SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número4La juventud NINI, un agujero negro psicosocialBienestar subjetivo y trabajo en jóvenes universitarios: estudio comparativo entre Chile y España índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.4 Florianópolis dez. 2014

 

O significado do trabalho na visão de jovens brasileiros: uma análise de palavras análogas e opostas ao termo "trabalho"

 

The meaning of work in the vision of young brazilians: an analysis of similar and opposite words for the term work

 

 

Luciana Dutra-Thomé; Silvia Helena Koller

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço

 

 


RESUMO

Perspectivas pertencentes a diferentes momentos históricos sobre o significado do trabalho fornecem uma visão das formas plurais de pensar e entender a função da atividade laboral na atualidade. O presente estudo configura-se em uma investigação exploratória que objetivou analisar os significados atribuídos por jovens brasileiros à palavra trabalho a partir de vocábulos que possuem o mesmo significado e o significado oposto ao termo "trabalho". A amostra foi composta por 7.425 indivíduos entre 14 e 24 anos, de ambos os sexos, de NSE baixo, de sete capitais brasileiras. Realizou-se análise de conteúdo quantitativa e qualitativa em duas etapas. Na primeira, verificou-se a frequência da ocorrência das palavras registradas pelos participantes com sentidos análogos e opostos à palavra trabalho. No total, foram registrados 7.482 termos com sentido análogo e 7.482 com sentido oposto. Na segunda etapa, realizou-se o agrupamento das palavras por sentidos, utilizando-se como base categorias pré-definidas teoricamente. Os resultados apontaram a predominância de uma visão moralista e mercadológica de trabalho, sobre uma perspectiva da atividade laboral enquanto fonte de desenvolvimento e crescimento pessoal. Essa visão pode minimizar os efeitos negativos do trabalho sobre o indivíduo e fragilizar a concepção do trabalho infanto-juvenil protegido.

Palavras-chave: significado do trabalho; jovens; mercado de trabalho.


ABSTRACT

Perspectives from different historical periods about the meaning of work provide a view of the variety of ways of thinking about and understanding the function of work activities in the present day. This study was an exploratory investigation which aimed at analyzing the meanings that Brazilian young people attributed to the word "work", based on words that have the same meaning and those with an opposite meaning compared to this term. The sample was composed of 7,425 participants aged between 14 and 24 years, of both sexes, from low socioeconomic levels, residing in seven Brazilian capitals. Quantitative and qualitative content analysis were conducted in two stages. First, the frequency of words with similar and opposite meanings for the word work, as indicated by the participants, was considered. In total, there were 7,482 responses for analogous terms and 7,482 for opposite terms. Second, the words were grouped by definitions of work that were pre-defined theoretically. The results indicated the predominance of a moralistic and mercantile view of working, over a perspective of working as a source of personal development and growth. This view may minimize the negative effects of work on the individual and weaken the concept of protected child labor.

Keywords: meaning of work; youth; labor market


 

 

O ser humano constitui sua identidade e se desenvolve por meio de atividades que realiza no dia a dia, em interação com outras pessoas, objetos e símbolos (Bronfenbrenner, 2005; Codo, 2006). Trabalhar compõe uma dessas atividades, a qual ocupa amplo espaço na vida do indivíduo, e constitui fonte de sobrevivência e de reconhecimento social.

Eventos recentes caracterizam o atual mercado de trabalho, como a entrada da mulher no mercado, que equiparou a importância de trabalhar fora de casa para ambos os sexos, com implicações diversas na estrutura da sociedade contemporânea (Arnett & Eisenberg, 2007). Estabelece-se uma nova dinâmica no âmbito familiar, na qual homens e mulheres equilibram a divisão de tarefas domésticas - ainda que a função feminina ainda seja predominante nos lares -, configurando a chamada dupla jornada de trabalho (Madalozzo, Martins, & Shiratori, 2010). Ademais, o presente mercado laboral demanda maior investimento em educação e em treinamento profissional, na busca de profissionais altamente qualificados. Nesse contexto, se vê, por um lado, jovens preocupados em atuar em algo que lhes satisfaça pessoalmente (Arnett, 2011; Dutra-Thomé, Telmo, & Koller, 2010); por outro, o modelo predominante da função laboral se inspira nas concepções de trabalho enquanto fonte de renda e sobrevivência, com menos foco na satisfação pessoal (Zanini, Fürstenau, Pacini, & Merlo, 2004).

Para além da busca de satisfação profissional, a vivência laboral ultrapassa o âmbito exclusivo da atividade em si. Ou seja, os modos de pensar, de agir e de sentir despertados na pessoa em seu cotidiano profissional são transportados para a vida familiar e comunitária (Dejours, 1991; Tittoni, 1994). A atividade laboral torna-se, portanto, um aspecto importante para o desenvolvimento do ser humano ao longo do ciclo vital. Influencia a formação da identidade dos indivíduos, suas relações em diferentes âmbitos da vida e os significados atribuídos ao trabalho.

A concepção do significado de trabalho configura uma construção elaborada pelo coletivo em um determinado contexto histórico, social e econômico. Já o sentido é decorrente de uma experiência individual e subjetiva, sendo baseado nos significados coletivos. Transformações dos sentidos e significados do trabalho estão constantemente ocorrendo, uma vez que são estabelecidos a partir de uma relação dinâmica com a realidade. Em relação a este último aspecto, foco deste estudo, a construção dos diversos significados do que é trabalho - como ele se constitui e se define - perpassa diferentes momentos históricos e diferentes correntes teóricas (Bendassolli, 2009).

A palavra trabalho carrega um polo negativo e um polo positivo. Origina-se de um instrumento agrícola de cultura de cereais, denominado tripalium, também utilizado como instrumento de tortura (Albornoz, 1986; Borges & Yamamoto, 2004; Jacques, 2002; Nardi, 2006). Tal origem etimológica expressa a contradição do instrumento transformador da natureza e, ao mesmo tempo, limitador do ser humano (Jacques, 2002). Na língua portuguesa, é possível encontrar dois significados para a palavra trabalho: (a) a realização de uma obra que expressa o ser humano, que lhe dá reconhecimento social e se mantém como herança histórica recebida a ser repassada; (b) a de esforço, rotina, falta de liberdade, resultado consumível e incômodo inevitável (Albornoz, 1986). Na civilização grega, o trabalho valorizado situava-se para além da satisfação das necessidades básicas, possuía um valor intrínseco atribuído a ele. Portanto, a atividade laboral em si era classificada como digna. Todavia, quando vinculada a outro valor, como à necessidade de sobrevivência, era considerada indigna (Nardi, 2006).

A conceituação religiosa também foi atribuída ao trabalho, especialmente com base na perspectiva judaico-cristã, que conferiu ao termo o significado de punição. Ao atribuir ao trabalho, como herança bíblica, a conotação de castigo, ele passa a não ser valorizado (Borsoi, 2002; Gonçalves, 2008; Jacques, 2002; Nardi, 2006). Na reforma protestante, no entanto, o trabalho constituiu-se em uma virtude. Trabalhar arduamente levaria ao êxito material, à benção divina, à salvação e à dignidade como pessoa. Nessa concepção, "não trabalhar" significava o pecado e a ausência da graça divina (Gonçalves, 2008). Os aspectos positivos do trabalho eram enaltecidos e o lucro obtido passou a ser visto como uma benção, representante da honra a Deus. A sociedade ocidental assimila a positividade moral conferida ao trabalho sem romper com a tradição judaico-cristã de defini-lo como punitivo (Jacques, 2002).

O trabalho também é apontado como uma atividade essencial para os seres humanos, pois os coloca em contato com o mundo externo, exprime sua humanidade e os promove como seres sociais (Meda, 1995). A atividade laboral refere-se a qualquer ação do ser humano que modifique a natureza com o objetivo de adequá-la a uma necessidade. É mediadora da subjetividade (mundo interno) e da objetividade (mundo externo) e, nessa relação, tanto o indivíduo quanto a natureza se modificam: quem educa é educador (a), quem cozinha é cozinheiro (a), quem trabalha é trabalhador (a) (Coutinho, 1993; Tittoni, 1994).

As concepções marxistas de trabalho compreendem que a essência do ser humano encontra-se na atividade laboral: as pessoas são aquilo que produzem e, é na relação de transformação da natureza, por meio da concretização de um projeto, que os indivíduos transformam-se a si mesmos (Borges & Yamamoto, 2004; Jacques, 2002). Diferentemente dos animais, o ser humano é capaz de representar mentalmente os produtos de que necessita, em um movimento consciente (Albornoz, 1986). Nesse sentido, a relação de trabalho contribui para a constituição do mundo psicológico dos indivíduos, compreendendo-a como atividade geradora das condições que possibilitam explicar o salto qualitativo do psiquismo animal para o psiquismo humano (Albornoz, 1986; Codo, 2006). Portanto, mais do que uma função orgânica adaptativa, o trabalho tem sido definido como atividade que envolve aprendizagem e possui caráter transformador da realidade. Tal atividade expressa a capacidade do ser humano de modificar seu ambiente e caracteriza seu desenvolvimento como um processo dialético, no qual se estabelecem trocas entre a pessoa e seu meio, modificando-os. O trabalho é uma das características fundamentais do indivíduo, pois os instrumentos concretos (ferramentas de trabalho) e psicológicos (signos e linguagem) permitem que a atividade humana não seja executada de forma automática e instintiva (como nos animais), mas de maneira significada e compartilhada socialmente (Smolka & Laplane, 2005).

Na sociedade salarial, o trabalho passou a ter sentido de emprego, significado associado ao conjunto de regras e proteções do chamado Estado Social. Designava um pacto social que se sustentava na promessa do pleno emprego e na segurança das leis de trabalho (Codo, 2006; Nardi, 2006). Este significado tornou-se importante referencial para o desenvolvimento dos indivíduos ao longo de seu processo de socialização, por envolver seu reconhecimento e prestígio social intragrupal e extragrupal. Nesse sentido, a falta de emprego/desemprego, tornou-se fonte de tensão psicossocial, tanto em nível individual quanto comunitário (Galeazzi, 2002).

Além dos significados supracitados da palavra trabalho, manifesta-se a visão de trabalho enquanto mercadoria. Com a Revolução Industrial no século XIX, o trabalho se personificou na figura do trabalhador, que se tornou livre e orientado para o mercado. Os âmbitos doméstico e laboral passaram, então, a se diferenciar (Offe, 1989). Na sociedade capitalista, o conceito de trabalho como mercadoria está intrinsecamente ligado à atividade remunerada, que tem por finalidade proporcionar a sobrevivência dos trabalhadores e de seus dependentes (Zanini et al., 2004).

As transformações que as relações de trabalho contemporâneas estão sofrendo trazem implicações para os sentidos e significados atribuídos ao trabalho. Na atualidade, o contexto laboral caracteriza-se pelo desenvolvimento das tecnologias de ponta e pela redução do número de trabalhadores nos setores primário e secundário, propiciando o surgimento de novas profissões. Estas se vinculam às novas exigências civilizacionais, como o design, o marketing, as relações internacionais, a segurança, as telecomunicações, a robótica e os serviços financeiros (Gonçalves, 2008). Nesse contexto, a centralidade do trabalho tem sido objeto de reflexão. Há uma corrente de pensadores (Paula, 1998; Seco, 2005) que defendem que as inovações tecnológicas estariam propiciando o aumento da produtividade do trabalho, o que, como consequência, levaria à diminuição do uso do trabalho vivo.1 De encontro à ideia do fim do trabalho, estaria ocorrendo a expansão, precarização e informalidade do trabalho observadas em práticas laborais como o trabalho parcial e o subcontratado. Essas práticas seriam influenciadas, por exemplo, pela lógica da "qualidade total", que leva a inovação superficial de produtos, que se tornam rapidamente descartáveis, dinâmica evidente em equipamentos tecnológicos (Antunes, 2011; Prieb, 2000). Ademais, ainda que as teorias sobre o fim do trabalho tenham ganhado força, a atividade laboral é apontada como fator de integração social, fonte de autoestima e de sentido para a vida das pessoas (Prieb, 2000). Nesse sentido, em pesquisa que comparou os significados atribuídos ao trabalho por jovens venezuelanos empregados e desempregados de classe popular, entre 15 e 17 anos, trabalhar vinculou-se com vivências emocionais positivas. Os participantes relacionaram trabalho à satisfação de necessidades de valorização e reconhecimento, propiciando ao individuo independência material e psicológica (Jesús & Ordaz, 2006).

Em oficina realizada com 11 estudantes universitários, os participantes demonstraram buscar um trabalho satisfatório e prazeroso, que supra suas necessidades nos planos afetivo, cognitivo, social e financeiro (Coutinho & Gomes, 2006). Foi encontrada distinção nos significados de trabalho e de emprego. Atribuíram a emprego o significado de forma de produção de riquezas. No caso do trabalho, esteve associado a um sentido pessoal constituinte de identidade e ao relacionamento com outras pessoas.

Nos Estados Unidos, um estudo pioneiro sobre o significado do trabalho (Morse & Weiss, 1995), do qual participaram 401 norte-americanos de diferentes categorias profissionais, questionou: "Você continuaria trabalhando se ganhasse na loteria?". Indivíduos pertencentes à faixa etária entre 20 e 25 anos apresentaram 90% de respostas afirmativas. Participantes pertencentes a categorias com nível salarial médio (gestores, por exemplo) associaram o trabalho à realização e à autoexpressão, como um objetivo de vida. Já profissionais com níveis salariais mais baixos o relacionaram apenas à ocupação (Morse & Weiss, 1995). O mesmo estudo ainda reforçou a função social do trabalho, uma vez que seus participantes mencionaram, entre razões para continuar trabalhando, evitar a solidão e o isolamento.

A vivência laboral está imbricada na complexidade do circuito sujeito-trabalho-significado, o qual proporciona maior prazer no trabalho. Já o rompimento no circuito de significados, do ponto de vista dos trabalhadores, ocasiona sofrimento (Tolfo & Piccinini, 2007). Um trabalho sem significado pode afastar a pessoa de sua condição humana, gerando sofrimento (Codo & Lago, 2006). Dessa maneira, investigar os significados que os jovens brasileiros atribuem à atividade laboral, com base em palavras análogas e opostas ao termo "trabalho", configura fonte de informações do estado atual de significados atribuídos a esta atividade. Estes significados são uma das formas de expressar suas vivências enquanto indivíduos inseridos no mercado de trabalho.

Assim, este estudo se propôs a investigar os significados atribuídos ao termo "trabalho" por jovens de nível socioecômico (NSE) baixo de diferentes regiões do Brasil. Existem poucos estudos que focalizam essa população, que tem se inserido no trabalho de forma precoce e, por vezes, em situações desprotegidas. Objetivou-se analisar a frequência da ocorrência das palavras que possuem o mesmo significado e o significado oposto ao termo "trabalho". A partir da análise da frequência das palavras registradas pelos participantes, estas foram agrupadas em unidades semânticas, atentando-se para a expressão escrita dos diferentes significados atribuídos à palavra trabalho. Posteriormente, as mesmas palavras foram reagrupadas por sentido, utilizando-se como base as diferentes definições de trabalho.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 7.425 jovens entre 14 e 24 anos, de ambos os sexos, NSE baixo, de sete capitais brasileiras: Porto Alegre (Região Sul), Recife (Nordeste), São Paulo e Belo Horizonte (Sudeste), Brasília e Campo Grande (Centro-Oeste) e Manaus (Norte) - e de três cidades: Arcos (Minas Gerais), Presidente Prudente (São Paulo) e Maues (Amazonas).

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, protocolo número 2006533. Os aspectos éticos do estudo garantiram a integridade dos participantes. Além do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido individual, foi dada a garantia de sigilo das informações pessoais, assim como disponibilizada a assistência do grupo de pesquisa, caso algum participante necessitasse de apoio psicológico (Resoluções nº 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde e nº 016/2000, do Conselho Federal de Psicologia). Os objetivos da pesquisa e da equipe foram apresentados nas escolas (municipais e estaduais; algumas com ensino fundamental e outras com ensino médio) e instituições de atendimento escolhidas por bairro em cada capital. Após aprovação para realização do estudo, explicou-se aos participantes a natureza da atividade, o caráter confidencial das informações, e foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para abordar jovens de NSE baixo, foram utilizados os indicadores (a) rendimento familiar, (b) características educacionais da população, situação do domicílio (tipo de construção), existência de água encanada e rede de esgoto (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE; Censo, 2000). Para São Paulo, além desses indicadores, foi utilizado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Instrumento

O presente estudo utilizou a base de dados da Pesquisa Nacional sobre Fatores de Risco e Proteção da Juventude Brasileira (Dell'Aglio & Koller, 2011; Libório & Koller, 2009). Utilizou-se como instrumento o Questionário sobre a Juventude Brasileira (Koller, Cerqueira-Santos, Morais, & Ribeiro, 2004), que, completo, possui 109 questões. Duas questões abertas foram selecionadas para investigar o significado de trabalho: (1) Qual a palavra que possui o mesmo significado da palavra trabalho? (questão 57); (2) Qual a palavra que possui o significado oposto ao da palavra trabalho? (questão 58).

Análise de dados

Realizou-se análise de conteúdo quantitativa e qualitativa (Bardin, 1977) em duas etapas. Na primeira, verificou-se a frequência da ocorrência das palavras registradas pelos participantes com sentidos análogos e opostos à palavra trabalho. No total, foram registrados 7.482 termos com sentido análogo e 7.482 com sentido oposto. As palavras que se repetiam e possuíam frequência superior ou próxima a 50 (representando cerca de 1% do total) foram agrupadas separadamente e compuseram uma categoria em si. Aquelas que possuíam frequência inferior a 50 foram incluídas na categoria "outros". Entendeu-se que a repetição de uma palavra superior a 1% do total seria um indicador do destaque desse termo enquanto forma de representar a percepção de um grupo.

Na segunda etapa, buscou-se reagrupar as palavras por sentido, utilizando como base as definições de trabalho da questão 59 do Questionário sobre a Juventude Brasileira. Entendeu-se que, para além da frequência por repetição, o reagrupamento poderia ser fonte complementar de dados por dois motivos: (1) outras palavras registradas pelos participantes com sentido similar às palavras agrupadas por repetição poderiam ser expostas, de forma a ampliar a pluralidade de significados e sentidos manifestados; (2) o agrupamento focado em definições do que é trabalho permitiu que os termos registrados fossem reunidos em torno de significações orientadas pela literatura da área (Tabela 3). O processo de agrupamento foi realizado pelo primeiro autor e outros dois juízes experts na área de Psicologia do Trabalho, por meio do processo de concordância consensual. Inicialmente, o primeiro autor propôs uma forma de agrupamento. Posteriormente, essa proposta foi apresentada aos juízes, os quais examinaram separadamente o material. Por fim, o primeiro autor, após reunião com os juízes, realizou as modificações definidas de modo consensual, que configuraram a versão final de agrupamento (Tabela 3).

Resultados

Os 7.425 participantes registraram 513 termos análogos e 765 termos opostos a palavra trabalho, totalizando 1.278 vocábulos. A primeira etapa de análise foi o agrupamento de frequências, que apontou as 10 palavras que mais se repetiram como análogas à palavra trabalho: (1) esforço (f = 829), (2) responsabilidade (f = 729), (3) dinheiro (f = 443), (4) emprego (f = 278), (5) serviço (f = 240), (6) estudo (f = 230), (7) futuro (f = 203), (8) dignidade (f = 200), (9) independência (f =181) e (10) realização (f = 118) (Figura 1). Além dos 10 primeiros termos descritos, as seguintes palavras apresentaram frequência superior a 50: ajuda (f = 115), vida (f = 75), sustento (f = 64), sobreviver (f = 59), competência (f = 59), vontade (f=55) e bom (f = 50).

 

 

Na análise de agrupamento por frequência das palavras com sentido oposto ao termo "trabalho", as 10 palavras que mais se repetiram foram: (1) preguiça (f = 1306), (2) desemprego (f = 666), (3) vadiar/vagabundo (f = 468), (4) irresponsabilidade (f = 251), (5) descansar (f = 82), (6) dependência (f = 76), (7) nada (f = 56), (8) miséria (f = 52), (9) dinheiro (f = 49) e (10) ruim (f = 48) (Figura 2).

 

 

As palavras opostas ao termo "trabalho" apresentaram concentração maior de repetições do que as palavras com o mesmo significado, especialmente os termos preguiça, desemprego e vadiagem. Também apresentaram maior dispersão no registro de respostas, com maior variação de termos empregados pelos participantes, os quais foram agrupados na categoria "outros".

Na segunda etapa da análise, os termos registrados foram agrupados de acordo com as seguintes definições de trabalho (com base na questão 59):

(a) Esforço (Albornoz, 1986): "Trabalho é qualquer atividade que exija força, energia ou esforço para ser feita". Foram selecionadas palavras que expressassem a ideia da atividade laboral como consumidora de energia e dedicação.

(b) Algo útil (Albornoz, 1986; Gonçalves, 2008; Smolka & Laplane, 2005): "Trabalho é qualquer atividade que produz algo útil à nossa vida ou à vida de outras pessoas". Foram incluídas palavras que tomassem trabalho como meio de se relacionar com as pessoas e promover ajuda mútua em diversos âmbitos, pessoal, familiar, comunitário e profissional.

(c) Sacrifício (Borsoi, 2002; Gonçalves, 2008; Jacques, 2002; Nardi, 2006): "Trabalho é algo difícil, duro e penoso, mas temos obrigação de fazer, porque Deus disse que devemos ganhar o pão com o suor do nosso rosto". Foram selecionadas palavras que expressassem aspectos negativos presentes na experiência laboral, como condutas exploratórias e/ou abusivas e percepção negativa da atividade.

(d) Carteira assinada (Codo, 2006; Galeazzi, 2002; Nardi, 2006): "Trabalho é uma colocação numa empresa, com carteira assinada".

(e) Produto (Zanini et al., 2004): "O trabalho de uma pessoa é um produto que se pode vender".

(f) Atividade remunerada (Zanini et al., 2004): "Trabalho é aquilo que se faz para ganhar dinheiro". Essas três definições agregaram termos que associassem trabalho a um meio de sobrevivência e de aquisição financeira, bem como diversas formas de profissões e características do mercado de trabalho.

(g) Dignidade (Albornoz, 1986; Gonçalves, 2008; Nardi, 2006): "Trabalho é aquilo que mostra que uma pessoa é digna e honrada".

(h) Identidade (Codo, 2006; Galeazzi, 2002; Nardi, 2006): "É o trabalho de uma pessoa que diz quem ela é para os outros". Agregaram-se termos que relacionassem a atividade laboral a virtudes, habilidades e competências do trabalhador.

(i) Saúde: "É o trabalho que mostra que uma pessoa tem saúde física e mental". Foram incluídas palavras que associassem trabalho à satisfação e à realização (excluindo-se ganhos financeiros e materiais) e ao meio de adquirir qualidade de vida, de forma a promover saúde mental e física.

(j) Ideias (Smolka & Laplane, 2005): "Trabalhar é ter ideias". Selecionaram-se palavras que expressassem trabalho como um processo construtivo direcionado para uma meta futura, e termos relacionados à qualificação educacional, estabilidade e execução de objetivos.

(k) Outros: incluíram-se as palavras que não representaram os significados pré-definidos na questão 59.

O agrupamento de palavras por definição de trabalho objetivou propiciar uma visão mais ampla do universo de termos informados pelos participantes, para além da análise por frequência de repetição de palavras (Tabela 1). É possível observar que, na primeira análise, a maioria dos participantes registrou o termo "esforço" como análogo ao termo "trabalho". Todavia, na segunda análise, outras palavras com sentido convergente à ideia de esforço também foram registradas, como "empenho" e "suor". O mesmo ocorreu com o termo oposto "preguiça", o qual apresentou outros termos com sentido similar e menos frequente, como "sedentarismo" e "ócio".

 

DISCUSSÃO

Considerar perspectivas pertencentes a diferentes momentos históricos sobre o significado do trabalho fornece uma visão das formas plurais de pensar e entender a função da atividade laboral. Essas concepções propiciam uma reflexão sobre o trabalho na sociedade atual.

Neste estudo, a visão de trabalho como expressão de uma troca entre a pessoa e o meio (Smolka & Laplane, 2005), bem como sua capacidade de compartilhar socialmente ideias e serviços, foi registrada por meio das palavras responsabilidade, serviço, dignidade e ajuda (Figura 1). Por exemplo, quando uma pessoa ajuda ou serve alguém, o foco de atenção volta-se para o outro. A responsabilidade também desfoca o indivíduo de si para o outro, uma vez que busca cumprir as combinações previamente realizadas. E a dignidade surge da possibilidade de agir corretamente em relação a outras pessoas. Estudos indicaram que jovens descrevem a atividade laboral como meio de ajudar as famílias, noção voltada para o cuidado com o próximo, e também como forma de adquirir autonomia (independência financeira e conquista da liberdade), em visão mais autocentrada (Asmus, Raymundo, Barker, Pepe, & Ruzany, 2005; Campos & Francischini, 2003; Fonseca, 2003; Guimarães & Romanelli, 2002; Oliveira & Robazzi, 2001; Silva, 2011).

As palavras responsabilidade, dignidade e ajuda, em conjunto com termos como independência e realização, expressam também a ideia de valor intrínseco atribuído ao trabalho. Ainda que com menor frequência, as palavras vida e essencial também estiveram presentes, possivelmente associadas à ideia de trabalho como parte da construção de suas identidades (Figura 1). Estes termos expressam trabalho como meio de reconhecimento social, essência do ser humano e herança histórica recebida a ser repassada (Albornoz, 1986; Jacques, 2002; Meda, 1995). Um indivíduo pode se sentir realizado, independente, responsável e digno por meio de seu trabalho, sendo a atividade laboral promotora em potencial do desenvolvimento humano saudável (Fonseca, 2003; Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira, & Sá, 2005). Um estudo desenvolvido com 15 adolescentes de NSE baixo, do sexo masculino, residentes em contexto urbano e estudantes do ensino médio revelou que a experiência laboral os encorajou a desenvolver habilidades sociais relacionadas ao trabalho (p. ex. cursos de língua portuguesa) e, em alguns casos, promoveu maior engajamento com a escola (Silva, 2011).

Os valores intrínsecos atribuídos à atividade laboral podem se vincular à visão moral do trabalho (Gonçalves, 2008). Portanto, não trabalhar constitui uma fragilidade. Neste estudo, as concepções morais de trabalho foram reforçadas quando as palavras preguiça, vadiar/vagabundo e irresponsabilidade foram registradas como opostas ao termo "trabalho" (Figura 2). Destaca-se a palavra preguiça, que apresentou frequência superior a todas as palavras registradas no estudo, cuja etimologia provém do latim pigritia, que significa "aversão ao trabalho". Nesse sentido, atribui-se exclusivamente aos indivíduos a responsabilidade por não trabalhar, seja por falta de disposição, seja por morosidade; e excluem-se os problemas estruturais que afetam a juventude mundialmente. Existem 73 milhões de jovens, entre 14 e 24 anos, desempregados, e 200 milhões de jovens trabalhadores que recebem menos de dois dólares por dia. Além disso, pelos menos 10% dos jovens são inativos, ou seja, não estão trabalhando nem estudando (Bartfay, Bartfay, & Wu, 2013; Cardoso, 2013; Organização Internacional do Trabalho, 2013). Portanto, existem outras causas que elucidam o motivo deles não estarem trabalhando, como dificuldades de acesso à educação e ao mercado de trabalho e preconceito em relação aos candidatos ao emprego (se negro (a), mulher, jovem, pobre, etc.) (Dutra-Thomé, Cassepp-Borges, & Koller, 2009; Fonseca, 2003).

Em São Paulo (Brasil), foram realizados 21 grupos focais com 208 adolescentes entre 14 e 18 anos, trabalhadores e não trabalhadores, de NSE baixo e estudantes de ensino médio em escola pública. Os participantes associaram trabalho a termos que expressam uma visão moral da atividade, como "bom", "importante", "enobrece o homem", "amadurecimento" e "dinheiro" (Oliveira, Fischer, Teixeira, & Amaral, 2003). As palavras futuro e competência, registradas neste estudo, sintonizam com esses termos, uma vez que o trabalhador pode ser visto como competente, capaz, com planos para o futuro e com méritos (Figura 1). Os vocábulos esforço, responsabilidade, dinheiro, emprego, serviço, estudar, dignidade, sustento, vontade e bom também estão associados pelo fato de o trabalho receber um valor moral e ter um papel social na vida das pessoas (Figura 1). Nesse sentido, não trabalhar configura fonte de tensão psicossocial individual e comunitária (Galeazzi, 2002), o que se manifestou por meio da palavra desemprego que, como termo oposto, apresentou uma das frequências mais elevadas (Figura 2). O indivíduo sem emprego, ou que não consegue empregar-se ou reempregar-se, vivencia o processo de dessocialização progressiva. Esse processo pode levar à doença mental ou física, pois ataca os alicerces da identidade (Dejours, 2001).

Palavras associadas à ideia de trabalho como castigo, punição e incômodo inevitável (Albornoz, 1986; Borsoi, 2002; Gonçalves, 2008; Jacques, 2002; Nardi, 2006) estiveram presentes. A palavra esforço apresentou maior frequência entre os participantes como termo análogo a trabalho, e expressa diversos sentidos, como rotina, falta de liberdade, resultado consumível e incômodo inevitável. Palavras como escravidão, exploração e servo também foram registradas, porém, agrupadas na categoria "outros" por terem apresentado frequência muito baixa.

Os termos dinheiro, emprego, serviço, sobrevivência e sustento manifestaram a visão de trabalho enquanto mercadoria e emprego (Codo, 2006; Nardi, 2006; Figura 1). É esperado que, em uma sociedade em que está consolidada a venda da força de trabalho para retorno financeiro, satisfação de necessidades e sobrevivência, estas palavras tenham apresentado frequência elevada. Evidencia-se na amostra uma tendência da visão mercadológica e moral de trabalho predominante sobre a perspectiva de trabalho enquanto atividade promotora de saúde e de satisfação.

Ao agrupar as palavras por definições de trabalho, observou-se que tanto as palavras análogas quanto as opostas apresentaram os polos negativo e positivo (Tabela 3). Por exemplo, enquanto polo negativo presente tanto nas palavras opostas quanto análogas estão os termos exploração, miséria, difícil, sacrifício, servidão echatice. Enquanto exemplo de polo positivo estão os termos felicidade, realização, satisfação, sucesso e vencer. Ou seja, ainda que a maior concentração de palavras com o termo oposto a trabalho possuísse conotação negativa, sentidos positivos à ideia de não trabalho foram registrados. O mesmo ocorreu com as palavras análogas, pois, apesar da maior concentração de palavras ter recebido conotação positiva, termos com significação negativa também foram registrados.

Teor dramático foi observado em alguns termos, os quais manifestaram as vivências de sofrimento associadas ao termo "trabalho", como horror, bandidagem, falta de caráter, violência, decadência, desespero, fim dos sonhos, fome, lixo, maldição, massacre, morte/morrer, suicídio, vazio, vergonha e burro. Evidencia-se a marca identitária da atividade laboral na vida dos indivíduos, que expressa sua ação enquanto modificador de seu ambiente, interação que também o modifica (Jaques, 2002; Smolka & Laplane, 2005). Expressa também trabalho como fonte de integração e reconhecimento social (Albornoz, 1986; Prieb, 2000), uma vez que a atividade laboral - independentemente de ser marcada por atmosfera promotora de saúde e autonomia, ou submissão e sofrimento - é tida como fonte de contribuição do indivíduo para a sociedade. Não por casualidade, com maior frequência de repetição em relação a todas as palavras informadas no estudo, destacou-se o termo preguiça como oposto de trabalho; e, como sinônimo de trabalho e com segunda maior frequência no estudo, destacou-se o termo es forço. Em suma, se o indivíduo trabalha ele é "esforçado", se não, é "preguiçoso". Reforça-se o quanto trabalhar está associado à satisfação de necessidades de valorização e reconhecimento, e que a falta de trabalho configura fonte de tensão psicossocial individual e comunitária (Galeazzi, 2002; Jesús & Ordaz, 2006).

Outra característica do segundo processo de análise foi a inviabilidade de identificar precisamente o sentido do termo empregado pelos participantes, uma vez que não foi possível ter acesso global a seus discursos, como ocorre quando entrevistas são realizadas. Nesse sentido, o agrupamento dos termos foi uma proposta de aglomeração, analisada e avaliada pelo primeiro autor e dois juízes. A exposição de todas as palavras registradas (Tabela 3) objetivou propiciar aos leitores a possibilidade de acessar o agrupamento realizado e, ao mesmo tempo, realizar seu próprio agrupamento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo investigou o significado do trabalho de 7.425 jovens brasileiros de NSE baixo por meio da análise de termos análogos e opostos ao vocábulo "trabalho". Entre os participantes, predominou uma visão moralista e mercadológica de trabalho sobre uma perspectiva da atividade laboral enquanto fonte de desenvolvimento e crescimento pessoal. Apesar da restrição da análise estatística ao desenvolvimento de frequências, o elevado número da amostra e, consequentemente, o elevado número de palavras, é, possivelmente, uma representação significativa da visão de sentido do trabalho dos jovens.

Aspectos contextuais sintonizam com os resultados observados. Frequentemente, jovens de NSE baixo necessitam auxiliar financeiramente suas famílias, entrando de maneira precoce e/ou desprotegida no mundo do trabalho. Diante do desafio de administrar atividades escolares e laborais, interrompem ou são prejudicados em seus estudos. E, em um mundo que exige elevado nível educacional para a entrada no mercado de trabalho, suas chances de progredir profissionalmente são afetadas. Realimenta-se, então, o círculo de pobreza no qual estão inseridos (Amazarray, Dutra-Thomé, Poletto, & Koller, 2007; Barros & Santos, 1996; Campos & Francischini, 2003; Dutra-Thomé et al., 2009; Fonseca, 2003; Guimarães & Romanelli, 2002; Marques, Neves, & Neto, 2002; Silva, 2011). Este ambiente é fomentado por discursos morais e mercadológicos, que justificam a importância de trabalhar para além de suas consequências, sejam elas boas ou ruins.

Esses dados são relevantes diante de um contexto recente de proposição do trabalho infanto-juvenil protegido, associado às diferenciações do desenvolvimento humano em fases, as quais reconhecem as condições e os limites do engajamento em atividades laborais de crianças e adolescentes (Fonseca, 2003; Silva, 2011). O próprio termo "adolescência" começou a ser utilizado apenas no final do século XIX, quando importantes mudanças ocorreram no contexto de alguns países ocidentais, como a exigência de que adolescentes frequentassem o ensino médio e a legislação restritiva quanto ao trabalho infantil (Arnett, 2010). Sabe-se, hoje, que a adolescência constitui uma fase crucial na formação da identidade dos indivíduos, quando decisões em relação ao trabalho, à vida amorosa e aos valores começam a se delinear (Erikson, 1976, 1987). Atualmente, para além da caracterização da infância e da adolescência, fala-se de uma nova fase desenvolvimental, denominada adultez emergente (Arnett, 2011), referente ao prolongamento do processo de transição para a vida adulta em países industrializados e pós-industrializados. Os adultos emergentes, afetados por um sistema e cultura globalizados, têm apresentado tendência a buscar atividades profissionais que considerem significativas e que promovam sua satisfação pessoal. Parecem menos tolerantes a relações abusivas de trabalho, e primam por ter tempo para investir em atividades de lazer (Arnett, 2011; Jensen, 2012). Todavia, essa tendência ainda se restringe aos jovens de NSEs médio e alto, integrantes de sociedades industrializadas (Dutra-Thomé & Koller, no prelo; Galambos & Martínez, 2007).

Identifica-se a importância de considerar a esfera desenvolvimental para compreender as características específicas de crianças, adolescentes e jovens afetados, direta ou indiretamente, pelo mundo do trabalho. Das diversas formas que a psicologia tem se apropriado do estudo do papel do trabalho na vida dos indivíduos (p. ex., Psicologia Social do Trabalho, Psicologia Organizacional) (Bendassolli, 2009), sugere-se a possibilidade de considerar a esfera laboral também na perspectiva da psicologia do desenvolvimento. Essa integração interdisciplinar toma como base o processo de formação da identidade da pessoa, esfera de interesse central tanto no campo da Psicologia do desenvolvimento humano quando no da Psicologia Social do Trabalho. A necessidade de visões interdisciplinares já foi mencionada por Fonseca (2003), ao destacar a carência da preocupação social da Psicologia da adolescência, que enfatiza a relação dos jovens com o ambiente escolar, familiar, com os pares, com o corpo, com a autoimagem, mas não reflete sobre o adolescente no sistema produtivo. Essa integração de perspectivas psicológicas pode proporcionar a orientação de políticas públicas efetivas voltadas para o engajamento saudável de adolescentes e jovens em atividades laborais. Por meio do treinamento teórico-técnico de equipes profissionais, pode-se evitar que contextos de trabalho protegido não garantam a atenção efetiva aos direitos infanto-juvenis (Amazarray, Dutra-Thomé, Souza, Poletto, & Koller, 2009; Silva, 2011), balizados por visões morais e mercadológicas de trabalho, que desconsideram os riscos físicos e psicológicos associados à atividade laboral.

No que tange às limitações do estudo, o fato de a amostra ser composta apenas por jovens de NSE baixo restringiu as expressões de significado do trabalho exclusivamente para esse público. É possível que, se inclusos jovens de outras camadas populacionais, outros termos seriam manifestados. Outra limitação foi a impossibilidade de acessar o sentido do termo empregado pelos participantes em contexto mais amplo (p. ex. entrevistas), diante da natureza da questão proposta. Sugere-se, assim, que futuros estudos possam incluir jovens de NSE médio e alto, de forma que comparações possam ser realizadas com jovens de NSE baixo; e que, para além da solicitação do registro de palavras, os participantes sejam demandados a escrever uma frase ou parágrafo, para proporcionar uma visão mais contextual e captação mais assertiva de sentidos.

 

REFERÊNCIAS

Albornoz, S. (1986). O que é trabalho? (6a ed.). São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Amazarray, M. R., Dutra-Thomé, L., Souza, A. P. L., Poletto, M., & Koller, S. H. (2009). Aprendiz versus trabalhador: Adolescentes em processo de aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25,329-338.         [ Links ]

Amazarray, M. R., Dutra-Thomé, L., Poletto, M., & Koller, S. (2007). Perspectivas acerca do trabalho infanto-juvenil: ideologias, subjetividade e saúde do trabalhador. Laboreal, 3(2),22-28.         [ Links ]

Antunes, R. (2011). Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? Serviço Social & Sociedade, 107,405-419. Recuperado em 15 de novembro, 2013, http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282011000300002&lng=en&tlng=pt.10.1590/S0101-66282011000300002        [ Links ]

Arnett, J. A. (2010). Media. In J. J. Arnett (Ed.). Adolescence and Emerging Adulthood: A cultural approach (pp. 255-275). New Jersey: Prentice Hall.         [ Links ]

Arnett, J. J. (2011). Emerging adulthood(s): The cultural psychology of a new life stage. In J. A. Lene, (Ed.). Bridging cultural and developmental approaches to psychology: New synthesis in theory, research, and theory (pp. 255-275). Oxford: University Press.         [ Links ]

Arnett, J. J., & Eisenberg, N. (2007). Introduction to the special section: Emerging adulthood around the world. Child Development Perspectives, 1,66-67.         [ Links ]

Asmus, C. I. R. F, Raymundo, C. M. R., Barker, S. L., Pepe, C. C. C. A., & Ruzany, M. H. (2005). Atenção integral à saúde de adolescentes em situação de trabalho: lições aprendidas. Ciência e Saúde Coletiva, 10(4),953-960.         [ Links ]

Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70.         [ Links ]

Bendassolli, P. F. (2009). Psicologia e Trabalho: Apropriações e Significados. São Paulo: Cengage Learning.         [ Links ]

Barros, R. P. de, & Santos, E. C. (1996). Consequências de longo prazo do trabalho precoce. In A. Fausto & R. Cervini (Eds.). O trabalho e a rua: Crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80 (pp. 56-61). São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Bartfay, W. J., Bartfay E., & Wu, T. (2013). Impact of the global economic crisis on the health of unemployed autoworkers. Cana dian Journal of Nursing Research, 45(3),66-79.         [ Links ]

Borges, L. O., Yamamoto, O. H. (2004). O mundo do trabalho. In J. C. Zanelli; J. E. Borges-Andrade; A. V. B. Bastos. (Org.). Psi cologia, Organizações e Trabalho no Brasil (pp. 24-62). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Borsoi, I. C. F. (2002). Os sentidos do Trabalho na Construção Civil: O "Esforço Alegre" sem a alegria do Esforço. In M. G. Jacques & W. Codo (Eds.). Saúde Mental e Trabalho: leituras (pp. 309-324). Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Bronfenbrenner, U. (2005). The bioecological theory of human development. In U. Bronfenbrenner (Org.). Making human beings humans (pp. 3-15). Thousand Oaks: SAGE.         [ Links ]

Campos, H. R., & Francischini, R. (2003). Trabalho infantil produtivo e desenvolvimento humano. Psicologia em Estudo, 8(1),119-129.         [ Links ]

Cardoso, A. (2013). Juventude, trabalho e desenvolvimento: Elementos para uma agenda de investigação. CADERNO CRH, 68: 293-314. Recuperado em 15 de novembro, 2013, http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v26n68/a06v26n68.pdf        [ Links ]

Codo, W. (2006). Um diagnóstico do trabalho - em busca do prazer. In W. Codo (Org.). Por uma psicologia do trabalho: ensaios recolhidos (pp. 75-96). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Codo, W., & Lago, K. (2006). Sobre o verbo, o trabalho e a loucura: abordando a saúde mental através do trabalho. In W. Codo (Org.). Por uma psicologia do trabalho: ensaios recolhidos (pp. 255-264). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. (2000). Resolução para pesquisa com seres humanos. Resolução n. 016, Brasília, DF.         [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde. (1996). Resolução n 196, de 16 de outubro de 1996. Brasília, DF.         [ Links ]

Coutinho, M. C., & Gomes, J. S. (2006). Sentidos do trabalho: reflexões a partir de uma oficina vivencial desenvolvida com jovens. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 1(1),1-13.         [ Links ]

Coutinho, M. C. (1993). Subjetividade e trabalho. In Soares-Lucchiari, D. H. P (Org.). Pensando e vivendo a orientação profissio nal (5a ed., pp. 117-122). São Paulo: Summus.         [ Links ]

Dejours, C. (1991). Normalidade, trabalho e cidadania. Cadernos CRP, 6(1),13-7.         [ Links ]

Dejours, C. (2001). A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV.         [ Links ]

Dell'Aglio, D. D., & Koller, S. H. (2011). Adolescência e juventude: vulnerabilidade e contextos de proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Dutra-Thomé, L. D., Cassepp-Borges, V., & Koller, S. H. (2009). A juventude brasileira no mundo do trabalho: Proteção e vulnerabilidade social. In S. H. Koller, & R. M. C. Libório. (Eds.). Adolescência e juventude: Risco e proteção na realidade brasileira (pp. 265-292). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Dutra-Thomé, L. D., Telmo A. Q., & Koller, S. H. (2010). Inserção laboral juvenil: contexto e opinião sobre definições de trabalho. Paidéia, 20(46),175-185. Recuperado em 10 de janeiro, 2012, http://www.scielo.br/pdf/paideia/v20n46/04.pdf        [ Links ]

Dutra-Thomé, L., & Koller, S. H. (2014). Emerging Adulthood in Brazilians of Differing Socioeconomic Status: Transition to Adulthood. Paidéia (Ribeirão Prteto), 24(59),313-322.         [ Links ]

Erikson, E. H. (1950). Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Erikson, E. H. (1968). Identidade: Juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Fonseca, J. C. F. (2003). Adolescência e trabalho. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Galambos, N. L., & Martínez, M. L. (2007). Poised for emerging adulthood in Latin America: A pleasure for the privileged. Child Development Perspectives, 1,119-114.         [ Links ]

Galeazzi, I. (2002). Desemprego. In A. D. Cattani (Org.). Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia (pp.67-72). Porto Alegre: Editora da UFRGS.         [ Links ]

Gonçalves, C. M. (2008). Pais aflitos, filhos com o futuro incerto? Um estudo sobre a influência das famílias na orientação dos filhos. Lisboa: FCG/FCT.         [ Links ]

Guimarães, R. M., & Romanelli, G. (2002). A inserção de adolescentes no mercado de trabalho através de uma ONG [The inclusion of adolescents of lower classes in the job market through an ONG]. Psicologia em Estudo, 7,117-126.         [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000). População residente total, por sexo e grupo de idade 2000. Recuperado em 10 de março, 2006, de http://www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese        [ Links ]

Jacques, M. G. (2002). "Doença dos nervos": uma expressão da relação entre saúde/doença mental. In M. G. Jacques & W. Codo (Orgs.). Saúde mental e trabalho: leituras (pp. 98-111). Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Jensen, L. A. (2012). Bridging universal and cultural perspectives: A vision for developmental psychology in a global world. Child Development Perspectives, 6,98-104.         [ Links ]

Jesús, M., & Ordaz, M.G. (2006). El significado del trabajo: Estudio comparativo entre jóvenes empleados y desempleados. Segunda Época, 25(2),64-77. Recuperado em 11 de novembro, 2009, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1316-09232006000200005&lng=pt&tlng=es        [ Links ]

Koller, S. H, Cerqueira-Santos E., Morais, N. A, & Ribeiro, J. (2004). Pesquisa sobre a juventude brasileira. Material não publicado        [ Links ]

Libório, M. C., & Koller, S. H. (2009). Adolescência e juventude: risco e proteção na realidade brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Madalozzo, R., Martins, S. R., & Shiratori, L. (2010). Participação no mercado de trabalho e no trabalho domestico: homens e mulheres tem condições iguais? Estudos Feministas, 18(2),547-566.         [ Links ]

Marques, M. E., Neves, M. de A., & Neto, A. C. (2002). Trabalho infantil: A infância roubada. Belo Horizonte: Segrac.         [ Links ]

Meda, D. (1995). Le travail: une valeur em voie de disparition. Paris: Alto Aubier.         [ Links ]

Morse, C. N, & Weiss, S. R. (1995). The function and meaning of work and the job. American Sociological Review, 20(2),191-198.         [ Links ]

Nardi, E.C. (2006). Ética, trabalho e subjetividade: trajetórias de vida no contexto das transformações do capitalismo contemporâ neo. Porto Alegre: Editora da UFRGS.         [ Links ]

Offe, C. (1989). Trabalho como categoria sociológica fundamental? In C. Offe (Org.). Trabalho & Sociedade: Problemas estrutu rais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho (pp. 13-41). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.         [ Links ]

Oliveira, B. R. G., & Robazzi, M. L. C. C. (2001). O trabalho na vida dos adolescentes: Alguns fatores determinantes para o trabalho precoce. Revista Latino-americana de Enfermagem, 9(3),83-89. Recuperado em 12 de outubro,2011, http://www.scielo.br/pdf/rlae/v9n3/11503.pdf        [ Links ]

Oliveira, D. C., Fischer, F. M., Amaral, M. A., Teixeira, M. C. T. V., & Sá, C. P. (2005). A positividade e a negatividade do trabalho nas representações sociais de adolescentes. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(1), 125-133. Recuperado em 15 de outubro, 2011, de http://www.scielo.br/pdf/prc/v18n1/24826.pdf        [ Links ]

Oliveira, D. C., Fischer, F. M., Teixeira, M. C. T. V., & Amaral, M. A. (2003). A escola e o trabalho entre adolescentes do ensino médio da cidade de São Paulo: uma análise de representações sociais. Psicologia: Teoria e Prática, 5(1),27-39. Recuperado em 15 de outubro, 2011, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872003000100003&lng=pt&tlng=pt.         [ Links ]

Organização Internacional do Trabalho. (2013). Diretor Geral da OIT: Crise do emprego juvenil é dramática. Recuperado em 11 de março, 2013, de http://www.oitbrasil.org.br/content/diretor-geral-da-oit-crise-do-emprego-juvenil-e-dramatica        [ Links ]

Paula, A.P.P. (1998). O fim dos empregos: O declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Revista de Administração de Empresas, 38,75-76. Recuperado em 11 de março, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901998000200009&lng=en&tlng=pt.10.1590/S0034-75901998000200009        [ Links ]

Prieb, S. A. M. (2000). A tese do fim da centralidade do trabalho: mitos e realidades. Economia e Desenvolvimento, 12,48-76.         [ Links ]

Seco, A. P. (2005). A Sociedade Informática: as consequências sociais na segunda revolução industrial. Revista HISTEDBR On- line, 18,191-196. Recuperado em 10 de março, 2008, http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis18/res1_18.pdf        [ Links ]

Silva, V. H. (2011). Cidadania e inserção laboral assistida: a experiência do trabalho formal de adolescentes pobres. Estu dos de Psicologia, 16(2),187-196. Recuperado em 11 de março, 2012, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2011000200010&lng=en&tlng=pt.10.1590/S1413-294X2011000200010        [ Links ]

Smolka, A. L. B., & Laplane, A. L. F. (2005). Processos de cultura e internalização. In M. C. Pinto (Org.). Coleção Memória da Pedagogia: Lev Semenovich Vygotsky (pp. 76-83). Rio de Janeiro: Ediouro.         [ Links ]

Tittoni, J. (1994). Subjetividade e trabalho. Porto Alegre: Ortiz.         [ Links ]

Tolfo, S.R., & Piccinini, V. (2007). Sentidos e significados do trabalho: explorando conceitos, variáveis e estudos empíricos brasileiros. Psicologia & Sociedade, 19(Edição Especial 1),38-46.         [ Links ]

Zanini, P., Fürstenau, C. R., Pacini, L., & Merlo, A. R. C. (2004). As transformações no serviço público e a saúde dos trabalhadores da seguridade social de Porto Alegre. In A. R. M, Crespo (Org.). Saúde do trabalhador no Rio Grande do Sul: realidade, pesquisa e intervenção (pp. 361-378). Porto Alegre: Editora da UFRGS.         [ Links ]

 

 

Endereço:
Luciana Dutra-Thomé
Instituto de Psicologia
Rua Ramiro Barcelos, 2600/104
CEP 90035-003, Porto Alegre - RS
Fone: (51) 33085150, Fax: (51) 32410074
E-mail: luciana.thome@ufrgs.br

Recebido em: 11.02.2014
Primeira decisão editorial em: 13.10.2014
Versão final em: 21.11.2014
Aceito em: 24.11.2014

 

 

1 Execução de atividade laboral com participação humana.