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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.2 Florianópolis jun. 2014

 

Peculiaridades da estrutura de valores básicos dos brasileiros1

 

Characteristic features of brazilians' basic values

 

 

Maria Luisa Mendes TeixeiraI; Marta Fabiano SambiaseII; Michael JanikIII; Wolfgang BilskyIV

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIIUniversity of Muenster
IVUniversity of Muenster

 

 


RESUMO

A teoria de Valores Básicos, validada em diversos países, tem apresentado diferentes configurações empíricas, de acordo com a população e amostra pesquisada. No Brasil, alguns estudos foram realizados, porém com amostras não representativas, não havendo convergência entre os resultados. Este trabalho teve como objetivo analisar a estrutura empírica dos valores dos brasileiros, a partir de uma amostra representativa, totalizando 3.774 respondentes. Os dados foram coletados face a face por meio de entrevistadores que aplicaram a escala Portrait Values Questionnaire (PVQ-21). O tratamento de dados consistiu na análise confirmatória do escalonamento multidimensional tendo por base uma matriz de desenho específica para aplicação à teoria de valores básicos. Com base em estudos anteriores, elaboraram-se três hipóteses de pesquisa quanto ao agrupamento e distribuição dos valores na estrutura empírica, as quais foram parcialmente corroboradas. Os valores de benevolência localizaram-se na parte interna do círculo e os de universalismo, na parte externa; os valores de hedonismo e estimulação associaram-se em uma única região; os valores de conformidade assumiram região adjacente aos valores de tradição e segurança. A distribuição circular dos valores sugere que a matriz empírica dos valores dos brasileiros tende a assumir características de sociedades econômica e socialmente desenvolvidas.

Palavras-chave: valores básicos, estrutura empírica de valores, valores dos brasileiros.


ABSTRACT

The Basic Values Theory has been validated in various countries. Depending on the respective population and sample, however, somewhat different empirical configurations have been found. In Brazil, some studies have been conducted, though with unrepresentative samples, and their results do not converge. This study aimed to analyze the empirical structure of Brazilians' values, using a representative sample, with 3,774 respondents. Data were collected face-to-face by interviewers who applied the Portrait Values Questionnaire (PVQ-21). Data analysis consisted of confirmatory multidimensional scaling based on a specific design matrix derived from the Basic Values Theory. Based on previous studies, three research hypotheses were proposed that related to the grouping and distribution of the values in the empirical structures. These hypotheses were partially supported. Benevolence values were located inside the circle, and those of Universalism toward the outside. The values of Hedonism and Stimulation collapsed into a single region. Conformity values filled the region adjacent to the values of Tradition and Security. The circular distribution of values suggests that the empirical structure of Brazilians' values tends to assume features of economically and socially developed societies.

Keywords: basic values, empirical structure of values, Brazilians' values


 

 

Nas ciências sociais, os primeiros estudos sobre valores datam do início do século XX com o trabalho de Thomas e Znaniecki (1918-1920) e com as investigações de Allport e Vernon (1931). Outras abordagens, como a de Parsons (1957), Maslow (1959) e England (1967), sucederam-se. Mas pode-se dizer que foi com os estudos de Rokeach (1973) que o tema ganhou impulso e popularidade, promovendo um aumento significativo da produção sobre o tema (Teixeira & Monteiro, 2008).

Porém, foi com os estudos de Schwartz e Bilsky (1987), e posteriormente com Schwartz (1992), que uma teoria de valores pautada em relações de conflito e compatibilidade deu origem a uma estrutura universal de valores. A estrutura de valores proposta por Schwartz (1992) consiste na organização de 10 tipos de valores em uma estrutura circular, resguardando entre si relações de conflito e compatibilidade, os quais, por sua vez, organizam-se em duas dimensões bipolares: Autotranscendência versus Autopromoção e Conservação versus Abertura à mudança.

A referida teoria tem recebido adendos ao longo dos últimos anos, culminando com uma proposta de 19 valores organizados nas mesmas duas dimensões, de modo que os polos de Conservação e Autotranscendência correspondem ao "foco social", enquanto Abertura à mudança e Autopromoção correspondem ao "foco pessoal". Por outro lado, a Autotranscendência e Abertura à mudança relacionam-se à "expansão", enquanto Conservação e Autopromoção relacionam-se à "autoproteção" (Schwartz et al., 2012).

A proposta de 19 valores carece, no entanto, de solidez, uma vez que foi testada em apenas dez 10 países, enquanto a estrutura bipolar com 10 valores já foi testada em mais de 200 amostras de mais de 60 países, em diferentes áreas do conhecimento e é considerada uma das mais bem fundamentadas teórica e empiricamente (Cieciuch & Davidov, 2012). Por essa razão, essa foi a abordagem teórica escolhida para a realização desta pesquisa, cujo objetivo consistiu em analisar a estrutura empírica dos valores básicos dos brasileiros, a partir de uma amostra representativa.

Estudos anteriores foram realizados visando a análise da estrutura dos valores dos brasileiros (Campos & Porto, 2010; Tamayo & Porto, 2009; Tamayo & Schwartz, 1993; Sambiase, Teixeira, Bilsky, Felix & Domenico, 2010), porém, com amostras não representativas, tendo sido obtidos resultados não convergentes.

A investigação da estrutura de valores dos brasileiros, com base em uma amostra representativa, permite comparações com outras amostras de populações de outros países, como os países europeus pesquisados pelo European Social Survey (ESS, 2012), assim como investigar o poder preditivo dos valores em relação a outros construtos, considerando as peculiaridades da estrutura empírica dos brasileiros.

 

A TEORIA DE VALORES BÁSICOS DE SCHWARTZ

Iniciada no final dos anos de 1980, a teoria de valores de Schwartz tem se aperfeiçoado ao longo do tempo. Em 1987, Schwartz e Bilsky (1987) produziram o primeiro texto em que apresentam os primórdios da teoria, buscando avançar além da divisão dos valores em terminais e instrumentais conforme havia proposto Rokeach (1973).

Revendo a literatura sobre valores humanos, os autores Schwartz e Bilsky (1987) encontraram cinco características, as quais incorporaram ao seu conceito de valores: valores são crenças; sobre fins ou comportamentos desejáveis; que transcendem situações específicas; orientam a seleção e avaliação de pessoas e acontecimentos; e são organizados segundo a importância relativa que lhes é atribuída.

Os valores foram propostos como sendo representações cognitivas de três tipos de necessidades humanas: biológicas, interacionais - visando à coordenação da interação interpessoal -, e socioinstitucionais, com vistas ao bem-estar e sobrevivência dos grupos e da sociedade. Nesse sentido, os valores consistem em metas que atendem a interesses individuais, coletivos, ou ambos, e referem-se a diferentes domínios motivacionais, os quais foram estabelecidos a partir da literatura sobre necessidades, motivos sociais, demandas institucionais e requisitos para funcionamento dos grupos sociais (Schwartz & Bilsky, 1987).

Schwartz e Bilsky (1990) continuaram a pesquisa, publicada em 1987, na época realizada apenas com professores israelitas e estudantes alemães, expandindo-a para mais cinco países de diferentes continentes. A estrutura de Compatibilidade e Oposição entre os sete domínios motivacionais foi confirmada, exceto para um dos países pertencente ao continente asiático, onde apenas o domínio Poder social foi confirmado.

Em 1992, Schwartz dá um importante passo para o aperfeiçoamento da teoria: revê os conteúdos dos domínios motivacionais, os quais passam a denominar de "tipos motivacionais de valores" e elabora a escala Schwartz Values Survey (SVS), a qual foi aplicada a 20 países, identificando 10 tipos motivacionais comuns à maior parte das amostras, organizados em duas dimensões bipolares: Autotranscendência versus Autopromoção e Abertura à mudança versus Conservação (Schwartz, 1992). Esses valores resguardam, entre si, relações de compatibilidade e conflito. Em 1994, a mesma estrutura era identificada em 96 amostras em 44 países (Schwartz, 1994). Em 2005, a estrutura de valores proposta por Schwartz (1992) estava confirmada mediante estudo realizado em 210 amostras de 67 países (Schwartz, 2005) e, em 2006, em 233 amostras e 68 países (Schwartz, 2006a).

A dimensão de Autotranscendência versus Autopromoção reúne em um polo os valores de Benevolência e Universalismo, referindo-se à motivação para superar o egoísmo, promovendo o bem-estar alheio; e em outro, congrega os valores Poder, Autorrealização e Hedonismo, revelando a motivação em função de interesses próprios, ainda que à custa de interesses alheios (Schwartz, 1992).

Na dimensão Abertura à mudança versus Conservação encontra-se um polo com valores de Estimulação, Autodeterminação e Hedonismo, os quais dizem respeito à motivação para seguir os próprios interesses intelectuais e motivacionais em direções incertas, em oposição ao polo Conservação, relativo à motivação para a manutenção do status quo e da certeza, mediante os valores de Tradição, Conformidade e Segurança. O valor Hedonismo participa tanto da motivação para a Autopromoção quanto para Abertura à mudança (Schwartz, 1992). A compatibilidade entre os valores se verifica pelo posicionamento adjacente entre eles, revelando ênfases motivacionais (Schwartz, 1994).

A dinâmica da estrutura da relação entre os valores não atende apenas ao princípio da compatibilidade e oposição, mas também à regulação da expressão dos interesses próprios - foco pessoal, e à regulação de como as pessoas se relacionam com os outros e afetam os seus interesses - foco social. Poder, Estimulação, Hedonismo e Autodeterminação são valores que regulam a expressão de interesses próprios, e Benevolência, Universalismo, Tradição, Conformidade e Segurança regulam as relações com as outras pessoas (Schwartz, 2006a).

Outro princípio que explica a dinâmica da estrutura dos valores diz respeito à ansiedade. Realização e Poder (valores de Autopromoção), e Segurança, Conformidade e Tradição (valores de Conservação) servem para lidar com a ansiedade frente à incerteza do mundo social e físico. Conformidade ajuda a evitar conflitos; Tradição e Segurança contribuem para manter a ordem; e Poder, para controlar ameaças. Estes valores orientam a pessoa para autoproteção, procurando evitar a ansiedade (Schwartz, 2006a; Schwartz et al., 2012).

Valores de Autotranscendência e Abertura à mudança são livres de ansiedade e regulam o foco e motivação para objetivos que promovam o ganho, em vez da pessoa se prevenir para preservar o que já possui. Autotranscendência e Abertura à mudança reúnem valores que promovem o desenvolvimento e expansão da pessoa humana (Schwartz, 2006a).

A motivação para o foco pessoal versus o foco social, assim como a motivação para a autoproteção versus expansão, tem integrado a teoria de valores de Schwartz nas duas últimas décadas (Fontaine, Poortinga, Delbeke & Schwartz, 2008; Schwartz et al., 2012).

O refinamento da teoria proposta por Schwartz et al. (2012) foi obtido mediante a elaboração de uma escala com 57 itens (PVQ5X). Os resultados evidenciaram 19 tipos de valores distintos, que se agrupam nos 10 tipos de valores e duas dimensões bipolares, conforme previsto pela primeira versão da teoria, resguardando entre si relações de compatibilidade e oposição, além de refletirem os demais princípios da dinâmica da estrutura: foco pessoal versus foco social e expansão versus autoproteção.

Schwartz et al. (2012) entendem que a versão ampliada de teoria de valores básicos poderá contribuir com maior precisão quanto à capacidade preditiva dos valores em relação a atitudes e comportamentos. A versão da teoria proposta Schwartz et al. (2012), por outro lado, mostra a importância e resistência da primeira versão da teoria que propunha apenas 10 valores organizados em duas dimensões bipolares.

 

A ESTRUTURA EMPÍRICA DOS VALORES

Uma das questões levantadas por Schwartz (1994) refere-se à presença dos 10 valores em todas as culturas, mencionando que a questão não estava definitivamente fechada, uma vez que esse número nem sempre tem sido encontrado empiricamente em todas as culturas. Alguns valores adjacentes têm se reunido em uma única região espacial, porém, pelo menos oito valores aparecem em regiões distintas em quase todas as amostras pesquisadas (Schwartz, 1994; Schwartz et al., 2012).

Diversas análises têm sido feitas, nas últimas décadas, quanto à distribuição circular dos valores, discutindo os desvios das estruturas empíricas e teóricas envolvendo as escalas SVS (Schwartz, 1992), PVQ-40 (Schwartz et al., 2001) e PVQ-21(ESS, 2012).

Fontaine et al. (2008), utilizando a escala SVS, investigaram a equivalência da estrutura bidimensional e distribuição circular dos tipos de valores para análise de dados considerando culturas per si, e a consideraram robusta para o estudo de culturas específicas. A inovação do estudo consistiu na discussão das razões dos desvios quanto ao número de valores encontrados em cada cultura em relação ao modelo teórico. Entre as razões encontradas, destacam-se: a) a diferença entre os tipos de amostras. Amostras de estudantes e professores apresentaram resultados diferentes; b) a diferença de significado atribuído aos valores nas diferentes culturas; c) as diferenças de escolaridade: pessoas com maior escolaridade podem tender a ser mais autônomas; d) as diferenças entre sociedades mais desenvolvidas, mais orientadas para o desenvolvimento humano, e menos desenvolvidas, menos autônomas e mais motivadas para autoproteção.

Bilsky, Janik e Schwartz (2011) analisaram os dados de três rodadas do European Social Survey - ESS2003, ESS2005, ESS2007 - mediante a escala PVQ-21 e identificaram que o modelo circular de distribuição de valores aplicou-se adequadamente, no entanto, dois tipos de desvio foram considerados importantes. O modelo circular mostrou-se mais adequado para representar os valores de sociedades com Índices de Desenvolvimento Social - SDI (Social Development Index) - mais elevados do que com índices mais baixos, achado encontrado por Fontaine et al. (2008), porém, considerando outros índices e mediante aplicação da escala SVS. Esses achados foram corroborados por Strack e Dobewall (2012) ao analisarem dados resultantes da aplicação do PVQ-21 em 98 amostras de 33 países em quatro rodadas da European Social Survey - ESS2003, ESS2005, ESS2007, ESS2009-, comparando-as quanto ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita e outros índices socioeconômicos. Pode-se dizer que o contraste entre os valores que apresentam a motivação para a expansão e para a autoproteção mostram-se mais nítidos nas sociedades mais desenvolvidas, isto é, as que apresentam índices socioeconômicos mais elevados.

A diferença entre valores de sociedades mais ou menos desenvolvidas talvez possa estar na raiz de algumas críticas quanto à dissimilaridade entre estruturas empíricas e teóricas da teoria de Valores Básicos de Schwartz (1992). Hinz, Brahler, Schmidt e Albani (2005) analisaram uma amostra de indivíduos alemães por diferentes técnicas estatísticas, a qual foi aplicada a escala PVQ-40 e não encontraram correspondência entre a estrutura empírica de valores e a estrutura teórica proposta por Schwartz (1992). Nesse estudo, chama a atenção o fato de terem sido encontrados dois grupos de valores em oposição pouco nítida: de um lado, os valores de Autotranscendência (expansão) e Conservação (autoproteção) e, de outro, os valores de Abertura à mudança. Apesar de o estudo ter sido realizado com uma amostra randômica, não há maiores detalhes sobre essa amostra. Beierlein, Davidov, Schmidt, Schwartz e Rammstedt (2012) realizaram estudo em que encontraram resultados diferentes, validando a estrutura teórica, considerando, no entanto, apenas alemães de língua nativa, de modo que imigrantes não foram considerados.

Davidov, Schmidt e Schwartz (2008) em pesquisa realizada com 20 países, por meio da aplicação do PVQ-21, encontraram apenas sete tipos de valores alocados em regiões distintas ao longo do círculo. Tradição e Conformidade, valores teoricamente adjacentes, reuniram-se em uma única região, assim como Universalismo e Benevolência e Poder e Realização. Universalismo e Benevolência também foram encontrados compartilhando espaço em várias amostras, porém, não exatamente na mesma região, mas situando-se um na parte externa do círculo e o outro na parte interna, na mesma fatia espacial, no estudo de Bilsky, Janik e Schwartz (2011).

Os desvios encontrados entre as estruturas empírica e teórica têm obedecido a quatro padrões básicos: a) alguns valores podem não aparecer em regiões distintas; b) alguns valores adjacentes podem aparecer em diferentes regiões, porém, uma externa e outra interna ao círculo, como ocorre na posição teórica dos valores de Tradição e Conformidade; c) posicionamento reverso de alguns valores; d) algum item pode aparecer em região relativa a outro tipo de valor diferente daquele ao qual pertence. De forma geral, esses desvios, não apresentando características que denunciem problemas nas estruturas empíricas, ou que justifiquem novos estudos e investigações, podem ser decorrentes de variações aleatórias, ou de traduções inadequadas do instrumento, ou ainda, de diferença de significado dos valores para diferentes culturas (Bilsky et al., 2011).

Knoppen e Saris (2009a, 2009b), Lilleoja e Saris (2012), no entanto, sugerem que a razão de valores adjacentes colapsarem em uma única região, formando um único tipo, deve-se à elevada correlação, entre valores adjacentes, quer utilizando a PVQ-40, quer na forma reduzida da PVQ-21, configurando valores específicos diferentes, de tal modo que devem ser tratados como valores diferentes, que se configurariam como tipos específicos de alguns dos 10 valores propostos por Schwartz (1992).

Knoppen e Saris (2009a), utilizando a escala PVQ-40, propuseram 15 valores subdividindo Conformidade em Autorrestrição e Orientação por normas; Tradição, em Tradição e Humildade; Realização, em Realização de metas e Realização de reconhecimento; Autodeterminação, em Autonomia de ação e Autonomia de pensamento; e Universalismo, em Igualdade social e Preservação da natureza.

Beierlein et al. (2012) analisaram os achados de Knoppen e Saris (2009a) em uma amostra representativa de indivíduos alemães, a qual foi aplicada a escala PVQ-40, e encontraram resultados diferentes: Realização subdividiu-se em Demonstração de sucesso e Ambição; Segurança, em Segurança pessoal e Nacional; Universalismo, em Proteção do ambiente e Preocupação com a sociedade; e Autodeterminação, em Abertura intelectual e Independência.

Cieciuch e Schwartz (2012) identificaram 15 valores ao estudarem uma amostra de poloneses, mediante a escala PVQ-40: Preocupação com a sociedade; Proteção do ambiente; Ambição, Demonstração de sucesso; Autonomia de ação, Autonomia de pensamento, Segurança nacional, Segurança pessoal, Tradição, Humildade, Conformidade, Poder, Hedonismo, Estimulação e Benevolência.

Schwartz et al. (2012), ao reverem a teoria de valores básicos proposta em 1992, propõem que o continuum motivacional seja representado por 19 valores, no entanto, argumentam que o mais importante é a evidência de que os valores se distribuem num contínuo circular e que podem ser considerados em diferentes níveis de abstração. Resguardando esse princípio, não importa o número de valores, mas sim, os níveis de abstração a serem considerados, e de acordo com estes, a quantidade de valores (Schwartz et al., 2012).

Frente à revisão da literatura aqui apresentada, quanto a diferenças entre estruturas empíricas e teóricas relativas à teoria de valores básicos de Schwartz (1992), é possível que as referidas diferenças refiram-se tanto a diferenças entre estruturas empíricas de sociedades mais desenvolvidas em relação àquelas menos desenvolvidas, quanto à existência de valores específicos de alguns dos 10 tipos de valores propostos em 1992. Ou ainda, ao tipo de amostra e população analisadas, traduções inadequadas dos instrumentos, ou diferença do significado dos valores entre as culturas.

A estrutura empírica de valores no Brasil: desenvolvimento de hipóteses

A estrutura de valores básicos foi validada para o Brasil mediante o emprego da escala SVS por Tamayo e Schwartz (1993), com a escala PVQ-40 por Tamayo e Porto (2009) e Sambiase et al. (2010), e por meio da escala PVQ-21 por Sambiase et al. (2010) e Campos e Porto (2010). As estruturas empíricas encontradas, porém, não são coincidentes entre si e nem coincidem com a estrutura teórica dos 10 valores propostos por Schwartz (1992).

Tamayo e Schwartz (1993) analisaram a estrutura empírica dos valores básicos em duas amostras não representativas, uma de estudantes e outra de professores. Identificaram quantidades de tipos de valores diferentes de acordo com amostras, sendo nove valores para estudantes e oito para professores, distribuídas circularmente e correspondendo às dimensões bipolares de Abertura à mudança versus Conservação e Autotranscendência versus Autopromoção. No caso dos estudantes, os valores Hedonismo e Estimulação reuniram-se em uma única região, e no caso dos professores, ocorreu também a união dos valores Tradição, Conformidade e Segurança.

Tamayo e Porto (2009) analisaram a estrutura empírica dos valores básicos por meio da aplicação da escala PVQ-40 a uma amostra não representativa de 614 estudantes, contemplando desde o ensino fundamental até o superior. Foram encontradas sete regiões espaciais. Os valores Universalismo e Benevolência ocuparam uma mesma região, assim como os valores de Hedonismo e Autodeterminação e Realização e Poder. Os valores Estimulação e Benevolência apareceram em regiões trocadas.

Sambiase et al. (2010) analisaram a estrutura empírica por meio da escala PVQ-40 em uma amostra de 217 estudantes universitários, tendo encontrado resultados parcialmente diferentes de Tamayo e Porto (2009). Os valores Universalismo e Benevolência reuniram-se em uma única região, tendo o mesmo ocorrido com os valores de Estimulação e Autodeterminação, resultando em uma divisão espacial de oito regiões e, portanto, oito tipos motivacionais de valores. Os valores Poder e Realização localizaram-se em regiões trocadas.

Uma análise cuidadosa dos resultados dos trabalhos de Tamayo e Porto (2009) e Sambiase et al. (2010) revela que, embora ambos tenham considerado que os valores de Universalismo e Benevolência ocuparam a mesma região, eles abrangeram regiões distintas, embora não adjacentes. Universalismo situou-se na área externa e Benevolência na área interna, resultados também encontrados em amostras da European Social Survey, conforme indicam Bilsky et al. (2011).

Campos e Porto (2010) analisaram a estrutura empírica dos valores utilizando a escala PVQ-21 em uma amostra de 554 trabalhadores brasileiros do setor industrial da Região Sul do Brasil, tendo sido encontrados nove tipos de valores localizados em regiões espaciais distintas. Os valores Segurança e Conformidade reuniram-se em uma única região interna ao valor Tradição, enquanto o valor Autodeterminação apareceu em uma região interna a Hedonismo. Os itens localizaram-se adequadamente e apenas um item relativo ao valor Estimulação apareceu na região de Realização.

A análise empírica dos valores, mediante a escala PVQ-21, também foi realizada por Sambiase et al. (2010), com uma amostra de 217 estudantes universitários, tendo encontrado oito regiões. Os valores Universalismo e Benevolência ocuparam a mesma região, porém, uma análise mais detalhada mostra que Benevolência ocupou uma região interna a Universalismo, como ocorreu no estudo com a escala PVQ-40, comentada anteriormente. Poder e Realização ocuparam a mesma região.

Apesar das diferentes amostras, frente aos resultados encontrados, verifica-se alguns aspectos em comum entre a maior parte das estruturas identificadas. Os valores Universalismo e Benevolência tenderam a ocupar a mesma região, ou situarem-se em espaços internos e externos de uma mesma região do círculo, excetuando-se o estudo de Campos e Porto (2010).

De acordo com Levy (1985), citado por Schwartz et al. (2012), variáveis que se situam na área externa do círculo possuem conteúdo mais abstrato do que aquelas próximas ao centro. O Universalismo diz respeito ao bem-estar da humanidade, incluindo a proteção da natureza, do meio ambiente e de ameaças à sociedade, aspectos que recentemente, em alguns países, ocupam a pauta normativa e estão longe de requerer ações concretas da população (Schwartz et al., 2012), tornando-se mais abstratos do que os valores relativos à Benevolência. O Brasil pode ser incluído entre estes países, uma vez que a questão da sustentabilidade ainda é, para a maior parte da população, algo com que não se sente comprometida (Marinho, Agra Filho, Santos & Cunha, 2008). Estes fatos conduzem à primeira hipótese deste estudo:

Hipótese 1: Em uma amostra representativa de brasileiros, os valores Universalismo e Benevolência ocupam regiões distintas, contíguas, onde o valor Benevolência situa-se na área interna do círculo e o valor Universalismo na área externa.

A correlação entre valores adjacentes pode justificar que os mesmos reúnam-se em uma mesma região (Lilleoja & Saris, 2012). Poder e Realização ocuparam a mesma região no estudo realizado por Sambiase et al. (2010) e em Tamayo e Porto (2009). Este resultado conduziu à segunda hipótese do estudo:

Hipótese 2: em uma amostra representativa de brasileiros, os valores de Realização e Poder ocupam a mesma região.

Estimulação e Autodeterminação colapsaram na mesma região em Sambiase et al. (2010); o mesmo ocorrendo com Hedonismo e Estimulação em Tamayo e Schwartz (1993), Hedonismo e Autodeterminação em Tamayo e Porto (2009), indicando que estes valores podem se reunir entre si, dependendo da amostra. Estes resultados sugeriram a terceira hipótese do estudo:

Hipótese 3: em uma amostra representativa de brasileiros, os valores de Hedonismo, Estimulação e Autodeterminação ocupam a mesma região no círculo, com adjacência a Realização e Universalismo.

 

MÉTODO

Escolha do instrumento de pesquisa e técnica de coleta de dados

A escala SVS foi desenvolvida por Schwartz (1992) e é considerado o instrumento mais utilizado para avaliar a teoria de valores básicos, traduzido para 47 idiomas (Schwartz, 2006b), incluindo português do Brasil (Tamayo & Schwartz, 1993).

Apesar da ampla aceitação da escala SVS na comunidade acadêmica, ela tem apresentado resultados insatisfatórios em relação à estrutura de valores obtidos em aplicações em áreas rurais de países menos desenvolvidos, entre jovens e adolescentes (Schwartz, 2005).

Tais limitações levaram ao desenvolvimento do Portrait Values Questionnaire (PVQ), com 40 perfis, frente aos quais cada respondente se compara, indicando o quanto se parece com cada um deles, respondendo à seguinte pergunta: "Quanto essa pessoa se parece com você?". As cinco alternativas possíveis de resposta, oferecidas em uma escala não numérica, são: se parece muito comigo, se parece comigo, se parece mais ou menos comigo, não se parece comigo, não se parece nada comigo (Schwartz, 2005).

A PVQ-21, desenhada para atender aos requisitos da European Social Survey (Schwartz, 2006a), segue as mesmas características contempladas no PVQ-40, com a distinção de conter 21 itens retirados da versão original. Cada tipo motivacional ficou representado por dois itens, exceto Universalismo, que conta com três.

Para esta pesquisa, foi escolhida a escala PVQ-21, tendo em vista que a coleta dos dados foi realizada face a face por 39 pesquisadores, em uma parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com o Instituto Paulo Montenegro/Ibope e o Programa de Voluntários das Nações Unidas (VNU) (PNUD, 2010).

Amostra

A amostra representativa consistiu em aproximadamente 0,00002 % da população brasileira, cujo percentual foi respeitado para todas as Unidades da Federação do Brasil (PNUD, 2010), totalizando 3.774, dos quais 1.812 (48%) do sexo masculino e 1.962 (52%) do sexo feminino. A amostra de sujeitos por região ficou distribuída em: Região Centro-Oeste, 262; Região Norte, 264; Região Nordeste, 989; Região Sul, 561; Região Sudeste 1.688.

Quanto à distribuição por idade, 905 (23,98%) estavam na faixa de 16 a 25 anos; 957 (25,36%) entre 26 e 36 anos; 986 (26,13%), entre 37 e 49 anos; e 926 (24,54%) com 50 anos ou mais. A amostra contemplou diferentes faixas de instrução: 221 (25,12%) não sabiam ler e nem escrever; 941 (24,93%) com ensino fundamental incompleto; 797 (21,12%) com ensino fundamental completo; 1.287 (34,10%) com ensino médio incompleto ou completo; 528(13,99%) com nível superior e pós-graduação. Em relação à renda, 948 (25,12%) ganhavam até um salário mínimo; 967 (25,62%), de um a dois salários mínimos; 816 (21,62%), entre dois e cinco salários mínimos; 254 (6,73%), mais de cinco salários mínimos; 501 (13,28%) sem renda pessoal e 7,63% não responderam.

Tratamento de dados

Para casos com respostas em branco, adotou-se o sistema listwise deletion. Procedeu-se à verificação de repetição de respostas, cujo percentual máximo recomendado pelo ESS (2009) é de 76,2%, relativo ao PVQ 21. Foram detectados 53 casos, os quais foram retirados da amostra, resultando em uma amostra final de 3.721 respondentes.

Os dados foram submetidos à análise de confiabilidade dos tipos de valores, mediante cálculo de Alpha de Cronbach, à análise de correlação de Pearson e à análise confirmatória de escalonamento Multidimensional (ACEM), utilizando configuração inicial com base em teoria (theory-based starting configuration) conforme Bilsky, Gollan e Döring (2008).

A opção pelo Escalonamento Multidimensional foi um dos principais procedimentos adotados para análise empírica da estrutura de valores básicos desde o inicio da elaboração da teoria (Schwartz, 1992, 1994; Schwartz & Bilsky, 1987, 1990).

A escolha pela análise confirmatória teve como fundamentação o trabalho de Bilsky et al. (2008), a qual foi realizada a partir de uma matriz de coeficientes de correlação de Pearsosn entre os 21 itens da escala, considerando: keepties; stress convergence = 0,0001, minimum stress = 0,0001 e o máximo de 100 iterações, e as restrições apontadas pelas coordenadas relativas ao posicionamento hipotético de cada item no círculo - matriz de desenho - (Tabela 1).

 

 

Este tipo de análise qualifica-se na literatura estatística também como ACEM fraca - week confirmatory MDS - (Borg & Staufenbiel, 2007) e é preferível a uma ACEM somente exploratória. De fato, seria ainda mais convincente empregar uma ACEM com restrições regionais, mas até o momento, esse tipo de ACEM ainda está em fase experimental (Borg, Groenen, Jehn, Bilsky & Schwartz, 2011) e por esta razão não foi aplicada nesta pesquisa.

 

RESULTADOS

Análise da confiabilidade da escala PVQ-21

A análise da confiabilidade diante o cálculo de Alpha de Cronbach, apresentou os seguintes resultados: Autodeterminação: 0,327; Hedonismo: 0,413; Estimulação: 0,449; Tradição: 0,381; Conformidade: 0,448; Segurança: 0,390; Poder: 0,234; Realização: 0,605; Universalismo: 0,468; Benevolência: 0,441.

Análise da matriz de correlações

A matriz de correlação indicou que os valores Poder e Estimulação apresentaram maior número de correlações negativas com as variáveis teoricamente opostas. Poder apresentou correlação negativa com Universalismo, Benevolência e Tradição. Estimulação apresentou correlação negativa com Segurança, Conformidade e Tradição.

Análise Confirmatória do Escalonamento Multidimensional

O cálculo da ACEM realizou-se em 18 iterações, tendo-se obtido um Stress 1 de 0,124 e um coeficiente de congruência de Tucker de 0,99, o que indicou excelente ajuste do modelo bidimensional.

Os valores distribuíram-se em nove regiões diferentes, tendo os valores de Hedonismo e Estimulação ocupando a mesma região (Figura 1). As coordenadas empíricas estão apresentadas na Tabela 2.

 

 

 

 

Um dos itens (14S) de Segurança, assinalado com um círculo (Figura 1), apresentou desvio em relação à posição. Visando verificar o seu correto posicionamento no espaço do valor Segurança, imputaram-se a ele as coordenadas empíricas do item 5S e submeteram-se os dados a uma nova ACEM, porém sem iteração, fixando-se as coordenadas por meio da opção "restrições" do SPSS-PROXCAL. Obteve-se um novo diagrama (Figura 2), com adequado posicionamento dos itens de Segurança, tendo o item 14S ocupado o mesmo espaço do item 5S. Esta nova solução gerou o aumento marginal do Stress 1 de 0,124 para 0,133, confirmando que a nova solução não é aleatória (Borg & Groenen, 2005; Spence & Ogilvie, 1973) e que, de fato, o item 14S encontra-se corretamente posicionado no espaço do valor Segurança.

 

 

Os valores Universalismo e Benevolência ocuparam as regiões esperadas, tendo o primeiro ocupado a parte externa do círculo e o segundo a parte interna, corroborando a hipótese H1. Os valores Poder e Realização ocuparam áreas específicas e adjacentes, de modo que a hipótese H2 não pode ser corroborada, uma vez que previa que esses valores colapsariam em uma única região (Figuras 1 e 2).

A terceira hipótese prevista, H3, propunha que os valores de Hedonismo, Estimulação e Autodeterminação ocupariam a mesma região no círculo, com adjacência a Realização e Universalismo. Esta hipótese foi corroborada apenas parcialmente, uma vez que apenas o valor Hedonismo juntou-se ao valor Estimulação, enquanto o valor Autodeterminação ocupou uma região específica (Figuras 1 e 2).

Observou-se ainda, que os itens do valor Conformidade não se posicionaram na área interna do círculo, tendo o valor Tradição na área externa, mas sim de forma adjacente, conforme a primeira estrutura teórica proposta por Schwartz (1992).

 

DISCUSSÃO

Embora os índices de confiabilidade encontrados estejam abaixo do desejável (0,7), Schwartz (2006a) menciona que os valores para a escala PVQ-21 têm variado de 0,36 para Tradição a 0,70 para Realização, permitindo considerar os resultados encontrados para esta amostra como compatíveis. Por outro lado, é importante destacar que os valores dos índices de confiabilidade não afetam os resultados da ACEM, uma vez que esta é realizada a partir das correlações entre as variáveis (Bilsky et al., 2008).

A estrutura encontrada suporta claramente a teoria proposta por Schwartz (1992), tanto na distribuição do espaço anterior à correção do desvio do valor 14S quanto posteriormente.

São comuns as críticas quando o posicionamento dos itens na distribuição do espaço não permite o traçado retilíneo. Porém, tais delimitações, aparentemente imperfeitas, não apresentam problemas para a sua interpretação e nem invalidam a hipótese estrutural, desde que uma região em particular não inclua itens estranhos a ela (Borg & Shye, 1995; Shye, Elizur & Hoffman, 1994). No entanto, para evitar que ocorressem dúvidas quanto ao correto posicionamento do item 14S, procedeu-se à técnica de ajustamento regional e analisaram-se as consequências para o ajuste do modelo, tendo verificado o seu correto posicionamento.

O fato de os valores relativos ao Hedonismo e Estimulação terem colapsado em uma única região pode ter como justificativa a diferença de significado desses valores para os brasileiros em comparação a outras culturas, conforme sugerem Bilsky et al. (2011) ao comentarem sobre possíveis desvios de estruturas empíricas em relação à estrutura teórica.

Os valores básicos dos indivíduos estão relacionados aos valores culturais sob os quais foram socializados (Fischer, 2006). O artigo de Torres, Porto e Vargas (no prelo) traz algumas reflexões sobre a conexão entre valores básicos de brasileiros e aspectos da cultura brasileira.

O valor Hedonismo diz respeito ao prazer e gratificação sensual e a Estimulação ao entusiasmo, novidade e ao desafio na vida. No caso específico da reunião dos valores Hedonismo e Estimulação em uma mesma região, algumas características da cultura brasileira apresentam potencial explicativo para essa junção. Da Matta (1984), por exemplo, refere-se à tradicional festa do carnaval e seu significado para o brasileiro como oportunidade de "viver e ter uma experiência do mundo como excesso - mas agora [Carnaval] como excesso de prazer, de riqueza [...], de alegria e de riso, de prazer sensual que fica - finalmente - ao alcance de todos." (p.73). E, ao se perguntar sobre o "que o carnaval consegue fazer pelo Brasil?" (p.74), o autor faz reflexões sobre o carnaval como espaço em que o brasileiro pode vivenciar o que gostaria de ser, mas que a vida não permitiu. Como uma festa planejada e socialmente necessária, em que os sonhos são vivenciados, "onde as regras do mundo diário estão temporariamente de cabeça para baixo, em que posso ganhar e sentir uma incrível sensação de liberdade" (p.75), onde a fantasia "abre caminho e promove a passagem para outros espaços sociais" (p.75), o que significa viver experiências novas, abrir-se para novas possibilidades e, ainda que por momentos, ultrapassar a diferenciação social.

Sobre o prazer, Da Matta (1984) comenta sobre a comida, refere-se à importância que é atribuída a ela na cultura brasileira e o papel que desempenha na celebração coletiva, na vivência do prazer afetivo e coletivo.

Também, o conhecido traço cultural "jeitinho" consiste em uma forma brasileira característica de superar os desafios a serem enfrentados no dia a dia. Frente ao formalismo da vida brasileira, com excesso de normas reguladoras, da burocracia, o "jeitinho" é vivenciado como uma solução (Barros & Prates, 1996). "Jeitinho" refere-se a uma engenhosidade criativa para resolver problemas no curto prazo, desde burlar regras burocráticas até superar problemas com superiores em contextos fortemente hierárquicos, mediante estratégias que podem incluir o envolvimento de outras pessoas, em bases igualitárias, na busca das soluções (Smith et al., 2012). Superar desafios de forma criativa e audaciosa faz parte da cultura brasileira.

A reunião de Hedonismo e Estimulação na mesma região indica a motivação para o prazer afetivo e sensual, não rotineiro, a busca pela vivência de situações novas e desafiadoras, e a compensação das dificuldades pelas vivências de prazer.

A presença do valor Universalismo na área externa do círculo, posicionamento mais abstrato em relação à Benevolência, também pode ser explicado, em parte, por aspectos da cultura brasileira. O extrativismo faz parte da nossa história e percorreu as diferentes regiões brasileiras ao longo de distintos ciclos econômicos, levando à desertificação de partes do solo brasileiro nos últimos anos. A preservação da natureza, valor que compõe o Universalismo, ainda não é traduzido em práticas na vida cotidiana da maioria dos brasileiros, em parte, pode-se deduzir, em decorrência das condições de vida, como a ausência de saneamento básico (47,2% dos lares) (PNAD, 2011).

Os itens do valor Conformidade, embora próximos da região esperada, não posicionaram-se na área interna do círculo, tendo o valor Tradição na área externa, mas sim de forma adjacente, conforme a primeira estrutura teórica proposta por Schwartz (1992).

Os valores Conformidade na área interna e Tradição na área externa podem ser explicados em função de quão abstratos são percebidos, como pode ocorrer com o posicionamento dos valores Universalismo e Benevolência. No caso dos valores básicos dos brasileiros, o fato de aqueles valores terem aparecido em áreas adjacentes, indica que Tradição não é um valor percebido como mais abstrato do que o valor Conformidade. De fato, o respeito às tradições e a aceitação dos costumes, como hábitos alimentares, tipos de comida, celebração mediante compartilhamento de momentos de alimentação, além de outros costumes trazidos pelas religiões africanas e ocidentais, são preservados e valorizados pela cultura brasileira (Da Matta, 1984). Assim como a valorização das tradições está presente na vida dos brasileiros, a conformidade também se reflete em ditados populares, como "Manda quem pode, obedece quem tem juízo" e "Cada macaco no seu galho" (Da Matta, 1984).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos corroboraram parcialmente as hipóteses lançadas para este trabalho, uma vez que os valores Poder e Realização não ocuparam a mesma região no espaço, conforme previsto, e dos valores relativos à Abertura à mudança, apenas Hedonismo e Estimulação ocuparam o mesmo espaço, tendo o valor Autodeterminação ocupado uma região especifica e distinta dos demais. Os valores Universalismo e Benevolência ocuparam as regiões externa e interna do círculo, respectivamente.

A estrutura empírica encontrada reflete a teoria dos valores básicos de Schwartz (1992). Os desvios encontrados em relação à proposta teórica podem ser explicados à luz de aspectos da cultura brasileira, como o "jeitinho", a "vivência do prazer", a preservação das tradições culturais e a valorização da conformidade reforçada, inclusive por ditados populares, assim como a exploração da natureza.

As relações de oposição, com maior intensidade para valores que motivam para o desenvolvimento e a expansão humana, foram encontradas em contrapartida a valores de autopreservação, de acordo com a proposta de Schwartz (2006a). Desta forma, pode-se dizer que a estrutura empírica dos valores dos brasileiros tende à estrutura encontrada como compatível para sociedades desenvolvidas de acordo com Fontaine et al. (2008) e Strack e Dobewall (2012). Diz-se "tende", uma vez que não se verificou oposição forte (correlações negativas) entre todos os valores das dimensões bipolares.

Este trabalho apresenta caráter inovador por ter analisado a estrutura empírica de valores básicos de uma amostra representativa de brasileiros, assim como por ter empregado análise confirmatória de escalonamento multidimensional específica para o modelo teórico proposto por Schwartz (1992). Sugere-se que este estudo seja realizado periodicamente, visando conhecer uma possível evolução da estrutura empírica, à medida que o país evolui econômica e socialmente.

Outra sugestão de pesquisa consiste na aplicação da escala PVQ5X relativa à teoria de valores de Schwartz em sua versão ampliada e proposta em 2012, visando à validação da escala no Brasil e a comparação de resultados com o estudo aqui apresentado.

Além da validação de teorias de valores, a pesquisa com amostras aleatórias e representativas dos valores dos brasileiros possibilita traçar perfis de brasileiros com relação a sua prioridade de valores, consistindo em mais uma sugestão de pesquisa para estudos futuros.

Pesquisas aleatórias e representativas da população brasileira demandam um montante de recursos consideráveis. O investimento nessa empreitada resulta em benefícios que podem ser usufruídos por pesquisadores, iniciativa privada e governo. Para pesquisadores, resulta no avanço da pesquisa com brasileiros envolvendo a relação com outros construtos, incluindo comportamentos. Para a iniciativa privada, ao poder conhecer melhor o mercado em que operam e, para o governo, possibilita direcionar adequadamente a implantação de políticas públicas, uma vez que os valores consistem em construtos com conteúdo motivacional.

 

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Recebido em: 24.02.2011
Aprovado em: 17.07.2012 139

 

 

Maria Luisa Mendes Teixeira, doutorada pela FEA-USP, professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco em valores humanos e dignidade no âmbito organizacional.

Marta Fabiano Sambiase, doutorada pelo PPGA-UPM, professora pesquisadora do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco em estratégia comportamental, valores humanos e sustentabilidade.

Michael Janik doutorado pela Westfälische Wilhelms-Universität (WWU) Münster, Alemanha. Atualmente é pesquisador na unidade de Pesquisa Transcultural no Instituto de Psicologia da WWU, com foco em similaridades de estrutura entre valores e motivos.

Wolfgang Bilsky é Professor Sênior com principal enfoque em Pesquisa Transcultural no Instituto de Psicologia da Westfälische Wilhelms-Universität (WWU), Alemanha.

 

 

1 Artigo elaborado a partir de banco de dados coletados pelo PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Agradecemos ao Dr. Flavio Comim e ao PNUD pelo apoio recebido.