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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.1 Brasília mar. 2017

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.1.12490 

Estresse, qualidade de vida e estressores ocupacionais de policiais: sintomas mais frequentes

 

Stress, quality of life, and occupational stressors among police officers: frequent symptoms

 

Estrés y calidad de vida, estresores ocupacionales de policías: los síntomas más comunes

 

 

Marilda E. Novaes LippI; Keila Regina da Silva Nunes CostaII; Vaneska de Oliveira NunesII

IInstituto de Psicologia e Controle do Stress, Campinas, SP, Brasil
IISecretaria de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Avaliou-se níveis de qualidade de vida, de estresse ocupacional e suas fontes em 1.837 (um mil, oitocentos e trinta e sete) policiais do Estado do Mato Grosso, sendo 77% (setenta e sete por cento) do sexo masculino e 23% (vinte e três por cento) do feminino, com idade entre 19 e 65 anos. Participaram 1.017 (um mil e dezessete) membros da Polícia Militar, 108 (cento e oito) do Corpo de Bombeiros Militar, 454 (quatrocentos e cinquenta e quatro) da Polícia Civil, 68 (sessenta e oito) de Peritos Criminais e 190 (cento e noventa) do Pessoal Administrativo. Verificou-se que 52% apresentavam estresse. Os dados mostram uma associação significativa entre altos níveis de estresse e má qualidade de vida, principalmente na saúde e revelam necessidade de ações institucionais que promovam aquisição de estratégias de enfrentamento para melhorar a qualidade de vida na Segurança Pública do Estado.

Palavras-chave: estresse ocupacional; qualidade de vida; policiais.


ABSTRACT

Quality of life, occupational stress, and its causes were evaluated in 1,837 members of the police force in the State of Mato Grosso. The sample ranged from 19 to 65 years of age, with 77% of participants male and 23% female. It was comprised of military police (n=1,017), military fire brigade (n=108), civil police (n=454), forensic specialists (n=68), and administrative staff (n=190). It was found that 52% exhibited symptoms of stress. Quality of life was found to be lacking, primarily regarding health. The data show a significant association between high stress levels and poor quality of life. The study reveals that there is a need for institutional actions to stimulate the acquisition of stress coping strategies that can promote a better quality of life among public security servants in the state.

Keywords: occupational stress; quality of life; police officers.


RESUMEN

En este estudio se evaluaron niveles de calidad de vida, de estrés ocupacional y sus causas en 1.837 (mil ochocientos treinta y siete) policías del Estado de Mato Grosso, del sexo masculino (77%) y del femenino (23%), con edades entre 19 y 65 años. Participaron 1.017 (mil diecisiete) miembros de la Policía Militar, 108 (ciento ocho) del Cuerpo de Bomberos, 454 (cuatrocientos cincuenta y cuatro) de la Policía Civil, 68 (sesenta y ocho) de Peritos Criminales y 190 (ciento noventa) del Personal Administrativo. Se verificó que 52% presentaban estrés. Los datos muestran una asociación significativa entre altos niveles de estrés y mala calidad de vida, sobre todo en lo que a su salud se refiere. Además, revelaron la necesidad de acciones institucionales que promuevan adquisición de estrategias con vistas a mejorar la calidad de vida en la Seguridad Pública del Estado.

Palabras-clave: estrés; calidad de vida; policías.


 

 

A prevalência de estresse no mundo é alta e preocupante. Várias organizações internacionais estão promovendo reuniões mundiais para a discussão de medidas preventivas que possam ser tomadas de modo a reduzi-la. A International Labour Organization (ILO), em 2016, realizou uma pesquisa com 324 especialistas de 54 países de várias partes do mundo, concluindo que o estresse é um problema global, uma vez que mais de 90% dos participantes o indicaram como uma real preocupação em seus países. Quando uma condição como essa se torna tão prevalente, a busca pela identificação de suas causas se torna relevante e, nesse sentido, os efeitos da atividade profissional exercida passam a ser focalizados.

O interesse pelo estudo do estresse ocupacional tem aumentado desde a década de 1990, em especial no que se refere ao impacto que tem na saúde dos trabalhadores e, consequentemente, na necessidade de seu manejo. Isso tem levado a uma maior atenção aos riscos psicossociais do estresse ocupacional e a tentativas de se estabelecer políticas e normas em vários países, como no Canadá (Duxbury & Higgins, 2012), em Luxemburgo (European Agency for Safety and Health at Work, 2009), nos países nórdicos (Hansen, Lidsmoes, Laursen, & Mathiassen, 2015), bem como no Japão, na Suécia, em Singapura e na Espanha, entre outros (ILO, 2016).

O estresse ocupacional não tem efeitos deletérios apenas no organismo humano, ele também pode afetar de forma negativa a eficiência do trabalhador e sua satisfação no trabalho (World Health Organization [WHO], 2011; Santana & Santana, 2011). A insatisfação no trabalho pode também ser influenciada pela presença de fatores laborais, como ressaltado por Cooper (1985), que identificou um número de estressores ocupacionais relacionados com a insatisfação no trabalho e o desenvolvimento de problemas de saúde mental e física. Alguns desses estão ligados à própria natureza da tarefa exercida, outros se referem a ambiguidade e conflito na função, relacionamentos difíceis no trabalho, falta de plano de carreira, clima organizacional prejudicado e equilíbrio entre carreira e família. Esses dados foram complementados por um levantamento realizado, no Canadá, com professores universitários, em que foi verificado que menor segurança no emprego e desequilíbrio entre trabalho-vida ocasionaram insatisfação no trabalho, ao passo que o desequilíbrio trabalho-vida previu aumentos da tensão psicológica (Catano et al., 2007). Embora todas as profissões sejam geradoras de certo grau de estresse, algumas chamam a atenção devido ao alto nível de tensão envolvida. Entre essas, encontra-se a do policial, apontada como uma das ocupações de maior risco.

Em vários estudos comparativos, a atividade policial é considerada a segunda mais estressante (Bezerra, Minayo, & Constantino, 2013; Lipp, 2009; Souza, Franco, Meireles, Ferreira, & Santos, 2007; Souza & Minayo, 2005), uma vez que profissionais dessa área estão constantemente expostos ao perigo e à agressão (Pinto, Figueiredo, & Souza, 2013). O fazer do policial envolve condições de trabalho que acarretam sobrecarga física e emocional. Isso, somado à pressão da sociedade que clama por eficiência a todo momento, afeta a saúde, gera desgastes, insatisfação e provoca estresse e sofrimento psíquico (Lipp, 2009).

Os eventos com os quais os policiais necessitam lidar são de vários tipos, devendo intervir em situações de problemas humanos de muito conflito e tensão. O policial deve saber distinguir o bem do mal, tem que decidir, em situações de emergência, entre o legal e o ilegal, o honesto e o desonesto, no exato momento, mesmo que não tenha todas as informações necessárias para uma decisão correta. Como pano de fundo para sua atuação profissional, muitas vezes encontra-se a incerteza e a angústia. Adicionalmente, esses profissionais têm de lidar com hierarquia, grande quantidade de burocracia, desequilíbrio entre recursos e exigências, falta de suporte do sistema policial, falta de preparo e hostilidade dos cidadãos ante a imagem pública da polícia.

Outro estressor intrínseco da profissão é o perigo sempre presente, durante e fora do horário de trabalho e as ameaças que são feitas as suas famílias. Adicionalmente, o estresse pode surgir do desequilíbrio entre a convivência com a família e a carga de trabalho do policial, que tem de estar disponível para as emergências 24 horas por dia. Nem sempre as instituições policiais são sensíveis a esses aspectos familiares da vida do policial, pois, como mencionado por Grzywacz e Carlson (2007), as instituições têm dificuldade em promover a facilitação entre trabalho-família, já que não existe uma conceituação clara sobre quais fatores são críticos para gerar o equilíbrio harmonioso, definido como o preenchimento das expectativas existentes quanto ao papel que cada um tem em relação ao trabalho e à família.

A atividade policial requer que o profissional atue no confronto contra a conduta irregular ou criminosa da sociedade, defendendo seus cidadãos, arriscando a própria vida em prol da defesa da vida do outro. Sua função não se resume apenas ao serviço diário, implica também constante estado de alerta, mesmo nas horas de lazer. A maioria das situações que permeiam o dia a dia do policial são aquelas que exigem resolução imediata e o confronto com a imprevisibilidade e a incerteza. Trata-se de uma atividade de risco, uma vez que esses profissionais lidam com a violência, a brutalidade, a morte de bandidos e a possibilidade de sua própria morte e a de colegas, além das emoções ligadas ao próprio ato de ter de matar alguém durante o policiamento.

Pelas características da profissão, o policial é um forte candidato ao estresse ocupacional, que propicia o surgimento de patologias e disfunções físicas, como hipertensão arterial, úlcera gastroduodenal, obesidade, câncer e doenças dermatológicas, além de transtornos mentais, como depressão, agressividade e até o suicídio (Hartley et al., 2012; WHO, 2010). A possibilidade do suicídio é especialmente preocupante em policiais, uma vez que eles têm acesso fácil a armas (Stuart, 2008). Além do aspecto pessoal, há implicações sérias para a comunidade, uma vez que estudos mostram que policiais com estresse empregam mais violência contra civis (Kurtz, Zavala, & Melander, 2015; Manzoni & Eisner, 2006). Desse modo, torna-se fundamental identificar e tratar o policial que venha a sofrer de estresse em função de sua atividade profissional. Para tanto, o primeiro passo é identificar os policiais que apresentem sintomas significativos de estresse e também os eventos que mais os prejudicam.

Os objetivos do presente estudo foram mapear a prevalência de estresse, sua gravidade, o nível de qualidade de vida e os estressores ocupacionais de policiais do Estado do Mato Grosso. O projeto foi realizado com verba da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso, no período de 2010 a 2012. A pesquisa serviu de base para ações implementadas pela Secretaria de Segurança Pública para a prevenção e o tratamento do estresse de policiais, com o estabelecimento de políticas normativas e medidas práticas.

 

Método

Participantes

Servidores da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, em um total de 1.837 (um mil, oitocentos e trinta e sete) homens e mulheres, oriundos de 33 (trinta e três) regiões do Estado participaram do estudo, distribuídos da seguinte forma: 1.017 (um mil e dezessete) policiais militares (PM), representando 55,36% da amostra; 454 (24,71%) policiais civis (PC); 108 (5,88%) bombeiros militares (CB); 68 (3,70%) peritos criminais (POLITEC) e 190 (10,35%) da área administrativa. A amostra representou 18% de todo o efetivo da Secretaria de Segurança do Estado. O fato de a PM contar com a maior porcentagem era esperado, visto que tem um contingente de servidores consideravelmente maior do que as demais. Da amostra, 77% eram do sexo masculino e 23% do sexo feminino. A faixa etária dos respondentes variou de 19 a 65 anos, com média de 35,25 anos e desvio padrão de 8,73. No que se refere ao estado civil, 35% se disseram "não casados" e 65%, "casados". Ao todo, 62% tinham nível superior, sendo que a PC e a POLITEC contavam com mais servidores desse nível. A média de tempo no cargo, como um todo, foi de 9 anos, com máximo de 32 anos, mas a maioria estava há aproximadamente 6 anos no cargo. Os dados biográficos foram obtidos imediatamente antes da aplicação dos testes.

Instrumentos

Estresse e sintomatologia. Para a avaliação do estresse foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL; Lipp, 2000) e a Escala Visual Analógica (EVA). O ISSL é um teste psicológico aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia e amplamente utilizado para avaliar a presença de estresse, sua gravidade e a maior vulnerabilidade do respondente, se psicológica ou física. É composto por diferentes conjuntos de sintomas, de acordo com o modelo quadrifásico do estresse (Lipp, 2000), que inclui as fases de alerta, resistência, quase exaustão e exaustão. Permite avaliar tanto sintomas psicológicos como físicos. O respondente é solicitado a indicar se teve ou não o sintoma nas últimas 24 horas, na última semana ou no último mês. Cada quadro se refere a uma das fases do estresse, sendo que os dois primeiros quadros contêm 15 itens e o último (fase de exaustão) 23 itens. A avaliação é realizada em termos de tabelas de porcentagens. No estudo de validação e padronização do ISSL, foi calculado o alfa de Cronbach, obtendo-se um coeficiente alfa de 0,91, portanto, os itens refletem um alto valor para o conceito intencional, qual seja: medir o nível de estresse.

Escala Analógica Visual (EAV). Trata-se de um instrumento que submete ao participante uma linha horizontal não graduada, cujas extremidades correspondem a "pouco estressante" (situada na extremidade esquerda) e o nível mais elevado de estresse, caracterizado como "extremamente estressante" (na extremidade direita). Ao participante é solicitado que marque livremente um ponto que indique o nível de estresse que sente. Essa metodologia de avaliação do estresse foi utilizada previamente em estudos de auto percepção do estresse ocupacional em 19 profissões (University of Manchester, 1987): com juízes (Lipp & Tanganelli, 2002), com policiais (Lipp, 2009), com enfermeiros (Gouveia, Torres, Costa, & Robazzi, 2015) e com trabalhadores da indústria de calçados (Medeiros Neto et al., 2012), entre outros. De acordo com Sousa e Silva (2005), esse instrumento tem sido considerado sensível, simples, reproduzível e universal, ou seja, pode ser compreendido em distintas situações, em que haja diferenças socioculturais dos avaliados.

Qualidade de vida. A qualidade de vida no trabalho (QVT) tem sido objeto de inúmeros estudos, devido as profundas mudanças socioeconômicas patrocinadas pela globalização da economia. Muitos indicadores têm sido utilizados para sua aferição, porém, os instrumentos encontrados para medi-la mostram problemas com relação à definição do constructo QVT e à coerência interna conceitual com os fatores identificados. Alguns instrumentos disponíveis internacionalmente incluem dimensões subjetivas que dificultam o uso em grupos grandes com nível educacional variável (Fleck, 1999).

A presente pesquisa utilizou um questionário simples, o Lipp Inventário de Qualidade de Vida (LIQV; Lipp & Rocha, 1995), com respostas dicotômicas do tipo sim ou não, fácil de ser utilizado em grupo com respondentes de todos os níveis educacionais. O LIQV é composto por quatro dimensões: social, afetiva, profissional e saúde. Exemplos de alguns itens são: na área social, "às vezes sinto que conversar com amigos é uma perda de tempo"; na área da saúde, "vou ao dentista pelo menos uma vez por ano"; na área profissional, "sinto que contribuo para o sucesso de minha empresa"; e na afetiva, "tenho uma pessoa com quem posso me abrir emocionalmente". As respostas indicam a qualidade de vida da pessoa de acordo com a presença de problemas nessas áreas do funcionamento humano (Lipp, 2009; Lipp & Tanganelli, 2002). O estudo da consistência interna mostrou um coeficiente alfa de Cronbach/KR20 de 0,70.

Estressores ocupacionais. Para identificar quais fatores poderiam estar contribuindo para estressar os policiais, foi utilizado o Inventário de Fontes Estressoras no Trabalho (IFET). Trata-se de um questionário com indicação de 63 eventos que ocorrem no exercício da profissão, especificamente construído para cada uma das subamostras com base na literatura pertinente e em um levantamento previamente realizado com cinco integrantes de cada instituição. A consistência interna do IFET foi avaliada obtendo-se um coeficiente alfa de Cronbach/KR20 de 0,91, que indica boa confiabilidade dos itens.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

A presente pesquisa foi realizada como parte de um projeto maior da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso (SS) que visou a criação do Núcleo de Qualidade de Vida responsável pelo estabelecimento de um centro de controle do estresse e da qualidade de vida para atender aos servidores da SS. O projeto foi avaliado e aprovado pela SENASP, que assessora o Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, na definição, implementação e acompanhamento da Política Nacional de Segurança Pública e dos Programas Federais de Prevenção Social e Controle da Violência e Criminalidade.

O secretário de segurança do Estado divulgou o convite para todos os membros das quatro instituições (PM, PC, CB e POLITEC), disponíveis nos dias agendados para o mapeamento, participarem de uma palestra sobre estresse. Os que estavam de licença, de folga ou engajados em atividades de emergência não participaram do estudo. Em dia e hora agendados, foram oferecidas palestras de 60 minutos de duração, visando informar aos participantes sobre qualidade de vida, estresse, medidas profiláticas para evitá-lo e estratégias de manejo de tensões. Após cada palestra, os objetivos da pesquisa eram explicados e o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) era lido em voz alta para o grupo. Ao término da leitura, informava-se aos presentes que quem não desejasse responder poderia ou sair do auditório ou entregar os instrumentos em branco, sem qualquer penalidade ou prejuízo. Quem desejasse participar, assinaria o TCLE e responderia aos questionários. O número de avaliados se constituiu em uma amostra que corresponde a 18% do total da população de servidores da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso na época da avaliação.

Procedimentos de análise de dados

Para descrever o perfil da amostra, segundo as variáveis em estudo, foram feitas tabelas de frequência das variáveis categóricas, com valores de frequência absoluta (n), percentual (%) e estatísticas descritivas das variáveis contínuas, com valores de média, desvio padrão, valores mínimo e máximo, mediana e quartis.

Para comparar as variáveis categóricas entre os grupos, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher, na presença de valores esperados menores que cinco. Para comparar as variáveis contínuas entre dois grupos, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, e entre três ou mais grupos foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, seguido do teste de comparação múltipla de Dunn, devido à ausência de distribuição normal das variáveis. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p<0,05.

A consistência interna dos instrumentos utilizados já havia sido estudada por Lipp (2009) em seu trabalho com delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo, sendo que o coeficiente alfa de Cronbach foi calculado para dados ordinais e o teste Kuder e Richardson Fórmula 20 (KR-20) foi usado para dados dicotômicos. O coeficiente do ISSL foi 0,90 o IFET obteve um coeficiente de 0,97 e o LIQV com coeficiente alfa de 0,82 revelando uma consistência interna acima de 0,70 que indica consistência apropriada. Os dados dos servidores administrativos não serão apresentados separadamente porque serão objeto de estudos posteriores.

 

Resultados e discussão

Avaliação do nível de estresse

Analisando as quatro instituições, verificou-se que 52% dos avaliados apresentavam sintomas significativos de estresse, o que ultrapassa de modo significativo a média do país, que é 35% (Lipp, 2016). A diferença quanto ao índice de estresse nas polícias é significativa (χ2=12,78; gl=3; p=0,005). A Tabela 1 mostra as porcentagens de servidores de cada uma das quatro instituições com e sem estresse. Pode-se verificar que a POLITEC conta com um índice maior de pessoas estressadas (61,76%), seguida pela PC (56,83%) e, depois, da PM (50%). O CB conta com o menor índice (41,67%). Isso, no entanto, não deve ser interpretado como satisfatório, pois mesmo que os bombeiros contem com menos servidores estressados, ainda assim a porcentagem de estresse entre eles ultrapassa muito a média nacional.

 

 

Na Tabela 2 pode-se verificar as porcentagens de servidores que se encontram em cada fase do processo do estresse. Considerando os avaliados que tinham estresse, verifica-se que 3% estavam na fase inicial (alerta), 75,5% se encontravam na fase intermediária (resistência), 6,12% já apresentavam sintomatologia típica da fase grave de quase exaustão e 9,5% estavam na mais grave e comprometedora, que é fase de exaustão. Há uma diferença significativa entre as instituições quanto à distribuição dos servidores por fase do estresse(χ2=31,70; gl=12; p=0,002).

 

 

Esses dados inspiram cuidados quando se considera que estão acima da média brasileira de percentual de pessoas com estresse, que é de 35% no geral. O trabalho representa um valor importante nas sociedades ocidentais contemporâneas, exercendo influência considerável sobre a motivação dos trabalhadores, assim como sobre sua saúde, satisfação e produtividade (Morin, 2001). O número tão significativo de trabalhadores sofrendo, em conjunto, um alto nível de estresse, indica a necessidade de medidas antiestresse, para oferecer a essa população alívio do estresse excessivo que está encontrando em seu ambiente de trabalho.

Sintomatologia do estresse

Foi realizada uma análise dos sintomas detectados. No geral, a maioria dos servidores tem mais sintomas de origem psicológica (61,88%), embora muitos (29,12%) tenham sintomatologia de natureza física e 9% tenham sintomas dos dois tipos. A natureza dos sintomas encontrados se assemelha a que Catano et al. (2007) encontraram em professores no Canadá, embora os policiais tenham mostrando índices muito maiores desses sintomas.

Os cinco sintomas mais frequentemente assinalados pelos policiais, considerando-se as instituições conjuntamente, foram: sensação de desgaste físico constante (52,33%), tensão muscular (50,74%), problema com a memória (43,38%), cansaço mental (43%) e insônia (33%). Em média, foram detectados 12 sintomas de estresse por servidor (DP=9), havendo casos de policiais com 60 sintomas significativos. Os sintomas detectados em um número significativo de policiais e a incidência de estresse verificada têm implicações para o nível atual e futuro da atuação da Secretaria de Segurança Pública. Esses sinais revelam que um número grande de policiais está funcionando em termos da fase de resistência, que é aquela durante a qual a pessoa ainda produz, porém com dificuldades. Isso significa que muitos servidores estão tendo que dispensar um esforço acima da média para lidar com fatores estressantes presentes em suas vidas.

Alguns deles já ultrapassaram seu limite, aqueles que já se encontram nas fases avançadas do estresse. Essas são pessoas que não conseguiram lidar com tanta tensão e evoluíram para as fases de quase exaustão e exaustão, respectivamente. À luz dos trabalhos da canadense Morin, Tonelli e Pliopas (2007), que tem pesquisado o sentido do trabalho ou bem-estar psicológico no trabalho, há que se entender que tais níveis de estresse precisam ser reduzidos para que não ocorra decréscimo na produtividade e aumento no índice de acidentes e erros, uma vez que o estresse excessivo reduz substancialmente o poder de produzir, de criar e decidir do ser humano.

Necessário se torna enfatizar o que significa a fase de exaustão. Esse é o estágio mais avançado do estresse, caracterizado por doenças, queda significativa de produtividade, depressão, angústia, desânimo e incapacidade para trabalhar adequadamente. Trata-se de uma fase que exige cuidados de especialistas na área do estresse, sem os quais a recuperação é lenta (Lipp, 2016). No caso em pauta, 6,12% e 9,5% dos que estavam estressados se encontram nas duas fases mais graves do estresse (quase exaustão e exaustão).

Autopercepção do estresse ocupacional

Como mencionado por Morin (2001, 2004), compreender os sentidos do trabalho é um desafio importante para os administradores, tendo em vista as múltiplas transformações que atingem as organizações e a sociedade no geral. Sendo assim, é importante verificar como os trabalhadores percebem seu trabalho. A EVA permitiu verificar a percepção que os policiais tinham quanto ao estresse ocupacional que o exercício do cargo envolve. A média da nota aferida à atividade profissional foi 7,03 (DP=2,27).

Os quatro grupos consideraram o exercício da sua atividade profissional estressante, porém, os membros da PM avaliaram seu exercício profissional como mais estressante (7,37), um pouco abaixo da citada por policiais no estudo do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester (University of Manchester, 1987), que foi 7,5, e por delegados de polícia do Estado de São Paulo, que também foi 7,5. Note-se que a presente pesquisa não envolveu somente delegados de polícia, que se constituem na liderança da PC, mas todos os tipos de policiais, desde soldados PM até oficiais de alto escalão. A diferença registrada provavelmente se deve ao nível de responsabilidade, que, segundo pesquisas, influem negativamente no nível de estresse ocupacional (ILO, 2016).

A fim de se verificar se havia correlação entre a nota de estresse ocupacional auto atribuída e a nota de estresse obtida no teste especializado (o ISSL), que permite o diagnóstico preciso dessa condição, aplicou-se o teste estatístico de Mann-Whitney. Os resultados indicaram que, quanto mais elevada era a nota dada na EAV, mais sintomas os respondentes tinham, indicando uma associação significativa (p<0,001) entre os dois instrumentos utilizados, o ISSL (medida objetiva) e a EAV (medida subjetiva). Indicam também que o trabalhador estressado tem uma percepção realística de sua condição, conforme já encontrado por Gouveia et al. (2015) em sua pesquisa com enfermeiros.

Estressores ocupacionais mais frequentes

Foi realizada uma análise das respostas dadas pelos respondentes quanto a que fatores estressantes estavam presentes em seu trabalho e qual o nível de tensão criado em cada um. Na média, o número de fontes de estresse mencionadas foi 44 (DP=16), com alguns policiais assinalando todas as 63 fontes. Verificou-se que o estressor mais frequentemente mencionado pela PM (95%) e pela POLITEC (82,46%) foi "não receber o apoio dos superiores", seguido de "tomar conhecimento de interpretações erradas da mídia" (94,70% na PM e 79,83% na POLITEC) e "ver a polícia sendo criticada publicamente" na PC (90%). Quanto ao CB, 94% dos avaliados indicaram como maiores estressores "ver a morte de pessoas que não conseguiu salvar", "não conseguir realizar socorros de urgência em um momento de necessidade" e "mudança de escala sem aviso prévio". Noventa e dois por cento deles assinalaram também como grande fonte de estresse ocupacional "receber treinamento insuficiente ou inadequado".

Uma fonte de estresse considerável e que merece atenção da instituição é a falta de equipamento adequado para desempenhar as funções diárias, mencionada por 94,64% dos policiais. Nesse cenário, pode-se inferir que a capacidade para o trabalho desses profissionais possa sofrer redução. Para Martinez e Latorre (2006), o conceito de capacidade para o trabalho diz respeito à capacidade que o trabalhador tem para executá-lo em função das exigências a ele inerentes, de seu estado de saúde e de suas capacidades físicas e mentais. A organização de trabalho deve oferecer a possibilidade de praticar as competências do trabalhador de modo que os resultados pretendidos sejam possíveis de alcançar sem a perda da

saúde e da qualidade de vida do trabalhador.

O estresse, quando excessivo, interfere no pensamento lógico e dificulta as tomadas de decisão, que, muitas vezes, acabam sendo erradas. Saber controlar o estresse e as emoções em momentos difíceis nos quais as decisões precisam ser tomadas, certamente reduzirá a tensão experimentada e facilitará as decisões urgentes.

As informações geradas pelo mapeamento das fontes de estresse ocupacional merecem atenção especial, pois revelam o que os entrevistados percebem como mais estressante para eles no dia a dia do trabalho. Os estressores mais frequentes em cada organização foram apontados por mais de 75% dos respondentes, alguns por mais de 90% deles, portanto, existe consenso quanto a que, de fato, estejam ocorrendo. Esses itens apontam para a necessidade de reflexão dos dirigentes quanto às políticas que estão em vigor. Há consenso sobre a dificuldade interpessoal que enfrentam com os superiores, como falta de reconhecimento, falta de apoio e o problema de equipamento de má qualidade ou danificado que interfere no desempenho profissional.

Muito embora alguns dos estressores mencionados não possam ser evitados, como, por exemplo, "ver a polícia ser criticada publicamente" ou "interpretação errônea da mídia", há outras variáveis passíveis de reestruturação e melhora. As respostas fornecidas aos questionários foram analisadas para se verificar a auto percepção dos policiais quanto ao número de fontes de estresse ocupacional que enfrentam no exercício do seu trabalho. Apurou-se que 49% consideravam que as fontes são excessivas e 9% consideravam que são poucas, sendo que 78% classificaram as fontes como de estresse ocupacional no seu dia a dia como muitas ou excessivamente numerosas.

Visando uma reflexão mais profunda, foi realizada uma análise estatística da relação entre número de fontes de estresse ocupacional e nível de estresse diagnosticado. Apurou-se que há uma associação significativa entre as duas variáveis (χ2=39,60; gl=3; p<0,001), de modo que, quanto mais fontes de estresse ocupacional o policial tem, mais estresse ele apresenta.

Intensidade do estresse gerado pelos estressores ocupacionais

Analisou-se também a intensidade da tensão atribuída pelos entrevistados aos estressores ocupacionais com os quais lidavam. As respostas dadas foram classificadas em termos de intensidade em: baixa, controlável, alta, ou excessiva dependendo da nota atribuída pelos respondentes. Verificou-se que 8,33% as classificaram como sendo de níveis de intensidade excessivo e 36,76% as considera de alta intensidade. A análise da associação entre intensidade dos estressores e sintomatologia do estresse diagnosticada revela haver uma relação significativa (χ2=60,27; gl=3; p<0,001), de modo que, quanto mais intensas as fontes são para o policial, mais sintomas de estresse ele tem.

Há uma diferença significativa na percepção das quatro forças (χ2=139,69; gl=9; p<0,001), sendo que os integrantes do CB e da PM avaliam os estressores ocupacionais como mais intensos do que a PC e a POLITEC. Chama a atenção o fato de que, embora os integrantes da POLITEC tivessem mostrado maiores índices de estresse, eles, paradoxalmente, avaliaram a frequência de seus estressores ocupacionais como menos numerosos e também avaliaram como menos intensas suas fontes de estresse no trabalho. Algumas hipóteses podem ser levantadas. Poderia estar ocorrendo que membros da POLITEC tivessem fontes de estresse de natureza pessoal, nesse caso o estresse registrado não seria ocupacional apenas, mas teria em seu bojo uma contribuição de fatores externos ao trabalho exercido, como, por exemplo, dificuldades pessoais, familiares, sociais, etc. Outra hipótese a ser considerada é que a sobrecarga de trabalho por eles frequentemente mencionada, embora sendo contada como somente uma fonte, possa ser de tal magnitude que justifique o estresse detectado. De todo modo, considerando-se uma ou outra hipótese, o grupo necessita de apoio para melhor lidar com o estresse presente, uma vez que o tipo de trabalho que exercem exige concentração, poder de raciocínio aguçado e tomadas de decisão precisas, além do fator humano que é o sofrimento que apresentam.

Qualidade de vida

Na mostra total encontrou-se que 164 servidores tinham excelente qualidade em todos os quadrantes. Os demais variaram quanto a ter boa qualidade em uma ou outra das quatro áreas pesquisadas. Considerando a importância da qualidade de vida para o funcionamento humano no geral, procedeu-se a análise estatística da influência do número de fontes de estresse ocupacional na qualidade de vida. Os resultados indicaram uma associação significativa nos quatro domínios: área social (χ2=90,13; gl=1; p<0,001), afetiva (χ2=74,87; gl=1; p<0,001), profissional (χ2=60,70; gl=1; p<0,001) e da saúde (χ2=158,07; gl=1; p<0,001), sendo que os com estresse tinham pior qualidade de vida nesses quadrantes. Essa influência negativa do estresse foi detectada desde a área social, na qual o impacto foi menor, aumentada nas áreas afetiva e profissional e se mostrou marcante na área da saúde.

Os dados confirmam os resultados de Clark et al. (2011), que encontraram uma associação significativa entre níveis de estresse e baixa qualidade de vida em um estudo com 13.000 trabalhadores nos EUA. Na presente pesquisa, a área social e a afetiva foram as menos prejudicadas, indicando que o equilíbrio entre família e trabalho não é sempre um fator negativo. Alguns autores, como Carlson, Kacmar, Wayne e Grzywacz (2006), sugerem que pode haver uma interface positiva entre as duas situações, de modo que o envolvimento em uma área possa ter repercussões positivas na outra, em uma sinergia entre os dois domínios em que há uma influência positiva do envolvimento do indivíduo em um domínio na outra faceta da vida.

A baixa qualidade de vida no campo profissional encontrada revelou insatisfação no trabalho merecedora de atenção. A área da saúde contou com poucas pessoas com sucesso, isto é, com condições de saúde satisfatórias, o que é preocupante, uma vez que a saúde é variável fundamental para todo o funcionamento humano de qualidade. O estudo de Clark et al. (2011) também detectou prejuízos na saúde de trabalhadores estressados que apresentaram vários sintomas como os da presente amostra, como: sensação de desgaste físico, constante tensão muscular, problema com a memória, cansaço mental e insônia, mostrando a universalidade das consequências resultantes de altos níveis de estresse.

Averiguou-se também se a intensidade percebida dos estressores presentes afetaria a qualidade de vida dos policiais, encontrando-se uma associação significativa entre percepção da gravidade dos estressores e qualidade de vida na área social (χ2=48,85; gl=3; p<0,001), afetiva (χ2=15,97; gl=3; p=0,001), profissional (χ2=69,32; gl=3; p<0,001) e da saúde (χ2=40,82; gl=3; p<0,001).

O nível de estresse detectado entre os avaliados foi alto, com 52% dos respondentes mostrando sinais acentuados de tensão excessiva. Fica claro que um grande número de policiais, de todas as quatro instituições, não estava conseguindo lidar com o estresse que a profissão acarreta. Isso indica a necessidade da promoção, manutenção e expansão do treinamento especializado no controle do estresse a fim de se evitar, em primeiro lugar, danos para a saúde dos avaliados e, adicionalmente, prevenir uma possível queda na produtividade e na eficiência da segurança pública do Estado do Mato Grosso. Há um número significativo de policiais já nas fases de quase exaustão e exaustão e, portanto, devem estar experimentando dificuldades quanto a bem-estar, tomadas de decisão e eficiência. Esses policiais precisariam receber tratamento adequado. Os que não estão na fase avançada do estresse, necessitam de treinamento no manejo do estresse a fim de que não venham a desenvolver estresse patológico.

Deve-se lembrar de que o índice de estresse na população geral do Brasil é de 35%, e, por comparação, o estresse dos policiais avaliados está excessivo, o que dá margem a se levantar a hipótese de que, se o nível de estresse continuar tão alto por um período prolongado, é provável que os policiais venham a cometer erros e sofrer quedas de eficiência ou acidentes de trabalho, uma vez que o estresse excessivo interfere com a produtividade, a criatividade, o poder de concentração e de raciocínio lógico das pessoas. Esse conjunto de dificuldades propicia problemas para tomada de decisão rápida e eficiente, que é, sem dúvida, uma das exigências do exercício da profissão do policial.

O fato de o índice de estresse da amostra avaliada estar acima da média nacional leva a se concluir que pelo menos parte do estresse detectado deve ser oriundo especificamente de fontes ligadas ao trabalho. O estresse já é considerado pela legislação previdenciária brasileira, desde 1999, como doença ocupacional (Lei 3.048/1999). Nesse sentido, torna-se relevante observar que os respondentes indicaram considerar sua profissão como estressante (7,03 em uma escala até 10). As pesquisas na área indicam que o acúmulo de estressores tem um efeito em longo prazo. É possível que os servidores da Secretaria de Segurança Pública estejam vivenciando não só problemas de grande seriedade, como exigido pela profissão, mas também que desafios de porte menor estejam sendo apresentados com frequência acima do gerenciável. A sobrecarga de trabalho é uma realidade mencionada pela maioria nas quatro Instituições (75%), conforme o mencionado no relatório sobre medidas a se-rem tomadas pelas instituições de trabalho para proteger a saúde dos trabalhadores, publicado por González, Cockburn e Irastorza (2012). Esse é um dos aspectos que mais carecem de atenção em nível organizacional.

É cauteloso considerar, em termos de planejamento quanto à qualidade de vida dos servidores, que a manutenção de níveis de estresse altos, como os verificados, por um período prolongado pode interferir com a produtividade, a criatividade, o poder de concentração e de raciocínio lógico, o que propicia o aparecimento de problemas para a produção eficiente e sistemática (Zanelli, 2009). Pode também significar uma alta em custos médicos, erros, licenças médicas, farmacodependência e absenteísmo, conforme enfatizado pela ILO (2016). Nesse sentido, é importante considerar que o custo das ações de promoção da capacidade para o trabalho como forma de prevenir doenças e acidentes é menor quando comparado ao custo dos tratamentos, portanto, além dos benefícios humanos, ações de contenção do estresse podem também gerar considerável economia para as instituições, conforme relatado por Clark et al. (2011).

O maior problema encontrado foi na área da saúde, na qual 75% dos avaliados têm hábitos de vida preocupantes e qualidade de vida ruim. Entre os diversos fatores que afetam a capacidade para o trabalho, considerada como resultante de um processo dinâmico entre recursos do indivíduo em relação ao seu trabalho, a saúde é considerada um dos principais determinantes da capacidade para o trabalho. Os efeitos negativos sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, decorrentes tanto de processos organizacionais inadequados como da exposição a elevadas cargas no trabalho, estão consistentemente relatados na literatura (Vasconcelos & Faria, 2008). O papel da saúde física sobre a capacidade para o trabalho está comprovado, em especial no que diz respeito à capacidade funcional e à presença de doenças. A capacidade funcional tem pa-pel significativo sobre o desgaste do trabalhador, pois se relaciona ao desempenho das demandas do trabalho.

Há também que se considerar o fato de que 41% da amostra dos servidores relatam má qualidade de vida na área profissional. Considerando que a satisfação no trabalho é atualmente tida como variável determinante do sucesso e da sensação de bem-estar do ser humano, medidas ocupacionais necessitam serem tomadas para que as condições de trabalho desses policiais sejam aliviadas e que não só tenham orgulho do trabalho que desempenham, mas que também sintam que suas condições de trabalho são justas e adequadas. Já em 2001, Morin apontava que os momentos de transformação constituem, potencialmente, uma oportunidade para reorganizar o trabalho de tal forma que a qualidade de vida e a eficácia organizacional sejam melhoradas. Considerando-se a crise atual no Brasil e as profundas transformações por que a sociedade brasileira está passando, há que se utilizar as forças sociais atuantes para que as características que se atribuem a um trabalho que tem sentido possam orientar as decisões e as intervenções dos responsáveis pelos processos de transformação organizacional. No caso dos policiais, essa oportunidade poderá ser utilizada para a melhoria não só da qualidade de vida dos servidores de segurança pública, mas também para aprimorar o serviço que prestam na defesa e proteção dos cidadãos que atendem.

Não há dúvida de que a manutenção da capacidade para o trabalho tem consequências positivas na determinação da saúde, do bem-estar e da empregabilidade dos trabalhadores, com benefícios para as organizações e para a sociedade em função de seus impactos sobre a produtividade, o absenteísmo e sobre os custos sociais decorrentes das licenças por incapacidade, como concluído por Martinez, Latorre e Fischer (2010) em seu estudo de revisão de literatura envolvendo 39.898 participantes.

Como todo trabalho de pesquisa, algumas limitações existem na presente pesquisa, como o fato de os dados coletados serem autorrelatados e, portanto, sujeitos ao viés decorrente. Além disso, como os participantes responderam aos questionários imediatamente após a palestra sobre estresse, poderia ter havido um viés em algumas respostas devido a sua influência. Embora possa ter ocorrido em parte, o padrão de respostas da amostra mostrou consistência nas respostas de um grande número de participantes, de modo que não deve ter havido viés significativo decorrente das limitações apontadas.

Os dados obtidos têm relevância porque fornecem compreensão sobre uma classe ocupacional de fundamental importância para a sociedade, suas apreensões, angústia e as possíveis consequências do estresse excessivo não só para a saúde e qualidade de vida dos policiais, mas também para os cidadãos que necessitam dos serviços de profissionais calmos, sensatos e saudáveis.

O alto nível de estresse encontrado em um grande número de policiais pode, eventualmente, levar à redução de produtividade e prejudicar a habilidade de tomada de decisão em momentos críticos. Os resultados revelam a necessidade de campanhas preventivas que possam colaborar para a aquisição de estratégias de enfrentamento do estresse ocupacional e a consequente redução do nível de estresse detectado. Indicam também o quanto são necessários programas de controle do estresse para os policiais já sofrendo de estresse ocupacional excessivo. É importante que mudanças organizacionais sejam implantadas com o objetivo de se ter um corpo policial capaz de desenvolver suas competências por meio do apoio e do reconhecimento de seu valor por seus superiores. A valorização do policial e do papel que exerce na sociedade são pontos fundamentais em qualquer programa de ação que vise reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida dessa classe ocupacional.

Futuros estudos necessitam expandir os dados obtidos, averiguando a diferença em níveis de estresse e qualidade de vida entre policiais dos dois sexos e também aprofundando a influência que os estressores ocupacionais têm no equilíbrio trabalho-família, dependendo do sexo do policial. Adicionalmente, seria interessante averiguar se o sentido do trabalho se correlaciona com níveis diferenciados de estresse e qualidade de vida dos policiais.

 

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Endereço para correspondência:
Marilda E. Novaes Lipp
Rua Camargo Paes, 538
Campinas, SP, Brasil 13073-350
E-mail: mlipp@estresse.com.br

Recebido em: 14/06/2016
Primeira decisão editorial em: 08/07/2016
Versão final em: 27/07/2016
Aceito em: 27/07/2016

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