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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.3 Brasília jul/set. 2017

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.3.13089 

Avaliação qualitativa de treinamento

 

Qualitative training evaluation

 

Evaluación cualitativa del entrenamiento

 

 

Maria Cecília dos Santos Queiroz de AraujoI; Gardênia da Silva AbbadII; Thais Rodrigues de FreitasII

IAgência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, Brasília, DF, Brasil
IIUniversidade de Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo avaliar qualitativamente os efeitos de três treinamentos, identificando fatores facilitadores e fatores dificultadores da aprendizagem no contexto estudado, de acordo com as percepções de instrutores e participantes. Foram utilizados dois instrumentos para coleta de dados: um roteiro de entrevista semiestruturada e um roteiro semiestruturado para grupo focal, aplicados respectivamente em instrutores e egressos dos treinamentos. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo (Bardin, 2011). A análise das transcrições das entrevistas resultou em oito categorias de conteúdo e, dos grupos focais, em cinco categorias de conteúdo. O desenho instrucional, o ambiente e as características dos instrutores foram apontados pelos egressos dos treinamentos como facilitadores de aprendizagem. Os dificultadores estavam relacionados a características individuais, do ambiente e ao suporte organizacional. Esses resultados sugerem a realização de mais pesquisas qualitativas, para aprofundar a compreensão sobre o relacionamento entre variáveis em avaliação de treinamento.

Palavras-chave: avaliação de treinamento; estudo qualitativo; análise de conteúdo.


ABSTRACT

This research aimed to qualitatively evaluate the effects of three training activities, identifying enabling and disabling factors for learning in the context in question, according to instructor and participant perceptions. Two instruments for data collection were used: a semi-structured interview script and a semi-structured script for focus groups, applied respectively to training instructors and graduates. Data were analyzed using content analysis (Bardin, 2011). The interview transcripts analysis resulted in eight content categories and, from the focus groups, five content categories. Training graduates indicated instructional design, environment, and instructor characteristics as learning enablers. Disabling factors for learning were related to individual and environmental characteristics, and organizational support. These results suggest that additional qualitative surveys be conducted to deepen the understanding about the relationships between variables in training evaluation.

Keywords: training evaluation; qualitative study; content analysis.


RESUMEN

La presente investigación tuvo como objetivo evaluar cualitativamente los efectos de tres entrenamientos, identificando factores facilitadores y dificultadores del aprendizaje en el contexto estudiado, según las percepciones de instructores y participantes. Se utilizaron dos instrumentos para la recopilación de datos: uno para guiar la entrevista y otro para guiar al grupo focal, aplicados respectivamente en instructores y egresados de los entrenamientos. Los datos fueron verificados por medio de análisis de contenido (Bardin, 2011). El análisis de las transcripciones de las entrevistas resultó en ocho categorías de contenido, y el de los grupos focales, en cinco. El diseño instruccional, el ambiente y las características de los instructores fueron apuntados por los egresados como facilitadores de aprendizaje. Los dificultadores estaban relacionados con las características individuales, el ambiente y el soporte organizacional. Estos resultados sugieren la realización de más investigaciones cualitativas para profundizar la comprensión sobre la relación entre variables en evaluación de entrenamiento.

Palabras-clave: evaluación de entrenamiento; estudio cualitativo; análisis de contenido.


 

 

Investimentos financeiros crescentes e vultosos têm sido aplicados pelas organizações em ações de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (TD&E). No Brasil, segundo levantamento de Oliveira Neto (2009), as informações da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) indicam que o investimento anual médio por treinando vem superando as taxas de crescimento econômico do país. O aporte de recursos financeiros destinados pela administração pública federal à capacitação pro-fissional de servidores públicos, segundo Rodrigues (2012), cresceu muito nos últimos anos. O uso desses recursos exige avaliação e prestação de contas à sociedade. Em outros países, essa tendência de aumento de investimentos em TD&E é também uma realidade.

A avaliação, nesse contexto, tem se tornado cada vez mais importante para buscar evidências da eficácia e da efetividade de treinamentos. A avaliação em TD&E tem sido realizada para julgar o quanto as ações instrucionais atingiram os resultados esperados, bem como analisar e identificar os preditores desses resultados. A partir dessas informações, a organização tem como identificar e sanar falhas no sistema instrucional e melhorar o suporte da organização ao treinamento e ao uso das novas aprendizagens no trabalho (Borges-Andrade, Abbad, & Mourão, 2012).

Uma ampla análise da produção de conhecimentos sobre T&DE que abrangeu publicações dos últimos cem anos no Journal of Applied Psychology identificou avanços nas pesquisas sobre os principais critérios de avaliação e salientou avanços teóricos significativos nas pesquisas sobre aprendizagem. Porém, há lacunas na produção relacionadas a medidas de avaliação de aprendizagem, que continuam predominantemente focadas em conhecimentos declarativos. A natureza multidimensional do conceito de aprendizagem e a complexidade dos processos de aquisição, retenção, generalização, transferência e desempenho pós-treinamento exigem investigações que visem a aprofundar a compreensão sobre a rede nomológica que conecta esses critérios de avaliação, uma vez que há poucos estudos sobre esses importantes processos (Bell, Tannenbaum, Ford, Noe, & Kraiger, 2017).

A presente pesquisa, realizada em uma agência reguladora nacional, tem como objetivos: (a) avaliar a aprendizagem induzida por três treinamentos presenciais; (b) identificar as condições que favoreceram e dificultaram a aprendizagem e a transferência dos treinamentos para o trabalho; (c) analisar as relações entre esses resultados; e (d) descrever as relações entre variáveis do contexto (suporte, restrições) sobre os resultados de treinamento.

Este trabalho é parte de uma pesquisa maior que inclui três estudos (Araujo, 2015). O Estudo 1 é um quase-experimento que teve como objetivo avaliar a aprendizagem e utilizou grupo experimental (treinados) e grupo-controle (não treinados) e aplicação de testes situacionais em três momentos. O Estudo 2 analisou relações entre características dos treinandos, suporte psicossocial e material à transferência, aprendizagem, reação e impacto do treinamento no trabalho. Este artigo relata uma parte do estudo 3. O estudo 3 avaliou qualitativamente os efeitos de três treinamentos, identificando fatores facilitadores e fatores dificultadores da aprendizagem no contexto estudado, de acordo com as percepções de instrutores e participantes. Os resultados do Estudo 1 mostraram que o grupo treinado obteve maiores notas nos pós-testes, aplicados ao final dos treinamentos, do que o grupo não treinado, porém os grupos não diferiram quanto aos resultados do segundo pós-teste, indicando que os efeitos dos treinamentos não foram duradouros ou que não houve tempo para que o impacto dos treinamentos sobre o desempenho dos egressos pudesse ser percebido. Os resultados do Estudo 2 mostraram que o impacto dos treinamentos foi mediano; que não há correlação significativa entre aprendizagem e autoavaliação de impacto e que há correlação positiva entre reação e impacto e entre suporte e impacto. Os resultados do estudo 3 mostraram que as principais categorias de conteúdo encontradas no conteúdo das falas de egressos do treinamento e respectivos gestores referiam-se a estratégias de ensino-aprendizagem, características dos participantes e outros fatores ligados ao contexto de trabalho e ao suporte organizacional (Araujo, 2015).

Revisões de literatura e meta-análises publicadas nas últimas quatro décadas têm mostrado que as variáveis que predizem cada nível de resultado diferem entre si, indicando necessidade de mais pesquisas sobre esses relacionamentos. A amostra de artigos analisada mais adiante indicou que essas variáveis preditoras de resultados pertencem a três grandes categorias relativas a características: (a) dos treinandos (motivacionais, cognitivas, afetivas, profissionais); (b) do desenho instrucional e da entrega; e (c) do contexto organizacional (suporte, clima, cultura, antes, durante e após o treinamento).

Diante dos avanços e das lacunas que caracterizam o campo, este estudo pretende contribuir para o aprofundamento da compreensão sobre as ligações entre aprendizagem, retenção e transferência e as relações desses resultados com características do próprio treinamento, dos participantes e do contexto em que os treinamentos ocorrem. Além disso, este trabalho pretende, ao ado-tar uma abordagem qualitativa e duas fontes humanas (treinandos e instrutores), contribuir para a diversificação de delineamentos de pesquisa e fontes de informação, visto que há um predomínio de delineamentos quantitativos, com aplicação de questionários em amostras de treinandos. A seguir são apresentados os modelos de avaliação mais comumente adotados em avaliações e uma breve análise de artigos que avaliaram pelo menos dois dos três resultados individuais de treinamento (aprendizagem, reações e impacto do treinamento no trabalho) no mesmo estudo.

Avaliação de treinamento: Referenciais teóricos

A literatura aponta diversos modelos para a realização da avaliação de treinamento, todos considerando múltiplos níveis de avaliação. Há modelos de avaliação focados em resultados, como o proposto por Hamblin (1978) e Kirkpatrick (1976), que incluem como critérios as reações, a aprendizagem, o comportamento no cargo e os efeitos do treinamento em resultados organizacionais. Existem também modelos de avaliação que incluem, além dos critérios de avaliação, variáveis preditoras de cada nível de avaliação. Essas variáveis pertencem ao contexto, aos insumos, aos processos, aos produtos e aos resultados e estão incluídas em diversos modelos (Alvarez, Salas, & Garofano, 2004; Baldwin & Ford, 1988; Burke & Hutchins, 2007). Em pesquisas nacionais, observa-se a adoção de variações do modelo de avaliação integrado e somativo (MAIS) e do modelo integrado de avaliação do impacto do treinamento no trabalho (IMPACT), como abordagens de apoio às pesquisas sobre efetividade de treinamentos e programas educacionais em diversos contextos (Moreira, 2017; Santos Junior, 2012; Vitória, 2014; Zerbini & Abbad, 2010). Esses modelos foram adotados neste estudo como referenciais teóricos para a concepção dos instrumentos e das estratégias de coleta, análise e interpretação dos dados, bem como para a discussão dos resultados.

Entre as variáveis do contexto pesquisadas, estão as necessidades de treinamento (natureza dessas demandas de aprendizagem), as características dos treinandos (dados sociodemográficos, profissionais, psicossociais, motivacionais e cognitivo-comportamentais) e o método utilizado para identificá-las (Borges-Andrade et al., 2012).

Suporte pré e durante o treinamento diz respeito ao apoio das chefias e da organização à análise de demandas de aprendizagem e ao empenho dessas chefias para garantir a participação ativa dos trabalhadores no treinamento. Suporte psicossocial à transferência avalia as percepções dos treinandos sobre o apoio que recebem para participar dos treinamentos e, posteriormente, para aplicar, no trabalho, as novas habilidades aprendidas. O suporte material avalia a percepção do treinando sobre a qualidade, a quantidade e a disponibilidade de recursos materiais e financeiros e a adequação do ambiente físico do local de trabalho, necessários à transferência de treinamento (Abbad, Sallorenzo, Junior, Zerbini, Vasconcelos, & Todeschini, 2012).

Entre as características do treinamento estão a qualidade do desenho e da entrega da instrução (objetivos instrucionais, procedimentos, recursos e meios e materiais instrucionais, desempenho do instrutor, etc.) (Borges-Andrade et al., 2012). Entre os resultados imediatos de treinamentos estão as reações que avaliam as percepções dos participantes sobre a programação, o contexto de apoio ao desenvolvimento do treinamento, a aplicabilidade e utilidade do treinamento, os resultados no treinamento, expectativas de suporte organizacional e o desempenho do instrutor (Abbad, Zerbini, & Borges-Ferreira, 2012).

A avaliação de aprendizagem é o componente que afere o grau de alcance dos objetivos instrucionais ao final de uma ação de TD&E. O impacto do treinamento no trabalho é dividido entre impacto em profundidade - aplicação bem-sucedida, no trabalho, de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHAs) adquiridos durante treinamentos (Zerbini et al., 2012) - e impacto em amplitude - influência exercida pelo treinamento sobre o desempenho global, as atitudes e a motivação do egresso (Abbad, Pilati, Borges-Andrade, & Sallorenzo, 2012).

Diversas revisões de literatura sobre avaliação de treinamento publicadas nos últimos quarenta anos indicam que reações favoráveis ao treinamento e à aprendizagem dos conteúdos ensinados não são condições necessárias, tampouco suficientes para a aplicação, no trabalho, das novas habilidades aprendidas em treinamentos. A seguir são apresentados alguns resultados de uma revisão de literatura (Araujo, 2015) sobre os temas deste estudo, visando descrever os principais resultados das pesquisas sobre aprendizagem, reações, transferência e impacto de treinamentos no trabalho, as ligações entre esses efeitos, bem como as condições que favorecem ou dificultam o alcance desses resultados.

Análise de pesquisas sobre aprendizagem, reações e impacto

A breve análise da produção de conhecimentos apresentada nesta seção, além de servir como referencial teórico e empírico para a formulação dos quatro objetivos desta pesquisa e para a escolha das fontes de informação e das estratégias metodológicas adotadas no presente estudo, serviu de apoio à discussão dos achados da presente pesquisa.

Foram analisados artigos nacionais e internacionais que abordaram mais de um nível de avaliação (reações, aprendizagem ou impacto do treinamento no trabalho), visando a descrever os principais resultados e identificar lacunas nas pesquisas da área. A busca contemplou revisões de literatura, entre as quais estão os trabalhos de Aguinis e Kraiger (2009), Araujo (2015), Bell et al. (2017), Moreira (2017), Vitória (2014) e Zerbini e Abbad (2010). Foram feitas buscas de artigos nos seguintes acervos: ProQuest, SciELO, ScienceDirect/Elsevier, Wiley Online Library, Academic Search Premier ASP/EBSCO, Cambridge Journal Online, além da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). As palavras-chave adotadas nas buscas de artigos foram: training evaluation, transfer of training,training impact at work,transfer of learning,training outcomes, work training impact,training reaction, learning measures e learning evaluation.

Foram encontrados 32 estudos brasileiros e 61 estudos estrangeiros. Foram excluídos três tipos de artigos dessa amostra: artigos teóricos, relatos de busca de evidências de validade de instrumentos, e artigos que abordaram apenas um nível de avaliação (reação, aprendizagem ou impacto do treinamento no trabalho) Destes foram selecionados 7 estudos brasileiros e 40 estudos estrangeiros. Esses artigos foram submetidos à análise de diversos atributos, como o nível de avaliação, a abordagem metodológica, os instrumentos e os principais resultados (Araujo, 2015). A seguir são apresentados os resultados relacionados aos objetivos deste estudo e os principais artigos publicados nos últimos cinco anos.

Produção nacional

Em relação ao nível de avaliação, verifica-se que os 17 artigos analisados por Araujo (2015) avaliaram a reação dos participantes aos treinamentos, 13 avaliaram o impacto do treinamento no trabalho, e apenas 7, a aprendizagem. Os resultados da análise desses artigos mostraram que é muito comum o uso de mais de um nível de avaliação em um mesmo estudo, sendo a combinação entre reação e impacto do treinamento no trabalho a mais encontrada. Embora sejam realizadas pesquisas qualitativas, há predomínio de estudos quantitativos.

Quanto ao relacionamento entre os níveis de avaliação, reação, aprendizagem e impacto, Bastos (2012) encontrou associação positiva entre reação e impacto, relação fraca entre reação e aprendizagem e ausência de relação entre aprendizagem e impacto. Em relação às variáveis preditoras de aprendizagem, no estudo de Abbad e Borges-Ferreira (2009), os resultados mostraram que idade, localização da escola, autoavaliação de aprendizagem, reações dos treinandos aos procedimentos instrucionais e aos resultados do curso explicaram uma pequena, mas estatisticamente significativa, porção da variabilidade das médias finais de aprendizagem. Entre os estudos mais recentes que ilustram os achados da área sobre aprendizagem, reações e impacto, estão os de Bastos, Ciampone e Mira (2013), Bell et al. (2017) e Zerbini e Abbad (2010). A seguir, os resultados desses estudos são descritos brevemente.

No estudo de Bastos et al. (2013), os resultados indicaram que houve aquisição de conhecimentos em função do treinamento. Na pesquisa desenvolvida por Bastos (2012), na avaliação da aprendizagem, houve diferença estatisticamente significativa entre os escores do pré e pós-teste. Na revisão de Bell et al. (2017) foi salientada a necessidade de mais estudos sobre a natureza multidimensional da aprendizagem e estudos mais aprofundados sobre as ligações entre esses conceitos.

Quanto às variáveis de contexto preditoras de impacto do treinamento no trabalho, os resultados dos estudos têm indicado forte relacionamento positivo da variável "suporte à transferência" com impacto do treinamento no trabalho (Bastos et al., 2013; Bell et al., 2017; Zerbini & Abbad, 2010). Entre as variáveis relativas às características dos treinandos, destacaram-se como preditoras de impacto de treinamentos no trabalho estratégias de aprendizagem, estratégias de aplicação do aprendido, valor instrumental do treinamento e força motivacional do treinamento. Como preditoras de aprendizagem, destacaram-se tempo de exposição de feedbacks para o treinando e atributos do treinamento (Zerbini & Abbad, 2010).

Contudo, pouco se sabe sobre a duração dos efeitos da aprendizagem sobre a retenção a longo prazo, sobre a transferência e seus impactos sobre o desempenho de egressos e não há estudos que indiquem quanto tempo é preciso para que os efeitos do treinamento possam ser percebidos no comportamento dos egressos e por quanto tempo esses efeitos estarão presentes.

Produção estrangeira

Entre os 41 estudos localizados, apenas 16 artigos continham avaliações em mais de um nível. Aprendizagem e reação foram os temas mais estudados (13 artigos), seguidos por impacto de treinamento (11 artigos). Nas pesquisas estrangeiras também é comum a realização de mais de um nível de avaliação em um mesmo estudo, sendo a combinação entre reação e aprendizagem a mais frequente, diferentemente do que ocorreu nas pesquisas brasileiras. Em relação à natureza das pesquisas, também há predomínio de estudos quantitativos (Araujo, 2015). A seguir são apresentados resultados de 12 artigos empíricos que mais têm relação com os temas de interesse desta pesquisa.

Quanto ao relacionamento entre os níveis de avaliação, reação, aprendizagem e impacto, Homklin, Takahashi e Techakanont (2013) encontraram que reação esteve positivamente relacionada com aprendizagem e que aprendizagem esteve positivamente relacionada com transferência. Homklin, Takahashi e Techakanont (2014) verificaram que o efeito do conhecimento retido sobre a transferência de treinamento foi positivo e estatisticamente significativo. Por outro lado, Rowold (2007) verificou que a reação não mostrou relação significativa com a aprendizagem. Percebe-se, então, assim como nas pesquisas brasileiras, que os resultados dos estudos estrangeiros não são consistentes, pois nem sempre são encontradas correlações significativas entre os três níveis (Araujo, 2015).

Há resultados evidenciando a influência de diversas variáveis de contexto sobre resultados de treinamento. Em estudo recente, Banerjee, Gupta e Bates (2016) encontraram que a cultura de aprendizagem da organização influencia a motivação para transferir aprendizagens para o trabalho. Variáveis de suporte gerencial e social pré e pós-treinamento mostraram-se fortes preditores de motivação para transferir novas aprendizagens para o trabalho. Os resultados do estudo de Massenberg, Schulte e Kauffeld (2017) mostraram que percepções negativas de gerentes sobre novas técnicas de trabalho aprendidas pelos treinandos, percepções desfavoráveis do treinando sobre a compatibilidade dos conteúdos do treinamento com o desenho do seu cargo ou trabalho, bem como as opiniões dos treinandos sobre o quanto o treinamento foi desenhado para capacitá-lo a aplicar no trabalho as novas aprendizagens afetam a motivação do treinando para transferir o treinamento para o trabalho.

Em termos de características do treinamento, destacam-se os resultados obtidos por Van der Locht, Dam e Chiaburu (2013). Esse estudo encontrou que o uso de elementos idênticos no treinamento (que contém situações e estratégias instrucionais com estímulos e respostas idênticas às encontradas no ambiente de trabalho) estão positivamente relacionados com os efeitos do treinamento sobre o comportamento dos egressos.

A agenda de pesquisa estrangeira não é tão diferente da brasileira. Zumrah (2015) sugeriu a realização de estudos longitudinais e mistos. Pham, Segers e Gijselaers (2012) sugeriram o uso de múltiplas fontes de informação e abordagens qualitativas, a fim de confirmar achados de pesquisas. Este estudo pretende, neste contexto, atender a essas recomendações, adotando um método qualitativo de avaliação com consulta a mais de uma fonte humana de informação.

 

Método

Este estudo foi realizado em uma agência reguladora. Os três treinamentos estudados foram oferecidos pela agência a servidores que estivessem atuando com a elaboração de normas e indicadores. Essa organização tem oferecido regularmente treinamentos aos servidores, mas não possuía, no momento da coleta de dados, um sistema estruturado de avaliação. Esta pesquisa adotou uma abordagem qualitativa de caráter descritivo, baseada em percepções dos participantes do treinamento e dos instrutores sobre o treinamento. Esse tipo de delineamento, de acordo com Sampieri, Collado e Lucio (2013), é recomendado quando visamos a compreender os fenômenos de interesse a partir do ponto de vista dos participantes.

Treinamentos estudados

Os três treinamentos avaliados foram presenciais. O curso Indicadores na Saúde (IS) foi ofertado para duas turmas e teve como objetivo geral capacitar os servidores para atuação em atividades de formulação de indicadores, monitoramento e avaliação. A carga horária do curso foi de 20 horas e contou com a participação de dois instrutores. O curso Redação de Normas (RN) foi oferecido para três turmas e teve como objetivo desenvolver habilidades de elaboração de textos normativos com o emprego das formalidades exigidas para redação, observando os princípios de clareza, coerência e boa fundamentação. A carga horária do curso foi de 20 horas e contou com apenas um instrutor. A Oficina de Metas e Indicadores (OF) foi ofertada a duas turmas e teve como objetivo discutir os conceitos de gestão, acompanhamento e avaliação de desempenho no setor público, indicadores, metas, bem como elaborar proposta de metas e indicadores individuais de desempenho. Teve duração de oito horas e contou com apenas um instrutor.

Participantes das entrevistas e grupos focais

Participaram das entrevistas quatro instrutores, sendo dois deles do Curso IS, um do Curso de RN e um da OF. Os 37 participantes dos grupos focais foram escolhidos aleatoriamente em cada turma dos três cursos, resultando em sete grupos, sendo 10 participantes do curso de IS, 18 participantes do curso de RN e 9 participantes da OF.

Instrumentos

Para a coleta de dados, foram utilizados um roteiro para entrevista semiestruturada e um roteiro semiestruturado para grupo focal. O roteiro para entrevista contém sete questões indutoras: 1. Você considera adequada a análise de necessidade de treinamento que identificou a realização deste curso como prioritária para o ano de 2014? 2. Você analisa que há compatibilidade entre os participantes que foram atraídos para se inscrever no curso com o público alvo predefinido? 3. Você consegue identificar os fatores que contribuíram para os alunos com melhor desempenho durante o curso? 4. Quais características do curso favoreceram e quais dificultaram a aprendizagem? 5. Em quanto tempo após o treinamento é possível ver algum impacto? 6. Quais impactos esse curso terá no dia a dia de trabalho dos participantes? 7. Qual espaço e oportunidade os participantes terão para sugerir e implementar mudanças no dia a dia de trabalho a partir das novas aprendizagens?

As questões foram formuladas de acordo com modelos de avaliação que analisam contexto (questão 1), insumos (questão 2), processos e resultados imediatos (questões 3 e 4) e resultados póstreinamento (questões 6 e 7).

O roteiro para o grupo focal contém os seguintes itens: 1. Quantos trabalham ou já trabalharam com (tema do treinamento)? Em que contexto? Por quanto tempo? 2. Quantos já participaram de outras capacitações sobre o tema? 3. Como vocês avaliam a sua aprendizagem no curso? 4. Quais fatores foram facilitadores da aprendizagem? 5. Quais fatores dificultaram a aprendizagem? 6. Como vocês avaliam a influência da bagagem de conhecimentos na aprendizagem? Algum conhecimento anterior contribuiu para a aprendizagem? Qual? 7. Deveria haver algum pré-requisito para participar do curso? Qual? Quais as características das pessoas que demonstraram melhor desempenho no curso? As questões 1, 2, 6 e 7 dizem respeito aos insumos, e as questões 3,4 e 5, aos processos e aos resultados de aprendizagem.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas em áudio com o consentimento dos respondentes. As entrevistas com os grupos focais tiveram uma duração que variou de 45 minutos a 1 hora e 45 minutos. As sessões foram realizadas em quatro etapas: (a) apresentação da pesquisa, garantia de sigilo das respostas individuais e solicitação de consentimento para gravação; (b) aplicação individual das questões; (c) discussão em duplas das respostas individuais; (d) discussão das respostas com o grupo inteiro em busca de consensos. Esta última etapa foi gravada em áudio, e as respostas e as discussões dos grupos foram transcritas na íntegra. As três etapas iniciais foram aplicadas com o intuito de possibilitar maior fluência na produção de ideias e respostas, bem como reflexões mais aprofundadas para serem discutidas com todos os integrantes do grupo focal.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram verificados por meio da análise de conteúdo de Bardin (2011). O material produzido a partir das transcrições foi submetido à leitura flutuante para extração das categorias de conteúdo. O agrupamento das categorias se deu pelos critérios de exaustão, homogeneidade, exclusão, pertinência e representatividade (Bardin, 2011). Essas categorias foram discutidas por quatro pesquisadores, que atribuíram nomes, definições constitutivas e escolheram as falas ilustrativas dos conteúdos.

 

Resultados

Os resultados são apresentados a seguir, divididos em resultados das entrevistas com instrutores e resultados dos grupos focais, de acordo com as categorias de conteúdo mais salientes.

Resultados das entrevistas com instrutores

O corpus resultante das cinco entrevistas com os instrutores é composto de 16 laudas, 530 linhas, 25 parágrafos e 8.388 palavras. As quatro categorias relevantes de conteúdo com as respectivas ocorrências são: características dos participantes que influenciaram a aprendizagem (17), adequação da análise de necessidades de treinamento (10), tipo de adesão dos participantes aos treinamentos e seus efeitos (12) e impacto do treinamento no trabalho do egresso (7). As Tabelas 1 a 4 mostram as categorias e suas definições e verbalizações que as compuseram, escolhidas por sua representatividade no conjunto das falas.

 

 

 

 

 

 

 

 

A categoria 1 foi a mais frequente na fala dos instrutores. Neste grupo estão a experiência e o conhecimento anterior do participante, a identificação com o tema e o engajamento da turma nas atividades propostas pelo instrutor. Para os instrutores, as pessoas que tiveram mais facilidade para aprender foram aquelas que já trabalhavam em seu dia a dia com a temática do treinamento, já tinham alguma bagagem de conhecimento ou se identificavam ou gostavam mais dos assuntos abordados durante o curso. O envolvimento das pessoas também foi um importante facilitador da aprendizagem. A análise da categoria mostra que há heterogeneidade nas turmas quanto à motivação para participar dos eventos instrucionais, aos conhecimentos prévios necessários à aprendizagem dos conteúdos, às crenças sobre o valor e a utilidade das ferramentas e habilidades transmitidas pelos treinamentos. Se, por um lado, havia treinandos que pareciam desmotivados, descrentes da utilidade das ferramentas e habilidades ensinadas, havia outros que se interessavam pelos temas, participavam das atividades propostas pelo instrutor, esforçando-se para encontrar aplicações para os novos conhecimentos. Essa categoria mostra a importância da motivação para o treinamento e do tipo de engajamento do treinando com o curso (matrícula por indicação da chefia ou por escolha pessoal). De acordo com os instrutores, alguns participantes que ingressaram nos cursos por indicação da chefia imediata não demonstraram interesse pelos assuntos abordados durante as aulas.

Na categoria 2, os instrutores foram unânimes em avaliar que existia demanda relevante e prioritária dos três treinamentos oferecidos, uma vez que havia lacunas em conhecimentos e habilidades essenciais ao cumprimento da missão da agência reguladora. Essas lacunas manifestaram-se em sala de aula sob a forma de dúvidas e perguntas dos participantes sobre os temas dos cursos.

A categoria 3 revela que havia participantes que se inscreveram nos cursos por recomendação das chefias e que desconheciam os objetivos desses treinamentos. Alguns se identificaram com os temas, e outros não. Esses últimos tiveram menor aproveitamento e se envolveram menos com as atividades. Ao que parece, os objetivos dos cursos não eram do conhecimento de alguns gestores e de alguns participantes, gerando frustração de expectativas.

A categoria 4 teve origem na pergunta sobre os impactos dos treinamentos no trabalho dos egressos. Os assuntos relacionados às normas e aos indicadores são requeridos com frequência e regularidade no dia a dia da agência, o que facilita a aplicação dessas aprendizagens no trabalho. Os resultados da análise dessa categoria mostram que as habilidades aprendidas nos cursos são aplicáveis imediatamente no trabalho. Entretanto, o impacto do curso de indicadores será mais tardio em função da periodicidade do trabalho das áreas envolvidas nessas atividades. Além disso, foram mencionadas restrições situacionais que podem dificultar a aplicação das novas aprendizagens no trabalho. No caso de indicadores, os conteúdos ensinados sinalizam a necessidade de mudanças na concepção dos indicadores, que ainda não está disseminada. No caso do impacto do curso de redação de normas, as restrições estão relacionadas à inexistência de um manual de redação que integre as técnicas legislativas e as regras da língua portuguesa. Apesar dos fatores contextuais que dificultam a aplicação, foram salientadas como pontos positivos a motivação e a vontade de algumas pessoas de aplicar e melhorar o seu desempenho no trabalho. O papel do gestor foi destacado na fala dos instrutores, pois eles perceberam durante as aulas que, muitas vezes, os gestores não oferecem o suporte necessário à transferência de treinamento.

Resultados dos grupos focais

O corpus resultante da pesquisa realizada com os sete grupos focais é composto de 27 laudas, 918 linhas, 57 parágrafos e 14.952 palavras. Foram encontradas cinco categorias de conteúdo: características dos treinamentos e dos participantes que facilitaram a aprendizagem (54), condições desfavoráveis à aprendizagem (41), avaliação da aprendizagem (40), impacto do treinamento no trabalho (7) e sugestões (34). As quatro primeiras serão apresentadas nas Tabelas 5 a 8. A categoria "sugestões" foi excluída em função da natureza específica das respostas.

 

 

 

 

 

 

 

 

Essa categoria trata das temáticas mais recorrentes nas respostas dos grupos focais à questão sobre quais fatores facilitam a aprendizagem. Os grupos salientaram algumas características do desenho instrucional, a experiência dos instrutores, o caráter aplicado dos treinamentos, com exercícios e exemplos práticos. O material didático também foi apontado como facilitador, até mesmo pela possibilidade de se recorrer a ele após o treinamento. As discussões em grupo, a turma participativa e a experiência dos treinandos com assuntos relativos aos temas dos cursos também foram consideradas facilitadoras da aprendizagem.

A categoria seguinte também foi recorrente nas respostas dos grupos. Em relação às características dos participantes, os grupos salientaram a existência de vícios na forma de se trabalhar com normas e indicadores na agência que dificultaram a aprendizagem de novas formas de conceber indicadores. A falta de experiência de alguns participantes na temática dos treinamentos também foi apontada como dificultador. A heterogeneidade da turma foi apontada como um problema, pois havia participantes com conhecimentos e experiências muito distintos em todas as turmas, sendo que algumas pessoas não conseguiram acompanhar o desenvolvimento de algumas aulas.

A carga horária foi apontada como insuficiente para dar conta da complexidade e da quantidade dos conteúdos. Na OF, único treinamento realizado em período integral, a realização em um dia inteiro foi apontada como cansativa. A quebra da sequência do conteúdo e a forma de correção dos exercícios (fornecimento de feedback a apenas alguns participantes) foram apontadas como problemáticas no curso de RN. A grande quantidade de participantes e a baixa qualidade do material impresso foram apontadas como dificultadores no curso de IS. Como destaque nessa categoria, tem-se o suporte à aprendizagem comprometido, na medida em que as demandas de trabalho faziam com que os participantes se ausentassem durante o treinamento.

De acordo com as respostas dos grupos, a aprendizagem variou de mediana a boa. Para eles, os treinamentos foram um primeiro contato com o tema, mostraram caminhos a serem seguidos e proporcionaram um direcionamento sobre os procedimentos a serem adotados quando houver necessidade de aplicação dessas habilidades no trabalho.

Embora tenha sido a categoria com menor expressividade, provavelmente pelo fato de os grupos focais terem sido realizados logo após o término dos treinamentos, a expectativa sobre a utilização ou não dos conhecimentos aprendidos se fez presente na fala dos participantes. Algumas pessoas não sabiam se teriam oportunidade de aplicar no trabalho o que aprenderam no treinamento. Também foi apontada a necessidade de recorrer ao material do treinamento, indicando que os cursos não possibilitaram retenção de conteúdo e que há práticas organizacionais que dificultam a expressão de novas habilidades no trabalho.

Os resultados mostraram que todos os objetivos da pesquisa foram atingidos, indicando as ligações entre aprendizagem, reações e impacto, bem como indicando fatores que favorecem ou dificultam o alcance desses resultados nos treinamentos.

 

Discussão

Os participantes realizaram autoavaliações indicando aprendizagem mediana. As relações entre aprendizagem e motivação para aprender ficam claras tanto nas entrevistas quanto nos grupos focais. Observa-se que a motivação para aprender está ligada ao modo como as pessoas aderem ao curso, por indicação da chefia ou por opção pessoal, bem como à aplicabilidade dos conhecimentos ao trabalho e ao valor que atribuem às ferramentas e às habilidades desenvolvidas pelos cursos. Os egressos que receberam apoio da chefia para aplicação das novas aprendizagens no trabalho expressaram motivação para aprender e intenção de aplicar as novas habilidades no cotidiano de trabalho. Esses resultados confirmam a importância das variáveis de suporte à transferência em seu relacionamento positivo com motivação para aprender e intenção de aplicar no trabalho as aprendizagens adquiridas nos treinamentos (Araujo, 2015; Homklin et al., 2013; Moreira, 2017; Rowold, 2007).

A importância do suporte gerencial ao treinamento e à transferência está confirmada, pois muitos egressos dependem dos chefes para terem oportunidades de aplicar imediatamente as novas aprendizagens no trabalho. Sem oportunidades de aplicação, as novas habilidades tendem a desaparecer do repertório dos egressos ou não serem expressas adequadamente em um momento futuro. Há evidências dessas relações em diversos estudos, como nas pesquisas de Bastos (2012), Bastos et al. (2013), Homklin et al. (2013), Ma e Chang (2013) e Pham et al. (2012). Por esse motivo, é muito importante o engajamento dos chefes na análise de necessidades de treinamento e na construção de desenhos instrucionais que promovam melhorias no desempenho de indivíduos, equipes e na organização como um todo. Os resultados desta pesquisa mostraram que os objetivos dos cursos não eram conhecidos por todos os participantes nem pelos chefes. Essa ligação entre objetivos educacionais dos cursos e o suporte das chefias ao treinamento foi observada neste estudo, confirmando a importância da participação ativa de representantes do público-alvo e dos gestores no planejamento de ações de treinamento.

Os mais experientes parecem ter aproveitado mais os cursos do que aqueles que desconhecem as atividades relacionadas aos treinamentos. A falta de um nivelamento de conhecimentos levou à formação de turmas heterogêneas quanto aos conhecimentos e expectativas em relação aos cursos. Esses resultados confirmaram as relações entre características do treinamento, características dos participantes (motivação, experiência, conhecimentos prévios), contexto (qualidade da análise de necessidades, suporte gerencial e organizacional ao treinamento e aos resultados), processos e resultados de aprendizagem.

Além disso, o estudo possibilitou a formulação de hipóteses seguras sobre as razões pelas quais a aprendizagem nem sempre prediz a transferência de treinamento nem melhora o desempenho do egresso. Os resultados deste estudo mostraram que os cursos não foram capazes de desenvolver as habilidades a ponto de garantir efeitos duráveis sobre o desempenho do egresso, pois foram aparentemente apenas suficientes para garantir a aquisição dos conhecimentos. Os cursos não propiciaram a retenção a longo prazo nem a generalização dos conhecimentos e das habilidades, condições necessárias, apesar de não suficientes, à transferência de treinamento para o trabalho.

Este trabalho propiciou a descrição de conexões entre os processos de aprendizagem, retenção e transferência, confirmando as previsões das abordagens teóricas que consideram a aprendizagem um conceito multidimensional e supõem ligações de interdependência entre esses conceitos e variáveis (Bell et al., 2017; Pilati & Abbad, 2005).

É possível identificar semelhanças entre as falas dos instrutores e dos egressos dos treinamentos. Em ambos os casos, a experiência anterior do participante influenciou de maneira positiva o processo de aprendizagem, embora, na visão dos egressos, essa experiência prévia também tenha funcionado como um dificultador, devido à existência de conhecimentos equivocados. Outro facilitador do processo de aprendizagem comum nos dois grupos (instrutores e egressos) foi o interesse pelo tema e o engajamento dos participantes. Esse resultado vai ao encontro do estudo de Homklin et al. (2013), que verificou que há influência das características do indivíduo nos resultados do treinamento.

Analisando as condições desfavoráveis de aprendizagem, cada grupo focal abordou temas distintos. Os instrutores falaram mais de questões relacionadas aos indivíduos, como baixa motivação e falta de conhecimentos prévios, enquanto os egressos apontaram, predominantemente, questões do desenho instrucional e do ambiente, tais como heterogeneidade da turma, quebras na linearidade da apresentação dos tópicos, baixa temperatura da sala e demandas de trabalho que interferiam no treinamento. Essas diferenças de foco mostram a importância de se adotar mais de uma fonte de informação em avaliação de treinamento, como sugerido por autores como Pham et al. (2012) e Saks e Burke (2012).

Abordando a questão do impacto do treinamento no trabalho, os instrutores consideraram que muitos conhecimentos poderiam ser aplicados de forma imediata. Os egressos se dividiram: alguns viam aplicação imediata, e outros tinham receio de não ter oportunidade ou de não receber suporte para transferência para o trabalho do que foi aprendido no treinamento. O suporte gerencial ao treinamento e à transferência surgiu nas verbalizações como fator necessário para a aplicação das novas habilidades no trabalho. O desenho instrucional, o ambiente e as características dos instrutores também foram apontados pelos egressos dos treinamentos como facilitadores de aprendizagem, tais como os exercícios práticos utilizados, o conhecimento do professor e o material didático de boa qualidade.

O suporte durante o treinamento e após o treinamento também mereceu destaque na fala de ambas as fontes de informação. Ficou evidente que as interrupções constantes devido a demandas de trabalho prejudicaram o processo de aprendizagem e que a incerteza sobre a oportunidade para transferir causou angústia em alguns participantes. Esse resultado corrobora estudos anteriores que analisaram que o suporte psicossocial à transferência exerce grande influência no impacto do treinamento no trabalho, conforme os estudos de Bastos (2012), Bastos et al. (2013), Homklin et al. (2013), Ma e Chang (2013) e Pham et al. (2012).

Avalia-se que a utilização de múltiplas fontes humanas de informação (instrutores e egressos) foi positiva, pois permitiu uma visão mais abrangente sobre o fenômeno estudado. Analisa-se, também, que os resultados corroboram estudos anteriores, no que diz respeito aos fatores que influenciam a aprendizagem, a reação e o impacto do treinamento no trabalho. Os dados qualitativos acrescentaram informações ao estudo quantitativo realizado com pessoas do mesmo universo pesquisado. Foi possível notar que algumas informações confirmaram outras obtidas por meio das avaliações de aprendizagem e avaliações de reação e algumas foram diferentes e ajudaram a interpretar os resultados (Araujo, 2015). A visão dos instrutores mostrou que há aspectos que os participantes não abordam em detalhe, entre os quais a qualidade da composição das turmas, a motivação dos participantes, os efeitos do tipo de engajamento sobre a aprendizagem, a importância do suporte das chefias durante e após o treinamento para que os efeitos dos cursos possam ser observados pela organização. Este estudo qualitativo, ao confirmar e aprofundar a compreensão de outros resultados obtidos no mesmo contexto, é evidência de validade dos métodos mistos.

Recomenda-se a realização de estudos mistos, de modo a analisar a validade dos resultados das entrevistas e dos grupos focais, que não podem ser generalizados para os participantes desse treinamento, uma vez que a amostra não foi quantitativamente representativa do universo pesquisado. Como agenda de pesquisa, sugere-se a realização de estudo semelhante em outras organizações, para que seja possível fazer uma comparação entre diferentes contextos e tipos de treinamentos. Por fim, como recomendação prática, sugere-se a realização de mais pesquisas sobre análise de necessidades de treinamento e desenhos instrucionais baseados em metodologias ativas que possibilitem a generalização e a transferência imediata de conhecimentos para o trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
Maria Cecília dos Santos Queiroz de Araujo
SQN 215 Bloco K Apartamento 106
Brasília, DF, Brasil 70874-110
E-mail: ceciliasqs@gmail.com

Recebido em: 13/11/2016
Primeira decisão editorial em: 29/03/2017
Versão final em: 18/04/2017
Aceito em: 25/04/2017

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