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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.3 Brasília july/Sept. 2017

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.3.12931 

Relações entre adaptabilidade de carreira e traços patológicos da personalidade em trabalhadores brasileiros

 

Relationships between career adaptability and pathological personality traits in brazilian workers

 

Relaciones entre la capacidad de adaptación de profesión y características patológicas de la personalidad en trabajadores brasileños

 

 

Lucas de Francisco Carvalho; Thaline da Cunha Moreira; Rodolfo Augusto Matteo Ambiel

Universidade São Francisco, Itatiba, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Alguns estudos são encontrados entre personalidade e adaptabilidade de carreira, porém ainda é escassa esta relação com traços patológicos. O objetivo desta pesquisa foi verificar a relação entre a adaptabilidade de carreira e traços patológicos da personalidade em uma amostra de trabalhadores brasileiros. Participaram 342 indivíduos entre 17 e 59 anos de idade (M=26,5 e DP=9,13), predominantemente do sexo feminino (66,03%). Todos tinham vínculo empregatício há pelo menos 1 ano. Eles responderam a Career Adapt-Abilities Scale (CAAS-Brasil) e o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade-2 (IDCP-2). Algumas hipóteses levantadas no estudo foram corroboradas por meio da correlação e análise de regressão com a amostra toda, porém mais hipóteses foram corroboradas quando somente parte da amostra, grupos extremos, foi utilizada. Discute-se a implicação dos dados encontrados e especificidades do estudo, mas de modo geral corroborou-se a ideia da relação negativa entre capacidade adaptativa em contexto de carreira com traços patológicos da personalidade.

Palavras-chave: transtornos da personalidade; profissões; desenvolvimento profissional.


ABSTRACT

The literature offers studies relating personality traits and career adaptability, but little is known about these relationships in cases of pathological personality traits. This research aimed to verify the relationship between career adaptability and pathological personality traits in a sample of Brazilian workers. Participants were 342 individuals between 17 and 59 years old (M = 26.5, SD = 9.13), predominantly female (66.03%). All participants had been employed for at least 1 year. Participants answered the Brazilian version of the Career Adapt-Abilities Scale (CAAS-Brazil) and the Dimensional Clinical Personality Inventory 2 (IDCP-2). Some hypotheses were corroborated using correlation and regression analysis with the total sample, but we observed that more hypotheses were confirmed when only extreme groups were considered. We discuss the implications of the data findings and specifics of the study. In general, the idea of the negative relationship between adaptive capacity in a career context and pathological personality traits was supported.

Keywords: personality disorders; professions; professional development.


RESUMEN

Algunos estudios se encuentran entre la personalidad y la capacidad de adaptación de profesión, pero esta relación todavía es escasa con rasgos patológicos. El objetivo de este trabajo es investigar la relación entre la adaptabilidad de profesión y los rasgos patológicos de la personalidad en una muestra de trabajadores brasileños. Participaron 342 individuos con edad entre 17 y 59 años (M = 9.13, SD = 26,5), predominantemente femenina (66,03%). Todos los participantes trabajan hacía, por lo menos, un año. Ellos respondieron Career Adapt-Abilities Scale (CAAS-Brasil) y el Inventario Dimensional Clínico de la Personalidad-2 (IDCP-2). Algunas hipótesis levantadas durante el estudio fueron corroboradas por medio de la correlación y análisis de regresión con toda la muestra, pero fueron corroboradas otras hipótesis cuando solo una parte de la muestra (los grupos extremos) fue utilizada. Se discute la implicación de los datos hallados y especificidades del estudio, pero de modo general se corroboró la idea de la relación negativa entre la capacidad de adaptación en el contexto de la profesión con los rasgos patológicos de personalidad.

Palabras-clave: trastornos de la personalidad; profesiones; desarrollo profesional.


 

 

No processo de desenvolvimento de carreira, alguns estudos e modelos sugerem a ligação entre as predisposições (também entendidas como as características de personalidade) e o comportamento do indivíduo (mais especificamente os relacionados à carreira), que pode ser mediado por processos de autorregulação, como, por exemplo, a adaptabilidade de carreira (Fiorini, Bardagi, & Silva, 2016; Rossier, 2015). Observam-se, assim, relações entre os traços de personalidade e os aspectos da adaptabilidade de carreira. Contudo, geralmente o foco dado para a verificação dessas relações contempla somente características saudáveis da personalidade, marginalizando o funcionamento mais patológico (Rudolph, Lavigne, & Zacher, 2016). Com isso, o presente estudo tem por objetivo investigar as relações entre adaptabilidade de carreira e traços patológicos da personalidade.

A adaptabilidade de carreira foi proposta por Super e Knasel (1981) como uma forma de abranger o desenvolvimento de carreira em adultos, uma vez que anteriormente o ponto central desse processo era o conceito de maturidade vocacional, aplicada apenas em adolescentes. A partir das postulações de Super (1980) quanto à teoria Life-Span,Life-Space, bem como da teoria de construção de carreira, proposta por Savickas (1997, 2005), a noção de adaptabilidade de carreira foi refinada (Ambiel, 2014). Segundo Savickas (1997), a adaptabilidade de carreira diz respeito à capacidade das pessoas de lidar com as situações previsíveis e imprevisíveis relacionadas a transições profissionais.

A adaptabilidade de carreira se trata de uma competência psicossocial, de forma que o seu desenvolvimento pode ocorrer por meio dos aspectos interiores e exteriores, não estando centralizados apenas no indivíduo, mas também considerando a sua relação com o ambiente (Savickas & Porfeli, 2012). É a partir de quatro dimensões, conhecidas como os 4Cs, que ela é compreendida. A primeira dimensão é preocupação (Concern) e diz respeito às atitudes das pessoas em relação ao planejamento, à preparação e à própria preocupação com o seu futuro profissional; a segunda dimensão, controle (Control), refere-se à postura de ser o responsável por sua carreira; a terceira dimensão é curiosidade (Curiosity) e se refere à exploração de novos caminhos, sendo eles uma descoberta dos aspectos internos e externos da pessoa; e a quarta dimensão, confiança (Confidence), diz respeito ao quanto os indivíduos se percebem capazes para persistirem em seus objetivos (Audibert & Teixeira, 2015; Savickas & Porfeli, 2012).

Devido à relevância desse conceito para o contexto de carreira, a partir de 2008 um grupo de psicólogos vocacionais de diversos países se reuniu para desenvolver juntos uma medida da adaptabilidade de carreira. Inicialmente, definiram que essa medida da adaptabilidade seria construída em inglês, para posteriormente ser traduzida para a língua específica de cada país. Com base nos 4Cs (Concern, Control, Curiosity e Confidence), os itens foram elaborados, passando depois por estudos pilotos que deram origem ao Career Adapt-Abilities Scale (CAAS) (Savickas & Porfeli, 2012).

A adaptação da CAAS para o Brasil ocorreu a partir da versão de Portugal, que apresentou ajustes adequados, estando de acordo com a CAAS-internacional. Após a publicação da CAAS-Brasil, foram feitos novos estudos e revisões que resultaram na sua versão mais atual, composta por 24 itens distribuídos nas quatro dimensões referentes à adaptabilidade de carreira, com fidedignidade obtida pelo alfa de Cronbach variando entre 0,83 e 0,89 (Audibert & Teixeira, 2015).

A CAAS vem sendo aplicada em diversos países, especialmente com a intenção de verificar as propriedades psicométricas das versões adaptadas (p. ex., Dries, Esbroeck, Vianen, Cooman, & Pepermans, 2012; Duarte et al., 2012). Nesses casos, a adaptabilidade de carreira tem sido relacionada a variados construtos como autoeficácia (Guan et al., 2013), ansiedade e motivação (Pouyaud, Vignoli, Dosnon, & Lallemand, 2012), qualidade de vida e percepção de barreiras (Soresi, Nota, & Ferrari, 2012).

Entre os construtos com os quais a adaptabilidade de carreira tem sido investigada, também se encontra a personalidade, mais especificamente com o modelo dos cinco grandes fatores (ou Five-Factor Model - FFM). Nos estudos de Li et al. (2015), Nilforooshan e Salimi (2016) e Vianen, Klehe, Koen e Dries (2012) foram encontradas correlações significativas e positivas entre as dimensões da adaptabilidade de carreira e os traços abertura à experiência, extroversão, conscienciosidade e agradabilidade, já com o fator neuroticismo a relação foi negativa. Da mesma forma, utilizando a versão brasileira da CAAS, Bardagi e Albanaes (2015) e Teixeira, Bardagi, Lassance, Magalhães e Duarte (2012) também verificaram o mesmo padrão de correlação. Na metanálise conduzida por Rudolph et al. (2016), os mesmos padrões foram também verificados. Na pesquisa de Rossier, Zecca, Stauffer, Maggiori e Dauwalder (2012), também foram encontradas correlações positivas entre os traços extroversão e conscienciosidade com as dimensões preocupação, controle e confiança e correlações negativas com o fator neuroticismo. Além disso, também foi observado o papel mediador da adaptabilidade de carreira entre personalidade e engajamento no trabalho.

Como se pode observar, há uma quantidade razoável de estudos relacionando traços saudáveis de personalidade, no geral provindos do FFM, com a adaptabilidade de carreira, utilizando a CAAS. No entanto, são encontrados poucos estudos na literatura relacionando a adaptabilidade de carreira com traços não adaptativos da personalidade, apesar de existirem expectativas a priori indicando que traços desadaptativos da personalidade devem impactar no funcionamento do indivíduo nas diversas áreas da sua vida (Millon, 2011), incluindo o contexto laboral. Por exemplo, Rusu, Mãirean e Mãgurean (2015) encontraram relações entre a CAAS e estilos adaptativos de mecanismos de defesa, mas não com os estilos desadaptativos dos mecanismos.

Considerando a avaliação no contexto do trabalho de forma mais ampla, Wille, De Fruyt e Clercq (2013) avaliaram as tendências de personalidade extravagantes no trabalho. Os traços de personalidade extravagantes podem ser definidos como aspectos da personalidade que, apesar de não conduzirem a um funcionamento prejudicial, podem acarretar uma dificuldade para adaptação às demandas do cotidiano. Por se tratar de um estudo longitudinal, a investigação ocorreu em uma amostra de alunos universitários que participaram novamente da pesquisa após 15 anos, quando já estavam com a carreira profissional encaminhada. Os resultados apontaram que as tendências de personalidade extravagantes foram estáveis ao longo do tempo. As tendências aos traços patológicos esquiva/evitativo, borderline e esquizotípico se associaram negativamente com os resultados extrínsecos (objetivos) e intrínsecos (subjetivos) de carreira, e os indivíduos com características narcisistas e antissociais apresentaram uma maior tendência à realização financeira. Com essa pesquisa, os autores ressaltam a importância da avaliação desses traços e tendências para o ambiente de trabalho e desenvolvimento de carreira. Não foram encontrados estudos com amostras brasileiras investigando relações entre traços patológicos da personalidade e adaptabilidade de carreira.

Apesar do número restrito de estudos investigando as relações entre adaptabilidade de carreira e traços patológicos da personalidade, partindo dos dados encontrados com a manifestação saudável dos traços, é de se esperar que, se por um lado esses traços aparecem como facilitadores para os processos relacionados à adaptabilidade de carreira (Rossier, 2015), por outro, traços patológicos podem funcionar como dificultadores. Buscando investigar essas questões, a presente pesquisa tem por objetivo verificar a relação entre a adaptabilidade de carreira e os aspectos patológicos da personalidade em uma amostra brasileira. Diante da escassez de estudos na área, o que não permitiu o estabelecimento de hipóteses com base diretamente empírica, as hipóteses deste estudo foram levantadas com base na leitura das definições das dimensões que compõem cada instrumento utilizado: o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade (IDCP-2) e a versão brasileira da CAAS-Brasil. O IDCP-2 é composto por 12 dimensões, sendo que cada uma se subdivide em alguns fatores, já a CAAS-Brasil é formada por quatro fatores. Na Tabela 1, são apresentadas as relações conceituais entre as variáveis dos instrumentos, bem como uma breve descrição das dimensões e dos fatores.

 

 

Método

Participantes

Fizeram parte da amostra 342 pessoas, com idades variando entre 17 e 59 anos (M = 26,5 e DP = 9,13), sendo 66,03% do sexo feminino. Desses participantes, 26,2% afirmaram fazer ou já ter feito tratamento psicológico, 7,2% relataram ter feito ou ainda estar fazendo tratamento psiquiátrico, e 2,9% disseram usar algum medicamento psicotrópico. Quanto ao nível de escolaridade, a maioria possuía ensino superior incompleto, pois ainda estavam cursando uma faculdade, sendo que a maior parte desses alunos pertencia à área de humanas. Todos os participantes tinham vínculo empregatício há pelo menos um ano, com média igual a 32 meses.

Instrumentos

Career Adapt-Abilities Scale (CAAS-Brasil)

A CAAS-Brasil se trata da tradução apresentada por Teixeira et al. (2012) e tem por objetivo avaliar as habilidades das pessoas em se adaptar e gerenciar tarefas críticas de transições de carreira. A escala é composta por 24 itens, com chave de resposta em escala Likert de cinco pontos (sendo 1 = muito pouco, 2 = pouco, 3 = medianamente, 4 = bastante e 5 = plenamente). Os itens são distribuídos em quatro dimensões, a saber: Preocupação, Controle, Curiosidade e Confiança, além de um escore geral. Os resultados da análise fatorial confirmatória indicaram o ajuste dessa estrutura, com RMSEA = 0,0559 e SRMR = 0,047, que são considerados adequados e semelhantes ao modelo internacional. Além disso, os índices de precisão variaram entre 0,76 a 0,82 para os fatores, e o escore geral foi 0,91.

Inventário Dimensional Clínico da Personalidade-2 (IDCP-2)

O IDCP-2 se refere a uma revisão das dimensões do IDCP, desenvolvido por Carvalho e Primi (2015), que tem como sustentação estudos revisando cada uma das dimensões (p. ex., Carvalho & Pianowski, 2015; Carvalho & Silva, 2016), nos quais foram encontradas evidências de validade com base na estrutura interna e na relação com variáveis externas e também índices satisfatórios de fidedignidade por consistência interna. É um instrumento de autorrelato que tem como objetivo avaliar os aspectos patológicos da personalidade, por meio de 206 itens distribuídos em 12 dimensões que se subdividem em até seis fatores. No presente estudo, foram utilizadas as seguintes dimensões: (1) Dependência, (3) Instabilidade de humor, (7) Grandiosidade, (9) Evitação social, (11) Conscienciosidade e (12) Impulsividade. Os fatores utilizados foram: (1) Insegurança e Autodesvalorização; (3) Vulnerabilidade e Preocupação ansiosa; (7) Dominância e Superioridade; (9) Preocupação ansiosa e Evitação generalizada; (11) Workaholic e (12) Inconsequência. Ressalta-se que as dimensões apresentadas são aquelas para as quais foram estabelecidas hipóteses na Tabela 1.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

A coleta de dados foi realizada após autorização do Comitê de Ética e somente participaram da pesquisa aqueles que entregaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) assinado pelo responsável ou pelo próprio indivíduo quando maior de 18 anos. A coleta de dados foi realizada em uma universidade particular do interior de São Paulo, com alunos de diversos cursos, sendo predominante o curso de psicologia, em salas de aula. As aplicações foram coletivas, com a autorização prévia do coordenador do curso e do professor em sala de aula e sempre contando com a presença de ao menos um pesquisador, no caso de os respondentes apresentarem dúvidas para responder aos instrumentos, o que praticamente não aconteceu, possivelmente por serem testes de autorrelato.

Procedimentos de análise de dados

Partindo do objetivo deste estudo e utilizando o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), primeiramente foram rodadas análises de correlação de Pearson para toda a amostra, bem como para grupos extremos. Optou-se pela correlação com grupos extremos, na tentativa de otimizar as correlações diante das correlações de baixa magnitude observadas com a amostra total, já que não foram encontradas restrições na variância das dimensões e dos fatores do IDCP-2 e CAAS-Brasil (i.e., todas as variáveis apresentaram as pontuações mínimas e máximas e desvio padrão próximo ou superior a 0,45).

Os grupos extremos foram calculados com base nos percentis 25 e 75 dos fatores da CAAS-Brasil, isto é, o grupo extremo foi composto pelas pessoas com percentil igual ou inferior a 25 nos fatores da CAAS-Brasil e percentil igual ou superior a 75 nos fatores, resultando em uma amostra composta por 60 indivíduos. O grupo extremo foi calculado levando em consideração as naturezas extremas, mas opostas, dos dois instrumentos utilizados, tal qual discutido a seguir.

Também foram procedidas análises de regressão para verificação da capacidade preditiva das dimensões do IDCP-2 aos fatores da CAAS-Brasil, o que possibilitou verificar as relações entre várias dimensões de personalidade com os fatores da adaptabilidade de carreira de maneira simultânea. O conjunto de dimensões preditoras também foi estabelecido com base na Tabela 1, utilizando como variável preditora todas as dimensões da personalidade das quais se esperava alguma correlação com dado fator da CAAS-Brasil. Em todos os casos, utilizamos a magnitude de 0,20 como ponto de corte indicando expressividade das relações, no caso das análises de correlação (Hemphill, 2003).

 

Resultados

Para os objetivos desta pesquisa, foi utilizada a correlação para investigar as relações entre os construtos, conforme hipóteses previamente apresentadas. Na Tabela 2, estão as correlações entre as dimensões do IDCP-2 e os fatores da CAAS-Brasil.

 

 

Observa-se que quatro magnitudes foram significativas e baixas, já que somente duas foram superiores a 0,20. Considerando esses dados e a natureza dos instrumentos utilizados, a correlação foi novamente procedida, entretanto, utilizando grupos extremos de indivíduos. Os grupos extremos (n = 60) foram calculados com base no percentil 25 (grupo extremo inferior) e 75 (grupo extremo superior) em cada um dos fatores da CAAS-Brasil. Os dados estão apresentados também na Tabela 2, dentro dos parênteses. Nota-se que, na maior parte dos casos, a magnitude aumentou para os grupos extremos e também a direção da correlação se manteve a mesma para quase todos os casos. Apesar da tendência para aumento das magnitudes, em ambos os casos duas hipóteses foram confirmadas (quais sejam, relação entre Dependência e Controle e entre Dependência e Confiança). Na Tabela 3, as mesmas análises foram realizadas, contudo, utilizando os fatores que compõem as dimensões do IDCP-2.

 

 

Para as correlações com a amostra total, foi corroborada uma das hipóteses iniciais (i.e., Insegurança com Controle). Já nas correlações realizadas com os grupos extremos nos fatores da CAAS-Brasil, observa-se que quatro hipóteses foram corroboradas, com base nas magnitudes, apesar de algumas dessas magnitudes não apresentarem significância, em função do menor número amostral. Buscando ainda investigar as hipóteses levantadas, foi utilizada a análise de regressão, apresentada na Tabela 4, para a amostra total, e na Tabela 5, com os grupos extremos.

 

 

 

 

Por um lado, a capacidade preditiva das dimensões do IDCP-2 foi baixa para os seguintes fatores da CAAS-Brasil: Preocupação (r2ajustado = 0,008), Controle (r2ajustado = 0,14) e Confiança (r2ajustado = 0,09). Por outro, observa-se que algumas dimensões patológicas da personalidade apresentaram carga significativa para predição dos componentes da adaptabilidade de carreira (sendo Evitação a críticas, Dependência, Conscienciosidade e Grandiosidade).

Similar ao observado, mas com magnitudes ligeiramente maiores, as dimensões do IDCP-2 apresentaram alguma predição aos fatores Preocupação (r2ajustado = 0,03), Controle (r2ajustado = 0,18) e Confiança (r2ajustado = 0,09). Aqui também podem ser notadas dimensões com cargas significativas como variáveis preditoras, sendo Conscienciosidade (em dois casos) e Dependência.

 

Discussão

O presente artigo teve como objetivo investigar a relação entre a adaptabilidade de carreira e os traços patológicos da personalidade em uma amostra de estudantes universitários. De maneira ampla, a hipótese levantada neste estudo foi a de correlação negativa entre os construtos, o que foi observado nos resultados tanto para o caso das correlações quanto para o caso das regressões. No entanto, por um lado, deve-se ponderar a magnitude das relações encontradas, que tendeu a ser baixa. Por outro, essas magnitudes devem ser interpretadas considerando que a adaptabilidade de carreira, em sua variação mais saudável, e os traços de personalidade, em sua variação mais patológica, são (a) construtos distintos, mas relacionados, e (b) construtos avaliados em polos opostos. Apesar das baixas magnitudes, foram encontradas evidências que sugerem alguma tendência a pessoas com funcionamento mais patológicos da personalidade também apresentarem especificamente dificuldades para adaptação no contexto de carreira.

Em relação ao primeiro ponto, este estudo enquadra-se como exploratório, dada a escassez de trabalhos publicados abarcando as variações patológicas dos traços de personalidade, e auxilia na compreensão e reforça a expectativa de que funcionamentos desadaptativos da personalidade tendem a prejudicar a capacidade de adaptação de carreira dos indivíduos, ainda que com baixa expressividade. Quanto ao segundo ponto, os estudos publicados sugerem que as dimensões do IDCP-2 avaliam, predominantemente, aspectos patológicos extremos da personalidade, como pode ser observado nas correlações do instrumento com o Personality Inventory for DSM-5 (PID-5) (p. ex., Carvalho & Pianowski, 2015; Carvalho & Silva, 2016) e outros instrumentos (p. ex., Magical Ideation Scale- MIS). Em oposição, estudos com a CAAS vêm apontando a tendência para a população geral atingir o chamado "efeito teto" (Audibert & Teixeira, 2015; Maggio, Ginevra, Nota, Ferrari, & Soresi, 2015; Savickas & Porfeli, 2012), sugerindo que os itens do instrumento são muito endossados mesmo pela população geral.

Utilizando a amostra total, inicialmente foram correlacionadas as dimensões do IDCP-2 com os fatores da CAAS-Brasil e, posteriormente, aplicaram-se os fatores do IDCP-2. Especificamente quanto às 22 hipóteses apresentadas na Tabela 1, observa-se que seis delas foram corroboradas, sendo as dimensões Dependência, Grandiosidade e Evitação a críticas e os fatores Insegurança e Autodesvalorização, em que as magnitudes mais expressivas ocorreram com os fatores Controle e Confiança da CAAS-Brasil, sendo elas sempre negativas. O que se observa é que pessoas com dificuldades para tomar decisões importantes em suas vidas (Carvalho & Pianowski, 2015) também demonstraram alguma tendência ao baixo autocontrole e à falta de sentimento de confiança em si para enfrentar obstáculos na carreira. Esses dados corroboram as hipóteses prévias e vão ao encontro da literatura propondo que a avaliação mais geral de traços saudáveis e patológicos da personalidade deve refletir também o funcionamento desses traços em contextos específicos (Millon, 2011), como é o caso da avaliação realizada pelos fatores da CAAS.

Além disso, o fato de poucas hipóteses terem sido corroboradas é também indicativo de que os instrumentos, além de avaliarem construtos distintos, também avaliam em faixas extremas e, no caso, opostas. Nesse sentido, a CAAS está voltada para a avaliação de traços mais adaptativos quanto ao enfrentamento positivo de transições de carreira (Rossier, 2015; Savickas, 2005) e o IDCP-2 avalia os traços desadaptativos da personalidade, como vem sendo apontado em estudos (p. ex., Carvalho & Pianowski, 2015; Carvalho & Silva, 2016).

Ainda com a intenção de verificar a relação entre os construtos, foram realizadas análises de regressão. Estas ocorreram apenas para as dimensões dos instrumentos e principalmente para as quais se estabeleceram as hipóteses, como pode ser verificado na Tabela 1. Assim, quatro hipóteses foram corroboradas, apresentando dados significativos: entre as dimensões estão Evitação a críticas, Dependência e Grandiosidade. A maioria foi negativa e demonstrou que os traços adaptativos envolvidos nos fatores da CAAS-Brasil tendem a se afastar dos aspectos patológicos avaliados pelo IDCP- 2. Isso pode ser atribuído ao fato de que os instrumentos avaliam construtos que estão em uma direção contrária, apesar da expectativa de algumas relações positivas (ver Tabela 1).

Devido às poucas correlações observadas e às baixas magnitudes, uma estratégia foi avaliar os grupos extremos quanto às respostas da CAAS-Brasil, relacionando-as com o grupo total, que respondeu ao IDCP-2. Tal decisão ocorreu devido aos instrumentos avaliarem construtos opostos extremos, como foi abordado anteriormente. Com esse agrupamento, as correlações entre as dimensões se repetiram, porém, com magnitudes mais altas. Já para os subfatores do IDCP-2, novas correlações se estabeleceram, como Dominância e Controle e Evitação generalizada e Confiança. Esses dados sugerem que, em amostras naturalmente mais extremas, por exemplo grupos clínicos, é possível que padrões distintos de correlação entre os construtos aqui avaliados sejam observados, o que deve ser investigado em estudos futuros.

Esperava-se uma relação positiva entre Dominância e Controle, já que a primeira se refere à facilidade que o indivíduo tem para conseguir as coisas do seu jeito, que se assemelha à presença de autocontrole, porém foi verificada uma correlação negativa. Esse dado não era esperado e vai contra o que foi hipotetizado. Estudos futuros devem buscar aprofundar a compreensão desses dados, inclusive utilizando outros instrumentos, verificando também se não há problemas na avaliação realizada pelos testes presentemente utilizados. Quanto às análises de regressão para esse agrupamento, manteve-se a ideia anterior de utilizar apenas os subfatores do IDCP-2. No entanto, não foram encontrados novos dados significativos, repetindo-se apenas as relações entre Controle e Confiança com o subfator Dependência, que apresentaram os valores de beta mais elevado.

Com os achados desta pesquisa, nota-se que de fato a adaptabilidade de carreira está ligada aos aspectos saudáveis da personalidade, correlacionando-se de forma negativa com os traços patológicos e não adaptativos, assim como verificado nos estudos de Rusu et al. (2015) e Wille et al. (2013). Embora os achados deste estudo tenham corroborado parte das hipóteses levantadas, algumas limitações importantes foram identificadas, como as baixas magnitudes das correlações. As principais limitações desta pesquisa se concentraram na discrepância dos instrumentos em avaliar extremos opostos e também no perfil da amostra, que não é representativo do país. Além disso, sugere-se que novos estudos explorem tais construtos com outros públicos que não sejam apenas de universitários, mas também trabalhadores ativos e até mesmo desempregados. Espera-se que estudos como o presente auxiliem na compreensão da dinâmica relacional entre traços patológicos da personalidade e adaptabilidade de carreira, de modo que, a partir de um montante de estudos nessa área, seja possível a elaboração de planejamentos interventivos no futuro, caso os estudos corroborem tal necessidade.

 

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Endereço para correspondência:
Lucas de Francisco Carvalho
Universidade São Francisco, Campus de Itatiba
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro
Itatiba, SP, Brasil 13251-900
E-mail: lucas@labape.com.br

Recebido em: 26/09/2016
Primeira decisão editorial em: 06/12/2016
Versão final em: 16/01/2017
Aceito em: 13/03/2017

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