SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1Estilos reflexivos e atitudes de carreira proteana e sem fronteiras nas organizações contemporâneas brasileiras índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.1 Florianópolis mar. 2014

 

RESENHA

 

Diferenças entre homens e mulheres: desvendando o paradoxo

 

 

Jean Carlos NatividadeI,1; Maiala Bittencourt SilvanoII; Heitor Barcellos Ferreira FernandesIII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

Pinker, S. (2010). O Paradoxo Sexual: hormônios, genes e carreira. Rio de Janeiro: BestSeller.

Homens e mulheres são e já nascem diferentes. Aliás, os indivíduos são muito diferentes uns dos outros. Mas os homens entre si têm muita coisa em comum e o mesmo é verdadeiro para as mulheres. Já entre os sexos, a gama e a amplitude das diferenças aumentam consideravelmente. Essas frases, do ponto de vista biológico, remetem a uma série de obviedades que parecem até tautológicas. Mas para a psicologia, elas podem ser consideradas a reprodução de um infeliz conjunto de enganos. Homens e mulheres seriam realmente diferentes do ponto de vista psicológico? Quais as principais diferenças entre eles e elas? Em que acarretaria assumir as diferenças de sexo na nossa sociedade? E por que para muitos psicólogos é difícil aceitar diferenças sexuais? Respostas para as três primeiras questões podem ser encontradas em O Paradoxo Sexual: Hormônios, Genes e Carreira, de Susan Pinker (2010). Em resposta à última pergunta será emitida uma breve opinião.

As trajetórias diferenciadas de homens e mulheres ao longo da história evolutiva de nossa espécie podem explicar as dessemelhanças de sexo observadas em diversos âmbitos, inclusive no mercado de trabalho. Essa é a tese do livro de Pinker, a versão traduzida para o português e lançada em 2010 do livro The Sexual Paradox: Men, Women and the Real Gender Gap (Pinker, 2008). A autora é psicóloga formada pela Universidade McGill e pela Universidade de Waterloo (Canadá). Ela trabalhou por 25 anos como psicóloga clínica e utiliza-se de casos clínicos na ilustração das ideias que defende. Susan também atua como colunista de um periódico jornalístico em que escreve sobre psicologia; congruente com sua veia jornalística, seu livro é permeado de entrevistas realizadas com pesquisadores especialistas e profissionais talentosos em diversas áreas.

O livro está dividido em 10 capítulos, além da introdução, distribuídos em 402 páginas. Na introdução, Pinker discute a histórica subjugação das mulheres pelos homens e a difusão da noção do sexo masculino como o padrão ideal a ser buscado. Em decorrência das injustiças impingidas às mulheres ao longo da história (e até nos dias atuais) e de um legítimo movimento em busca de dirimi-las, as evidências científicas que salientam diferenças entre homens e mulheres têm sido encaradas, por muitos estudiosos, como incitadoras de discriminação. Susan argumenta contra essa opinião frente aos achados científicos e é categórica ao defender que equidade de direitos e oportunidades não implica igualdade, seja biológica ou psicológica, dos sexos. Ela destaca o Movimento Feminista como um importante motivador de conquistas das mulheres em diversas áreas da sociedade, principalmente no Ocidente, nos últimos anos. Um curioso efeito dessas conquistas é indicado por Pinker: quanto maiores os índices de democracia e liberdade de uma sociedade, mais exacerbadas são as diferenças entre homens e mulheres em preferências profissionais (para resultados recentes sobre escolhas profissionais e personalidade em variadas culturas ver Lippa, 2010).

No primeiro capítulo, a autora põe em xeque a popular máxima: o feminino é o sexo frágil. Ela expõe evidências de que o sexo masculino, comparado ao feminino, apresenta uma quantidade maior de dificuldades associadas ao desenvolvimento saudável. Portanto, considera ela, o verdadeiro sexo frágil seria o dos homens. Ela traz uma série de exemplos e de dados sobre a maior capacidade de sobrevivência e de desenvolvimento saudável de mulheres, desde as primeiras horas após a concepção. Para explicar a origem da maior fragilidade infantil e maturação mais lenta dos homens, a autora argumenta sobre a maior probabilidade de falhas genéticas serem compensadas nas mulheres em decorrência da duplicidade do cromossomo X e sobre os efeitos imunodepressivos da testosterona.

Nas duas primeiras seções do livro, Susan destaca que a distribuição normal de variadas características psicológicas de homens e mulheres é diferenciada em pelo menos um aspecto: há mais homens nas extremidades das curvas. Isso lança luz para as explicações dos capítulos seguintes ao sugerir que há maior probabilidade de homens apresentarem características extremas. Pinker defende que desvendando os extremos podem-se elucidar questões pertinentes àqueles que se encontram na média. Seguindo essa lógica, ela dedica três capítulos para discorrer sobre transtornos do desenvolvimento típicos de homens: dislexia (Capítulo 2); síndrome de Asperger (Capítulo 5); transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (Capítulo 9).

A autora explana sobre esses três transtornos, suas prováveis etiologias e ressalta as vantagens e os mecanismos compensatórias que indivíduos acometidos desenvolvem, tal como criatividade, habilidades lógico-matemáticas e tendência a correr riscos. Pontos para o paradoxo são levantados quando Pinker considera as taxas de abandono escolar de homens, não apenas daqueles com os referidos transtornos, e o consequente sucesso profissional que alcançam. Enquanto isso, mulheres em maior número apresentam sucesso acadêmico, mas poucas se destacam tanto quanto alguns daqueles homens. Susan cita casos como de Bill Gates e Steve Jobs, apresenta casos clínicos e entrevistas com homens que, mesmo diagnosticados com algum transtorno de desenvolvimento, mostraram-se talentosos profissionais e obtiveram sucesso em suas áreas.

A argumentação de Pinker para a importância dos extremos nas explicações das diferenças sexuais está fundamentada na Teoria de Empatia-Sistematização (Baron-Cohen, 2004). De acordo com essa teoria, resumidamente, empatia e sistematização são extremos de um continuum e determinam o campo de maior habilidade de processamento do cérebro. De um lado, a facilidade em processar pessoas e reconhecer emoções, e a empatia como característica preponderante; do outro, a habilidade em processar objetos e identificar sistemas, e a sistematização (busca por regras e padrões de funcionamento de mecanismos) como marca de cérebros assim.

Com esse embasamento, Susan destina o Capítulo 4 para demonstrar a maior frequência de mulheres no sentido empático do continuum, enquanto no Capítulo 5 ela destaca o extremo da sistematização na síndrome de Asperger e sua consequente maior incidência em homens. Ainda no Capítulo 4, enfatiza as vantagens que cérebros empáticos garantem às mulheres, como a facilidade em reconhecer emoções e agir conforme as necessidades daqueles que as expressam, destreza em interações sociais, etc., e aponta para a maior frequência de mulheres em empregos relacionados ao cuidado alheio (p. ex., psicologia, medicina, enfermagem; dados brasileiros também vão ao encontro disso: INEP, 2009).

Pinker destina os Capítulos 7 e 8 para avançar sobre diferenças relacionadas à expressão e ao controle das emoções. No Capítulo 7, ela denuncia a maior predominância de mulheres com mecanismos de internalização de emoções negativas, enquanto para os homens a frequência maior é de externalização, sobretudo através da agressividade, foco do Capítulo 8. Ela ilustra mecanismos de internalização feminina com a síndrome do impostor, uma crença de que o sucesso obtido deve-se sempre ao acaso, sorte ou enganação e não ao mérito próprio. A tendência das mulheres de atribuírem a elas mesmas as causas de fracassos e valorizarem sobremaneira falhas e erros está no cerne de uma falsa crença de não domínio sobre as conquistas. Consequentemente, segundo Pinker, as chances das mulheres aceitarem empregos e promoções para além de suas expectativas diminuem. Por outro lado, como é discutido no Capítulo 8, os homens, em maior frequência, arriscam-se em territórios desconhecidos, são ávidos por competições e não hesitam diante de desafios.

De acordo com Susan, não é ao acaso e nem devido às pressões sociais que se observam diferenças sexuais nas escolhas profissionais e no desempenho em áreas específicas; mas sim, à natureza biológica de homens e mulheres. A autora expõe no Capítulo 3 as razões que considera explicar a baixa frequência de mulheres no campo científico, mesmo com elas apresentando melhor desempenho acadêmico em média. Essas razões vão desde peculiaridades da academia que são mais bem admitidas por homens, como competitividade e dedicação integral de atenção e tempo; até características das mulheres que as colocam em desvantagem na área, como a intenso dispêndio de tempo e de recursos com alunos e orientandos. Ainda discutindo as carreiras profissionais de mulheres, Pinker, no Capítulo 6, aponta para motivos que levam mulheres altamente qualificadas no mercado de trabalho a largar carreiras promissoras em busca de trabalhos que sejam conciliáveis com seus valores familiares. Valores esses também relacionados a gerar e criar filhos.

No último capítulo do livro, Susan chama a atenção para a importância do reconhecimento de diferenças para o estabelecimento de metas, em empresas e na sociedade em geral, compatíveis com as singularidades de homens e mulheres. Ela adverte ainda que tomar um sexo como o padrão e impor (no mínimo, estimular) ao outro igualdade de comportamentos contribuem para discriminação e desrespeita a liberdade individual. Por fim, a autora relembra que os resultados estatísticos não se referem a indivíduos específicos; portanto, características individuais são preponderantes nas explicações de fenômenos que ocorrem com as pessoas.

A maneira de escrever de Susan e o encadeamento das ideias deixam a leitura do livro agradável e fazem com que seus argumentos tornem-se muito coerentes. Além de argumentações adequadas, ela se utiliza de uma ampla gama de referências para embasar o que defende (mais de 400 referências, entre livros clássicos e artigos recentes). Infelizmente, a primeira edição da versão traduzida para o português apresenta pequenos problemas de editoração, como frases sem pontuação, erros de digitação e de concordância verbal, além de não conter as ilustrações da versão original. Tais falhas podem até passar despercebidas e de modo geral não afetam o conteúdo do texto; acredita-se que esses erros poderiam ter sido evitados com um processo editorial mais cuidadoso. Considera-se o conhecimento da obra de fundamental importância para todos os psicólogos de qualquer área de atuação. Independentemente da abordagem explicativa, as evidências das diferenças levantadas por Pinker não devem ser desprezadas e não é exagero afirmar que devem compor a grade mínima de conhecimentos sobre a natureza humana que os psicólogos necessitam deter.

Um ponto-chave para responder por que há resistência em assumir diferenças entre os sexos por psicólogos refere-se à consistentemente desmentida ideia de que os seres humanos nascem como folhas em branco prontas para serem escritas com a pena da cultura. Certamente o conjunto de informações compartilhadas e transmitidas entre gerações, a cultura, exerce muita influência sobre nossos comportamentos, mas isso poderia afetar a maneira como nossa mente funciona? A resposta é não. Simplesmente porque nossos mecanismos mentais foram desenvolvidos (entenda-se naturalmente selecionados) em um período em que não havia cultura como a conhecemos hoje. Nossos mecanismos mentais desenvolveram-se durante o longo tempo em que viveram os humanos ancestrais, período Pleistoceno, a partir de soluções aos problemas correntes daquela época (Tooby & Cosmides, 1992).

Homens e mulheres, biologicamente distintos, enfrentaram problemas diferentes e, consequentemente, desenvolveram mecanismos com funcionamentos diferenciados (Buss, 1995). Essas ideias, defendidas pela psicologia evolucionista (mais sobre essa recente abordagem em Otta & Yamamoto, 2009), têm sido corroboradas por dados empíricos sobre diferenças sexuais em bebês (Connellan, Baron-Cohen, Wheelwright, Batki, & Ahluwalia, 2000; Lutchmaya & Baron-Cohen, 2002) e colocam um ponto final na Lockeana noção de tábula rasa (para uma discussão aprofundada sobre isso, recomenda-se um livro do irmão de Susan: Steven Pinker, 2004). Tendências inatas soam a muitos psicólogos como determinismo, inatismo, o que implicaria impossibilidade de mudanças, inclusive mudanças sociais. Mas os mecanismos mentais são como funções abertas à espera da entrada dos dados para gerar resultados. A lógica de processamento dos dados, inata, foi desenvolvida com base em resultados adaptativos; porém, não nascemos com os dados a serem processados em nossa mente, esses dados são obtidos na interação com o mundo. Além disso, mudanças podem ser observadas o tempo todo, tanto em níveis individuais quanto sociais, demonstrando falaciosa a noção de determinismo. Acredita-se que, ao contrário do que se teme, a busca por igualdade de direitos e oportunidades entre os sexos progrediria com o conhecimento (e reconhecimento) do funcionamento dos mecanismos mentais evolutivamente desenvolvidos.

 

REFERÊNCIAS

Baron-Cohen, S. (2004). Diferença essencial: a verdade sobre cérebros de homens e mulheres. Rio de Janeiro: Objetiva.         [ Links ]

Buss, D. M. (1995). Psychological sex-differences - origins through sexual selection. American Psychologist, 50(3),164-168.         [ Links ]

Connellan, J., Baron-Cohen, S., Wheelwright, S., Batki, A., & Ahluwalia, J. (2000). Sex differences in human neonatal social perception. Infant Behavior & Development, 23(1),113-118.         [ Links ]

INEP. (2009). Censo da educação superior 2007. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Ministério da Educação do Brasil.         [ Links ]

Lippa, R. (2010). Sex Differences in Personality Traits and Gender-Related Occupational Preferences across 53 Nations: Testing Evolutionary and Social-Environmental Theories. Archives of Sexual Behavior, 39(3),619-636. doi: 10.1007/s10508-008-9380-7        [ Links ]

Lutchmaya, S., & Baron-Cohen, S. (2002). Human sex differences in social and non-social looking preferences, at 12 months of age. Infant Behavior & Development, 25(3),319-325.         [ Links ]

Otta, E., & Yamamoto, M. E. (2009). Psicologia Evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.         [ Links ]

Pinker, S. (2010). O Paradoxo Sexual: hormônios, genes e carreira. Rio de Janeiro: BestSeller.         [ Links ]

Pinker, S. (2008). The sexual paradox: men, women and the real gender gap. New York: Scribner.         [ Links ]

Pinker, S. (2004). Tábula rasa. A negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Tooby, J., & Cosmides, L. (1992). The psychological foundations of culture. In J. H. Barkow, L. Cosmides & J. Tooby (Eds.), The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture (pp. 19-136). New York: Oxford University Press.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 13.09.2012
Aprovado em: 15.07.2013

 

 

1 Laboratório de Mensuração, Instituto de Psicologia, Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 101, Bairro Santa Cecília, Porto Alegre, RS - Brasil. CEP 90035-003. Telefone: (051) 3308-5246. E-mail: jeannatividade@gmail.com