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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.13 no.3 Florianópolis Dec. 2013

 

O papel do empreendedor na formação de grupos sociais: uma abordagem psicodinâmica

 

The role of the entrepreneur in the formation of social groups: a psychodynamic perspective approach

 

 

Edward Humberto Guimarães JúniorI,1; Kátia Barbosa MacêdoII,2

IEscola Superior Associada de Goiânia - ESUP
IIPontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO

 

 


RESUMO

O objetivo desse artigo é apresentar alguns aspectos das leituras realizadas sobre o indivíduo empreendedor e a formação de grupos sociais em uma abordagem da clínica psicodinâmica do trabalho de Dejours (2004). Por meio de autores como Freud, Pagés, Shein, De Vries e Chanlat, enfoca-se o fenômeno grupal, a sua formação e seu funcionamento. Faz uma análise sobre os reflexos de sua subjetividade sobre a organização do trabalho e considera que o empreendedor assume uma posição central na formação e manutenção de grupos sociais no momento em que influencia o processo social, existente nas relações de trabalho, por meio do seu estilo de liderança e visão. Como definição de empreendedor, convencionou-se como sendo aquele que cria o seu próprio negócio e ao mesmo tempo vivencia o seu trabalho cotidianamente, e que inevitavelmente externaliza a sua subjetividade sobre a organização do trabalho. Assim, para compreendermos as relações e a organização do trabalho, são necessários maiores estudos no campo da psicologia voltados para o empreendedor com a abordagem teórico-metodológica da clínica psicodinâmica do trabalho criada pelo psiquiatra francês Christophe Dejours.

Palavras-chave: Empreendedor, Organizações, Cultura, Grupos de Trabalho.


ABSTRACT

The purpose of this paper is to present some aspects of readings done on the entrepreneurial individual and the formation of social groups in a clinical approach to the psychodynamics of work, by Dejours (2004). Through several authors, such as Freud, Pagés, Shein, De Vries, and Chanlat, we focus on the group phenomenon, its formation and its functioning. We analyze the impacts of its subjectivity on the organization of work, and consider that entrepreneurs assume a central position in the formation and maintenance of social groups when they influence the social process that exists in working relationships through their leadership style and their vision. As conventionally defined, entrepreneurs are those who create their own businesses and who at the same time go about their work on a daily basis and inevitably externalize their subjectivity on the organization of work. Thus, to understand the relationships and the organization of work, further study in the psychology field is needed, focusing on the entrepreneur, with the theoretical and methodological approach from the clinical psychodynamics of work created by the French psychiatrist Christophe Dejours.

Keywords: Entrepreneur, Organizations, Culture, Working Groups.


 

 

O empreendedorismo desperta grande interesse de pesquisadores por se tratar de um mecanismo de desenvolvimento econômico, cuja importância social concentra-se na geração de riquezas, no desenvolvimento regional e na geração de emprego e renda. Trata-se de um tema historicamente abordado na literatura por autores de várias áreas (Smith, 1976; Say, 1983; Schumpeter, 1934; Max Weber, 1930; McClelland, 1961; Durand, 1975).

O notável desenvolvimento econômico do Brasil e o consequente crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) experimentado pelo país na última década têm favorecido o surgimento de novas oportunidades para micro e pequenos empreendedores. O mercado de trabalho é o grande favorecido pela ação destes empreendedores, sendo que, segundo dados apresentados por Andreassi et al. (2011), em 2010 as microempresas e as empresas de pequeno porte foram responsáveis por quase 78% das vagas de emprego geradas no país. Os dados indicam a relevante atuação dos empreendedores, porém, não revelam as dificuldades enfrentadas por eles no exercício do seu trabalho.

Para Chanlat (1995) a carreira empreendedora é constitutiva da sociedade capitalista neoliberal e de sua ideologia de sucesso individual. Para o autor, fatores como as dificuldades do setor público, a crise previdenciária, as dispensas maciças em certas indústrias, a precarização cada vez maior do trabalho e a concorrência internacional têm empurrado os governos, as empresas e as sociedades para valorizarem esse tipo de carreira.

O campo de estudos teórico-práticos sobre o empreendedor surgiu no início do século XIX, a partir dos estudos do economista francês Jean Baptiste Say (1983) inspirado na obra de Adam Smith (1796) A Riqueza das Nações. Say (1983), em sua obra Tratado de Economia Política, abordou o empresário como um agente social necessário para pôr em movimento todo o tipo de indústria. Na concepção do autor, o empresário é o indivíduo capaz de mover recursos econômicos de uma área de baixa para outra de maior produtividade e retorno, lançando produtos no mercado que vão ao encontro das necessidades e desejos humanos.

Na primeira metade do século XX, em referência à ação do empresário, surge o termo empreendedor, sendo o economista austríaco Joseph Schumpeter (1934) o primeiro autor a definir o termo, popularizando-o. Ele deu início ao debate sobre o papel transformador deste ator social em sua obra Teoria do Desenvolvimento Econômico. O autor foi, também, o primeiro a relacionar a inovação e a criação de novos mercados com a ação do empreendedor e a destacar as habilidades do empreendedor em atuar em ambientes competitivos e em mobilizar recursos e pessoas para o alcance de objetivos específicos.

Para Schumpeter (1934) e alguns de seus sucessores, como Cole (1959) e Hughes (1983), os empreendedores são atores sociais que buscam o sucesso e acreditam na sua intuição, sendo capazes de ver as coisas de uma maneira diferente da maioria das pessoas e de imbuir o seu ponto de vista sobre o coletivo. O autor define que o empreendedor é aquele que realiza empreendimento, ou seja, tem a capacidade de realizar novas combinações dos meios de produção e de romper com o fluxo circular da economia.

Estudos mais recentes no campo da economia, como o de Phelps (2006), reforçam a existência de forças não visíveis e visionárias que emergem da criatividade do empreendedor e de seu sentido aguçado de oportunidade. Tal consideração rompe com a lógica da teoria neoclássica do crescimento econômico pautada no princípio da técnica social básica e leva a pensar além dos aspectos técnicos e específicos do seu trabalho.

Na perspectiva sociológica de Weber (1930), as estruturas sociais que envolvem os aspectos culturais, políticos e econômicos de uma região também são fatores determinantes para o desenvolvimento do empreendedorismo e que, por sua vez, explicam o desenvolvimento das sociedades e civilizações em diferentes momentos históricos.

A dualidade entre empreendedor e as estruturas sociais cria um amplo campo de estudos, abrangendo diferentes temáticas que norteiam os estudos de pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, o que torna o debate sobre o tema um desafio. Destacam-se neste campo de estudo os pesquisadores em economia, psicologia e administração, conforme apresentado no quadro abaixo.

Para Pessoa e Gonçalves (2004), o empreendedor é alguém que tem capacidade de ver e avaliar as oportunidades de negócio, de prover os recursos para pô-las em vantagem competitiva e de iniciar a ação apropriada para assegurar o seu sucesso. A visão voltada para a identificação de oportunidades e a capacidade de liderança para promover a mobilização necessária a fim de iniciar um novo negócio são evidenciadas nas considerações dos autores e ajudam a compreender a atuação do empreendedor no âmbito social.

 

 

Definições mais modernas, baseadas nas perspectivas econômicas e sociais, tentam explicar o fenômeno empreendedorismo na atualidade. Para Gartner (1989), empreendedorismo se define pela ação do empresário iniciando uma organização. Shane e Venkataraman (2000) completam que empreendedorismo envolve descoberta, avaliação e exploração de oportunidades. Segundo Filion (1993), o empreendedorismo é, sobretudo, um fenômeno social que se exprime nas sociedades a partir de valores relativamente consensuais, não se tratando de uma ação isolada de um empreendedor apenas, mas de um conjunto de fatores que servem de estímulo e apoio para o seu desenvolvimento. Frese (2010) simplificou o conceito de empreendedorismo como sendo "pessoas atuando para mudar o mundo".

Embora os modelos teóricos de empreendedorismo e de empreendedor, que privilegiam os aspectos racionais, criados pelos economistas e pelos estudiosos sociais, tenham sido amplamente adotados como referência nos estudos sobre o tema, eles foram insuficientes para explicar como agem os empreendedores.

Em meio a diversas abordagens sobre o empreendedor, este estudo considera a perspectiva levantada por De Vries (2003) ao ressaltar que somente aceitando que os empreendedores não são modelos de racionalidade é que podemos entender como as organizações realmente funcionam. Dentro dessa perspectiva, considera-se que os empreendedores nem sempre estão conscientes do que fazem e demandam maior conhecimento da realidade de si e do outro para melhor atuar no âmbito social.

Para De Vries (1985), o empreendedor é um indivíduo altamente complexo, imprevisível, cujas ações nem sempre se pautam pela racionalidade econômica. Assim, as pesquisas sobre o empreendedor têm evoluído no campo da psicologia, nos estudos de autores como McClelland (1961); Collins & Moore (1970); Timmons (1978) e De Vries (1985). Tais pesquisas revelam que os estudos sobre o empreendedor na psicologia são amplos e não conclusivos em decorrência da diversidade de fatores relacionados ao tema e a diferentes construtos.

Segundo De Vries (1985), a perspectiva psicodinâmica tem muito a contribuir para a compreensão das organizações e das práticas de gestão por privilegiar as questões ocultas que envolvem aspectos de motivação individual, liderança, comportamentos defensivos e cultura organizacional, ou seja, as implicações da subjetividade do empreendedor sobre a organização do trabalho.

Os avanços nos estudos em psicologia do trabalho na atualidade tiveram um importante marco com o surgimento da psicodinâmica do trabalho como corrente de estudo teórico-metodológica. Criada pelo psiquiatra francês Christophe Dejours, a psicodinâmica do trabalho está voltada para o estudo da relação entre trabalho e saúde, com um forte viés na contraditória normalidade dos trabalhadores em constante luta contra o sofrimento psíquico em meio à conjuntura negativa das situações de trabalho.

Para a psicodinâmica do trabalho, questões como a precariedade das condições de trabalho e a opressão exercida pela hierarquia organizacional, assim como as contradições, incompatibilidades e conflitos resultantes das relações de trabalho, resultam em notáveis reflexos sobre o corpo e o psiquismo de homens e mulheres em situação laboral.

 

CARACTERÍSTICAS DOS EMPREENDEDORES

A busca por maior compreensão sobre o empreendedor requer conhecer a sua dinâmica inconsciente que exerce um impacto significativo nas organizações. Para De Vries (2003), o empreendedor vivencia um tipo de teatro interior, onde projeta as suas experiências vivenciadas ao longo da vida de maneira inconsciente e que determina como e por que atua. Deste modo o passado do sujeito empreendedor tem grandes reflexos em seus erros no presente, sendo manifestado de maneira inconsciente.

A conduta humana é marcada pela necessidade de autoafirmação, que evoca os aspectos narcísicos, e pela necessidade de ser capaz de fazer escolhas, exploração lúdica e manipulação do ambiente, e que podem ser afetadas por forças racionais que reforçam ou enfraquecem a capacidade inata dos indivíduos. Tal fato reforçam os aspectos mobilizadores da ação do empreendedor ao iniciar um novo negócio.

McClelland (1961) identificou, a partir da teoria da motivação psicológica, que o empreendedor é motivado por três necessidades: a necessidade de realização voltada para a competição e superação de obstáculos pessoais, ambientais e de negócios; a necessidade de poder que remeta a reputação e a posição social; e a necessidade de afiliação, ou seja, de manter relacionamentos com outras pessoas e ser aceito pelo grupo.

Coolins e Moore (1970) identificaram outras três características dos empreendedores: a necessidade de autonomia; a necessidade de independência; e a necessidade de autoconfiança. Segundo os autores, tais características justificam o desconforto que alguns empreendedores sentem ao trabalhar em organizações burocráticas, a menos que as dirijam.

Timmons (1978) identificou em suas pesquisas quatorze atributos dos empreendedores bem-sucedidos, que em síntese constituem-se em: 1. Iniciativa e energia; 2. Autoconfiança; 3. Abordagem em longo prazo; 4. Dinheiro como medida de desempenho; 5. Tenacidade; 6. Fixação de metas; 7. Corre riscos moderados; 8. Atitude positiva diante do fracasso; 9. Necessidade de feedback; 10. Iniciativa; 11. Saber buscar e utilizar recursos; 12. Não aceitar padrões impostos; 13. Internalidade; 14. Tolerância às ambiguidades e incertezas.

De Vries (1985) descreve os empreendedores como orientados para a realização: gostam de assumir responsabilidades, não se enquadram em trabalhos repetitivos e rotineiros e possuem altos níveis de energia e imaginação.

Para De Vries (1985) e Collins e Moore (1970), o empreendedor opera em um teatro empresarial particular que inclui a necessidade de aplausos e um número variado de defesas psicológicas, incluindo projeção e ruptura. De Vries (1985) identificou em seus estudos que os empreendedores são indivíduos que precisam criar seu próprio ambiente, assim, eles não criam seus negócios meramente por quererem trabalhar para si, mas por não conseguirem se adaptar ao seu ambiente de trabalho anterior (Bannock, 1981; Collins & Moore, 1970). Ao privilegiar a criação do seu próprio ambiente de trabalho, o empreendedor busca se libertar de um processo de coerção que lhe causa frustração e privações e busca expressar a sua liberdade de realização dos seus desejos instintuais. O quadro a seguir apresenta as principais características dos empreendedores.

 

 

Os estudos de McClelland (1961), Coolins e Moore (1970), Timmons (1978) e Vries (1985) apresentam as principais características dos empreendedores e permitem considerar que a subjetividade repercute na sua iniciativa e no modo como estruturam os seus negócios. Contudo, os autores não avançaram em seus estudos para compreender qual o papel do empreendedor na formação de grupos sociais e quais os reflexos de sua subjetividade sobre as relações e a organização do trabalho.

 

O EMPREENDEDOR E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE GRUPOS SOCIAIS

Para Freud (1926), um homem pode, ele próprio, vir a funcionar como riqueza em relação a outro homem, na medida em que a outra pessoa faz uso de sua capacidade de trabalho. O autor ressalta que só por meio da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e que sejam reconhecidos como líderes, é que os subordinados podem ser induzidos a efetuar o trabalho e a suportar as renúncias decorrentes dele. Assim, destaca-se a capacidade de liderança do empreendedor para a formação de um grupo social.

Para Tupinambá (2012), as novas formas de trabalho têm demandado lideranças que transcendem aos padrões de um líder tradicional. Para o autor, tais padrões devem ser construídos e desconstruídos permanentemente, como a própria experiência dos líderes e de suas organizações.

O líder, segundo Zaleznik (1992), se difere das demais pessoas por sua motivação, história pessoal e pela forma como pensa e age. Segundo o autor, a liderança requer inevitavelmente o poder de influenciar os pensamentos e as ações de outras pessoas, ou seja, a habilidade de definir a realidade para os demais.

De Vries (2003) considera que a essência do líder está na sua capacidade de usar padrões motivacionais para influenciar os outros. Em outras palavras, para que as pessoas voluntariamente façam alguma coisa que não fariam normalmente.

Para Morgan (1996), o líder utiliza uma forma de poder simbólico que exerce influência decisiva sobre a maneira pela qual as pessoas percebem a sua realidade e, consequentemente, sobre a sua maneira de agir. Os símbolos, heróis, rituais e valores são frequentemente evocados e valorizados para lembrar os desejos do líder. Para Morgan (1996), os líderes carismáticos parecem ter uma habilidade natural para dar sentido ao uso dos artifícios simbólicos.

Segundo Schein (2009), a ação do líder se dá no âmbito sociocultural, sendo o exercício da liderança a forma possível de se criar e mudar a cultura das organizações em seus aspectos subjetivos e intersubjetivos. Para o autor, a cultura se constitui em um complexo processo de aprendizagem de grupo que é apenas parcialmente influenciado pelo comportamento do líder. Deste modo, a ação do empreendedor enquanto líder depende da sua capacidade de promover as mobilizações individuais e coletivas para promover as mudanças necessárias e tornar possível a realização do trabalho com o consequente alcance dos objetivos organizacionais.

Para o autor o que era originalmente a visão individual de mundo do líder é levada a ação compartilhada pelo grupo que, se bem-sucedida, conduz a um reconhecimento de suas crenças e valores e, se continuar sendo bem-sucedida, finalmente concluirá que agora tem a forma "correta" de pensar, sentir e agir do grupo. Assim, a capacidade de liderança do empreendedor é colocada à prova no momento em que ele cria e transforma a cultura das organizações (MacCelland, 1961; De Vries, 1985).

Filion e Bourion (2008) completam que o sucesso do empreendedor deve-se à presença de colaboradores habilidosos capazes de compreender a sua visão e o complementar como facilitadores na realização de seus projetos. Os autores evocam o termo "o espaço de si" para se referirem à implicação da distância psicológica que, ao mesmo tempo, separa e liga uns aos outros.

Em síntese, considerando as abordagens dos autores, a atuação dos líderes está voltada para a criação e transformação da cultura de um grupo, levando a visão individual à ação compartilhada. Isso é possível por meio do uso do seu poder simbólico e da sua capacidade de usar padrões motivacionais para influenciar os outros e para promover as mobilizações e as mudanças necessárias e que, por sua vez, é resultado de sua história pessoal e maturidade profissional e emocional.

Para Pagés (1987), a organização de trabalho se dá em uma instância ideológica, que confronta os valores e objetivos da organização com a estrutura da personalidade e os anseios do indivíduo. Trata-se, como tratado por Freud (1926), de uma verdadeira "ilusão" que se faz necessária para conciliar os interesses antagônicos entre a subjetividade do indivíduo e os interesses da organização. A ilusão a que Freud (1926) se refere, ocorre no âmbito das relações afetivas necessárias para proporcionar o alívio para a psique individual e o que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos.

Para Freud (1926), as ilusões religiosas criadas pelos homens servem para manter em equilíbrio as neuroses individuais e coletivas, tendo como finalidade tornar possível o funcionamento do homem em sociedade. As ilusões, das quais o autor se refere, também são utilizadas no contexto das organizações de trabalho como ideologias que evocam a necessidade de respeito às regras organizacionais e de sacrifícios individuais e coletivos em prol do alcance das metas e objetivos organizacionais. Neste contexto, as ilusões se baseiam nas crenças em afirmações sobre fatos e condições da realidade externa ou interna que nos dizem algo que não descobrimos por nós mesmos.

Para Freud (1926), as crenças religiosas surgiram da mesma necessidade que o homem tem de tornar tolerável o desamparo contra os perigos que a vida lhe impõe, apoiando-se na figura do pai e posteriormente na dos deuses para encontrar a proteção e o amparo que necessita.

De forma semelhante à figura do pai que dá ao homem, ainda que faltosamente, a segurança e proteção para lidar com o desamparo, está a figura do líder. Deste modo, o chefe ideal aos olhos dos subordinados é associado à figura de um "bom pai", que faz com que os seus subordinados se sintam amados e protegidos. Caso contrário, os subordinados podem rejeitar a autoridade do líder, mesmo que na prática tenham que obedecer.

Segundo Freud (1926), diante da possibilidade de enfrentar o desamparo, o sujeito se cola no outro pela submissão, esperando que esse outro lhe dê proteção, sendo, portanto, preferível encarar a submissão que ter de enfrentar o desamparo.

Muitas organizações são regidas por líderes autoritários que manipulam habilmente o poder que possuem como resultado das suas características pessoais ou habilidades em sedimentar a influência e o prestígio dentro da organização. Faz-se necessário, para tanto, distinguir entre o poder autoritário, ou coercivo, que na visão de Weber (1930) se refere à capacidade de alguém impor a sua vontade sobre o comportamento do outro. O poder do qual estamos tratando neste estudo, refere-se à capacidade do líder de enxergar e usar padrões motivacionais para influenciar os outros dispensando o poder hierárquico definido pela organização do trabalho.

Na perspectiva mais abrangente sobre a atuação dos líderes, Freud (1926) diz que somente se os líderes forem pessoas com uma compreensão interna (insight) superior das necessidades da vida e se tenham erguido à altura de dominar seus próprios desejos instintuais será possível dispensar a coerção no trabalho. Porém, adverte que, a fim de não perderem a sua influência, os líderes podem ceder à massa mais do que ela a ele.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto da modernidade tem exigido uma nova postura dos empreendedores. Faz-se necessário, portanto, desenvolver empreendedores mais sábios e que saibam usar melhor sua capacidade de liderança, o que evoca mais estudos dentro da clínica do trabalho voltados para o empreendedor, ou seja, o principal líder da organização.

O trabalho do empreendedor na modernidade centra-se na relação social ampla, que surge da necessidade primeira de criar condições para que o objetivo do trabalho possa ser alcançado. A liderança e a visão do empreendedor são fatores primordiais para a mobilização das pessoas e constituição da organização do trabalho.

A atuação do empreendedor está fortemente ligada à sua capacidade de liderança e sua visão de futuro, o que lhe permite criar e manter unida uma organização de trabalho em que os interesses individuais e coletivos são frequentemente confrontados, o que requer uma habilidade que ultrapassa o poder autoritário sobre os outros.

O empreendedor deve se pautar pelo desempenho de sua capacidade de liderança, voltada para inspirar e despertar o desejo dos seus subordinados pelo trabalho, em detrimento do uso do poder que lhe permite impor a sua vontade. Tal atitude de liderança pode favorecer as relações de trabalho e a saúde do trabalhador, bem como possibilitar a elaboração de novas formas de trabalho. No entanto, tal concepção requer do empreendedor maior autoconhecimento e preparo para lidar com as neuroses individuais e coletivas, questões pouco privilegiadas dentro de um contexto econômico neoliberal.

A perspectiva de estudo sobre o empreendedor deve se basear em um contexto amplo, não sendo possível adotar conceitos simplistas e generalistas sobre o empreendedor. Deve-se, também, buscar compreender melhor o seu trabalho, bem como os seus reflexos nas organizações e nas relações de trabalho, colocando em segundo plano o modelo de empreendedor econômico voltado para a dominação e exploração do trabalho e levar em consideração os seus aspectos subjetivos, a fim de buscar novas formas de intervenções que beneficiem a saúde no trabalho.

Conclui-se que a abordagem teórico-metodológica da psicodinâmica do trabalho, nos estudos sobre os empreendedores, ainda que incipientes, pode nos dar maior clareza sobre coisas que não nos fazem sentido sobre como atuam os empreendedores e os reflexos de suas ações na organização e nas relações de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 29.05.2012
Aprovado em: 26.06.2013

 

 

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