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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.4 Brasília out.-dez. 2017

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.4.13886 

Violência no trabalho: um estudo com enfermeiros/as em hospitais portugueses

 

Work violence: a study with nurses in portuguese hospitals

 

Violencia en el trabajo: un estudio con enfermeros/as en hospitales portugueses

 

 

Diana Marques; Isabel Soares Silva

Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como principais objetivos caraterizar a violência ocorrida sobre enfermeiros(as) hospitalares portugueses por parte de utentes e contribuir para a adaptação de uma escala sobre violência no trabalho em contexto português. Os dados foram recolhidos através de um inquérito online. Participaram no estudo 191 enfermeiros(as), 91.6% dos quais mulheres. Os resultados indicaram que a violência psicológica, em comparação com a vicariante e física, foi a mais frequente. Por exemplo, 56% dos profissionais referiram sentirem-se observados fixamente enquanto estavam a trabalhar quatro ou mais vezes durante o último ano, ao passo que 2.1% referiu ter sido ameaçado com uma arma com a mesma frequência e período de referência. Observou-se ainda que determinados serviços (e.g., urgências) estavam mais associados à ocorrência de violência, nomeadamente física, e que a violência estava associada a uma saúde psicológica mais pobre. O estudo inclui ainda a referência a possibilidades de intervenção neste domínio.

Palavras-chave: violência no trabalho; saúde psicológica; enfermeiros hospitalares.


ABSTRACT

The main goal of the present study was to characterize the violence against nurses by patients in Portuguese hospitals, and to contribute to the adaptation of a scale for violence at work in the Portuguese context. Data were collected through a survey available online. A total of 191 nurses (91.6% were women) participated in the study. The results indicated that psychological violence, as compared with vicarious and physical violence, was the most frequent. For example, 56% of professionals reported feeling observed fixedly while working, four or more times during the past year, while 2.1% claimed to have been threatened with a gun with the same frequency and reference period. It was also observed that certain departments (e.g., emergency) were more associated with violent occurrences, in particular physical violence, and that violence was associated with poorer psychological health. The study also includes reference to intervention possibilities in this field.

Keywords: workplace violence; psychological health; hospital nurses.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como principales objetivos caracterizar la violencia a los(as) enfermeros(as) por parte de usuarios de hospitales portugueses, y contribuir a la adaptación de una escala sobre violencia laboral en el contexto portugués. Los datos se recopilaron a través de una encuesta online. Participaron en el estudio 191 enfermeros, 91.6% son mujeres. Los resultados indicaron que la violencia psicológica, en comparación con la vicariante y física, fue la más frecuente. Por ejemplo, el 56% de los profesionales indicaron sentirse observados fijamente mientras estaban trabajando cuatro o más veces durante el último año, mientras que 2.1% afirmó haber sido amenazado con un arma con la misma frecuencia y período de tiempo. Se observó además que determinados servicios (e. g., urgencias) estaban más asociados a la ocurrencia de violencia, en particular la física, y que esta violencia estaba asociada a una salud psicológica más pobre. Este estudio tiene referencias a posibles intervenciones en este campo.

Palabras claves: violencia en el trabajo; salud psicológica; enfermeros de centros hospitalarios.


 

 

Ainda que a violência no trabalho se tenha tornado num fenómeno crescente em todo o mundo, o tamanho real do problema é em grande parte desconhecido (Spector, Zhou, & Che, 2014), ao ponto de se poder dizer que o conhecimento atual desta problemática é apenas a ponta do iceberg (Farrell & Shafiei, 2012). Em todo o caso, a investigação sobre o fenómeno tem aumentado consideravelmente, não só do ponto de vista da caraterização e estudo dos seus impactos (individuais, organizacionais e sociais), como também, da intervenção que exige (Lanctôt & Guay, 2014). Contudo, segundo Douglas e Nkporbu (2017), a falta de verbas e/ou financiamentos por parte de instituições públicas ou privadas, tem impedido o desenvolvimento de programas de saúde ocupacional para colmatar os problemas associados à violência nos mais diversos setores de atividade, de que são exemplos a educação e a saúde.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a violência no local de trabalho é definida como "qualquer ação, incidente ou comportamento que se afaste da conduta razoável e na qual uma pessoa é agredida, ameaçada, prejudicada, ferida no decurso, ou como resultado direto, do seu trabalho" (OIT, 2003, p. 4). De acordo com a mesma fonte, esta pode ser dividida em violência interna (quando a violência ocorre entre profissionais da organização, quer sejam colegas de trabalho, supervisores ou administradores) e violência externa (quando a violência ocorre entre profissionais da organização e indivíduos externos à mesma, como por exemplo, a violência entre pacientes e profissionais de saúde). O problema da violência no local de trabalho tem-se tornado um fenómeno social com dimensões significativas. Por exemplo, em 2015, aproximadamente 17% das mulheres e 15% dos homens pertencentes ao grupo de trabalhadores da União Europeia (UE) relataram terem sofrido de comportamentos sociais adversos no local de trabalho e 7% reportaram ter sofrido de algum tipo de discriminação no mesmo período temporal (Eurofound, 2016).

No que concerne à diferenciação do conceito de violência no local de trabalho, a Organização Mundial de Saúde dividiu-o em três grandes categorias: (1) Tipo I: atos violentos por parte de criminosos (e.g., furtos ou crimes afins) que não têm qualquer ligação com o local de trabalho; (2) Tipo II: violência dirigida a profissionais, clientes, pacientes, alunos, reclusos (entre outros), por parte de alguém fora da organização - os enfermeiros e funcionários dos serviços sociais são particularmente vulneráveis a este tipo de violência e (3) Tipo III: violência contra os colegas de trabalho, supervisores ou gerentes, por parte de um profissional ou ex-empregado da organização (OSHA, 2004). Por seu lado, a Eurofound (2013) - Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho -realçou a importância de diferenciar o conceito de violência no trabalho entre violência física e violência psicológica, dada a existência, por um lado, de ações e, por outro, de ameaças/intenções. Contudo, a mesma organização salientou a cautela necessária que terá de existir sempre que se tentar distinguir os dois fenómenos, pois a inter-relação das diferentes formas de violência pode fazer com que estes dois tipos de violência sejam confundidos. Enquanto a violência física implica ações/experiências que causam dano físico, a violência psicológica engloba intimidação, bullying, assédio, coerção, assédio sexual e abuso verbal (Eurofound, 2013).

 

Violência no trabalho no contexto de saúde

O fenómeno da violência tem sido relatado na maioria dos ambientes de trabalho, sendo que alguns setores de atividade, pela natureza do trabalho realizado, têm uma predisposição maior para a ocorrência destes atos de violência como, por exemplo, o da saúde, da educação, da prestação de cuidados a idosos, dos transportes, o jurídico e o de retalho (Lanctôt & Guay, 2014; Piquero, Piquero, Craig, & Clipper, 2013). Segundo Elliott (1997), o risco dos profissionais de saúde estarem envolvidos em episódios de violência no trabalho é cerca de dezasseis vezes superior ao dos profissionais de outras áreas, encontrando-se sujeitos, ao longo de toda a carreira profissional, à ocorrência de vários episódios de violência no trabalho. Também Phillips (2016) constatou, no contexto norte-americano, que certos ambientes hospitalares eram mais propensos à ocorrência deste tipo de violência como os serviços de emergência e de psiquiatria, independentemente do grupo ocupacional (i.e., médicos, enfermeiros ou outros profissionais). Ainda sobre os profissionais de saúde, Di Martino (2003) refere que estes estão mais expostos à violência do tipo II, podendo esta ser subdividida em duas categorias: (1) Violência física: qualquer aplicação de forma física contra um grupo de pessoas ou uma pessoa, com o intuito de causar dano (ver, por exemplo, as ilustrações referidas em Di Martino, Hoel, e Cooper, 2003) e (2) Violência psicológica: qualquer ato de rejeição, discriminação, humilhação e/ou desrespeito que implique um dano mental, espiritual ou social, na pessoa ou num grupo de pessoas (ver, por exemplo, as situações referidas por Mayhey e Chappell, 2001).

Mais recentemente, Speroni, Fitch, Dawson, Dugan, e Atherton (2014) estudaram a incidência da violência no local de trabalho perpetrada por pacientes ou visitantes, junto de mais de 750 enfermeiras em contexto hospitalar norte-americano. Considerando como referência o ano anterior, 76% das enfermeiras relatou ter sofrido de algum tipo de violência no local de trabalho (i.e., violência física ou verbal), sendo que estes atos de violência passaram por gritos, arranhões, pontapés ou maus-tratos.

Dentro das diferentes áreas hospitalares, os enfermeiros da ala psiquiátrica foram os que relataram maior número de incidentes. Também, Sun et al. (2017) encontraram relatos de violência no local de trabalho pela maioria dos profissionais de saúde estudados numa província da China (mais de 80% relatou episódios de violência e mais de 65% relatou episódios de violência não física). Em Portugal, segundo o Observatório Nacional da Violência Contra os Profissionais de Saúde no Local de Trabalho (2012), no ambiente hospitalar existia um maior número de relatos de violência psicológica (54%) do que física (8.1%), sendo que entre as diferentes formas de violência psicológica, a violência verbal (51%) era a que mais se destacava. Neste estudo, também foram comparados os atos de violência ocorridos nos últimos doze meses exercidos sobre enfermeiros e médicos. A incidência foi maior junto de enfermeiros (74%) do que médicos (58%). Por fim, também foi observado que a maioria das vítimas se sentiu insatisfeita perante esta situação, considerando que a situação poderia ter sido prevenida. De notar ainda que apenas 20% dos profissionais referiram ter informado os superiores da ocorrência. Mais recentemente, no âmbito do projeto Local Gender Equality, foi desenvolvido um "Guia para a integração a nível local da perspetiva de género", acerca da violência no trabalho (LGE, 2016). Segundo as informações recolhidas para este relatório, em Portugal, as mulheres são as principais vítimas de violência no local de trabalho e apesar de a maioria dos responsáveis da área de segurança e saúde no trabalho dos serviços públicos portugueses se preocupar com a ocorrência de atos de violência nas respetivas organizações, poucos foram os que criaram planos para colmatar este fenómeno.

 

Consequências da violência no local de trabalho

A literatura empírica crescente sobre a violência no local de trabalho tem demonstrado a associação entre esta e uma variedade de consequências para os trabalhadores. Por exemplo, Di Martino (2003) encontrou, num estudo de âmbito global, associação entre a violência no local de trabalho e consequências pessoais, organizacionais e sociais negativas. Com o mesmo intuito, Lanctôt e Guay (2014) desenvolveram uma revisão sistemática para estudar a relação entre a violência no local de trabalho e as suas consequências para os trabalhadores. Os autores encontraram sete níveis diferentes de consequências resultantes da violência no local de trabalho: físicas, psicológicas, emocionais, funcionamento do trabalho, relação com os pacientes e qualidade dos cuidados prestados, sociais e financeiras. Entre o leque de consequências identificadas, as psicológicas e as emocionais foram as mais associadas a este tipo de violência.

Dado que um dos objetivos do presente trabalho passa, como se verá, pelo estudo da associação entre violência no trabalho e saúde psicológica, apresentam-se de seguida estudos sobre as consequências resultantes da violência no local de trabalho a nível da saúde mental (i.e., depressão, ansiedade). Por exemplo, Zahid, Al-Sahlawi, Shahid, Awadh, e Abu-Shammah (1999) e Wykes e Whittington (1998) encontraram uma associação positiva entre violência no local de trabalho e consequências a nível psicológico (e.g., perturbação de stress pós-traumático e depressão). Também Lam (2002) investigou as consequências que a exposição a atos de violência teria sobre a saúde psicológica de enfermeiros(as) hospitalares. Para tal, recolheu dados de 314 enfermeiros(as) a trabalharem em quatro hospitais australianos, onde a maioria tinha sido exposta a atos de violência nas quatro semanas anteriores à avaliação. Cerca de 40% dos profissionais relataram sofrimento psicológico decorrente dos atos de violência sofridos e quase 10% apresentaram sintomas de depressão moderada a grave. Mais tarde, Belayachi, Berrechid, Amlaiky, Zekraoui, e Abouqal (2010) encontraram evidências que a exposição a alguma forma de violência estava relacionada com problemas de ansiedade nos médicos presentes nas emergências hospitalares.

Outros autores (e.g., Han et al., 2017; Llor-Esteban, Sánchez-Muñoz, Ruiz-Hernández, & Jiménez-Barbero, 2017) também têm encontrado associação entre violência no local de trabalho e problemas a nível psicológico. Focando apenas o bullying, fenómeno que traduz violência psicológica, ocorrido no local de trabalho, Nielsen, Magerøy, Gjerstad, e Einarsen (2014) realizaram uma revisão sistemática de estudos longitudinais que avaliavam a associação entre este tipo de violência e a saúde dos trabalhadores. Os autores encontraram evidências que o bullying no local de trabalho estava positivamente associado com problemas de saúde mental e sintomas somáticos. Também Verkuil, Atasayi, e Molendijk (2015) realizaram uma revisão sistemática, a qual, além de estudos longitudinais, englobava também estudos transversais que analisavam a relação entre bullying no local de trabalho e saúde dos trabalhadores. Nos estudos transversais foi encontrada associação positiva entre bullying e sintomas de depressão, ansiedade e queixas relacionadas com o stress, enquanto nos estudos longitudinais foi encontrada associação positiva entre bullying e queixas de saúde mental ao longo do tempo. Outros autores (Lanctôt & Guay, 2014; Menckel & Viitasara, 2002; Samir, Mohamed, Moustafa, & Saif, 2012; Ünsal Atan et al., 2013; Winstanley & Whitiington, 2004) apontam também para uma associação positiva entre diferentes tipos de violência no local de trabalho (e.g., física, verbal e/ou bullying) e consequências emocionais como sentimentos de raiva e irritabilidade, medo, apatia, pressão e stress. Os problemas de sono também têm sido associados à violência no local de trabalho, como indica, por exemplo, o estudo de Gluschkoff et al. (2017) com cerca de 5000 professores do ensino público finlandês ou o de Hanson, Perrin, Moss, Laharnar, e Glass (2015) realizado com assistentes de cuidados domiciliários norte-americanos ou, ainda, o de Ovayolu, Ovayolu, e Karadag (2014) junto de 260 enfermeiros turcos.

De outro ponto de vista, os efeitos da violência no trabalho também se manifestam a nível organizacional. Por exemplo, no estudo de Samir et al. (2012) realizado junto de 416 enfermeiras, foram encontrados relatos por parte da maioria dos profissionais que a violência no local de trabalho estava relacionada com aumento de erros na profissão, diminuição da qualidade dos cuidados prestados e diminuição da satisfação no trabalho. Por sua vez, Neto, Ferreira, Martinez, e Ferreira (2017) estudaram o papel que a exaustão emocional e o bem-estar psicológico poderiam ter na relação direta e indireta entre o bullying no local de trabalho e a perda de produtividade dos trabalhadores com base numa amostra de 353 trabalhadores de uma empresa de serviços. Os resultados indicaram uma associação positiva significativa entre o bullying no local de trabalho e a exaustão emocional que, por sua vez, estava relacionada com a perda de bem-estar psicológico. Os três fatores, por sua vez, estavam associados negativamente com a concentração demonstrada pelos trabalhadores no local de trabalho.

 

Estratégias de intervenção

Por fim, e considerando que o presente trabalho pretende também contribuir para o conhecimento de algumas das estratégias de intervenção passíveis de serem usadas em contexto hospitalar na prevenção/gestão da violência no trabalho, conclui-se o enquadramento teórico com a abordagem deste tema.

As estratégias de intervenção no fenómeno da violência no local de trabalho podem passar por diferentes etapas, nomeadamente intervenção primária, intervenção secundária e intervenção terciária (OSHA, 2004; Schat & Kelloway, 2003; WHO, 2008). De acordo com as fontes citadas, a intervenção primária ocorre quando o objetivo passa pela prevenção do fenómeno, reduzindo o risco de ocorrência de violência no local de trabalho como, por exemplo, implementação de sistemas de segurança e de programas anti-bullying; por sua vez, a intervenção secundária surge quando o fenómeno já ocorreu e o objetivo principal é atenuar os seus efeitos negativos, aumentando as capacidades individuais como, por exemplo, formação ou criação de um plano de emergência para ajudar a vítima; por último, a intervenção terciária é a etapa em que o objetivo passa pela disponibilização de meios para a recuperação do bem-estar psicológico e físico do profissional como, por exemplo, reintegração da vítima no ambiente de trabalho. Glina e Soboll (2012) sintetizaram um conjunto de medidas para os indivíduos envolvidos diretamente no assédio moral, fenómeno que traduz violência psicológica, quer sejam vítimas ou quer sejam agressores. Considerando o caso das vítimas, elas devem ter acesso, por exemplo, a estratégias como aconselhamento, psicoterapia, grupos de apoio ou de reintegração no ambiente de trabalho. Segundo Múrias, Sales, e Morais (2015), para prevenir a violência no trabalho deve existir um código de boas práticas que deve ser difundido e contribuir para a consciencialização das situações de violência existentes na organização. De modo específico, essas práticas devem passar por: (1) Criar uma política de prevenção da violência no local de trabalho, definindo e proibindo comportamentos de violência, intimidação ou assédio; (2) Assegurar um ambiente de trabalho isento dos atos de violência; (3) Formação e sensibilização contra a violência no trabalho; (4) Criação de mecanismos internos de receção e investigação dos casos de violência; (5) Garantia dos direitos dos trabalhadores da organização e, por último, (6) Reprovação e censura de todos os comportamentos violentos, sancionando os infratores.

O presente estudo tem dois grandes objetivos. O primeiro, pretende contribuir para a caracterização do fenómeno da violência no trabalho em Portugal junto de enfermeiros/as em contexto hospitalar. No âmbito de tal caracterização, é analisado o modo e a frequência dos comportamentos violentos por parte dos utentes/clientes face a tais profissionais; a relação entre a violência no trabalho e variáveis do contexto de trabalho e individuais, designadamente, tipo de serviço hospitalar e saúde psicológica; e, por fim, a frequência de utilização de algumas das estratégias passíveis de gerir o fenómeno da violência no trabalho. A contribuição do presente estudo para a adaptação da Escala de Agressão e Violência no Trabalho (Agression and Violence at Work) de Rogers e Kelloway (1997) para o contexto português, constitui um outro objetivo. A recolha de dados ocorreu junto de profissionais de enfermagem e o tipo de violência estudado foi o Tipo II, o qual, como referido, diz respeito à violência exercida por clientes/utentes face a profissionais. Neste caso, como referido também, a designação de violência externa também pode ser aplicada.

 

Método

Participantes

A amostra é constituída por 191 enfermeiros(as) hospitalares, maioritariamente do sexo feminino (91.6%). Mais de metade (58.7%) tem idade igual ou inferior a 35 anos e, em termos de formação académica, a maioria (81.7%) possui o grau de Licenciatura. Relativamente à situação profissional, a maioria trabalha em hospitais públicos (86.4%), de grande dimensão (59.7%), caraterizados como gerais (64.9%) e encontram-se a trabalhar na respetiva organização, em média, há 12.17 anos (DP = 9.56). No que diz respeito ao serviço atual de trabalho, os profissionais encontravam-se alocados aos seguintes serviços hospitalares: Medicina (15.7%), Cirurgia (14.7%), Medicina Interna (13.6%), Urgências (12.6%), Medicina Geral (9.9%), Psiquiatria (6.8%), Maternidade (5.2%), Cuidados Continuados (4.2%), Neurologia (3.7%), Cuidados Intensivos (3.1%), Pediatria (3.1%), Ortopedia (2.1%), Geriatria (2.1%), Trauma (1.6%) e Geral (1.6%).

Instrumentos

Os instrumentos de recolha de dados foram agrupados num protocolo de investigação constituído por quatro partes. A primeira parte continha um conjunto de questões de natureza sociodemográfica (idade, sexo, habilitações literárias) e profissional (setor hospitalar: público ou privado, dimensão e tipo de hospital, serviço e antiguidade na profissão) com vista à caraterização da amostra. A segunda parte integrava a Escala de Agressão e Violência no Trabalho (Agression and Violence at Work) de Rogers e Kelloway (1997). Como este instrumento não se encontrava adaptado para a população portuguesa, foi necessário, após devida autorização junto dos autores para a sua utilização em contexto português, proceder à tradução dos respetivos itens. Uma vez concluída a tradução, esta foi discutida com investigadores(as) na área da Psicologia do Trabalho e das Organizações e com uma responsável por um serviço hospitalar na área da enfermagem, tendo sido feitos pequenos ajustes no sentido de uma melhor adaptação ao contexto português. Posteriormente foi realizado um pré-teste online a 15 enfermeiros(as) pós-graduados(as). O acesso ao primeiro profissional contactado foi conseguido através da rede de contactos informais da primeira autora do trabalho, tendo este profissional desde logo se disponibilizado para apoiar no contacto com outros colegas de profissão, alguns dos quais, por sua vez, estabeleceram contacto com outros/as colegas. O feedback obtido em termos de clareza da escala foi muito positivo não tendo sido sugeridas alterações à versão apresentada. A escala é composta por 16 itens que avaliam a frequência de acontecimentos agressivos ou violentos, durante o último ano, que podem ocorrer no local de trabalho, provenientes de várias fontes, neste caso, pacientes ou utentes. Estes são avaliados numa escala tipo Likert de quatro pontos, com a seguinte valoração: 0 (Nunca), 1 (Uma vez), 2 (Duas ou Três vezes) e 3 (Quatro ou mais vezes). A versão original é composta por três subescalas: 1) violência física no trabalho, 2) violência psicológica no trabalho e 3) violência vicariante no trabalho. A subescala de violência física é composta por oito itens e avalia a ocorrência de uma variedade de comportamentos fisicamente violentos no local de trabalho (e.g., ser esbofeteado, pontapeado, ameaçado com uma arma) ocorridos durante o último ano. A subescala de violência psicológica, avalia a frequência de ocorrência de comportamentos de agressão psicológica (e.g., "já lhe gritaram ou berraram enquanto estava a trabalhar?"), sendo composta por três itens. Por fim, a subescala de violência vicariante é composta por cinco itens. Estes avaliam a experiência deste tipo de violência através da perceção (direta ou visual, indireta ou auditiva) de atos de violência direcionados a outros profissionais dentro do local de trabalho (e.g., colegas de trabalho ou diretores). Um exemplo de um item da escala é "Alguma vez viu algum dos seus colegas de trabalho/diretores experienciar acontecimentos violentos no trabalho?".

Quanto maior a pontuação obtida, maior a frequência de exposição a comportamentos de violência na respetiva subescala. Mais adiante, na secção dos resultados, serão apresentadas as características psicométricas deste instrumento com base na amostra recolhida. O protocolo integrava também, na terceira parte, o Questionário Geral de Saúde General Health Questionnaire (GHQ), o qual, corresponde a uma medida simples da saúde mental. No presente estudo, foi utilizada a versão reduzida (composta por 12 itens) da versão original de 28 itens (Goldberg, 1992), adaptada para a população portuguesa por McIntyre, McIntyre, e Redondo (1999). O questionário é composto por afirmações que pretendem avaliar a saúde dos participantes nas últimas semanas. Estas afirmações integram uma variedade de domínios, tais como níveis de autoconfiança, depressão, perda de sono e solução de problemas (Silva, Azevedo, & Dias, 1995). Um exemplo de um dos itens é "Tem-se sentido constantemente sob pressão?". As respostas são dadas numa escala de Likert de 4 pontos, desde "Menos que habitualmente" até "Muito mais que habitualmente". Quanto maior o valor obtido, maior o grau da perturbação. Na versão portuguesa foram identificados dois fatores: Fator Depressão e Fator Ansiedade. O primeiro, com um coeficiente do Alpha de Cronbach de .83 e o segundo de .77. Da quarta e última parte do protocolo, constavam ainda questões de resposta dicotómica ("sim" e "não") relativas a três possíveis estratégias de prevenção e gestão da violência no local de trabalho, designadamente: "vigilância de seguranças", "apoio psicológico" e "apoio jurídico". A identificação de tais estratégias baseou-se numa investigação sobre o fenómeno da violência no local de trabalho em contexto português (Sousa, Silva, Veloso, Tzafrir, & Enosh, 2014), neste caso, junto de assistentes sociais.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Numa fase inicial, foi estabelecido contacto por correio eletrónico junto de quatro instituições hospitalares para se efetuar a recolha de dados. Nesses contactos foram explicados quais os objetivos do estudo, os contributos esperados do mesmo, bem como os respetivos procedimentos. Atendendo a que nenhuma das instituições contactadas demonstrou interesse em colaborar no estudo, optou-se pela criação de uma versão online do protocolo de investigação. O link para aceder a tal protocolo foi disponibilizado nas redes sociais, fóruns de profissionais de enfermagem e através de uma entidade sindical. O protocolo de investigação esteve disponível online durante cerca de um mês e meio (desde meados do mês de maio até ao fim do mês de junho de 2015). Antes de poder iniciar o preenchimento do mesmo, os participantes eram informados acerca dos objetivos do estudo, de que o anonimato e a confidencialidade dos dados eram assegurados e, por fim, era-lhes solicitado o consentimento informado, sem o qual, não era possível avançar para o preenchimento.

Procedimentos de análise de dados

Para a análise dos dados recorreu-se ao programa estatístico de análise de dados Statistical Packade for the Social Sciences (IBM® SPSS®, versão 20.0.0). Além de análises descritivas, foram realizados testes estatísticos, nomeadamente correlação de Pearson e test t para amostras independentes, considerando um nível de significância de p < .05. Uma vez que a escala de Agressão e Violência no Trabalho não se encontrava adaptada para o contexto português, as análises realizadas iniciaram-se pelo estudo das suas propriedades, tendo para o efeito sido analisada a sua validade e fidelidade, conforme descrição a seguir.

 

Resultados

Propriedades psicométricas da escala de Agressão e Violência no Trabalho

Para o estudo da validade da escala de Agressão e Violência no Trabalho efetuou-se uma análise fatorial exploratória dos componentes principais com rotação varimax, tendo sido considerado o critério de normalização de Kaiser (eigenvalue > 1). A análise da fidelidade (consistência interna) foi realizada através do cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach.

A medida de KMO (Kaiser-Meyer-Olkin measure of sampling adequacy) verificou a adequação da amostra para a análise, ten-do indicado um valor de .86, o que é acima do limite aceitável de .50 (Field, 2005). Por seu lado, o teste de esfericidade de Bartlett χ2(120) = 1187.83, p < .001, indicou que a correlação entre os itens era suficientemente grande, permitindo, por conseguinte, a continuidade das análises.

Verificou-se, contrariamente ao descrito na escala original, a extração de 4 componentes (doravante designados de fatores), que explicavam uma variância total de 62.26%. Na Tabela 1 são apresentados os pesos de saturação dos 16 itens da escala pelos 4 fatores obtidos, bem como as comunalidades associadas. Em termos de critérios de retenção do item de um dado fator, teve-se em consideração critérios de natureza estatística (peso igual ou superior a .50 no fator e contributo do item no cálculo da fiabilidade da subescala) e de natureza teórica. O item 13 satura em dois fatores (1 e 3), tendo-se optado por considerá-lo no fator 3 por razões teóricas. Não obstante a obtenção de quatro fatores, de um modo geral, os itens saturaram nas dimensões teóricas correspondentes, ou seja, violência física, violência vicariante e violência física. De salientar que os oito itens incluídos na violência física na versão original da escala, desdobram-se em dois fatores, tendo uma análise do conteúdo dos mesmos, indicado grosso modo, dois tipos de referentes dessa violência: uma mais dirigida a bens e outra dirigida ao próprio profissional.

 

 

Como se observa na referida Tabela, o primeiro fator, denominado de Violência Psicológica, explica 16.75% da variância total e nele saturam os itens 9, 10, 11 e 12. O segundo fator explica 16.24% da variância total e engloba os itens 1, 2, 3 e 4. Este fator foi designado por Violência física dirigida ao profissional, pois os itens que o constituem apresentam um caráter de dano para a própria vítima (e.g., "já alguém lhe cuspiu ou mordeu"). No que diz respeito ao terceiro fator, denominado de Violência Vicariante, este explica 15.62% da variância total e agrega os itens 13, 14, 15 e 16. Por fim, o quarto fator, agrupa os itens 5, 6, 7 e 8 e explica uma variância total de 13.65%. Considerando o conteúdo dos itens que constituem este fator, em que dois deles contemplam como principal ameaça os bens pessoais da vítima (e.g., "já alguém o ameaçou de danificar os seus bens"), optou-se por incluir na designação de tal fator a expressão "dirigida a bens". Em relação aos outros dois itens, poder-se-á dizer que a violência se manifesta com recurso a objetos (neste caso, "arma" e "porta") pelo que o denominador comum neste fator parece ser a "conexão" a objetos (bens pessoais mas não só) na manifestação dos comportamentos violentos. Em todo o caso, sublinhe-se que nos itens que envolvem "objetos" que não os bens pessoais do profissional, a violência não deixa de ser dirigida ao próprio profissional. Considerando o conjunto das observações anteriores, optou-se, por questões de facilidade, por designar tal fator como Violência física dirigida a bens.

De seguida, foi analisada a consistência interna coeficiente Alpha de Cronbach para cada uma das subescalas. Observou-se que tal coeficiente oscilou entre .68 violência física dirigida a bens e .81 violência física dirigida ao profissional. Os coeficientes para todas as subescalas podem ser observados na Tabela 2. À exceção da subescala violência dirigida a bens, as restantes subescalas apresentam um valor de Alpha de Cronbach superior a .70, e por isso, segundo Field (2005), valores aceitáveis ou bons ao nível de fiabilidade. Em relação à subescala Violência dirigida a bens dado que o valor obtido é próximo do valor mínimo aceitável, optou-se por considerar a sua inclusão nas análises seguintes. Em todo o caso, é importante que a leitura dos resultados obtidos com a mesma seja feita com as devidas reservas. Na Tabela 2 são também apresentados os resultados obtidos entre as correlações das diferentes subescalas de violência, sendo que todas as subescalas se encontram correlacionadas positivamente entre si, oscilando entre .35 (correlação entre a violência vicariante e a violência física dirigida ao profissional) e .58 (correlação entre violência psicológica e violência vicariante).

 

 

Caracterização da violência no trabalho

Nesta secção são apresentados os resultados relativos à caracterização da violência no trabalho, incluindo a análise da relação entre esta e variáveis individuais e organizacionais bem como a frequência de existência de algumas das estratégias de intervenção. Esta caracterização começa, no entanto, pela apresentação detalhada dos resultados relativos à frequência com que os profissionais experienciaram comportamentos considerados violentos ou agressivos no seu local de trabalho, durante o último ano. Tais resultados encontram-se na Tabela 3, organizados por ordem decrescente de ausência do comportamento.

 

 

Como se pode observar, o comportamento referido como menos frequente por parte dos profissionais diz respeito à "ameaça com armas" enquanto se encontravam a trabalhar. Especificamente, 2.1% dos profissionais afirma ter sido vítima de tal comportamento quatro ou mais vezes durante o último ano, ao passo que cerca de 93% dos profissionais afirmou nunca ter experienciado esse comportamento por parte dos pacientes no período de referência considerado. Por outro lado, o comportamento que mais profissionais de saúde referiram experienciar com maior frequência está relacionado com o facto de estes se sentirem observados fixamente enquanto estavam a trabalhar. Especificamente, mais de metade dos profissionais (55.5%) refere já ter experienciado este comportamento quatro ou mais vezes, sendo que 17% afirma nunca ter tido essa experiência no último ano.

De seguida apresenta-se o estudo da associação entre as várias facetas, de perceção de violência no local de trabalho e a saúde psicológica e o tipo de serviço hospitalar. Na Tabela 4 são apresentados os coeficientes de correlação de Pearson entre as dimensões de violência no local de trabalho e a saúde psicológica nas suas duas facetas ansiedade e depressão. Como se pode observar na referida Tabela, ambas as facetas estão associadas de modo estatisticamente significativo e de modo positivo com a violência psicológica e a violência física dirigida a bens. Verifica-se, ainda, uma associação estatisticamente significativa e no sentido esperado (i.e., positivo) entre a saúde psicológica, na sua vertente depressão e a violência vicariante e a violência física dirigida ao profissional.

 

 

Com o intuito de estudar a relação entre a perceção de violência e o tipo de serviço foram criados dois grupos, tendo tal agrupamento sido guiado pela literatura (e.g., Phillips, 2016). Assim, um dos grupos, designado como de "maior risco" de violência, inclui as unidades hospitalares de Psiquiatria, Urgências, Neurologia e Cuidados Continuados. O segundo grupo, designado como de "menor risco" de violência, inclui os restantes serviços. Na Tabela 5 são apresentados os valores médios obtidos em cada tipo de violência, tendo o teste t de Student para amostras independentes indicado a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em ambas as facetas da violência física, ou seja, violência dirigida ao profissional e violência dirigida a bens. Especificamente, os profissionais integrados em serviços hospitalares considerados de maior risco exibem uma maior perceção de violência física quando comparados com os restantes profissionais.

 

 

Conclui-se a secção dos resultados com a apresentação das frequências quanto às três estratégias de prevenção e de gestão da violência inquiridas. Assim, 78% dos profissionais referiram que o hospital onde exerciam a sua atividade profissional dispunha de serviço de vigilância de seguranças, 58.1% referiram que o hospital dispunha de algum tipo de serviço de apoio jurídico em caso de violência e 41.4% referiram a disponibilização de algum tipo de serviço de apoio psicológico face a tal ocorrência.

 

Discussão

O presente estudo tinha como um dos principais objetivos contribuir para a caracterização do fenómeno da violência no trabalho no contexto português junto de profissionais de enfermagem, incluindo a análise da relação deste fenómeno com variáveis do contexto laboral (tipo de serviço) e ao nível da saúde psicológica dos profissionais. Estas características fazem com que o estudo venha juntar-se à escassa literatura incidente sobre a problemática da violência no trabalho em Portugal. Além disso, o estudo pretendia também contribuir para a adaptação de uma medida do fenómeno para o contexto português.

Os resultados obtidos indicaram que a violência psicológica foi a que ocorreu com mais frequência junto dos(as) profissionais inquiridos(as) e, dentro desta, o comportamento predominante foi a violência verbal. No conjunto, tais resultados são consonantes com a literatura (e.g., LeBlanc & Barling, 2004; Silva, Aquino, & Pinto, 2014). Comparando os resultados obtidos no presente estudo com os resultados de 2012 obtidos pelo Observatório Nacional da Violência Contra os Profissionais de Saúde no Local de Trabalho, no âmbito hospitalar (8.1% dos profissionais relatou violência física e 54% relatou violência psicológica), pode referir-se que se trata de um fenómeno bastante recorrente no setor estudado, pelo que a adoção de estratégias por parte das organizações de modo a prevenir e gerir esta situação, julga-se necessária.

Quanto à relação entre as dimensões de violência e outras variáveis, designadamente, saúde psicológica e serviço hospitalar onde o profissional de saúde exercia a sua atividade, os resultados, de modo geral, são também consonantes com a evidência disponível. Assim, e no que concerne à saúde psicológica, foram encontradas associações positivas entre esta variável (especificamente, depressão e ansiedade) e os diferentes tipos de violência estudados, o que vai ao encontro de estudos anteriores (e.g., Belayachi et al., 2010, Han et al., 2017; Lam, 2002), os quais, indicaram que a violência no local de trabalho estava associada a consequências a nível psicológico nos profissionais envolvidos, nomeadamente perturbações de humor e de ansiedade. Como referem Hershcovis e Barling (2010) a este propósito, a exposição à violência encontra-se relacionada com perturbações de humor, levando a consequências como a ocorrência de depressões e crises de ansiedade. Segundo Hoel, Sparks, e Cooper (2001), quanto maior a frequência e mais grave a forma de violência, maior será o efeito negativo, ou seja, maior será o impacto sobre a saúde dos indivíduos.

Quanto ao tipo de serviço, no presente estudo, os serviços considerados de maior risco pela sua natureza e pelo tipo de utentes a quem prestam cuidados de saúde (e.g., Urgências, Psiquiatria), foram aqueles em que os(as) profissionais apresentaram maior perceção de violência física, o que vai ao encontro da literatura existente. Por exemplo, Speroni et al. (2014) observaram diferenças entre serviços hospitalares norte-americanos, nomeadamente entre os serviços de urgência e os restantes serviços hospitalares. Também Phillips (2016) concluiu que existem serviços hospitalares mais propensos à ocorrência de violência, como os serviços de emergência e de psiquiatria, o que suporta os resultados obtidos no presente estudo.

As estratégias de intervenção são fundamentais para colmatar a violência no local de trabalho, tanto numa fase preventiva como remediativa. A nível de intervenção primária, é fundamental que as organizações disponham de mecanismos capazes de evitar a ocorrência do fenómeno da violência, tais como promover ações de sensibilização sobre o fenómeno e seus impactos (e.g., Belayachi et al., 2010), conceber planos de formação para a deteção, gestão e prevenção dos diferentes tipos de violência no local de trabalho (e.g., Ovayolu et al., 2014) e instalar mecanismos de segurança mais eficazes, como detetores de metais para evitar o uso de armas em ambientes hospitalares (e.g., OSHA, 2004). No presente estudo, 78% dos profissionais referiram que o hospital onde exerciam a sua atividade profissional dispunha de serviço de vigilância de seguranças, resultado que parece apontar para a possibilidade de melhoria neste âmbito. Depois de ocorrido o ato de violência, é necessário criar estratégias mais focadas em atores específicos (intervenção secundária) que permitam identificar e acabar com os atos de violência, como por exemplo, a criação de um "grupo de emergência" (Glina & Soboll, 2012), onde a administração pode acompanhar o caso ou os colegas de trabalho podem apoiar a vítima. Por último, a nível terciário, é fundamental reabilitar a vítima e o agressor disponibilizando, por exemplo, apoio psicológico para as vítimas ou definir disposições jurídicas para os agressores (Samir et al., 2012). No estudo realizado, cerca de 60% dos(as) enfermeiros(as) referiram que o hospital dispunha de algum tipo de serviço de apoio jurídico em caso de violência, e cerca de 40% referiram a disponibilização de algum tipo de serviço de apoio psicológico.

Ainda que não tenha sido possível compreender em detalhe o tipo de serviço jurídico e psicológico disponibilizados (e sua taxa de utilização), o conjunto dos dados parecem sugerir, no entanto, a importância das instituições, neste caso, hospitalares, reforçarem este tipo de apoios, incluindo a sua divulgação junto de todos os profissionais. Com efeito, é possível que um dado serviço até exista, mas não seja de conhecimento geral.

A investigação sobre o fenómeno de violência no trabalho é escassa em Portugal, ainda que, nos últimos anos, se tenha registado uma preocupação crescente por parte da comunicação social na sua divulgação. O estudo levado a cabo contribuiu para a caraterização da violência no meio hospitalar em Portugal, tendo indicado uma expressão significativa do fenómeno junto de profissionais de enfermagem, em especial, na sua vertente psicológica. De notar que os efeitos da violência tanto a nível pessoal como organizacional tendem a ser notáveis. Na interpretação dos resultados devem ter-se em conta, no entanto, certas limitações do presente estudo, nomeadamente o facto de ser de natureza transversal e envolver apenas profissionais de enfermagem, pelo que seria importante alargar o estudo a outros grupos ocupacionais, nomeadamente, a pessoal médico e auxiliar no setor da saúde.

Ainda ao nível das limitações, relembra-se o facto de a subescala Violência física dirigida a bens ter apresentado algumas fragilidades do ponto de vista psicométrico. Por outro lado, a ausência de retrotradução da escala utilizada, constitui igualmente uma limitação, pelo que o (eventual) aperfeiçoamento desta medida, em especial ao nível do quarto fator, constitui uma necessidade de investigação futura decorrentes deste estudo. Uma outra linha de investigação que se crê importante no âmbito do aprofundamento desta problemática, seria ao nível da avaliação da eficácia das estratégias de intervenção, até porque há determinados serviços que, pela natureza da atividade que exercem, terão que lidar frequentemente com o risco de violência no trabalho. Assim, seria interessante, por exemplo, em investigação futura cruzar o tipo e a frequência de estratégias de intervenção presentes e/ou utilizadas com o serviço em causa e respetiva eficácia ao longo do tempo. Tal avaliação, remete, no entanto, para o privilegiar de estudos de natureza longitudinal.

 

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Endereço para correspondência:
Diana Marques
Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Campus de Gualtar
4710-057, Braga, Portugal
E-mail: E-mail: diana_marques_671@hotmail.com; isilva@psi.uminho.pt

Recebido em: 31/05/2017
Primeira decisão editorial em: 25/07/2017
Versão final em: 15/09/2017
Aceito em: 23/09/2017

 

 

Agradecimentos: As autoras desejam agradecer ao/às Editor/as do Número Especial "Psicologia das Organizações, do Trabalho e dos Recursos Humanos em Portugal" da rPOT bem com aos/às revisores/as da primeira versão do manuscrito, as sugestões e recomendações feitas. Desejam ainda agradecer aos/às profissionais que participaram no estudo.

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