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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.4 Florianópolis dez. 2014

 

Empresas juniores como espaço de desenvolvimento de carreira na graduação: reflexões a partir de uma experiência de estágio

 

Junior companies as spaces for career development in undergraduation: reflections from a training experience

 

 

Iúri Novaes LunaI; Marucia Patta BardagiII; Marina M. GaikoskiIII; Fernanda de S. MeloIV

IPsicólogo, Doutor em Sociologia Política (UFSC) e professor do Departamento de Psicologia da UFSC. Docente efetivo do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC. Membro do LIOP (Laboratório de Informação e Orientação Profissional da UFSC) e da ABOP (Associação Brasileira de Orientadores Profissionais)
IIPsicóloga, Doutora em Psicologia (UFRGS) e professora do Departamento de Psicologia da UFSC. Docente efetiva do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC. Membro do LIOP (Laboratório de Informação e Orientação Profissional da UFSC) e da ABOP (Associação Brasileira de Orientadores Profissionais). Email: marucia.patta@ufsc.br
IIIPsicóloga, ex-estagiária na empresa júnior Caltech (Centro de Ciências Agrárias da UFSC). Email: marinagaikoski@hotmail.com
IVPsicóloga, ex-estagiária na empresa júnior Caltech (Centro de Ciências Agrárias da UFSC). Email: nandasmelo@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A orientação de carreira durante a graduação tem os objetivos de potencializar a experiência acadêmica dos estudantes e formar alunos mais preparados para a entrada no mercado de trabalho e mais satisfeitos com suas escolhas profissionais. A participação de estudantes em empresas juniores pode configurar-se como uma estratégia deliberada, ou emergente, de desenvolvimento de carreira na graduação e um campo privilegiado de estudo e de intervenção vocacional no ensino superior. Neste artigo, discute-se a importância das empresas juniores como um espaço de exploração de carreira e também de fortalecimento da identidade profissional de seus membros. Ainda, discute-se a possibilidade de aproximação entre as atividades da psicologia organizacional e do trabalho (POT) e da psicologia vocacional, a partir de reflexões sobre uma prática de estágio de psicologia em uma empresa júnior da área de alimentos, na Universidade Federal de Santa Catarina. Espera-se, assim, poder contribuir com as discussões acerca da formação universitária.

Palavras-chave: universidade; planejamento de carreira; trabalho.


ABSTRACT

Career guidance for undergraduates aims to enhance the academic experience of students and train graduates better prepared for the labor market and more satisfied with their career choices. One deliberate career development strategy may be the participation of students in junior enterprises. This is an emerging and therefore a privileged field of study and intervention in the area of vocational development during undergraduate studies. In this article, we discuss the importance of junior enterprises as spaces for career exploration and for strengthening the professional identity of its members. Also, we discuss the possibility of a closer relationship between the activities of work and organizational psychology and vocational psychology, using the reflections on a psychology internship experience in a junior enterprise in the food industry. Thus, it is hoped this may contribute to discussions about university education.

Key-words: university; career planning; work.


 

 

A criação e o desenvolvimento de empresas juniores (EJs) em universidades brasileiras podem ser explicados, em grande parte, por sua relevância no que se refere à possibilidade de aquisição e aprimoramento de determinadas competências profissionais. As missões e os objetivos traçados em seus planejamentos estratégicos e formalizados por meio dos documentos das EJs manifestam, de forma evidente, seu intuito maior de tornarem-se ambientes de aprendizagem qualificados e, em muitos casos, de proporcionarem oportunidades de formação complementares às efetivamente oferecidas pelos currículos dos cursos de graduação. Especialmente, isso se manifesta quanto às capacidades de planejar, executar, controlar e avaliar, mediante trabalhos em equipe, a produção de bens e serviços oferecidos à sociedade e ao mercado.

Diferentemente do que ocorre com grande parte das empresas, no caso das EJs o desenvolvimento profissional de seus membros deve ser o objetivo maior, e não exclusivamente um meio para o alcance da eficiência organizacional. Em termos de cultura organizacional, as EJs podem ser entendidas como "organizações orientadas para as pessoas", que existem para satisfazer as necessidades de seus membros (Teles, 1994).

Assim, entre outros motivos, a escolha de alunos de graduação de participar de EJs pode ser interpretada como parte de um planejamento, no âmbito da construção da identidade profissional, voltado à futura inserção e progressão no mercado de trabalho (Emmendoerfer, Carvalho, & Pereira, 2008; Oliveira, 2005; Peres, Carvalho, & Hashimoto, 2004). Nesse sentido, a associação de estudantes às EJs configura-se como uma estratégia, deliberada ou emergente (Mintzberg, 1998), de desenvolvimento de carreira e, por consequência, como um campo privilegiado de estudo e intervenção na área da escolha profissional e da orientação de carreira.

A orientação de carreira durante a graduação tem o objetivo de potencializar a experiência acadêmica dos estudantes e contribuir com a formação de alunos mais preparados para a entrada no mercado de trabalho e mais satisfeitos com suas escolhas profissionais. Parte-se da definição de Sultana (2004), de que

a orientação constrói a confiança e empodera os indivíduos, bem como torna as pessoas mais conscientes das opor tunidades de aprendizagem, de trabalho, de lazer e de cidadania. A orientação promove empregabilidade e adapt abilidade ao auxiliar as pessoas a tomarem decisões de carreira tanto ao entrar quanto ao transitar no mercado de trabalho. A orientação também ajuda a aumentar a efetividade e a eficiência da oferta de educação e treinamento profissional ao aproximá-las das necessidades individuais e do mercado de trabalho e ao reduzir os índices de evasão (Sultana, 2004, p. 5).

Este artigo, para efeitos de caracterização, compara empresas juniores (EJs) a pequenas empresas, e a partir do relato de uma experiência de estágio no âmbito da psicologia das organizações e do trabalho (P OT) em uma empresa júnior universitária, busca evidenciar a importância das EJs como um espaço propício para o desenvolvimento de carreira dos alunos que delas participam. Por apresentar propostas de avanços teóricos na área do desenvolvimento de carreira e da própria POT, ao caracterizar as EJs a partir de uma nova perspectiva, o trabalho exposto a seguir apresenta, sobretudo, características de um estudo teórico, ainda que utilize informações provenientes de experiências de campo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as empresas juniores configuram um importante espaço de estágio para alunos de Psicologia. Por meio das atividades tradicionalmente pertinentes ao campo da Gestão de Pessoas, que costumam ser conduzidas durante esses estágios, como descrição/análise de função, recrutamento e seleção, treinamento e acompanhamento de membros, avaliação de desempenho e entrevistas de desligamento, além da participação efetiva nas reuniões de planejamento estratégico, observou-se que as EJs podem ser caracterizadas como um local de exploração e/ou fortalecimento da identidade profissional de seus membros. As atividades de orientação e planejamento de carreira seriam possíveis ferramentas de intervenção nessa realidade. Evidencia-se, ainda, no contexto das EJs, a necessária aproximação entre a POT e a psicologia vocacional no processo de desenvolvimento de carreira na graduação (Ribeiro, 2011).

Este texto está estruturado em três partes. Na primeira, faz-se uma descrição das características e do trabalho realizados nas empresas juniores; em seguida, se discute a construção da identidade profissional no âmbito universitário, com ênfase na importância das atividades acadêmicas e, ao final, a partir do relato de algumas atividades de estágio de psicologia em contexto júnior, se propõe a aproximação entre os campos da POT e da psicologia vocacional.

Empresas juniores: definição e características

Empresa Júnior é um espaço de aprendizagem para acadêmicos dos mais diversos cursos universitários, que proporciona aos estudantes uma aproximação com o mercado de trabalho. É uma organização autônoma vinculada a uma instituição de ensino superior, gerida por alunos de graduação, "tanto nos aspectos técnicos de prestação de serviços e projetos, como da gestão da organização" (Oliveira, 2005, p. 5). Os trabalhos técnicos, ou seja, os serviços prestados, são orientados e supervisionados por professores universitários, sendo esta supervisão docente essencial para a formação dos alunos, exatamente por subsidiar as intervenções por meio de elementos teóricos e do exercício do planejamento (Peres et al., 2004; Souza, 2002).

Dessa maneira, a empresa júnior possibilita ao acadêmico que vá além da sala de aula e de seus conceitos, colocando em prática o que aprendeu ou está aprendendo em sua graduação. A Brasil Júnior - representante maior das EJs brasileiras - ainda complementa a definição de EJ como "um grande laboratório prático do conhecimento técnico e em gestão empresarial [onde] você [estudante] tem um alto grau de liberdade de se pensar em todos os processos da EJ" (Brasil Júnior, 2012a, p. 8). A Empresa Júnior teria como objetivos: (a) promover o desenvolvimento técnico e acadêmico de seus associados; (b) promover o desenvolvimento econômico e social da comunidade, através de suas atividades; (c) fomentar o espírito empreendedor de seus associados; (d) promover o contato dos alunos com o mercado de trabalho; e (e) promover o desenvolvimento pessoal e profissional de seus associados (grifo nosso) (Brasil Júnior, 2003). Ainda, as EJs brasileiras estão associadas ao Movimento Empresa Júnior (MEJ), existente no Brasil há 25 anos. O MEJ tem como objetivo o desenvolvimento pessoal e a capacitação profissional de estudantes para que, a partir de suas experiências nas EJs, possam causar transformações na sociedade, além de complementarem seu ensino na universidade (Rezende & Rossi, 2013).

Considerando o número de membros geralmente presentes nas EJs, compará-las com pequenas empresas configura-se como um caminho para delimitar seus contornos. Para os fins deste artigo, será utilizada a definição proposta pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que considera como pequenas empresas do ramo do comércio e serviços as que possuem de onze a cinquenta funcionários, e as do ramo industrial as que possuem de vinte e um a cem funcionários (Viapiana, 2001). Vale ressaltar, para fins comparativos, que a média de membros por Empresa Júnior no Brasil é de 21 empresários juniores por empresa, conforme o Censo realizado pela Brasil Júnior (2012b).

Tanto as empresas juniores quanto as pequenas empresas podem ser entendidas como organizações - "sistema social em que a divisão do trabalho é sistemática e coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados" (Bresser-Pereira, 2004, p. 8). Ambas podem ser, ainda, entendidas como organizações burocráticas, já que utilizam da racionalidade, possuem hierarquia, normas escritas e exaustivas, níveis de autoridade e distribuição de tarefas. Outras semelhanças são a necessidade de registro perante a Receita Federal com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), bem como Nota Fiscal Própria (Brasil Júnior, 2003), confecção de atas, declaração de imposto de renda, prática de planejamento estratégico e código de conduta/ética. Portanto, em ambos os contextos organizacionais, estas normas irão permitir que os membros orientem-se a cada mudança que surge no ambiente de trabalho, comportem-se de determinada maneira e ajam de acordo com o objetivo da organização, seja ela qual for (Bresser-Pereira, 2004). Entretanto, é na forma como cada uma destas características se estabelece dentro de cada tipo de empresa (júnior ou pequena empresa) que se encontram as diferenças.

Em uma pequena empresa, por exemplo, as decisões são tomadas essencialmente a fim de que se aumente a produtividade (Bresser-Pereira, 2004), além de prezar pela eficiência e eficácia, pela vantagem competitiva e por produtos com valor aos olhos dos clientes. Para que essa produtividade aumente e para que mais clientes demandem o serviço da empresa, é preciso que os membros desenvolvam suas habilidades e competências, pois "pessoas preparadas produzem melhor e se sentem mais autoconfiantes" (França, 2011, p. 5).

Já numa empresa Júnior, o objetivo maior é o desenvolvimento pessoal e profissional dos membros. Para que esse desenvolvimento ocorra, é necessário que a empresa desenvolva projetos para os clientes que contratam seus serviços. Ou seja, a empresa precisa crescer, precisa produzir, a fim de que os membros possam desenvolver suas competências. Os próprios objetivos de uma empresa júnior definidos pela Brasil Júnior (2003), descritos anteriormente, mostram quanto o foco das EJs é o aluno membro. Dos cinco objetivos, apenas um - promover o desenvolvimento econômico e social da comunidade através de suas atividades - não se refere diretamente ao desenvolvimento do estudante.

Sendo assim, empresas juniores assemelham-se a organizações cuja cultura é orientada para as pessoas, ou seja, que existem para satisfazer as necessidades de seus membros. De acordo com Teles (1994, p. 141), "nas outras organizações [cujas culturas são orientadas para o poder, para a tarefa ou para a função], as pessoas são vistas como instrumentos para seus fins. Nestas [organizações com culturas voltadas para as pessoas], as pessoas é que são o fim, e a organização o meio" (Teles, 1994, p. 141). Nesse sentido, o autor observa que, frequentemente, estudantes de graduação possuem mais interesse em aprender e crescer ao desenvolver atividades de trabalho do que progredir exclusivamente do ponto de vista financeiro. Ainda, estão mais interessados nos processos pelos quais passam ao longo do tempo em que estão vinculados à EJ, do que propriamente nos resultados obtidos.

Ressaltam-se, nessa direção, algumas diferenças entre EJs e pequenas empresas também no que se refere a processos e estratégias motivacionais. Enquanto nas empresas juniores não há remuneração, nas pequenas empresas o salário geralmente se constitui como um dos principais fatores de motivação. Assim sendo, nas EJs os sentidos do trabalho em si e as oportunidades de desenvolvimento profissional, mediadas pelos colegas membros, pelos professores supervisores e pelo público atendido, podem surgir como significativos fatores motivacionais. Nesse contexto, desde o processo de recrutamento e seleção até o momento em que o aluno se insere de fato na EJ, as expectativas relacionadas ao desenvolvimento do estudante devem ser explicitadas.

O crescimento profissional é o fator de motivação para a entrada em uma EJ mais apontado pelos empresários juniores no Censo das Empresas Juniores brasileiras realizado em 2012, e o tempo médio de permanência dos membros é de um ano e três meses, podendo variar de um a quarenta e oito meses (Brasil Júnior, 2012b). Nesse tempo em que o aluno permanece na EJ, existe a possibilidade de um rápido crescimento de cargo. Além da possibilidade de ascensão rápida, os membros são alocados e/ou realocados em determinados cargos nos quais podem demonstrar e explorar seus conhecimentos, habilidades e atitudes. Assim, há a possibilidade de conhecer mais de uma diretoria estando dentro de uma empresa júnior, o que proporciona uma maior aprendizagem ao estudante e o ajuda a planejar sua carreira de acordo com a área com a qual mais se identifica.

Assim, a apreciação das especificidades das empresas juniores permite, identificar as relevantes contribuições que esse tipo peculiar de organização pode proporcionar ao desenvolvimento de carreira de seus membros. Para ilustrar tal fato, serão descritas a seguir algumas características do desenvolvimento de carreira na graduação e o papel das atividades acadêmicas nesse contexto; na sequência, serão apresentadas algumas reflexões a partir de uma experiência de estágio em Psicologia das Organizações e do Trabalho realizada em uma empresa júnior, a Caltech - Consultoria em Alimentos da UFSC.

O desenvolvimento de carreira na graduação e a função das atividades acadêmicas

Os anos universitários costumam representar uma parcela significativa na construção do papel de adulto e de trabalhador de um indivíduo. O ingresso no ensino superior muitas vezes exige dos jovens um padrão de desenvolvimento cognitivo e psicossocial que está além de suas competências iniciais. Os estudantes universitários confrontam-se sistematicamente com diversos desafios na transição entre a adolescência e a vida adulta, que passam pela integração à universidade, por meio de tarefas como a estruturação curricular, pelo desenvolvimento de autonomia na resposta às demandas de aprendizagem, pelas maiores exigências cognitivas para o estudo, pelas novas relações com professores e colegas, pela gestão do tempo e pelas condições materiais (Almeida & Soares, 2004; Alves, Almeida, & Vieira, 2013; Chickering & Reisser, 1993). Embora a participação em atividades acadêmicas seja mais frequente nos períodos intermediário e final da graduação, boa parte dos alunos ingressa nas EJs logo no início do curso. Tal participação é uma importante mediação nos processos de formação da identidade e do desenvolvimento psicossocial desses alunos, especialmente no que diz respeito à autonomia e às competências relacionadas à gestão.

Entre os diferentes aspectos relacionados pela literatura vocacional ao melhor aproveitamento da experiência acadêmica e à satisfação dos estudantes universitários está o engajamento em atividades acadêmicas (como monitoria, estágio, pesquisa, equipe esportiva, centros acadêmicos, etc), especialmente nos períodos intermediário e final da graduação. Nesta fase, há um aumento crescente de contato do aluno com a profissão e inicia a preocupação com seu papel de trabalhador, a partir da inserção progressiva em atividades acadêmicas; há, ainda, uma menor idealização da carreira e do vínculo com a universidade (Bardagi & Boff, 2010; Bardagi & Hutz, 2010; Chow, 2005; Fior & Mercuri, 2004). Portanto, desenvolver atividades acadêmicas enquanto membro de uma EJ, considerando sua significativa aproximação com atividades profissionais/gerenciais, deve ter um impacto positivo no aproveitamento das experiências acadêmicas e na satisfação dos alunos com o curso escolhido.

A estrutura curricular muitas vezes não favorece o envolvimento dos alunos em atividades acadêmicas. Levantamentos apontam, inclusive, que o número de alunos que só estuda é muito elevado, entre 40% e 70%, em comparação àqueles que têm alguma atividade complementar (Pachane, 2004). Evidencia-se que a inserção em atividades acadêmicas está associada à qualidade da identidade profissional percebida, comprometimento e satisfação com a escolha, percepção de competência, integração ao contexto universitário e planejamento de carreira (Araújo & Sarriera, 2004; Bardagi & Boff, 2010; Bardagi & Hutz, 2010; Fior & Mercuri, 2004; Gault, Redington, & Schlager, 2000; Vendramini et al., 2004).

Fior e Mercuri (2004) relatam que as atividades que envolvem contato com pares produziram maior variedade de alterações pessoais nos estudantes e as atividades de trabalho foram as únicas a alterar a percepção de competências práticas. Estudos como o de Gault et al. (2000), avaliando as atividades de estágio, apontam que os alunos costumam referir os estágios como uma preparação para o exercício do papel de trabalhador, que auxiliam no desenvolvimento de pensamento criativo, habilidades sociais, estabelecimento de contatos e manutenção de relacionamentos, os quais estão associados à maior satisfação profissional no futuro. Atividades de trabalho durante a graduação favorecem a aquisição de competências para o engajamento efetivo em ambientes de trabalho no futuro (Knouse & Fontenot, 2008). Embora a experiência de estágio, no contexto deste trabalho, não se configure como o foco principal de análise, mas como um meio de aproximação como universo das EJs, evidencia-se o papel fundamental dos estágios na construção de projetos profissionais e na aproximação qualificada dos alunos com o mundo do trabalho (Caires & Almeida, 2000; Silva, Coelho, & Teixeira, 2013; Silva & Teixeira, 2013; Vieira, Caires, & Coimbra, 2011). Silva et al. (2013) e Vieira et al. (2011) observaram que a realização do estágio permite a ampliação do comportamento exploratório eda autoeficácia e a melhor definição de objetivos para o investimento profissional e da percepção do desenvolvimento de competências transversais ao mundo do trabalho.

Embora o trabalho em EJs configure-se, entre as atividades acadêmicas, como uma oportunidade privilegiada de desenvolvimento pessoal e profissional dos alunos, estudos sobre o tema, na perspectiva aqui apontada, ainda são incipientes.

Os assuntos tratados nas investigações sobre EJs são variados e vão desde o comportamento informacional de participantes de empresas juniores até a gestão do conhecimento em EJs. São exemplos desses estudos o desenvolvimento de um plano de negócios vinculado ao lançamento de uma EJ na área de gestão (Brasil Junior, 2011); o estudo da cultura organizacional em uma empresa júnior composta por estudantes dos cursos de Administração, Economia e Ciências Contábeis (Carrieri & Pimentel, 2005); a verificação da possibilidade de uma empresa júnior, composta por estudantes de diferentes cursos, caracterizar-se como uma organização de aprendizagem (Ferreira-da-Silva & Pinto, 2011); e a comparação entre uma empresa júnior da área de Ciências Sociais Aplicadas e outros tipos de organizações no que se refere a dimensões de gestão do conhecimento (Bettoni, Silveira, & Silva, 2011).

No que tange especificamente à contribuição das empresas juniores para os processos de desenvolvimento de carreira de estudantes que delas participam, observa-se que os estudos indicam a relevância das EJs como estratégia didática. Isso se dá, especificamente, no processo de aproximação dos alunos com o exercício profissional, associado à aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula, bem como no desenvolvimento de habilidades interpessoais e de competências vinculadas ao empreendedorismo e à gestão de empresas, partindo de diferentes perspectivas teóricas, Didier e Marques (2012) coordenaram uma publicação recente sobre aspectos jurídicos, políticos e sociais das EJs que apresenta, entre as funções acadêmicas e sociais das empresas juniores, seu valor educacional, de inovação e de empreendedorismo. Estudos de caso e relatos de experiências caminham na mesma direção, ao investigar ou discutir a ação de empresas juniores de Psicologia (Peres et al., 2004), de Administração e Comunicação Social (Emmendoerfer et al., 2008; Souza, 2002) e de Secretariado Executivo (Lima & Cantarotti, 2010). Todavia, os estudos frequentemente não problematizam, nem tomam como objeto específico de estudo, a relação das EJs com o desenvolvimento de carreira e a construção da identidade profissional de seus membros- esta última entendida como a representação do indivíduo enquanto possuidor de determinados conhecimentos e habilidades específicas que permitem a execução de um trabalho especializado e com significado (Luna, 2005).

Chama a atenção o fato de que, quando presentes de forma explícita, como demonstrado na citação subsequente, questões ligadas à orientação profissional e ao desenvolvimento de carreira são apresentadas como "frentes de ação" da empresa júnior junto ao público atendido (empresas, instituições, entidades e associações), e não como estratégias voltadas aos seus próprios membros:

[...] após intenso processo de reflexão desencadeado por professores do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho e por participantes da Humanus [empresa júnior de Psicologia da FCLAs/UNESP], evidenciou-se a necessidade de repensar a atuação da empresa. Assim sendo, optou-se por ampliar o seu escopo e criar outras duas frentes de ação. Uma delas tem duas metas distintas, porém complementares: a) empreender estudos e pesquisas sobre a relação homem-trabalho, e b) pôr em prática intervenções que, direta ou indiretamente, visam a tornar essa relação mais satisfatória do ponto de vista profissional e pessoal, tais como orientação profissional, informação profissional e elaboração de planos de carreira (Peres et al., 2004, p. 16).

A respeito da contribuição das empresas juniores para uma formação ética e cidadã, Oliveira (2005), ao estudar o empreendedorismo social e o perfil das EJs e do empresário e consultor júnior, destaca que é possível verificar a emergência de uma nova estratégia de formação profissional, relacionada a ações de intervenção e mudança social, em razão da significativa participação das EJs na prestação de serviços para organizações do terceiro setor. De forma diversa, em uma perspectiva crítica sobre a função pedagógica das EJs para a formação acadêmica e profissional, Bicalho e Paula (2012), por meio de um estudo de caso em uma empresa júnior de administração e economia, evidenciam as violências (simbólicas e interpessoais) presentes no ambiente acadêmico-profissional das empresas juniores. As autoras apontam que, em um contexto caracterizado por relações do capitalismo de mercado, não obstante a frequente leitura positiva e não contraditória sobre as EJs, é necessário refletir sobre "o papel das empresas juniores na formação dos administradores e economistas e, quiçá, sobre a instauração-reprodução social e inculcação nas pessoas da ideologia da administração, como reflexo do mundo administrado em que vivemos" (Bicalho & Paula, 2012, p. 909). Diante disto, a identificação das empresas juniores como um campo propício à construção da identidade profissional e ao desenvolvimento de carreira de seus membros e dos estagiários que delas participam abre um novo espaço para reflexão e para a realização de pesquisas sobre o tema.

Uma experiência de estágio em gestão de pessoas em empresa júnior: reflexões sobre o desenvolvimento de carreira na graduação

Como contextualização, existem na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Campus de Florianópolis, 13 empresas juniores federadas (pertencentes à Federação das Empresas Juniores de Santa Catarina - FEJESC): seis prestam serviços no setor de tecnologia, uma no setor de administração, duas no setor ambiental, duas no setor de comunicação e duas no setor de alimentos. Na análise da missão dessas EJs, há uma atenção central voltada ao desenvolvimento pessoal e profissional dos membros, bem como à promoção e ao aprimoramento do espírito empreendedor, visando a diferenciá-los enquanto profissionais.

Dentre as missões das EJs indicadas, destacam-se algumas frases, tais como: "formar profissionais diferenciados", "desenvolver competências", "estimular o aprendizado", "capacitar e desenvolver membros", "promover comportamento empreendedor", "oferecer vivência empresarial" e "proporcionar diferencial no desenvolvimento pessoal e profissional". A respeito da visão das empresas, apenas duas trazem o tema do desenvolvimento e da qualificação dos membros, onde constam elementos como: "ser referência de capacitação aos graduandos do curso [...] primando pela excelência de suas consultorias e pela satisfação dos seus membros" e "proporcionar um ambiente que estimule o desenvolvimento profissional, valorize o potencial humano e o comprometimento dos membros".

Foi possível o acesso à informação dos objetivos de 10 EJs, dentre as quais nove trazem de forma bastante clara a ideia de desenvolver seus membros, capacitá-los para a vida profissional futura, fornecer-lhes experiência e aprendizado, complementar suas formações, aprimorar suas capacidades e desenvolver suas características pessoais e habilidades interpessoais. Evidencia-se, assim, a orientação para as pessoas (Teles, 1994) presente nos documentos das empresas juniores, o que as caracteriza como um campo apropriado para estudos sobre o desenvolvimento de carreira de estudantes universitários.

Especificamente, a Empresa Júnior Caltech - Consultoria em Alimentos foi fundada em 2004 pelo curso de Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e atualmente conta com 20 membros. A Caltech tem, desde sua fundação, o diferencial de ser unidisciplinar e multiprofissional, ou seja, atua especificamente na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, mas possibilita a entrada de membros de quaisquer cursos. Tem como missão "realizar consultorias com excelência para micro e pequenas empresas na área de alimentos, proporcionando a melhoria dos serviços prestados por estas e com isso acrescentar e desenvolver competências ao futuro profissional"; como visão, "prestar serviços de qualidade visando ampliar o número de clientes e consultorias na área de alimentos"; como valores, "comprometimento, ética, pró-atividade, busca por excelência e preocupação com a segurança de alimentos"; e como objetivo "reunir pessoas responsáveis e comprometidas em propor estratégias para mudar o ambiente onde se encontram" (Caltech, 2004).

Uma das atividades mais citadas pelos membros da EJ aos estagiários durante o período de estágio é o processo "Trainee: Invertendo o funil", o primeiro projeto educacional realizado pela Caltech. Este projeto visava basicamente entender o que poderia ser feito para que alunos de uma universidade pudessem sair dela com um diferencial, de uma forma "não afunilada", não igual a todos os demais ou, como nas palavras dos realizadores do projeto: "Uma proposta de como quebrar o paradigma do modelo acadêmico tecnicista e formar talentos empreendedores" (Caltech, 2004). A Empresa Jr., então, seria uma resposta a isso. O estudante entra como trainee, passa a ser gerente de alguma diretoria, pode vir a se tornar diretor, depois vice-presidente ou presidente, permanecendo, em média, seis meses em cada cargo, pois as mudanças na gestão da Caltech são semestrais. Em alguns casos, um trainee pode entrar e logo se tornar diretor, se demonstrar competências e motivação. Gerentes também podem assumir cargos de diretoria antes de finalizar um semestre, em razão da saída de algum diretor.

Do ponto de vista formal, o estágio de Psicologia na Caltech foi realizado, sobretudo, na Diretoria de Gestão de Pessoas da empresa. Esta diretoria busca o alinhamento dos membros com os valores da empresa e o crescimento profissional e pessoal de cada um. O trabalho das estagiárias de Psicologia dentro da Caltech é diferenciado do trabalho dos outros membros. De acordo com o regimento interno da empresa, estagiários de Psicologia não são reconhecidos como membros. Sendo assim, algumas das atividades que os membros realizam não puderamser realizadas pelas estagiárias, como por exemplo: realização de projetos relacionados à área de alimentos, direito de voto nas assembleias e assunção de cargos de diretoria.

A Diretoria de Gestão de Pessoas, no período em que ocorreu o estágio aqui apresentado (2012/2013), era composta por uma diretora e uma gerente. As principais atividades das estagiárias foram as seguintes: (a) processo de recrutamento e seleção: divulgação das vagas, dinâmicas de grupo, entrevistas de seleção, confecção das tabelas de rodízio e de acompanhamento das tarefas dos trainees, feedback semanal e final e alocação dos trainees; (b) elaboração de dinâmica de grupo para o desenvolvimento dos trainees; (c) processo seletivo de novos estagiários de Psicologia; (d) pesquisa de clima organizacional; (e) acompanhamento mensal dos membros; (f) avaliação de desempenho; (g) entrevistas de desligamento; (h) mediação de conflitos; (i) treinamentos (comunicação, feedback, liderança); e (j) participação nas reuniões de diretoria, nas reuniões gerais e de planejamento estratégico. Note-se que, a priori, nenhuma dessas atividades tem como foco direto o trabalho de planejamento e desenvolvimento de carreira dos membros. No entanto, por tratar-se de contexto júnior, muitas das atividades realizadas acabaram por integrar a perspectiva vocacional.

A experiência de estágio na Caltech, por meio da realização das atividades supracitadas, permitiu confirmar que o que norteia suas práticas de Gestão de Pessoas é a busca pelo desenvolvimento de seus membros, de acordo com a natureza de uma EJ, que é educacional e se encontra vinculada a uma instituição de ensino. No processo seletivo, por exemplo, buscam-se alunos com competências acadêmicas, que demonstrem bom desempenho ou potencial para atividades práticas e que tenham valores alinhados com os da Caltech. Entretanto, para além desses requisitos, priorizam-se as expectativas e o desenvolvimento dos alunos. Assim, os focos principais da seleção são o interesse e a motivação dos candidatos para se desenvolverem e, a partir de seu próprio desenvolvimento, ajudar a empresa a crescer.

Os relatos provenientes das entrevistas de seleção e de desligamento da Caltech, realizadas com aproximadamente 30 alunos, levadas a efeito pelas estagiárias no primeiro semestre de 2013, revelam a orientação da empresa e o processo de desenvolvimento dos estudantes membros, o que inclui a exploração, o questionamento e a construção de suas identidades profissionais associados às decisões de carreira. Nas entrevistas de seleção, os candidatos manifestavam expectativas de "não sair cru da faculdade", "não sair aéreo do curso em relação ao que é o mercado de trabalho", "saber como funciona uma empresa", "crescer profissionalmente", "aprender a trabalhar em indústrias, com pessoas, de forma multiprofissional", "ver se realmente isso [a profissão escolhida] me atrai", "saber o que vou querer quando me formar, pois [a empresa júnior] é um preview da vida real numa empresa", "melhorar o currículo" e "desenvolver contatos profissionais".

Os candidatos ainda mencionaram que gostariam de aperfeiçoar, por meio da participação na empresa júnior, capacidades e atitudes como: controlar a ansiedade, gerenciar o tempo, comunicar-se com grandes grupos, lidar com críticas construtivas, expor opiniões, autoconfiança, delegar tarefas e trabalhar em equipe. Portanto, faz-se necessário pensar as estratégias de seleção e divulgação de oportunidades em contextos juniores, considerando a dimensão da aprendizagem, e enfatizando o processo de desenvolvimento de competências, mais do que as ações oferecidas aos clientes. Aqui, evidencia-se a relação entre a POT e a psicologia vocacional, no sentido de problematizar as EJs como organizações orientadas por uma racionalidade instrumental voltada às demandas do mercado e enfatizar, desde um ponto de vista substantivo, o ingresso de pessoas na empresa sob este novo prisma (desenvolvimento de competências/decisões de carreira).

A entrevista de desligamento, por sua vez, é um instrumento utilizado nas organizações para averiguar as causas da saída de seus membros, se constituindo como "um dos meios de controlar e medir os resultados das políticas de gestão de pessoas da organização a partir do diagnóstico das causas da rotatividade de pessoal" (Silva, 2012, p. 170). Além dos motivos do desligamento, nessa entrevista questiona-se acerca do ambiente e da cultura organizacional, com o objetivo de identificar a satisfação e a percepção do respondente sobre os pontos positivos e negativos da empresa e levantar sugestões de melhoria. Os motivos frequentemente alegados pelos membros da Caltech para o desligamento são novos projetos pessoais, indisponibilidade de tempo, viagens de intercâmbio e necessidade de novos desafios, considerando que a empresa já contribuiu no que era possível.

Mediante as entrevistas de desligamento revela-se a percepção dos respondentes sobre o alcance de seus objetivos relacionados às suas expectativas iniciais. Nesse sentido, foi possível verificar que os objetivos dos membros, de forma geral, são alcançados; ademais, em alguns casos, tais objetivos sofrem alterações e novas possibilidades são vistas e desenvolvidas com o trabalho na Caltech. De acordo com os entrevistados, o trabalho na empresa júnior "superou as expectativas", "contribuiu com alguma coisa; ajudou a fazer algo melhor" e, "além de proporcionar desenvolvimento profissional, contribuiu para o desenvolvimento pessoal".

A respeito, especificamente, da escolha profissional e do desenvolvimento de carreira, os respondentes apontaram que ser membro da Caltech os auxiliou a "determinar o que realmente gostam", a "identificar e alcançar objetivos profissionais e pessoais" e a "conhecer, experimentar, e avaliar se a empresa é um lugar adequado para eles; uma possibilidade de carreira". Isso corrobora os estudos associando a participação em atividades acadêmicas, especialmente as que envolvem experiências práticas, e a qualidade da identidade profissional percebida, comprometimento e satisfação com a escolha, percepção de competência e planejamento de carreira (Araújo & Sarriera, 2004; Bardagi & Boff, 2010; Bardagi & Hutz, 2010; Chow, 2005; Fior & Mercuri, 2004; Gault et al., 2000). Novamente, ressalta-se, mediante as entrevistas de desligamento, a integração entre a POT e a psicologia vocacional, ao retomar o sentido da participação na EJ dentro dos projetos pessoais e profissionais do aluno membro e avaliar o quanto esta participação contribuiu para o fortalecimento da identidade profissional e para a elaboração de metas futuras.

No que se refere à aproximação entre a POT e a psicologia vocacional no estudo das carreiras, é interessante perceber que, se no início ambas as áreas, juntamente com a Administração, compartilhavam objetos e práticas a partir de perspectivas positivistas e mecanicistas, no decorrer do século XX a Administração e a POT centraram-se no estudo das carreiras nas organizações, denominadas carreiras objetivas ou externas. Por outro lado, a Psicologia Vocacional passou a dedicar-se ao estudo das carreiras subjetivas ou internas, com enfoque nas pessoas e em seus trabalhos. Contudo, a flexibilização no universo do trabalho e das organizações, observada a partir das últimas décadas do século XX, associada à fragmentação das carreiras organizacionais e ao desenvolvimento de trajetórias de trabalho mais instáveis, menos lineares e muitas vezes não vinculadas a empresas, proporcionou uma reaproximação dos conceitos de carreira externa e carreira interna, bem como dos campos da POT e da psicologia vocacional neste âmbito (Ribeiro, 2011). Desta forma, percebe-se que a identificação das EJs como um espaço privilegiado de desenvolvimento de carreira insere-se, teoricamente, nas discussões provenientes dessa reaproximação.

Relativamente à realização de estágios de Psicologia em empresas juniores, com frequência, nota-se que as atividades ultrapassam as práticas tradicionais, comoo recrutamento e a seleção de pessoal, o treinamento e a avaliação de desempenho - executados exclusivamente em um nível de intervenção técnico, "em que o profissional se responsabiliza por intervir em processos a partir de instrumentos e procedimentos conhecidos e ou disponíveis" (Zanelli & Bastos, 2004, p. 479). Percebe-se na Caltech uma grande possibilidade de todos os membros tomarem decisões em conjunto assim como opinar e discutir com os gestores, proporcionando a membros e estagiários a oportunidade de refletir sobre suas escolhas profissionais e suas carreiras por meio da realização de um trabalho significativo.

Portanto, o planejamento estratégico realizado anualmente está entre as atividades significativas da participação em EJs . Durante as reuniões do planejamento estratégico na Caltech, todos os seus membros, novos e antigos - que irão continuar ou sair da empresa - fazem o planejamento referente a cada setor da organização (Administrativo-Financeiro, Gestão de Pessoas, Projetos e Marketing), levando em conta os planejamentos dos anos anteriores e estabelecendo novas metas e estratégias para o ano que se inicia.

Maior autonomia, liberdade de ação e autogerenciamento estão de acordo com as necessidades de formação de profissionais mais qualificados para lidar com o mercado de trabalho contemporâneo, em que a reflexão e o planejamento, além da capacidade de gerenciar os aspectos grupais, são atributos valorizados e importantes para a inserção e para o desenvolvimento profissional. Nesse sentido, faz-se importante ressaltar que é possível que as práticas que permitem uma maior variabilidade de experiências e o exercício de atividades não apenas tradicionais ou operacionais podem favorecer ainda mais o desenvolvimento pessoal e profissional do aluno - embora toda prática de estágio ou atividade prática acadêmica satisfatória esteja relacionada a maiores níveis de autoeficácia profissional, decisão de carreira e exploração, bem como à percepção de desenvolvimento de competências (Silva et al., 2013; Silva & Teixeira, 2013; Vieira et al., 2011) e ao maior engajamento profissional futuro (Knouse & Fontenot, 2008).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo buscou-se evidenciar, do ponto de vista teórico, e mediante uma experiência de estágio em POT, que as empresas juniores constituem-se como espaços potencialmente propícios para a exploração e para o desenvolvimento de carreira dos seus membros, associados ao fortalecimento de suas identidades profissionais. A integração entre atividades vai ao encontro dos objetivos específicos da criação e da atuação das EJs - serem organizações orientadas para as pessoas, que existem para satisfazer as necessidades de seus membros (Brasil Junior, 2003; Teles, 1994). Tais atividades são voltadas à formação de competências técnicas e à melhoria dos processos de gestão de pessoas, mais tipicamente relacionadas ao trabalho da psicologia organizacional, e atividades voltadas à reflexão sobre a escolha de carreira, fortalecimento do engajamento acadêmico e elaboração de projetos pessoais e profissionais vinculados ao campo de trabalho (próprios dos processos de orientação vocacional e de carreira com universitários).

Logo, tomando como base os questionamentos, ideias e reflexões apresentadas neste artigo, salienta-se a necessidade de que estudos de caráter empírico sejam conduzidos para identificar, por exemplo, a eficiência de atividades de planejamento e de orientação de carreira nas empresas juniores para a satisfação e para a tomada de decisão de carreira dos membros. Além disso, são fundamentais estudos que possam identificar quais os aspectos da participação em EJs que mais favorecem o engajamento e a satisfação dos alunos membros. Da mesma forma, pesquisas que possam identificar as trajetórias dos alunos dentro das EJs e sua relação com as trajetórias de carreira desenvolvidas após a formação também podem contribuir para a compreensão do papel destas na formação profissional. A partir dos estudos revisados para a elaboração deste artigo, é possível concluir que essas não são questões significativamente presentes nos objetivos de investigação. De outra forma, estudos sobre a importância do estágio para a formação do aluno são frequentes na literatura (Caires & Almeida, 2000; Silva et al., 2013; Silva & Teixeira, 2013; Vieira et al., 2011), embora tais trabalhos reafirmem a necessidade de aprofundamento da temática.

Sendo a EJ um campo de experiência e desenvolvimento acadêmico voltado à potencialização da formação do aluno, é preciso conhecer a extensão em que este objetivo é atingido. Mesmo tendo em vista que as possibilidades de mudanças de cargos nas EJs são limitadas por estruturas organizacionais enxutas, frequentemente compostas por aproximadamente três níveis hierárquicos, a diferenciação observada entre as competências e as responsabilidades atribuídas a cada membro de acordo com as funções que deve desempenhar (marketing, administrativa/financeira, projetos/serviços, gestão de pessoas, entre outras) oferece distintas oportunidades de desenvolvimento de carreira dentro das próprias empresas juniores, desde a inserção do aluno como trainee até o momento de seu desligamento da EJ. Assim sendo, ressalta-se a relevância da efetivação de novos estudos com foco específico em gestão de carreiras nas EJs e nas possibilidades de intervenção da Psicologia nesta área, mediante atividades como suporte para a caracterização e o aprimoramento da estrutura e dos processos organizacionais; mapeamento e desenvolvimento de competências; definição de objetivos de carreira e feedback; avaliação de desempenho e acompanhamento de membros; pesquisas de clima, cultura e comprometimento organizacional; investigações sobre satisfação e engajamento no trabalho e oficinas de planejamento de carreira.

Considerando a atual reaproximação entre a POT e a psicologia vocacional no estudo das carreiras na contemporaneidade, observa-se que, mesmo tendo em vista os limites de uma discussão alimentada por uma experiência de estágio em POT no que se refere ao seu poder de generalização e conclusão, as ideias aqui apresentadas e defendidas buscam contribuir de forma significativa para os avanços nesse campo de estudo. Sobretudo em um momento marcado pelo crescimento de vagas nas Instituições de Ensino Superior brasileiras, pelo questionamento do papel das empresas juniores na formação dos alunos e pela emergência de novos modelos de carreira caracterizados por maior mobilidade, descontinuidade, flexibilidade nos arranjos de trabalho, fragmentação, instabilidade e, principalmente, autodirecionamento.

 

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Endereço para correspondência:
Iúri Novaes Luna
Sala 14A, Laboratório de Informação e Orientação Profissional, Departamento de Psicologia CFH/ UFSC. Campus David Ferreira Lima
Bairro Trindade
Florianópolis/SC. CEP: 88040-900
Telefone: (48) 37218213
Email: iuri.luna@ufsc.br

Recebido em: 11.10.2013
Primeira decisão editorial em: 02.09.2014
Versão final em: 13.10.2014
Aceito em: 27.10.2014