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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.1 Florianópolis mar. 2014

 

Adolescentes trabalhadores brasileiros: um breve estudo bibliométrico1

 

Brazilian adolescent workers: a brief bibliometric study

 

 

Heloiza de Sousa FrenzelI,2; Marucia Patta BardagiII,3

IUniversidade Federal de Santa Catarina
IIUniversidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

O número de adolescentes trabalhadores é crescente no país, no entanto são poucos os artigos que buscam identificar suas percepções sobre a experiência de trabalho. Nesse sentido, realizou-se no presente estudo um levantamento da produção científica brasileira, considerando pesquisas com adolescentes trabalhadores, publicadas nos últimos 10 anos. Como resultado, os subtemas predominantes nos textos analisados foram as relações entre trabalho e saúde, a percepção e a avaliação do significado do trabalho e a relação entre trabalho e estudo, com, respectivamente, 16, 14 e 5 artigos. A Psicologia foi a área com maior número de artigos publicados, seguida de trabalhos interdisciplinares da área da Saúde com respectivamente, 23 e 15 artigos. Identificou-se ainda que poucos estudos buscam compreender a relação adolescente-trabalho na perspectiva dos próprios adolescentes trabalhadores. Conclui-se que há necessidade de ampliar os estudos sobre o tema, principalmente em termos da diversidade geográfica dos participantes e considerando as diferentes formas de trabalho na adolescência.

Palavras-chave: Adolescente, trabalho, estudantes.


ABSTRACT

There are an increasing number of adolescent workers in the country; however there are few articles that attempt to identify their perceptions of the work experience. This study conducted a survey of Brazilian literature, considering studies with adolescent workers, published in the last 10 years. The prevalent sub-themes found in the analyzed texts were the relationship between work and health, perception and assessment of the meaning of work, and the relationship between work and study, in 16, 14, and 5 articles respectively. Psychology was the area with the largest number of articles published, followed by interdisciplinary work in the Health area, with 23 and 15 articles respectively. We found that few studies aim to understand the adolescent-work relationship from the adolescent worker's perspective. We conclude that there is a need to expand the studies on the subject, especially in terms of geographical diversity of participants and considering the different types of work during adolescence.

Keywords: Adolescents, work, students.


 

 

Atualmente observa-se que o trabalho na adolescência é uma realidade para muitos brasileiros, especialmente para aqueles oriundos de camadas sociais menos privilegiadas. Além disso, existe no país uma cultura que valoriza o trabalho precoce em alguns contextos como forma de prevenir crianças e adolescentes de possíveis desvios das normas sociais, como a entrada na criminalidade, por exemplo. Existem ainda fatores que dizem respeito à estruturação econômica da família, pois a entrada do jovem no mundo do trabalho pode auxiliar, por exemplo, na manutenção de gastos com alimentação, moradia e educação.

Segundo dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 havia 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade trabalhando em áreas urbanas e rurais, o que representava 3,9% de pessoas ocupadas acima de 10 anos de idade. Ainda de acordo com o IBGE, de 2000 para 2010 houve uma redução do trabalho de 10,8% entre adolescentes de 10 a 15 anos e de 15,7% entre adolescentes de 16 e 17 anos de idade. Essa redução foi maior na área rural (passando de 1,395 milhão para 1,056 milhão), do que na área urbana (passando de 2,541 milhões para 2,351 milhões). No que diz respeito ao gênero, o IBGE indica que o número de adolescentes trabalhadores do sexo masculino de 10 a 17 anos é superior ao feminino, com 2,065 milhões e 1,342 milhão de jovens, respectivamente (IBGE, 2010). De acordo com Coutinho e Gomes (2006), esta diminuição ocorreu a partir da contribuição de inúmeras leis e instituições que defendem os direitos da infância e da juventude, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei Federal de 1990, e a Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000) regulamentada em 2005 (Brasil, 1990, 2005).

Embora essa redução apresente-se como significativa, o número bruto de jovens que exercem atividade de trabalho no Brasil é muito alto, e ainda é preciso avançar para que as condições de desenvolvimento de crianças e adolescentes se deem de maneira a não permitir que estes sejam prejudicados ao exercerem alguma atividade remunerada a fim de suprir necessidades, muitas vezes indispensáveis para a sobrevivência familiar. Pochmann (2005) afirma que a viabilização da entrada mais tardia dos jovens na vida produtiva, principalmente daqueles oriundos de classes menos favorecidas, possibilita a utilização do tempo para a preparação escolar e potencializa as oportunidades do conhecimento.

Aqui cabe fazer uma distinção, ainda que este estudo não pretenda esgotar ou mesmo aprofundar a discussão, entre as noções de adolescência e juventude. Esta distinção é ainda um campo em aberto, como observam Freitas, Abramo e Leon (2005). Para Moreira, Rosário e Santos (2011), o uso do termo juventude seria mais amplo, por possuir maior atravessamento de temas sociais, políticos, culturais e econômicos, do que o termo adolescência, tradicionalmente usado na literatura em Psicologia. O termo adolescência parece estar mais vinculado às teorias psicológicas por considerar o indivíduo como ser psíquico, pautado pela realidade que constrói e por sua experiência subjetiva, enquanto o termo juventude parece ser privilegiado no campo das teorias sociológicas e históricas, no qual a leitura do coletivo prevalece (Silva & Lopes, 2009). Como cronologicamente o termo juventude costuma englobar tanto os indivíduos na faixa etária entre 12 e 18 anos como aqueles mais velhos, até 24 ou 30 anos, que estejam em processo de transição para a vida adulta, em um sentido mais amplo do que apenas o de maioridade civil (Eisenstein, 2005; Freitas, Abramo, & Leon, 2005; Silva & Lopes, 2009), para fins deste artigo em função do foco de interesse, optou-se por usar concomitantemente os termos adolescentes e jovens para fazer referência aos indivíduos trabalhadores entre 12 e 18 anos, respeitando também a escolha dos autores originais dos materias consultados.

A legislação brasileira apresenta um conjunto de medidas que regulamentam as condições de inserção dos adolescentes no mundo do trabalho como, por exemplo, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei Federal de 1990 (Brasil, 1990) e a Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000), regulamentada pelo Decreto nº 5598/2005 (Brasil, 2005) e que põe em vigor o Programa Jovem Aprendiz. Este programa tem como objetivo oferecer aos adolescentes uma formação técnico-profissional a partir da inserção em um ambiente laboral pré-determinado e constantemente monitorado. Tendo em vista as modificações ocorridas neste cenário a partir da implementação dessas medidas, e considerando a importância que o trabalho exerce na vida de muitos adolescentes, é fundamental conhecer os resultados de estudos realizados com os próprios jovens trabalhadores, atentando para as percepções destes acerca das mudanças ocorridas em vários aspectos da vida (família, saúde, lazer, entre outros) após a inserção laboral para a identificação de aspectos positivos e negativos.

Desta forma, o presente estudo teve como objetivo realizar um levantamento da produção científica brasileira em Psicologia, considerando estudos com adolescentes trabalhadores, no período compreendido nos anos de 2001 a 2011. Pretende-se conhecer o que já foi publicado sobre o tema, especialmente que aspectos se destacam nas percepções e vivências dos próprios adolescentes trabalhadores, uma vez que muito do material existente na área vem de estudos econômicos, sociológicos, pedagógicos, mas que enfatizam posturas teóricas contra ou a favor da inserção de jovens no trabalho, por vezes sem uma base empírica vinda de informações coletadas com os próprios adolescentes. Nesse sentido, fazer uma sistematização das pesquisas existentes auxilia no direcionamento de novas discussões sobre o tema.

 

MÉTODO

Para esta revisão, realizou-se uma busca bibliográfica nas bases de dados eletrônicas SciELO e BVS-Psi, utilizando combinações duas a duas entre, de um lado, as palavras-chave: adolescente; jovem; aprendiz; e estudante, e, de outro lado, as palavras-chave: trabalho; emprego; mercado de trabalho; trabalhador; profissão; e ocupação. O ano de 2001 foi escolhido como marco para a pesquisa por completar uma década de estudos e pelo fato de que em 2003 a lei do aprendiz foi posta em vigor, modificando provavelmente a maneira de entender o trabalho na adolescência. As bases de dados foram escolhidas por serem as mais completas no acesso à produção nacional em Psicologia. Para o estudo foram excluídos os trabalhos com o foco mais teórico sobre o tema e considerados somente os artigos que apresentavam trabalhos empíricos realizados com os adolescentes trabalhadores.

 

RESULTADOS

Embora as combinações de palavras tenham gerado um volume grande de publicações acerca do tema (mais de 200), somente 39 estudos eram investigações empíricas com esta população, os quais foram categorizados de acordo com o subtema que abordam. Os resultados mostraram que os subtemas predominantes nos textos analisados foram: Percepção e avaliação do significado do trabalho, Relação entre trabalho e estudo e Relação entre trabalho e saúde, com, respectivamente, 14, 5 e 16 artigos. A maior produção durante esse período foi no ano de 2006, com 10 publicações. Observou-se, também, que a Psicologia foi a área com maior número de artigos empíricos publicados, seguida de trabalhos interdisciplinares da área da Saúde (como enfermagem, medicina, nutrição, etc) com respectivamente, 23 e 15 artigos. Um único artigo era da área da Sociologia. Os artigos da área da Psicologia serão descritos nesse trabalho com maior detalhamento.

As Tabelas 1 e 2 apresentam as principais características de cada trabalho da área da Psicologia. Como pode ser observado nas tabelas, grande parte dos estudos avalia adolescentes da região sudeste do Brasil, sendo que a maior produção durante esse período foi o ano de 2010 com 5 publicações. A Teoria da Representação Social proposta por Moscovici em 1961 apresenta-se como elemento teórico central em vários estudos (Oliveira, Sá, Fischer, Martins, & Teixeira, 2001; Oliveira, Fischer, Martins, & Sá, 2003; Oliveira, Fischer, Teixeira, & Amaral, 2003; Oliveira, Fischer, Teixeira, & Gomes, 2005; Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira, & Sá, 2005; Oliveira, Gomes, Benite, & Valois, 2006; Oliveira, Fischer, Teixeira, & Gomes, 2006; Mattos, & Chaves, 2006; Oliveira, Fischer, Teixeira, Sá, & Gomes, 2010). Os principais resultados serão descritos de acordo com os subtemas anteriormente citados.

Tema Percepção e avaliação do significado do trabalho

Os artigos de Rocha e Góis (2010) e Ramos e Menandro (2010) investigam a mudança de identidade em adolescentes que vivenciam a primeira inserção laboral e verificam nos discursos dos adolescentes que a experiência laboral foi vista de maneira positiva, na medida em que a aprendizagem possibilitada pela inserção profissional e a criação de uma rede de relações com o mundo do trabalho contribuiu para que houvesse a reformulação de suas relações sociais. Os autores indicam que após a inserção profissional, os adolescentes passaram a se reconhecer como parte de um grupo social com perspectivas diferentes daquele grupo social no qual se enquadravam antes da entrada no mundo do trabalho. Na linha das percepções positivas, os estudos de Lima e Minayo-Gomez (2003), Bressan, Godoy e Lunardelli (2004), Amazarray, Thomé, Souza, Poletto e Koller (2009) e Mattos e Chaves (2006, 2010), avaliaram aspectos próprios da inserção laboral de jovens aprendizes e verificam que o trabalho na condição de aprendiz é percebido por esses jovens como promotor de mudanças positivas, tais como o desenvolvimento de novas competências e habilidades, da responsabilidade e autonomia, e também no aumento da iniciativa.

No estudo de Jacobina e Costa (2007), em que os três adolescentes pesquisados estavam cumprindo medida socioeducativa (Liberdade Assistida) e trabalhando, a inserção no mundo do trabalho, além de lhes darem a oportunidade de pertencer a um grupo socialmente aceito e de fazer com que os vínculos sociais e principalmente familiares apresentassem uma mudança significativa no que se refere à confiança, ainda parecia ter uma função preventiva, ocupando-os para impedir que se envolvessem com a criminalidade. No trabalho realizado por Thomé, Telmo e Koller (2010), com 7425 jovens de classes populares entre 14 e 24 anos, verificou-se que, em relação ao significado da palavra trabalho, na amostra total, destacaram-se "produção de algo útil" e "dinheiro". De acordo com os autores, estas dimensões refletiriam a procura do jovem por um emprego que não somente seja construtivo para o indivíduo e a sociedade, mas também que o trabalho realizado proporcione condições de sobrevivência da família.

Os trabalhos de Stengel et al (2002), Santana e Dimenstein (2005) e Alberto, Santos, Leite, Lima e Wanderley (2011), realizados com adolescentes que trabalham com serviço doméstico, apontam que a questão financeira é também o principal motivo que faz com que estes permaneçam nesse tipo de função. A possibilidade de sair da extrema pobreza e do desajuste familiar, a aquisição de maior autonomia no gerenciamento do próprio dinheiro, o suprimento de necessidades familiares por meio da ajuda financeira, a aquisição de bens materiais e a possibilidade de crescer profissionalmente para outros ramos de atividade, também são aspectos apontados pelos autores. Outro aspecto importante citado pelos participantes parece estar na busca, através do trabalho, de uma identidade adulta. Esses pontos corroboram com os achados de Rizzo e Chamon (2010), Ramos e Menandro (2010) e Rocha e Góis (2010).

Os estudos com adolescentes que exercem funções mais pesadas, de pouca qualificação, ou que são vítimas de preconceito, tem percepções distintas sobre o significado do trabalho. Machado e Silva (2007) verificaram em entrevistas realizadas com 34 jovens (dois meninos) uma diferença fundamental entre a fala dos meninos e das meninas com relação às atividades que realizam. De acordo com os autores, enquanto os rapazes (trabalhadores de construção civil) se sentem orgulhosos do trabalho que fazem (pois lhes dá status de 'homem'), as meninas não apresentam satisfação ou imagem positiva do que fazem, poucas vezes demonstrando gosto pelo trabalho doméstico; quando se prostituem, preferem simplesmente camuflar.

Tema Relação entre trabalho e estudo

No que se refere à relação trabalho e estudo, Oliveira, Sá, Fischer, Martins e Teixeira (2001), Oliveira, Fischer, Teixeira e Amaral (2003), Oliveira, Fischer, Martins e Sá (2003), Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira e Sá (2005) e Oliveira, Fischer, Teixeira, Sá e Gomes (2010), ao compararem as representações sociais do trabalho entre adolescentes trabalhadores e não trabalhadores verificaram que houve diferenças, principalmente no que se refere à conciliação entre essas atividades. Entre os adolescentes trabalhadores observaram-se prejuízos como, por exemplo, falta de tempo para estudar e para realizar as atividades extraclasse, bem como os exercícios, as leituras e as atividades em grupos. Alberto et al., (2011), em um estudo realizado com trabalhadoras domésticas, indicam que esta relação entre trabalho e estudo implica em repetência e defasagem escolar e afirmam que, quanto maior o tempo dedicado ao trabalho doméstico, maiores são os índices de repetência e defasagem. Embora existam dificuldades nessa relação, a educação escolar é vista por essas jovens como a que possibilita maiores condições de inserção em uma nova profissão.

No estudo de Rizzo e Chamon (2010), a conciliação entre trabalho e estudo também é vista pelos adolescentes como elemento facilitador da ascensão social, sendo essa mobilidade social garantida por um melhor emprego ou profissão no futuro, entretanto os autores observam que é dado mais valor pelos jovens ao trabalho do que ao estudo, principalmente pelo fato de acreditarem que estar trabalhando e com a mente ocupada previne o tempo ocioso e o envolvimento em atividades erradas.

Mattos e Chaves (2010) apontam que, na conciliação entre trabalho e estudo, os jovens revelam a necessidade de desenvolver estratégias para superarem as dificuldades encontradas. Não somente os esforços pessoais são apontados por eles como estratégias de superação, mas ressaltam que o apoio de professores, colegas de escola e também de supervisores e colegas de trabalho, são fundamentais para que consigam estabelecer um equilíbrio entre as duas atividades.

Tema Relações entre trabalho e saúde

Outra diferença encontrada entre adolescentes trabalhadores e não trabalhadores é apontada por Oliveira, Gomes, Benite e Valois (2006) em um estudo realizado com 200 adolescentes entre 14 e 22 anos, estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro, que indica que os horários rígidos e inflexíveis do cotidiano dos adolescentes trabalhadores os impediam de vivenciar outras atividades que também fazem parte da constituição da identidade do adolescente, como por exemplo, atividades desportivo-recreativas, cursos de aperfeiçoamento, convívio familiar, além de apresentarem o número reduzido de horas dedicadas ao sono, diferentemente dos adolescentes não trabalhadores. Esses aspectos do cotidiano dos adolescentes também corroboram com os achados do trabalho realizado por Oliveira, Fischer, Teixeira e Gomes (2005, 2006).

Estudos realizados por Oliveira, Fischer, Martins e Sá (2003) e Oliveira, Fischer, Teixeira e Amaral (2003) mostram que, embora a maioria dos adolescentes estudados se considerem com boa saúde, houve uma percepção de maior cansaço, sonolência durante o dia, moleza e dores no corpo entre os adolescentes trabalhadores; além disso, o estudo indica que o horário de trabalho influencia interferindo no ciclo vigília-sono, e como consequência os jovens se sentem não somente indispostos para acordar, mas também apresentam uma qualidade do sono diminuída.

 

DISCUSSÃO

Este estudo bibliométrico sobre pesquisas com adolescentes trabalhadores permitiu verificar que a literatura, de forma geral, se preocupa em identificar três aspectos principais do trabalho na adolescência, a própria noção e significado do trabalho, e as relações percebidas pelos jovens entre o trabalho e os âmbitos do estudo e da saúde. No período de dez anos pesquisado, não são muitas as publicações dedicadas ao tema, embora o trabalho de adolescentes e jovens seja uma realidade substancial na sociedade brasileira (IBGE, 2012). Desta forma, um primeiro ponto a ser destacado é a necessidade de ampliação do escopo das pesquisas envolvendo adolescentes trabalhadores, especialmente abordando o trabalho do aprendiz, modalidade mais nova de inserção de jovens no mercado, e também buscando identificar as percepções de jovens trabalhadores de classe média que buscam atividades de trabalho não pela necessidade de contribuir para o orçamento doméstico, mas como uma ferramenta de desenvolvimento pessoal, e que praticamente não estão representados nos estudos revisados. É claro que observar o trabalho de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade é fundamental, uma vez que a possibilidade deste trabalho ser ou precarizado ou excessivo em termos de carga física e psíquica é maior, no entanto é preciso considerar que há outras formas de trabalho na juventude e também outros contextos a serem contemplados pelos pesquisadores.

Os estudos revisados, em muito corroboram com os aspectos apontados na literatura como resultados negativos do trabalho de adolescentes e jovens (Pochmann, 2005), como o prejuízo às atividades escolares, o aumento da repetência, a diminuição do tempo livre e dedicado às questões próprias da adolescência, o impacto para a saúde, entre outros. Estes aspectos salientam a importância de manter-se a atenção aos contextos e condições de trabalho sob as quais os adolescentes estão e a exigir-se o cumprimento das leis que protegem o trabalhador jovem da exploração e do desgaste excessivo (Brasil, 1990; Lei da Aprendizagem, Brasil, 2005). Entretanto, os adolescentes participantes desses estudos trazem, muitas vezes, uma perspectiva mais positiva do trabalho do que supõem alguns teóricos ou do que costuma ser enfatizado em discussões sobre o tema. Resultados indicando percepção de maior autonomia e iniciativa, ampliação e melhoria das relações sociais, inclusive na própria família, aquisição de conhecimentos e habilidades para o futuro, além da função preventiva que o trabalho exerce para esses jovens, apontam para um panorama de desenvolvimento global permitido pelo trabalho, para além da contribuição financeira que é um resultado óbvio do trabalho para esses jovens (Amazarray et al., 2009; Bressan et al., 2004; Lima & Minayo-Gomez, 2003; Mattos & Chaves, 2006, 2010; Ramos & Menandro, 2010; Rocha & Góis, 2010).

Portanto, ao invés de ser único e duramente combatido, o trabalho na adolescência pode ser incentivado em determinados contextos, como ferramenta de desenvolvimento social e psicológico para os adolescentes, visto não apenas como prejudicial, mas como potencializador de aprendizagens e competências. O essencial é evitar e prevenir o trabalho em condições precárias, a exploração do trabalho infantil e o desrespeito às normas e regulamentações vigentes, mas não necessariamente banir o trabalho juvenil como um todo. Convém, ainda, nesta linha de trabalho, identificar em futuros estudos o que pensam os trabalhadores adolescentes mais novos e mais velhos sobre as atividades de trabalho, pois pode haver diferenças substanciais nos benefícios e prejuízos percebidos nestes dois grupos. Talvez os benefícios apontados em alguns estudos aqui revisados se devam ao fato dos participantes serem em maioria adolescentes com mais de 14 anos, cujas condições de lidar com as exigências do trabalho e de aproveitar as experiências de trabalho em projetos pessoais e profissionais futuros, sejam maiores do que aquelas de adolescentes mais novos. Nesse sentido, a ausência em alguns estudos aqui revisados de especificação quanto às idades dos participantes não permitiu realizar com clareza essa distinção.

Outro aspecto a ser destacado é que a maior parte das pesquisas desse estudo encontra-se em estados do Sul e Sudeste do Brasil, evidenciando assim uma lacuna de estudos que busquem uma maior compreensão dos aspectos aqui discutidos, levando em consideração as realidades encontradas em diferentes partes do território nacional. Além disso, boa parte dos estudos parece utilizar-se de um mesmo projeto na elaboração dos artigos, o que restringe ainda mais a amostra e consequentemente a realidade analisada. Sem dúvida, a compreensão dos aspectos envolvidos na relação que os adolescentes têm com o trabalho que exercem, apresenta-se como um tema de pesquisa que merece ser aprofundado, uma vez que esta relação irá influenciar significativamente na constituição da identidade desses adolescentes. Ainda, temas fundamentais na literatura sobre adolescência, como a elaboração de projetos futuros e a escolha profissional não estão contemplados nos estudos revisados, o que também poderia contribuir para a ampliação da compreensão de como o trabalho juvenil influencia nas decisões pessoais e profissionais dos adolescentes. Em resumo, pouco se conhece sobre a realidade do trabalho de jovens brasileiros em sua diversidade de modalidades, contextos sociais e geográficos. É fundamental aumentar o volume de estudos sobre o tema e buscar um mapeamento mais consistente do impacto do trabalho nas diferentes esferas de vida do jovem brasileiro.

 

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Recebido em: 06.03.2013
Aprovado em: 19.01.2014

 

 

1 As autoras agradecem o apoio do Cnpq para a realização deste estudo, através da concessão de bolsa de iniciação científica da primeira autora.
2 Graduada do curso de Psicologia. Departamento de Psicologia, sala 14A - Campus Universitário UFSC Reitor João David Ferreira Lima. Trindade - Florianópolis - Santa Catarina. CEP: 88040-970. E-mail: helloiza.sousa@gmail.com.
3 Professora adjunta. E-mail: marucia.bardagi@gmail.com.