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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.3 Florianópolis set. 2014

 

EDITORIAL

 

 

Katia Puente-PalaciosI; Luciana Mourão Cerqueira e SilvaII; Pedro F. BendassolliIII; Janice JanissekIV

IEditora-chefe da rPOT
IIEditora da rPOT na UNIVERSO
IIIEditor da rPOT na UFRN
IVEditora da rPOT na UFBA

 

 

Os fenômenos do campo das organizações e do trabalho têm despertado a atenção de estudiosos, pesquisadores e gestores que buscam compreender as nuances com que se manifestam, as consequências deles decorrentes, assim como as fontes que lhes dão origem. Nesse sentido, é amplo o leque de possíveis temáticas e tópicos de interesse da POT. Ao fazermos uma breve análise desses fenômenos, podemos constatar que, apesar da semelhança aparente que resulta do cenário similar em que estão circunscritos, são grandes as suas diferenças. Uma delas, escolhida como foco deste editorial, diz respeito aos níveis a que pertencem.

Esses níveis, no cenário organizacional, podem ser relativos aos indivíduos, aos segmentos intermediários ou grupamentos, à organização como um todo ou ao contexto externo em que ela está inserida, só para citar de maneira genérica os mais comumente referenciados. Certamente, essa informação não é nova para nossos leitores. Entretanto, chama a nossa atenção o fato de constatarmos que, nos artigos da área, a definição do nível ao qual os construtos pertencem nem sempre está presente. Isso significa dizer que não se explicita se o aspecto (o aspectos) definido como foco de interesse dos autores constitui uma característica das pessoas, dos grupos ou da organização como um todo.

O que pode parece ser um pequeno esquecimento toma maiores proporções se lembramos que a definição do nível do construto é condição primordial para o adequado desenvolvimento das teorizações e argumentações, - sem mencionar a definição das estratégias metodológicas escolhidas pelo pesquisador. Dessa forma, entendemos que a delimitação do nível de interesse ao que o fenômeno está vinculado constitui condição fundamental para o adequado desenvolvimento de um estudo, seja ele de natureza teórica ou empírica.

A esse respeito ainda cabe destacar que a delimitação antes referida traz derivações se estendem para todo o trabalho a ser realizado. Isso porque um mesmo construto pode ser assumido por alguns autores como atributo do indivíduo, enquanto outros podem privilegiar os grupos, e um terceiro conjunto de estudiosos pode ter por interesse estudá-lo no nível da organização.

Outro aspecto a destacar é o fato de que esta mudança de níveis poder vir acompanhada de alterações na forma como o fenômeno é entendido e na natureza dimensional que o caracteriza. Assim, embora seja pertinente assumir, por exemplo, que a satisfação no trabalho é inerente aos indivíduos, também é pertinente defender que ela pode ser tratada como atributo das equipes. Entretanto, essa defesa traz, concomitantemente, a exigência relativa ao reconhecimento da mudança das suas dimensões constitutivas. Isso porque a satisfação, quando tratada como atributo dos grupos, exige o diagnóstico de aspectos que não são incluídos quando vista como fenômeno do nível individual. Dessa forma, no exemplo citado, ao mudar de nível, muda a própria estrutura do construto, que deve ser explicitada e justificada.

Acompanhar a alteração na natureza do fenômeno, no momento de realizar o estudo empírico, é condição imprescindível para a escolha de instrumentos de levantamento de dados que estejam alinhados com o nível teórico antes definido. Isto porque as ferramentas que servem para a captura de um atributo no nível individual podem não ser adequadas para capturar a manifestação do mesmo atributo em um nível diferente. Assim, a adoção de uma estratégia analítica, após o levantamento de dados, não é suficiente para efetivar a mudança de nível de um determinado fenômeno. Portanto, a medida adotada deverá prever e viabilizar a mensuração do atributo grupal (ou de outro nível), ao possuir um desenho e características específicas voltadas para esse fim.

A importância de explicitar o nível do construto - e optar por instrumentos de medida com ele alinhados - está em permitir que as derivações, discussões e análises das implicações resultantes do estudo realizado possam, de fato, favorecer a compreensão dos fenômenos ocorridos no âmbito das organizações e do trabalho. É necessário lembrar que resultados encontrados ao estudar particularidades individuais não oferecem suporte para derivar conclusões sobre a ocorrência dos mesmos fenômenos em um nível diferente. Também é fato que, quanto mais aprendermos sobre as organizações, os fenômenos que nelas ocorrem e seus atores, maior probabilidade teremos de implementar intervenções bem sucedidas. Mas elas só serão frutíferas se reconhecermos a extensão das nossas teorizações e achados, os quais focalizam níveis específicos. Portanto, o respeito pelo nível teórico do fenômeno sob estudo e a adoção de métodos alinhados favorecem a usabilidade do conhecimento gerado, tornando-o aplicável.

Neste número da rPOT, temos o prazer de apresentar estudos de natureza teórica e empírica que focalizam diversos fenômenos do cenário organizacional, situados todos no nível individual. Assim, iniciamos com o trabalho realizado por Cristineide Leandro-França, Sheila Giardini Murta, e Miriam Bratfisch Villa, vinculadas à Universidade de Brasília, que relata os resultados de uma intervenção breve no planejamento para aposentadoria. Os dados obtidos mostram algumas mudanças expressivas em aspectos como investimento em autonomia e bem-estar, mas também ausência de mudanças em outros. A partir desses achados, os autores sugerem a investigação das razões subjacentes aos resultados encontrados.

A seguir, temos o manuscrito de autoria de Lara Barros Martins e Thaís Zerbini, da Universidade de São Paulo, onde é discutida a questão da educação à distância em instituições de ensino superior, mediante uma revisão das publicações da área ao longo de 12 anos. O estudo em questão revelou o descompasso entre o uso dessa modalidade de educação e a avaliação sistemática dos seus resultados que atestem a sua efetividade.

O trabalho realizado por Antonio Virgilio Bittencourt Bastos, Carolina Villa Nova Aguiar, Eloah Santana de Jesus, Luiza Nastar Achy Lago, todos da Universidade Federal da Bahia, aborda a temática relativa ao conflito na relação trabalho-família, e as relações com comprometimento e entrincheiramento organizacional. Os resultados do estudo empírico revelam que a interferência da família no trabalho está associada ao entrincheiramento. Já a interferência do trabalho na família mostrou-se vinculada ao comprometimento organizacional. Desses achados os autores concluem que o conflito trabalho-família tem o poder de afetar os vínculos que o individuo estabelece com a organização.

O manuscrito de autoria de Sandra Regina Corrêa Brant e Jairo Eduardo Borges-Andrade, ambos da Universidade de Brasília, traz uma revisão da produção científica relativa às crenças no contexto do trabalho. Os autores relatam que a produção nacional, nesse campo, é muito modesta se comparada à internacional, mas mostram semelhanças no sentido de condensar prioritariamente estudos quantitativos, de corte transversal e o fato de trem sido realizados no nível individual.

Dando continuidade, o quinto manuscrito elaborado por Fabián Javier Marín Rueda, Antonio Luiz Prado Serenini, Everson Meireles (todos da Universidade São Francisco e o segundo e terceiro autores com duplo vínculo respectivamente com o CEFET-MG e com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) trata da relação entre qualidade de vida e confiança do empregado na organização. Os resultados do estudo evidenciam que algumas das dimensões de ambos os construtos são, segundo palavras dos autores, praticamente os mesmos, pois mostram correlações de elevada magnitude.

O trabalho de Silvânia da Cruz Barbosa, Sandra Souza da Silva e Jansen Souza Moreira (a primeira e o terceiro vinculados à Universidade Estadual da Paraíba, enquanto a segunda à Universidade Federal da Paraíba) aborda também a questão da qualidade de vida, mas foca o seu interesse no estudo da fadiga por compaixão como fonte de ameaça. O cenário de interesses deste estudo é o hospitalar e os dados obtidos revelam que, em geral, os trabalhadores desse setor relatam perceber qualidade de vida resultante do fato de se sentirem úteis. Em relação à fadiga por compaixão, os autores observaram que apenas a quarta parte dos respondentes relatou este quadro.

Ítalo Emanuel Rolemberg dos Santos (Faculdades Integradas de Sergipe), Marlizete Maldonado Vargas e Francisco Prado Reis (Universidade Tiradentes/SE) realizaram um estudo empírico junto a agentes comunitários de saúde, buscando identificar os principais estressores laborais dessa categoria profissional. Os resultados centrais evidenciam que, desde a perspectiva dos agentes, um dos elementos causadores de maior estresse é o trabalho com gerencias de atuação autoritária, desmotivados ou sem preparo para o exercício da função.

Luis Torahiko Takahashi (Universidade São Francisco), Fermino Fernandes Sisto (Universidade Estadual de Campinas), Dario Cecilio- Fernandes (Universidade São Francisco) também abordando a temática de estresse no trabalho apresentam um diagnóstico realizado com uma amostra de operadores de telemarketing. Os resultados encontrados revelam, em geral, baixa suscetibilidade da amostra do estudo, ao estresse laboral. Em alguns fatores observaram-se piores resultados para homens e para pessoas com maior tempo de serviço, o que revela a existência de elementos atenuantes do estresse para certos trabalhadores.

Os manuscritos antes descritos são complementados por uma resenha de autoria de Maria Nivalda de Carvalho-Freiras, da Universidade Federal de São João del-Rei, que faz uma análise do livro intitulado: O Trabalho e as Organizações: Atuações a partir da Psicologia, onde são abordados fenômenos diversos do campo de POT, mas com grande ênfase na sua aplicabilidade no âmbito organizacional. A natureza aplicada da obra a faz ser qualificada por Nivalda como um convite à reflexão sobre a atuação do psicólogo.

Conforme pode ser visto, o conjunto de manuscritos que compõe este número aborda diferentes construtos, mas todos do nível individual. Observa-se, adicionalmente que as estratégias analíticas adotadas em cada caso estão alinhadas com esse nível. Isso outorga a este número da rPOT uma qualidade tão cara e necessária para a área, relativa à observância do nível do construto tanto da perspectiva teórica como da empírica, nem sempre presentes nos estudos de POT.

Boa leitura a todos.