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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.15 no.2 Brasília jun. 2015

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2015.2.275 

Significado do trabalho voluntário empresarial

 

Meaning of volunteer business

 

Significado del trabajo de voluntariado corporativo

 

 

Grasiane Cristina da SilvaI,1; Valéria Heloisa KempII,2; Maria Nivalda Carvalho-FreitasII,3; Carla Regina Guimarães BrighentiIV

IInstituto Federal de Ensino, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais
IIUniversidade Federal de São João Del-Rei
IIIUniversidade Federal de São João Del-Rei
IVUniversidade Federal de São João Del-Rei

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma pesquisa cujo objeto de estudo foi o significado do trabalho voluntário empresarial, tendo como base teórica o conceito de significado do trabalho como uma cognição subjetiva e social, uma vez que apresenta componentes subjetivos e aspectos socialmente compartilhados e associados a condições sócio-históricas (Borges & Tamayo, 2001). Seu objetivo principal foi identificar o significado atribuído ao trabalho voluntário pelos participantes de um programa de voluntariado corporativo. A pesquisa foi realizada com 67 voluntários de quatro unidades de uma empresa multinacional italiana do ramo de autopeças que atuavam em um projeto social. Foram adotados métodos de pesquisa quantitativa, cuja apresentação e análise envolveram a utilização de técnicas como análise de correspondência, análise descritiva dos dados, análise do coeficiente de correlação rho de Spearman e Teste de Qui-Quadrado de Independência; e também métodos de pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa indicam que o trabalho voluntário tem certa centralidade comparada ao lazer e à religião. Por outro lado, a configuração de significados do trabalho varia de uma perspectiva mais instrumental, relacionada aos ganhos em fazer parte do trabalho voluntário, a uma participação mais altruísta. Outras pesquisas são necessárias, visando a um maior entendimento dessa ação emergente nas empresas.

Palavras-chave: Voluntariado; responsabilidade social; significado do trabalho; significado do trabalho voluntário.


ABSTRACT

This research takes as its object of study the meaning of corporate volunteerism, based on the theoretical concept of the meaning of work as a subjective and social cognition, as it provides subjective components and socially shared aspects associated with socio-historical conditions (Borges & Tamayo, 2001). Its main objective was to identify the meaning attributed to volunteer work by the participants of a corporate volunteerism program in the scenario of a multinational organization. The research was conducted with 67 volunteers from four units of an Italian multinational company in the auto parts industry who were working on a social project. We adopted quantitative research methods, in which the presentation and analysis involved the use of statistical techniques such as correspondence analysis, descriptive analysis, analysis of Spearman's rho correlation coefficient and the Chi-Square Test of Independence; and qualitative research methods, through semi-structured interviews and content analysis. The results indicate that the centrality of volunteering is comparable to leisure and religion. On the other hand, the meanings of work range from a more instrumental perspective, related to the rewards in being part of the volunteer activity, to a more altruistic perspective of participation. Further research related to the meaning of volunteering should be done in order to better understand this emergent question in organizations

Keywords: Volunteerism; social responsibility; meaning of work; meaning of volunteer work.


RESUMEN

Este artículo presenta una investigación, cuyo objeto de estudio fue la importancia del trabajo de voluntariado corporativo, teniendo base teórica el concepto del significado del trabajo como una cognición subjetiva y social, ya que presenta componentes subjetivos, aspectos socialmente compartidos y asociados con condiciones sócio-históricas (Borges y Tamayo, 2001). Su principal objetivo fue identificar el significado atribuido al trabajo voluntario de los participantes en un programa de voluntariado corporativo. La investigación se llevó a cabo con 67 voluntarios de cuatro unidades de una multinacional italiana del ramo de piezas automotrices que trabajaban en un proyecto social. Se utilizaron los métodos de investigación cuantitativa, la presentación y el análisis incluyeron el uso de técnicas como el análisis de correspondencias, análisis descriptivo, de correlación usando el coeficiente rho de Spearman y prueba Chi-Cuadrado de Independencia; métodos de investigación cualitativa, a través de entrevistas semi-estructuradas y análisis de contenido. Los resultados de la investigación indican que el voluntariado ocupa un papel central en comparación con el ocio y la religión. Por otro lado, la configuración de significados del trabajo varia de una perspectiva más instrumental, relacionado con las ganancias en formar parte del voluntariado, la participación más altruista. Otros trabajos de investigación son necesarios para poder comprender mejor estas acciones que están surgiendo en las empresas.

Palabras-clave: Voluntariado; responsabilidad social; concepto de trabajo; significado del trabajo voluntario.


 

 

Atualmente, é crescente a preocupação com questões de responsabilidade social e de investimento social das empresas, que têm no trabalho voluntário um forte instrumento de ação. Embora a prática do voluntariado não seja recente, essa ação no âmbito empresarial surge como uma nova tendência social. Trata-se de empresas privadas que desenvolvem programas de voluntariado com o objetivo de estimular seus funcionários a atuarem junto ao campo social. Essa situação leva à reflexão sobre qual significado o trabalho voluntário assume na vida das pessoas que atuam em projetos ligados às empresas.

Os estudos sobre esse tema têm crescido no Brasil. No entanto, pesquisas que abordam o significado do trabalho voluntário atrelado a projetos sociais financiados e realizados nas dependências de empresas privadas são pouco frequentes. Verifica-se também a escassez de estudos que abordem o voluntariado realizado, em parte, no horário de trabalho remunerado dos voluntários que atuam nas empresas privadas. As pesquisas, em sua maioria, abordam o trabalho voluntário fora do contexto das empresas (Corullón, 2008; Moura & Souza, 2007; Carvalho & Souza, 2007; Matsuda, 2002; Funcke, Pereira, & Vilas Boas, 2007; Costa, 2005; Silva, 2006) ou tratam do significado dessa atividade realizada em organizações não governamentais ou instituições apoiadas pelas empresas (Garay & Mazilli, 2003; Garay, 2008). Por essas razões, entende-se que é essencial desenvolver estudos que abordem o significado do trabalho voluntário quando ele é realizado, pelo menos parcialmente, nas dependências de empresas privadas.

Assim, o principal objetivo foi descrever o significado do trabalho voluntário para os participantes de um programa de voluntariado de uma organização multinacional que realizam essa atividade parcialmente no horário de trabalho remunerado, dentro das instalações da empresa. O estudo também buscou verificar a importância do trabalho voluntário (centralidade absoluta e relativa) na vida dos participantes, levantar seus atributos valorativos (como o trabalho deveria ser) e descritivos (como realmente é) e identificar grupos com diferentes padrões de significado sobre esse trabalho, e se eles se diferenciavam de acordo com algum fator sociodemográfico como idade, sexo, cargo e tempo de empresa.

Diante do exposto, a importância deste estudo encontra-se na carência de pesquisas que contemplem o significado do trabalho voluntário e no cenário diferenciado em que tal ação ocorreu, ou seja, sua realização nas dependências de uma empresa privada, em parte dentro da jornada de trabalho remunerado. Espera-se contribuir para a compreensão desse novo tipo de ação organizacional e trazer elementos para o entendimento dos aspectos relacionados à estrutura cognitiva do significado do trabalho voluntário empresarial, bem como desse tipo de atividade em um contexto mais amplo.

 

Significado do trabalho

O significado do trabalho para o homem varia de acordo com o contexto da época em que ele está inserido (Moura & Souza, 2007). Os estudos realizados por Morin (2001) apontam que a maioria dos indivíduos trabalharia mesmo sem necessidade. As principais razões incluiriam se relacionar com outras pessoas, ter sentimento de vinculação, ter algo a fazer, evitar o tédio e ter um objetivo na vida.

Os significados e os sentidos atribuídos pelas pessoas quanto ao trabalho que executam têm sido tema de estudos em diferentes áreas e perspectivas teóricas. De acordo com Tolfo e Piccinini (2007), os significados do trabalho dizem respeito à representação social que a tarefa tem para o trabalhador, seja ela individual, grupal ou social, e são construídos coletivamente em um contexto histórico, econômico e social concreto. Já os sentidos atribuídos ao trabalho são uma produção pessoal decorrente da apreensão individual dos significados coletivos nas experiências cotidianas. Sentidos e significados são interdependentes, construídos e transformados pela relação com a realidade.

A exploração do tema "significado do trabalho" pela psicologia iniciou-se na década de 1980, sob influência do cognitivismo, levando a estudos, que têm como características comuns o empirismo (variabilidade do significado entre os indivíduos), a multidimensionalidade e a multicausalidade (diversos aspectos compõem e afetam sua construção), serem sistêmicos (exploração dos nexos entre os componentes dos conteúdos cognitivos) e pressuporem, a priori, que existe mediação cognitiva do comportamento (Borges, 1998).

O modelo de significado do trabalho criado por Borges e Tamayo (2001) o conceitua como um processo realizado subjetivamente por cada indivíduo, no qual este é sujeito na proporção em que tanto sua intencionalidade quanto suas habilidades cognitivas são implicadas e, ao mesmo tempo, trazem marcas de sua inserção no mundo. Revela, portanto, as contradições de tal inserção, bem como o processo incessante de mudança do mundo e do indivíduo (Borges & Tamayo, 2001, p. 13).

Esta pesquisa foi norteada pelo conceito de multidimensionalidade predominante na literatura revisada, tendo como base as quatro categorias do modelo de Borges e Tamayo (2001): centralidade do trabalho, atributos valorativos, atributos descritivos e hierarquia de atributos.

A centralidade do trabalho é a importância que o indivíduo reserva ao trabalho com relação às outras esferas de vida (Borges, 1998; Borges & Tamayo, 2001; Borges & Alves Filho, 2003; Borges, Tamayo & Alves Filho, 2005). Os atributos valorativos e descritivos são apresentados como características conferidas pelo indivíduo ao trabalho. Os valorativos são os aspectos de como o trabalho deve ser, enquanto os descritivos são a percepção de como ele realmente é (Borges & Tamayo, 2001). Já a hierarquia de atributos consiste na organização dos valorativos e dos descritivos segundo o grau de importância atribuída e tem o intuito de identificar as diferenças e semelhanças entre os indivíduos (Borges & Tamayo, 2001; Borges et al., 2005).

Segundo Borges e Tamayo (2001), uma vez que o significado do trabalho é ao mesmo tempo individual e social, é possível identificar padrões na forma que os indivíduos organizam o significado nas diversas facetas que o compõe por grupo de pessoas e levantar os padrões de significado do trabalho (Meaning of Work, 1987).

Trabalho voluntário

As definições sobre voluntariado mais referenciadas na literatura acadêmica brasileira são a das Nações Unidas e a da Lei 9.608/98, que regulamenta o trabalho voluntário (Azevedo, 2007). Para ambas, o trabalho voluntário é aquele que não implica remuneração financeira, sendo prestado por pessoa física e ligado a diversas formas de atividades.

O trabalho voluntário pode ser caracterizado por pequenas ou amplas ações, que vão de atividades realizadas em organizações formais voltadas para esse fim até a participação informal em campanhas ou ajuda a pessoas próximas, podendo ser realizado por iniciativa própria ou convite. Segundo Garcia (1994), todas as modalidades de voluntariado devem considerar os interesses de outras pessoas ou da sociedade, ser desprovidas de interesse econômico, ser organizadas e partir de uma escolha livre.

Analisando os conceitos apresentados sobre o tema, são observadas algumas convergências entre eles, como a questão de as ações serem voltadas a outras pessoas ou à comunidade e de a doação do tempo livre e de sua realização não envolver remuneração financeira. No entanto, Corullón (2008) vai além, definindo o voluntário como ator social agente de transformação, conceito que difere dos demais, já que aqui ele é apresentado como um ator no contexto social com o objetivo de transformá-lo. O trabalho voluntário é voltado para a comunidade, assim como apresentado nas outras definições, mas acrescenta os motivos que levam as pessoas a esse tipo de atividade, ou seja, visa a atender às necessidades tanto dos outros (ou de uma causa) como do próprio voluntário.

Voluntariado corporativo

De acordo com Corullón e Medeiros Filho (2002) e Azevedo (2007), o voluntariado empresarial é uma prática tradicional nos Estados Unidos que se disseminou pelo mundo, a partir de 1990, como um dos efeitos da globalização. No Brasil, os primeiros programas desse âmbito vieram por intermédio das multinacionais norte-americanas.

O voluntariado corporativo é um conjunto de ações realizadas por empresas para incentivar e apoiar o envolvimento de seus funcionários com a comunidade (Instituto Ethos, 2010). Do ponto de vista estratégico empresarial, a adoção de programas de voluntariado por instituições tem como objetivos a possibilidade de humanização do trabalho, o desenvolvimento de competências dos funcionários e o fortalecimento da cultura da empresa e de sua imagem junto à comunidade e aos funcionários, sendo todas essas demandas derivadas do novo cenário organizacional (Garay & Mazzilli, 2003; Garay, 2008).

As diversas formas de voluntariado encontradas nas empresas são apontadas por Fisher e Falconer (2001) como um importante elemento facilitador da decisão de optar por programas de voluntariado, uma vez que tal flexibilidade torna possível a adequação das características dos programas e das ações escolhidas sem conflito com as políticas organizacionais.

No entanto, pode-se afirmar que esse tema ainda é controverso e levanta muitas questões. Ao mesmo tempo em que caracteriza uma ação social da empresa e de seus funcionários voltada para a comunidade, também se apresenta como uma ferramenta para atrelar o nome da organização à imagem de "socialmente responsável" sem que isso ocorra de fato, especialmente quando as ações descontinuadas são consideradas.

Significado do trabalho voluntário

Estudos com trabalho voluntário como tema têm crescido no Brasil. No entanto, pesquisas que abordam especificamente o significado do trabalho voluntário aparecem em menor proporção quando comparadas a pesquisas que abordam outras temáticas.

De acordo com Garay e Mazzilli (2003), são poucos os estudos que procuram compreender o significado do trabalho voluntário corporativo para as pessoas que o realizam. Em sua pesquisa intitulada Uma análise do(s) significado(s) do trabalho voluntariado empresarial, um estudo de caso realizado com duas empresas gaúchas, os autores encontraram significados dessa atividade ligados à história de vida e à demanda organizacional, como um desejo da empresa e como forma de reconhecimento pela organização, entre outros.

Garay (2008) chama a atenção para o fato de muitos estudos valorizarem apenas os aspectos ligados aos ganhos profissionais e pessoais da atividade voluntária dentro das empresas, negando os conflitos e a convivência de diferentes significados que surgem nesse tipo de trabalho.

O significado do trabalho é um conceito multifacetado e entende-se que pesquisas sobre trabalho voluntário, mesmo que não tenham como tema específico seu significado, auxiliam na compreensão e na construção do conhecimento sobre esse campo específico. Assim, embora não tratem diretamente do tema aqui proposto, foram utilizados como base para a construção desta pesquisa estudos que abordam campos correlatos, como motivação para o trabalho voluntário (Corullón, 2008; Moura & Souza, 2007; Carvalho & Souza, 2007), satisfação no trabalho voluntário (Matsuda, 2002), valores associados ao trabalho voluntário (Funcke et al., 2007), sentido do trabalho voluntário (Costa, 2005; Silva, 2006) e percepções entre trabalho remunerado e voluntário (Trigueiro, 2010).

Dessa forma, tomando os estudos já referenciados, partiu-se do pressuposto de que o significado do trabalho voluntário envolve categorias como desenvolvimento (pessoal, interpessoal e profissional), realização (pessoal e com os resultados do trabalho), envolvimento, reconhecimento, condições de trabalho e desgastes físico e psicológico. Tais categorias serviram como ponto de partida para a construção do instrumento de pesquisa e a posterior análise dos dados.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória conduzida com empregados participantes de um programa de voluntariado corporativo. A escolha da empresa ocorreu por critérios de conveniência, em função dos objetivos do estudo e facilidade de acesso às informações, já que a pesquisadora atuava como coordenadora do programa de voluntariado em uma das unidades pesquisadas.

Participantes e contexto da pesquisa

Participaram do estudo empregados efetivos e terceirizados, que eram voluntários, das quatro unidades da empresa que possuíam programas de voluntariado realizados em suas dependências. Os funcionários terceirizados foram incluídos na população porque o programa da organização aceitava sua participação e foi considerada oportuna sua inclusão, uma vez que pesquisas sobre trabalho voluntário que consideram esse tipo de trabalhador ainda são muito escassas.

Trabalhou-se com a população-alvo de voluntários que possuía e-mails cadastrados na coordenação do programa, ou seja, 268 de 350 voluntários. Destes, 79 foram excluídos devido a problemas com o endereço de e-mail, o que impossibilitou o envio dos questionários. Assim, a pesquisa foi constituída por 189 indivíduos.

O estudo foi realizado com uma amostra acidental de 67 voluntários, composta pelo número de questionários respondidos considerado válido. Esse número corresponde a 35,45% da população-alvo pesquisada (voluntários com e-mails cadastrados) e 19,14% do número total de voluntários.

A empresa da qual a amostra faz parte é uma organização multinacional que desenvolve, produz e comercializa sistemas e componentes de alta tecnologia para a indústria automobilística. Participaram da pesquisa quatro unidades do Brasil que mantinham um projeto social que possibilitava a realização de parte do trabalho voluntário dentro de suas dependências, no horário do trabalho remunerado.

O referido projeto social oferece cursos de educação profissional para jovens de famílias de baixa renda com idade entre 15 e 17 anos. As aulas são ministradas durante o horário de trabalho pelos funcionários, que atuam como voluntários ao disponibilizarem de seu tempo, fora da jornada, para preparar as aulas, corrigir provas e/ou realizar atividades complementares.

O curso era oferecido em período integral, as aulas tinham duração de 50 minutos e as disciplinas eram divididas por grupos de voluntários que se inscreviam de acordo com suas habilidades e interesses. Assim, mais de um voluntário era responsável por ministrar o conteúdo das disciplinas.

O programa de voluntariado corporativo tinha quatro modalidades: educadores voluntários (ministram aulas no horário de trabalho e preparam as atividades fora desse período), educadores de apoio (dão suporte aos educadores voluntários na elaboração das atividades e eventualmente os substituem em sala de aula), tutores (orientam e acompanham o desenvolvimento do aluno durante o curso, mas não dão aulas) e convidados (ministram palestras sobre um tema específico, geralmente ligado à sua atividade profissional).

A empresa em questão contava com 350 funcionários inscritos no corpo de voluntários e já havia atendido cerca de 400 adolescentes das comunidades localizadas no entorno das fábricas nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, onde estão inseridas as quatro unidades do grupo que participaram deste estudo.

Instrumento

O questionário utilizado foi uma adaptação do Inventário do Significado do Trabalho (IST) de Borges e Tamayo (2001) para o contexto do trabalho voluntário, sendo mantidas as assertivas que independiam de o trabalho ser voluntário ou não. Além disso, foram incluídas questões a partir do referencial teórico sobre o significado do trabalho vorrigioluntário (Corullón, 2008; Moura & Souza, 2007; Carvalho & Souza, 2007; Matsuda, 2002; Funcke et al., 2007; Costa, 2005; Silva, 2006; Garay & Mazzilli, 2003; Garay, 2008). Esse instrumento também contemplou duas questões sobre a centralidade do trabalho voluntário, elaboradas a partir de Soares (1992), e o perfil sociodemográfico dos voluntários.

O questionário elaborado foi submetido à análise teórica para verificar a validade do construto e também a semântica dos itens, realizadas por um painel de especialistas e cinco membros da população pesquisada. A versão final do Questionário de Significado Atribuído ao Trabalho Voluntário Empresarial foi composta por duas questões sobre a centralidade do trabalho voluntário e 48 itens sobre os atributos descritivos e valorativos.

Sobre a centralidade do trabalho voluntário, o respondente deveria pontuar cada área da vida (lazer, comunidade, trabalho, religião e família) conforme a importância, de forma que a distribuição totalizasse 100 pontos. A outra questão sobre centralidade apresentava uma escala Likert que variava de 1 a 7, na qual o participante deveria assinalar o número que correspondesse à importância atribuída ao trabalho voluntário.

Na segunda parte do questionário, foram apresentadas as assertivas referentes aos atributos valorativos e descritivos. O respondente deveria indicar, para a mesma assertiva, em uma escala Likert de 0 a 4 pontos, quanto o item representava como o trabalho voluntário deveria ser (atributo valorativo) e quanto ocorria na realidade (atributo descritivo). Foi apresentado um quadro de exemplos para facilitar a compreensão do participante.

Na perspectiva qualitativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra de sete voluntários, escolhidos de forma intencional, não probabilística, incluídos segundo critérios de diversificação (diferentes escolaridades, faixas etárias, níveis hierárquicos, tempo de empresa, tempo como voluntários, rendas, etc.). O objetivo dessa etapa foi aprofundar os dados coletados nos questionários e verificar a possibilidade da existência de significados do trabalho voluntário diferentes dos levantados na fase quantitativa. As questões norteadoras das entrevistas foram o motivo de ser voluntário na organização, o que o faz permanecer como voluntário na empresa, pontos positivos e negativos dessa atividade e o significado do voluntariado em sua vida.

Procedimentos de coleta dos dados e cuidados éticos

A pesquisa foi autorizada pelo responsável pelo Comitê de Responsabilidade Social Corporativa da organização e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme protocolo nº 292011, garantindo a conformidade com os princípios éticos de pesquisa envolvendo seres humanos delineados pela Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde.

O caráter voluntário da participação dos sujeitos foi assegurado durante toda a investigação, assim como o anonimato das informações. Houve a possibilidade de desistência dos sujeitos a qualquer momento e assegurou-se que os resultados da pesquisa seriam disponibilizados para todos os envolvidos que assim desejassem obtê-los. Na mensagem que continha o link para acesso aos questionários, foram explicados os objetivos e procedimentos da pesquisa. Os interessados em participar forneceram seu consentimento no ato de acessar aos questionários.

Procedimentos de análise dos dados

A aplicação do questionário foi feita via internet. Todas as respostas dos participantes da amostra foram registradas de forma anônima no banco de dados do programa SPSS for Windows (Statistical Package for Social Sciences).

Para descrição e análise dos resultados, foram utilizadas técnicas de análise das médias, moda e desvio padrão, visando à descrição dos significados atribuídos ao trabalho voluntário, além de caracterização da amostra.

Em função do tamanho da amostra, não foi possível realizar a análise fatorial para identificar os fatores dos atributos descritivos e valorativos do significado do trabalho voluntário. Segundo Hair, Anderson, Tatham e Black (2005), essa análise exige que haja no mínimo cinco vezes mais respondentes do que o número de variáveis. Como o questionário tinha 48 questões e 67 respondentes, optou-se pela utilização da técnica de análise de correspondência (AC) para reduzir a dimensionalidade das categorias e identificar os fatores. De acordo com Neri e Soares (2004), a necessidade de redução da dimensionalidade é uma das principais razões para o uso dessa técnica, pois torna possível observar a configuração das categorias em um espaço de poucas dimensões sem perder a variabilidade original dos dados. Além disso, foi calculado o valor de Alfa de Cronbach para verificar a confiabilidade da consistência interna dos fatores.

Considerando as variáveis analisadas e o número de respondentes, foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Independência, para verificar a independência entre os dados sociodemográficos e a centralidade e os fatores dos atributos descritivos e valorativos do trabalho voluntário, e o rho de Sperman, para verificar a existência de correlações entre essas mesmas variáveis. Por fim, foi utilizada a técnica de Clusters para agrupar os respondentes em diferentes conjuntos segundo os significados atribuídos ao trabalho.

As análises das entrevistas foram realizadas tendo como referência o seu conteúdo (Bardin, 1994), isto é, a posição das pessoas quanto aos aspectos relacionados ao significado do trabalho voluntário.

Amostra e instrumento

Com relação ao perfil dos voluntários que atuavam no projeto nas dependências da empresa, 85,7% eram funcionários da organização e 14,92%, trabalhadores terceirizados. A maioria era composta por homens casados, com escolaridade no nível de pós-graduação ou MBA, que trabalhavam na organização há mais de 12 anos, estavam concentrados nas áreas administrativas e de gestão, e com renda acima de R$ 4.001,00. Dedicavam de uma a duas horas semanais à realização da atividade voluntária, não tiveram ou tinham outra experiência de trabalho voluntário além da realizada dentro da empresa e não foram assistidos por projeto social em nenhum momento de suas vidas.

Conforme já explicitado, os atributos descritivos correspondem a como o respondente considera que o trabalho voluntário é na realidade. Já os valorativos dizem respeito às características que considera importantes para a realização do trabalho, ou seja, como ele acredita que o trabalho voluntário deveria ser.

A identificação dos fatores dos atributos valorativos e descritivos ocorreu a partir da análise dos eixos do mapa perceptual da AC que mais explicavam a variabilidade dos dados. Foi utilizada como critério para a formação dos fatores a proximidade geométrica dos pontos em cada quadrante, sendo incluídos apenas os itens que possuíssem contribuição acima de 0,010.

Foram identificados três fatores dos atributos descritivos e cinco fatores dos atributos valorativos do trabalho voluntário a partir da análise de correspondência. No entanto, apenas três dos cinco atributos valorativos apresentaram confiabilidade satisfatória da consistência interna (Alfa de Cronbach superior a 0,60), sendo os outros dois excluídos da análise.

Quanto à importância atribuída ao trabalho voluntário (centralidade do trabalho voluntário), observou-se que apresenta centralidade absoluta moderada (moda 5) e, quando comparado a outras esferas da vida (centralidade relativa), como família, trabalho remunerado, lazer, religião e comunidade, encontra-se no mesmo nível de importância que o lazer e a religião. Constatou-se também que a família possui maior importância entre todas as esferas da vida, seguida do trabalho remunerado. Tal resultado assemelha-se aos encontrados na literatura sobre trabalho remunerado realizados por Borges (1998), Borges e Tamayo (2001), Borges e Alves Filho (2001), Vilela (2003) e Santos (2006).

Verificou-se que houve correlação entre a centralidade relativa atribuída ao trabalho voluntário e os dados sociodemográficos e que, quanto menor a renda, maior o valor atribuído ao trabalho voluntário (Spearman = -0,289, p < 0,05). Não foi identificada qualquer correlação entre os valores atribuídos à centralidade absoluta do trabalho voluntário e os dados sociodemográficos. Os fatores valorativos e descritivos do trabalho voluntário são apresentados na Tabela 1.

 

RESULTADOS

Ao explorar os fatores dos atributos valorativos por meio da análise de médias (Tabela 2), verificou-se que o maior valor é atribuído ao fator Realização, condições de trabalho e justiça (M=3,36). No entanto, não foi verificada diferença estatística entre as médias de Realização, condições de trabalho e justiça e o fator Reconhecimento (M=2,94; t=1,67; p<0,005). A similaridade estatística entre as médias indica que os dois fatores têm o mesmo nível de importância para os respondentes, o que sugere que é igualmente relevante para a amostra sentir-se cidadão, ser produtivo, ter condições adequadas de trabalho, apoio da chefia, disponibilidade de tempo, igualdade entre os voluntários e retribuição suficiente pelo esforço empreendido, receber o reconhecimento da família e dos amigos, ter uma boa imagem perante a empresa e ser reconhecido por ela.

Os escores no fator Desgaste apresentam as menores médias (M=1,14), estando dispostas, em sua maioria, nos intervalos abaixo de 2. Isso sinaliza que os respondentes acreditam que características como cansaço, pressa e utilização do trabalho para resolver problemas pessoais devem estar pouco presentes no voluntariado.

Assim, pode-se concluir, a partir do exposto, que os participantes acreditam que o trabalho voluntário deva ser algo em que existam possibilidades de reconhecimento, mas também é preciso que tenha condições adequadas para o trabalho, apoio da empresa e disponibilidade de tempo, para que não haja desgaste.

Esses resultados se assemelham aos encontrados nas pesquisas de Garay e Mazzilli (2003) e Garay (2008) sobre significado do trabalho voluntário em duas empresas gaúchas, cujos resultados apontam a motivação para o trabalho voluntário como forma de atender a um desejo da empresa e a uma demanda organizacional e de buscar reconhecimento da empresa ou motivos ligados à história de vida dos voluntários.

Partindo para a análise de como o trabalho é para os voluntários da empresa, foram utilizadas as médias dos escores dados aos fatores dos atributos descritivos.

Constatou-se, conforme apresentado na Tabela 3, que o fator Realização, condições de trabalho e justiça apresenta a maior média entre os demais. No entanto, não foi verificada diferença estatística com a segunda maior média, atribuída ao fator Reconhecimento (t=2,71, p>0,005). A similaridade estatística entre as médias permite afirmar que o trabalho voluntário na empresa pode ser caracterizado principalmente por ser definido como algo que permite que o indivíduo tenha oportunidade de autoconhecimento, retribuindo o que conseguiu na vida; faça uma atividade diferente; desenvolva habilidades interpessoais; contribua para a mudança social; participe de todas as etapas do trabalho, do planejamento à execução; goste da atividade e; sinta-se reconhecido pelo público atendido.

Esses resultados se confirmaram na análise das entrevistas, que podem ser observados nos trechos a seguir:

[...] o positivo é que você está contribuindo, você pegar seu conhecimento hoje no trabalho e levar para dentro da sala de aula e vice-versa, e mostrar o conteúdo teórico na prática. Isso é fato, é vivenciado aqui, 100% dos alunos vivenciam isso nas aulas. (V5)

[...] lutamos para chegar onde nós estamos, com a ajuda das pessoas, sempre alguém abrindo as portas e facilitando a nossa vida. Então, é importante que a gente também retribua de alguma maneira aquilo que conseguiu, aquilo que recebemos de outras pessoas. (V3)

[...] é uma satisfação muito grande para a pessoa que às vezes passa e depois encontramos com ela na rua e vejo que, assim, ela está bem na vida, está fazendo uma faculdade, uma... você contribuiu para aquilo [...] então não é uma remuneração em dinheiro, mas sim em reconhecimento, né? (V1)

A média do fator Desgaste foi a menor entre os três itens (M= 0,97), com 67,16% dos escores no intervalo menor que 1. Isso significa que o trabalho voluntário na empresa não tem sido fonte de cansaço. No entanto, os voluntários percebem baixa estabilidade no emprego e poucas oportunidades para realizarem atividades mais valorizadas.

Houve diferença significativa entre a média do fator Desgaste e as médias dos fatores Realização, condições de trabalho e justiça (t=12,76, p<001) e Reconhecimento (t=10,87, p<0,001), o que significa que as características do trabalho voluntário real estão ordenadas em dois níveis: em primeiro lugar, Realização, condições de trabalho e justiça junto com Reconhecimento; e, em segundo, Desgaste.

Analisando o ideal de trabalho voluntário dos respondentes e o trabalho real percebido por eles (Tabelas 2 e 3), constata-se que, apesar de considerarem que o trabalho voluntário oferece oportunidades reais de autoconhecimento, de retribuir o que conseguiram na vida, de desenvolver habilidades, de contribuir para a mudança social, de participar de todas as etapas do trabalho, de fazer o que gostam e de ser reconhecido pelo público atendido, estas ainda estão aquém do que os voluntários acreditam que seria o ideal. O mesmo ocorre quando são analisadas as questões relacionadas à estabilidade no emprego e à realização de uma atividade mais valorizada.

No entanto, os resultados indicam que os participantes sentem menos cansaço do que acreditam que deveria existir no voluntariado. Isso pode indicar que os respondentes se adaptaram ao novo ritmo de trabalho, que envolve organizar suas atividades remuneradas para não ficarem sobrecarregados em sua ausência durante a atividade voluntária, ou mesmo que teriam um ideal de desgaste do trabalho voluntário próximo ao que atribuem ao trabalho remunerado. Isto é, o trabalho gera cansaço, mesmo que baixo, e, na realidade do trabalho voluntário, percebem que o desgaste ocorre menos do que acreditavam.

A análise de conteúdo das entrevistas corrobora essa hipótese e sugere que há situações potenciais de desgaste, mas as opções encontradas pelos voluntários parecem amenizá-lo:

[...] eu acho que o dia a dia da gente é muito corrido [...] é uma dificuldade enorme de você ajustar as agendas e conciliar com outras agendas, né? [...] talvez seja um ponto que prejudique aí essa atividade. [...] Um ponto positivo é que a gente tem um pouco de flexibilidade também, pode planejar [...] como tutor. Como professor, as dificuldades eram maiores, até mesmo por que o tempo era um pouco curto e às vezes atrapalhava um pouco a atividade. O aluno está aguardando uma aula e você não tá aqui e aí complica um pouco. (V4)

[...] o ponto negativo é que, muitas vezes, não temos disponibilidade para sair e ir lá dar aula. Querendo ou não, mesmo querendo ser, tendo a liberdade da empresa, temos essa liberdade da empresa de poder ir lá, do nosso tempo, mas, muitas vezes, acabamos ficando sobrecarregados e, muitas vezes, para você sair, fica difícil. Porque o acúmulo, você atrasa seu trabalho, acumula o seu trabalho, aí complica. [...] O que tem me ajudado muito é que há uns dois anos estamos tendo apoio de mais educadores voluntários que estão dividindo essa responsabilidade comigo, aí quando me aperta eu ligo e passo para eles, me ajudam para caramba. (V5)

Os resultados apresentados, oriundos de estratégias metodológicas diferentes - questionário e entrevista -, reafirmam a complexidade na qual se reveste o significado do trabalho voluntário realizado na empresa. Por um lado, ele traz possibilidades de reconhecimento, de solidariedade, de compartilhamento de conhecimentos, de se sentir capaz de contribuir com o outro, de auxiliar e de transformar. Por outro, as demandas da organização permanecem e geram sobrecarga de trabalho e dificuldade de conciliar necessidades diferentes. As entrevistas ampliam a compreensão do significado atribuído ao trabalho voluntário ao possibilitar a verificação de que os voluntários identificam as ambiguidades existentes e buscam estratégias para minimizar os desdobramentos negativos e permanecerem realizando essa atividade.

Os significados do trabalho voluntário levantados nesta pesquisa também se aproximam dos encontrados em estudos realizados em contextos diferentes. As questões relacionadas ao desenvolvimento (pessoal, interpessoal e profissional), à realização (pessoal e com os resultados do trabalho), ao envolvimento, ao reconhecimento e às condições de trabalho estão presentes em diversos estudos realizados com voluntários ligados a organizações sem fins lucrativos (Funcke et al., 2007; Silva 2006; Moura & Souza, 2007; Carvalho & Souza, 2007; Corullón, 2008; Trigueiro, 2010), o que corrobora os resultados encontrados aqui e leva a inferir que essas são questões que perpassam o significado do trabalho voluntário em diversos ambientes.

No entanto, os resultados também apontam para um significado do trabalho voluntário marcado pelo sentimento de realização e satisfação com a atividade em si, mas permeado pelas relações de troca com a empresa e pelo desgaste, indo ao encontro do que foi colocado por Garay (2008), que ressalta a convivência de diferentes significados que surgem nesse tipo de trabalho, principalmente aqueles relacionados ao prazer e ao sofrimento na atividade.

Também foi investigado se os valores dados aos atributos valorativos e descritivos estavam relacionados de alguma forma às variáveis sociodemográficas. Constatou-se que não havia relação de dependência significativa entre eles (Qui-Quadrado com p > 0,05 em todas as análises feitas).

Com o intuito de verificar se os voluntários da empresa poderiam ser agrupados pela proximidade de resultados dos atributos descritivos, dos valorativos do trabalho e de sua hierarquia, procedeu-se à análise de Cluster dos fatores. O objetivo dessa análise é o agrupamento de objetos com base em suas características (Hair et al., 2005). Para tanto, adotou-se o pressuposto da existência de n aglomerados agrupados por similaridade até formarem um aglomerado apenas.

Como medida de similaridade, empregou-se a distância euclidiana, e o método utilizado foi o Ward. O número de conglomerados foi definido por meio do gráfico dos passos dos agrupamentos em relação ao nível de distância. Assim, identificou-se, no ponto de salto, a formação de três conglomerados para os atributos descritivos e valorativos e sua respectiva hierarquia.

Partindo desse pressuposto, os padrões de significado do trabalho voluntário na empresa (Clusters) foram organizados conforme exposto na Tabela 4.

O primeiro padrão de significado foi denominado Realizado com instrumentalidade desgastante, uma vez que a média para o fator valorativo Desgaste (média = 1,94) é a maior entre elas. É importante ressaltar que no fator Desgaste, as assertivas foram definidas de forma negativa, portanto, quanto menor a média, maior o desgaste. Os fatores descritivos Realização, condições de trabalho e justiça (M=2,67) e Reconhecimento (M=2,42) também receberam médias altas. Esse padrão é composto por pessoas que atribuem significado instrumental ao trabalho voluntário, isto é, ele está a serviço de interesses específicos do voluntário, pois valorizam a oportunidade de ter uma boa imagem perante a empresa, ter estabilidade no emprego e resolver seus problemas pessoais por meio do trabalho voluntário, e acreditam que isso deve gerar cansaço e desgaste. Eles encontram essas características na realidade do trabalho, mas em menor grau do que o esperado, e sentem-se incluídos, reconhecidos, realizados e com as devidas condições de trabalho e justiça.

O segundo padrão recebeu o nome de Realizado instrumental e diferencia-se do primeiro porque, apesar de esperarem que o trabalho voluntário envolva Desgaste (M=0,67), sua média foi menor que a do primeiro grupo. Os respondentes inseridos nesse padrão esperam que o trabalho voluntário gere pouco desgaste, mas não encontram isso no trabalho realizado. Esse grupo também apresenta a maior média para o fator descritivo Reconhecimento (M=2,59), o que significa que, mesmo não tendo suas expectativas de instrumentalidade atendidas, esses indivíduos se sentem realizados, incluídos e reconhecidos no trabalho voluntário que realizam.

O último padrão identificado é o Realizado altruísta. Suas principais características são a baixa valorização dos fatores Desgaste (M=0,52), Reconhecimento (M=0,71) e Realização, condições de trabalho e justiça (M=1,99). A característica do trabalho voluntário mais valorizada por esse grupo é a satisfação com os resultados da atividade e o sentimento de fazer algo útil, ou seja, parecem estar mais voltados para a satisfação e os benefícios que os outros possam vir a ter com o seu trabalho voluntário do que com o benefício deles próprios. Os voluntários enquadrados nesse padrão percebem que são mais reconhecidos do que esperavam.

 

DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa indicaram que o trabalho voluntário tem certa centralidade comparada ao lazer e à religião para quem o realiza. Além disso, verificou-se que os voluntários de menor renda atribuíam maior valor a esse trabalho. Uma vez que o público de menor renda era composto por estagiários e operários, levantam-se algumas hipóteses: a possibilidade de que uma maior importância atribuída por essas categorias ao trabalho voluntário possa estar relacionada à expectativa de crescimento profissional por meio da melhoria da imagem perante a empresa; ou, a atividade voluntária possa ter sido considerada importante por gerar maior feedback extrínseco ou intrínseco que a atividade remunerada realizada na organização; ou, a possibilidade de contribuir com outrem, também em situação de maior dificuldade financeira seja um fator de motivação. No entanto, serão necessárias novas pesquisas para ratificar ou retificar essas hipóteses levantadas.

Também foi possível identificar que os atributos valorativos relacionados ao significado do trabalho voluntário são possibilidade de realização com apoio da empresa; retribuição ao esforço despendido; reconhecimento dos familiares, dos amigos e da empresa e geração de pouco cansaço. Por outro lado, o trabalho voluntário é visto (atributo descritivo) como atividade que permite o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal; conta com o apoio das chefias e da empresa; envolve a participação no trabalho, o gosto pela atividade e o reconhecimento do público atendido; gera cansaço e não garante a estabilidade no emprego.

Além disso, as configurações dos significados atribuídos ao trabalho voluntário permitiram a caracterização de padrões diferentes de relação entre as dimensões de significado. Foram identificados, de um lado, participantes que têm relação mais pautada em expectativas instrumentais, como ter uma boa imagem perante a empresa; e, de outro, participantes que atribuem significado altruísta a essas ações, tendo como maior expectativa contribuir com outras pessoas, sentindo-se mais reconhecidos do que esperavam. Esses resultados possivelmente refletem as próprias contradições da organização ao se envolver com as atividades voluntárias, tendo ações instrumentais, visando a um incremento positivo em sua imagem no mercado, e também ações que efetivamente buscam contribuir com as pessoas e com a comunidade em seu entorno.

Uma grande limitação da pesquisa foi a dificuldade de sua comparação com outras investigações sobre o trabalho voluntário realizado parcialmente no horário de trabalho, devido à escassez de análises sobre o tema, impossibilitando a identificação de diferenças e semelhanças que pudessem auxiliar no entendimento do que predomina em relação ao significado do trabalho voluntário. Outras pesquisas serão necessárias, visando a ampliar o conhecimento sobre essa questão emergente no cenário nacional.

 

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Recebido em: 21.08.2012
Primeira decisão editorial em: 04.03.2014
Versão final em: 29.03.2015
Aceito em: 02.04.2015

 

 

1 Grasiane Cristina da Silva, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Rua Rui Moraes de Lemos, 47, Santa Efigênia - CEP: 37200-000, Lavras - MG - Telefone: 35 99080917. E-mail: graleao@yahoo.com.br.
2 Valéria Heloisa Kemp, professora doutora da Universidade Federal de São João Del-Rei
3 Maria Nivalda Carvalho-Freitas, professora doutora da Universidade Federal de São João Del-Rei

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