor capacidade de adaptação tem sido relacionada com diversas mudanças que ocorrem do ponto de vista circadiano ao longo do processo de envelhecimento, incluindo no ciclo sono-vigília (Myers & Badia, 1995; Monk, 2005). Por exemplo, a investigação conduzida por Åkerstedt (1990) no âmbito dos efeitos psicológicos e psicofisiológicos do trabalho em turnos demonstrou que a idade mais avançada se encontrava associada a problemas de ajustamento superiores à média. Face à evidência disponível, optou-se por controlar o efeito da idade nessa investigação. Essa variável foi medida em anos dos trabalhadores.

 

RESULTADOS

Antes da apresentação dos resultados relativos à comparação entre os diferentes turnos nos efeitos estudados, são apresentados na Tabela 2 os resultados obtidos na análise da consistência interna (coeficiente alfa de Cronbach) de cada escala usada, bem como as correlações entre as variáveis em estudo. Como se pode observar, à exceção da dimensão "robustez psíquica", que se situa no limite inferior do intervalo considerado como razoável do ponto de vista da confiabilidade (Pestana & Gageiro, 2005), as restantes dimensões apresentam boa consistência interna, apresentando em todos os casos valores acima de 0,80.

No nível das correlações, observa-se que todas as variáveis se correlacionam de forma estatisticamente significativa entre si, oscilando os valores entre -0,15 (correlação entre problemas digestivos e satisfação com o horário de trabalho) e 0,63 (correlação entre satisfação com a vida familiar e social e satisfação com o horário de trabalho) e na direção teoricamente esperada.

Comparação dos turnos nas dimensões avaliadas

Para avaliar a existência de diferenças entre turnos nas dimensões avaliadas, foram realizadas Análises de Covariância (ANCOVA), considerando a idade como covariável. Os resultados de tais análises, bem como a média (M) e o desvio padrão (DP) de cada dimensão encontram-se apresentados na Tabela 3.

Em relação aos problemas de sono, os resultados indicam a existência de diferenças estatisticamente significativas entre "horários com noites" e "horários sem noites", sendo que os que incluem noites (de modo fixo e alternado) são aqueles que, em média, evidenciam mais problemas de sono. Os resultados obtidos suportam, assim, a hipótese 1a.

Ainda no âmbito da saúde, os resultados obtidos indicam não haver diferenças estatisticamente significativas entre os quatro horários de trabalho (turnos) quando estes são comparados aos problemas digestivos e à robustez psíquica. Tais resultados conduzem, assim, à não confirmação, respectivamente, das hipóteses 1b e 1c.

Quanto à satisfação com a vida familiar e social, observa-se que são os trabalhadores da tarde - de modo fixo e alternado - os que revelam, em média, menor satisfação nessas dimensões face aos trabalhadores do turno da manhã, sendo tais diferenças estatisticamente significativas. No entanto, e contrariamente ao estabelecido em hipótese, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os trabalhadores do turno da noite e os trabalhadores do turno da manhã no nível da satisfação com a vida familiar e social. Desse modo, os resultados obtidos permitem apenas suportar parcialmente a hipótese 2.

Quanto à satisfação com o horário de trabalho, verifica-se que são os trabalhadores que realizam turnos alternados aqueles que, em média, se encontram menos satisfeitos com o seu horário de trabalho, diferenciando-se de modo estatisticamente significativo dos restantes horários de trabalho, resultado que suporta a hipótese 3a. Os resultados também indicam que os trabalhadores do turno da tarde, em comparação com os da manhã e da noite, também se encontram, em média, menos satisfeitos com o seu horário de trabalho sendo tais diferenças estatisticamente significativas. Assim, apenas não se verificam diferenças estatisticamente significativas entre o turno da manhã e o turno da noite.

Por fim, foi também analisada a relação entre a vontade de mudança do horário de trabalho atual para o horário de trabalho considerado normal (i.e., realizado de manhã e de tarde, com intervalo para almoço sensivelmente a meio da jornada de trabalho) caso as condições e o salário fossem iguais ao respectivo horário de trabalho. Como se pode constatar na Tabela 4, os trabalhadores alternados são aqueles que mais desejam abandonar o seu horário de trabalho para um horário de trabalho considerado normal em comparação com os demais turnos. Com efeito, enquanto 71,8% dos trabalhadores alternados desejariam "com certeza" tal mudança, nos restantes turnos, essa opção é assinalada por cerca de um terço dos trabalhadores dos turnos da tarde e da noite e por cerca de um quinto do turno da manhã. Do ponto de vista estatístico, o resultado do teste do Qui-quadrado confirma a existência de diferenças na distribuição da "vontade de mudança" pelos turnos (χ2(12, N=481)=122,072, p<.001) sendo que, como descrito anteriormente, são os trabalhadores dos turnos alternados aqueles que mais desejo expressam nesse sentido, resultados que suportam a hipótese 3b.

 

DISCUSSÃO

No nível da saúde, os resultados obtidos indicam que os trabalhadores noturnos, de modo fixo e alternado, em comparação com os outros horários de trabalho são os que exibem mais problemas, nomeadamente em relação ao sono. Do ponto de vista da satisfação da relação entre o horário de trabalho e a vida familiar e social, são, porém, os trabalhadores que realizam tardes, de modo fixo e alternado, aqueles que se encontram menos satisfeitos. Numa vertente mais organizacional, os resultados encontrados indicam que os trabalhadores dos turnos alternados em comparação com os restantes horários de trabalho são os que se encontram menos satisfeitos com o seu horário de trabalho e aqueles que mais desejam mudar para um horário de trabalho normal, caso as condições e o salário se mantivessem iguais. Feita uma síntese global dos resultados obtidos, passamos à sua discussão tendo em consideração os objetivos e as hipóteses estabelecidas nos vários domínios objeto de estudo (saúde, vida familiar e social e contexto organizacional).

Assim, e no que diz respeito aos resultados obtidos no nível da saúde, das três hipóteses colocadas - problemas de sono, problemas digestivos e robustez psíquica - apenas se observou que os trabalhadores noturnos - fixos e rotativos - apresentavam, em média, maiores problemas de sono quando comparados com os outros turnos (ou seja, turnos diurnos). Esse resultado é consistente com a evidência empírica neste domínio, encontrando-se tais dificuldades sobretudo relacionadas com a necessidade de inverter o ciclo normal de atividade-repouso (Goichot et al., 1998; Smith et al., 2003; James, Cermakian & Boivin, 2007; Silva, 2012). De fato, os estudos com trabalhadores por turnos que envolvem turnos alternados com noites (p.ex., Folkard & Barton, 1993; Parkes, 2002) e trabalho noturno fixo (p.ex., Silva, 2000; Silva, 2008) indicam que a qualidade do sono diurno não é comparável à do sono noturno, tendendo este a ser encurtado e de menor qualidade.

No âmbito dos problemas digestivos não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os turnos, rejeitando assim a hipótese formulada. Genericamente, os estudos tendem a indicar que os trabalhadores cujo horário implica trabalho noturno são os que evidenciam mais problemas digestivos (p.ex., Folkard & Monk, 1985; Costa, 1996), ainda que, como apresentado na revisão de Costa (1996), esse padrão não seja sempre observado. Com efeito, em 11 dos 36 estudos epidemiológicos revistos, não foram observadas diferenças entre trabalhadores por turnos e diurnos. É possível que o fato da empresa em questão disponibilizar refeições quentes, permitindo que as pessoas que trabalham à noite tenham acesso à comida com certa qualidade, não ficando dependentes da comida de "máquina" ou da que possam levar de casa, ajude a explicar os resultados encontrados.

Também no nível da robustez psíquica, os turnos não se diferenciaram entre si de forma estatisticamente significativa. Esses resultados não são conclusivos, dado que seria esperado que os trabalhadores noturnos exibissem uma menor percepção de bem-estar geral, considerando-se assim que é uma dimensão que merece ser aprofundada em estudos futuros. Por outro lado, o modo como essa variável foi medida (pela escala de robustez psíquica do Índice de Capacidade para o Trabalho) (Ilmarinen & Tuomi, 1992; Silva, 2000) não é o mais frequente no estudo do trabalho em turnos, reforçando assim, quanto a nós, a necessidade de um maior aprofundamento nesse domínio.

No que concerne à satisfação com a vida familiar e social, a hipótese formulada foi parcialmente confirmada. Com efeito, os turnos da tarde - de modo fixo e alternado - apresentam, em média, menor satisfação quando comparados com os da manhã. No entanto, e contrariamente ao esperado, não foram encontradas diferenças entre o turno da noite fixo e o da manhã. Dito em outras palavras, as diferenças observadas nessa dimensão situam-se entre os trabalhadores que "fazem tardes" e os que não as fazem, resultado que, globalmente, é consistente com a literatura. Como referido anteriormente, a investigação tem indicado de modo sistemático que os períodos relativos ao final da tarde e aos fins de semana são os mais valorizados do ponto de vista familiar e social (Baker et al., 2003; Gadbois, 2004). Em relação ao resultado obtido com o turno da noite fixo, cremos que uma das razões que poderá contribuir para a sua explicação reside no seu horário de início e na sua natureza regular. Com efeito, o fato de este se iniciar às 23h, horário relativamente tardio, pode não comprometer em demasia as atividades familiares (p.ex., o jantar com a família) e sociais (p.ex., permite estar regularmente com os amigos ao fim de semana dado o seu regime fixo). Por outro lado, é provável também que algumas características sociodemográficas dos trabalhadores noturnos ajudem a explicar esse resultado. Com efeito, se atendermos que este grupo de trabalhadores é comparativamente mais jovem, tem menos filhos e abrange mais pessoas solteiras, é provável que se confronte com menos exigências decorrentes de responsabilidades de natureza familiar e/ou conjugal e, por conseguinte, de uma menor interferência do seu horário de trabalho nessa(s) esfera(s) da vida.

Os resultados obtidos na dimensão satisfação com o horário de trabalho confirmam, globalmente, a hipótese formulada indicando que os trabalhadores dos turnos alternados são os menos satisfeitos em comparação com os restantes, resultado que é consistente com a literatura (p.ex., Jamal, 1981). O regime alternado, além de obrigar a trabalho noturno, implica também a realização de trabalho em períodos muito valorizados do ponto de vista social, como fins de semana e tardes. Como sublinha Wedderburn (2000), quanto maior for o "desvio" de um dado turno face ao horário considerado convencional, maior a probabilidade de este não ser apreciado pelos trabalhadores. Além disso, a alternância pode também obrigar a um esforço de planejamento não só para o próprio trabalhador, mas para todo o sistema familiar.

Cremos que a privação dos períodos mais valorizados familiar e socialmente no turno da tarde fixo ajuda também a explicar as diferenças observadas entre esse horário e os turnos da manhã e o da noite fixo. Com efeito, a existência de maior tempo livre tem sido referida pelos trabalhadores em turnos fixos da manhã e da noite como uma das principais vantagens desses horários, ainda que, no turno da noite, a majoração econômica associada ao horário de trabalho seja o aspeto mais valorizado (Silva, 2008). Em relação ao turno da noite fixo, cremos que as características dos trabalhadores que compõem esse grupo, como descrito anteriormente, poderão também ajudar a explicar os resultados obtidos nessa dimensão.

Por último, verificou-se que são os trabalhadores integrados nos turnos alternados em comparação com os restantes aqueles que mais manifestam vontade de mudar de turno para um horário de trabalho considerado normal, caso as condições e o salário fossem exatamente iguais, confirmado assim a hipótese formulada a esse respeito. Esse resultado é consistente com a literatura (p.ex., Mott et al., 1965; Silva, 2000) e pode ser igualmente explicado pelas dificuldades acima descritas em conexão com essa modalidade horária.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para conclusão, e atendendo às características da sociedade atual, o trabalho em turnos é inevitável e também imprescindível. No entanto, como sublinha Knauth (1997), não existe um sistema de turnos ideal, todos apresentam vantagens e desvantagens, ideia que, aliás, é reforçada no presente estudo. Assim sendo, e tal como sugerem Pisarski e colaboradores (2008), é importante a implementação de uma intervenção quer no nível do indivíduo, quer da organização, no sentido de reduzir os efeitos negativos do trabalho em turnos no âmbito da saúde. Os mesmos autores sublinham a importância do apoio social de várias fontes (familiares, amigos, vizinhos, etc.), assim como de maximizar o controle dos trabalhadores sobre os horários de trabalho, e adequadas estratégias de enfrentamento. Essas intervenções podem aumentar a capacidade de adaptação aos turnos, por meio da redução do conflito trabalho/não trabalho e, por sua vez, melhorar a saúde física e psicológica. Efetivamente, o caráter voluntário na escolha do turno é fundamental, para que este se torne mais tolerável (Campos & De Martino, 2004), pelo que, é uma prática de gestão desejável nas organizações face aos aspectos temporais do trabalho. De fato, se atendermos que muitas das dificuldades sociais e familiares com as quais os trabalhadores se possam confrontar estão bem além do controle direto que a organização pode exercer, reforça a importância dos próprios trabalhadores poderem ter alguma flexibilidade na gestão da articulação entre o seu horário de trabalho e a vida fora da organização.

 

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Endereço para correspondencia:
Isabel Soares Silva
Escola de Psicologia - Universidade do Minho
Campus de Gualtar
4710-057 Braga - Portugal
Tel. +351 253 604 238 Fax. +351 253 604 221
E-mail para contato: isilva@psi.uminho.pt

Recebido em: 20.04.2012
Aprovado em: 29.01.2013

 

 

1 As autoras desejam agradecer a todos os trabalhadores que permitiram a realização da presente investigação bem como a Letícia Félix pelas sugestões na redação do texto. As autoras manifestam também o seu agradecimento aos(às) revisores(as) da rPTO pelas sugestões de alteração apresentadas.