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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.1 Brasília enero./mar. 2018

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.1.13395 

Significados do trabalho e do dinheiro: quais suas funções sociais?

 

The meanings of work and money: what are their social functions?

 

Los significados del trabajo y del dinero: ¿Cuáles sus funciones sociales?

 

 

Sabrina Cavalcanti BarrosI,II; José Luis ÁlvaroII Livia de Oliveira BorgesI

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil
IIUniversidad Complutense de Madrid, Madrid, Espanha

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudos sobre o trabalho e o dinheiro têm enfatizado a dimensão institucional desses fenômenos, destacando funções como a capacidade de interligar a satisfação das necessidades individuais e a manutenção da ordem social. Tais funções são ativadas no cotidiano dos indivíduos, sendo construídas socialmente na produção dos significados dos referidos fenômenos. Exploramos as funções que os significados do trabalho e do dinheiro cumpriram na vida dos operários da construção civil. Realizamos entrevistas semiestruturadas com 44 operários e desenvolvemos análise de conteúdo temática. Identificamos dois grandes eixos norteadores: inclusão e inserção sociais versus exclusão social e realização e sentido de utilidade versus degradação. Os resultados indicaram que as condições de trabalho precárias e a escassez de dinheiro estruturaram os modos de enfrentamento dessas realidades, na valorização dos benefícios alcançados, na naturalização e no conformismo, decorrentes da dureza e limitação de oportunidades experimentadas por esses trabalhadores. Limitações da pesquisa e sugestões são apontadas.

Palavras-chave: Significados do dinheiro; Significados do trabalho; Trabalhadores da construção civil.


ABSTRACT

Studies on work and money have emphasized the institutional dimension behind these phenomena, highlighting functions like the ability to interconnect the satisfaction of individual needs and the maintenance of the social order. Individuals construct them socially. We explore the functions that the meanings of work and of money have fulfilled in the lives of construction workers. We conducted semi-structured interviews with 44 workers, and later developed thematic content analysis. We identified two main guiding axes: social inclusion and incorporation versus social exclusion, and achievement and sense of usefulness versus degradation. The results indicated that the precarious working conditions and the scarcity of money experienced daily by the workers structured their ways of coping with these realities, in valuing the benefits achieved, and in acclimation and acceptance, resulting from the hardship and limitation of opportunities experienced by these workers.

Keywords: Meanings of money; Meanings of work; Construction workers.


RESUMEN

Los estudios sobre el trabajo y el dinero han puesto de relieve la dimensión institucional de estos fenómenos, destacando funciones como la capacidad de vincular la satisfacción de necesidades individuales y el mantenimiento del orden social. Dichas funciones son socialmente construidas. Estudiamos las funciones que los significados del trabajo y del dinero cumplieron en la vida de los trabajadores de la construcción civil. Llevamos a cabo entrevistas semiestructuradas con 44 trabajadores y desarrollamos análisis de contenido temático. Identificamos dos grandes ejes orientadores: la inclusión e integración social versus la exclusión social y la plenitud y sentido de utilidad versus la degradación. Los resultados indicaron que las condiciones precarias de trabajo y la falta de dinero estructuraron los modos de hacer frente a estas realidades, con valoración de los beneficios logrados, con la naturalización y el conformismo, resultantes de la dureza y de la limitación de oportunidades experimentadas por dichos trabajadores.

Palabras claves: Significados del dinero; Significados del trabajo; Trabajadores de la construcción civil.


 

 

Estudos têm aclarado o papel estruturador do trabalho e/ou suas funções nas sociedades contemporâneas (Agulló, 1998; Lu, Huang, & Bond, 2016; MOW, 1987; Navarro & Padilha, 2007; entre outros). Clot (2006), por exemplo, destacou a função psicológica do trabalho, considerando que este viabiliza a inserção do indivíduo no mundo social pela apropriação de regras e transformação das ações. Jahoda (1987), corroborada por outros autores, como Álvaro (1992) e Wanberg (2012), abordou as funções sociais do trabalho/emprego, como manifestas (recursos econômicos) e latentes (estrutura o tempo e relações interpessoais fora do entorno familiar; mobiliza os indivíduos em propósitos coletivos; provê uma atividade; confere status e identidade). Harpaz e Fu (2002), além dos aspectos econômicos, atribuíram ao trabalho funções como autoestima, satisfação, identidade, interação social e status. Nesses estudos, o dinheiro aparece frequentemente apenas como uma recompensa do trabalho (emprego), na forma de salário e/ou remuneração. Entretanto, tal como ocorre com o trabalho, o dinheiro apresenta outras funções que refletem práticas sociais, com vistas a atender necessidades materiais e, sobretudo, subjetivas dos indivíduos. Tal fato o torna um poderoso símbolo de troca (Furnhan, 2014; Gusmán Fernández, 2000; Zelizer, 1989).

As funções mencionadas se concretizam nas vivências cotidianas dos indivíduos e, por consequência, impactam na produção de seus respectivos significados. Autores como Bujold, Fournier e Lachance (2013), citaram os estudos de Blustein (2006), chamando a atenção para a interdependência entre as funções e os significados do trabalho, destacando a sobrevivência, a conexão social e a autodeterminação (capacidade de agir visando ao bem-estar) como aspectos comuns a ambos. No entanto, a diferença está em que os estudos sobre as funções - do trabalho e do dinheiro - enfatizam a dimensão institucional, na medida em que impõem categorias de experiências que tornam possíveis a organização social e a criação de vínculos entre as necessidades individuais (status e identidade, relações interpessoais, reconhecimento social e estruturação do tempo) e a manutenção da ordem na sociedade. Todavia, como já apontado, tais funções não são estáticas e alheias aos indivíduos. Antes, são ativadas nas práticas cotidianas e construídas socialmente por meio dos significados que estes atribuem às experiências com o trabalho e ao uso do dinheiro.

Nessa compreensão, planejamos a presente pesquisa com o objetivo de explorar as funções que os significados do trabalho e do dinheiro cumprem na vida dos operários da construção civil. Queremos, em outras palavras, nos introduzir na discussão sobre as formas com que tais significados regulam e/ou organizam a vida desses trabalhadores.

Escolhemos os operários da construção civil pelos aspectos singulares da ocupação, tomada como eixo do desenvolvimento nacional (Gonçalves, 2015) e capaz de atrair trabalhadores com baixa instrução formal (Santos, 2010; Souza, 1983; Takahashi, Silva, Lacorte, Ceverny, & Vilela, 2012). Entretanto, é uma ocupação em que se vivenciam problemas gerenciais, como persistência de más condições de trabalho, culminando com elevados índices de acidentes de trabalho (Borges & Peixoto, 2011; Silva & Borges, 2015); elevada rotatividade (Oliveira & Iriart, 2008); baixo investimento em qualificação profissional; diversidade de vínculos de trabalho (p. ex., emprego por tempo indeterminado, terceirizados, informais, autônomos, prestadores de serviços individualizados registrados como pessoa jurídica) e baixa taxa de sindicalização. Já existem estudos antecedentes sobre o significado do trabalho nesta ocupação (p. ex., Barros & Borges, 2016; Borges, 1997; Borges & Barros, 2015; Pinheiro, 2014). A exploração que planejamos tem, então, a possibilidade de complementar e desenvolver conhecimentos anteriormente produzidos.

 

Significados do trabalho

A literatura aponta a década de 1980 como o período a partir do qual os estudos sobre os significados do trabalho ganharam uma maior sistematização teórica e metodológica (p. ex., ArnouxNicolas, Sovet, Lhotellier, & Bernaud, 2016; Bendassolli & Gondim, 2014; Borges, 1998). Os avanços nas investigações contribuíram para a compreensão das correntes epistemológicas norteadoras desses estudos (Rosso, Dekas, & Wrzesniewski, 2010; Schweitzer, Gonçalves, Tolfo, & Silva, 2016; Tolfo, Coutinho, Baasch, & Cugnier, 2011). Borges e Yamamoto (2010), por exemplo, identificaram duas tendências. Uma, empírico-descritiva, focaliza a identificação e classificação das dimensões dos significados do trabalho, apresenta uma concepção mais idealista (focalizando quase exclusivamente os significados que favorecem o bem-estar) e não aborda a influência dos contextos socioculturais. Também aplica uma visão dualista (qualitativa versus quantitativa) sobre as técnicas de análise de dados, como Meaning of Work International Research Team - MOW (1987). Outra tendência, denominada por Borges (1998) como "em transição", tenta construir uma visão dinâmica e processual dos significados do trabalho. Ao contrário da anterior, considera o meio sociocultural, assim como os nexos e as contradições inerentes ao fenômeno. O autor supera o dualismo metodológico ao combinar diferentes técnicas de análise de dados. Para Borges e Yamamoto (2010), esta tendência não rejeita a anterior, mas avança para uma compreensão sócio-histórica e dialética do fenômeno (Brief & Nord, 1990).

Alguns pesquisadores têm diferenciado conceitualmente as expressões "significados do trabalho" e "sentidos do trabalho", ambas utilizadas na literatura (Rosso et al., 2010; Schweitzer et al., 2016; Tolfo et al., 2011; entre outros), fazendo distinção entre o que seria uma construção social - significado e individual - sentido. Em concordância, Bendassolli e Gondim (2014) introduziram o conceito de "função psicológica" na discussão, descrevendo-o como um articulador entre significado e sentido. Embora reconheçam a interdependência entre esses dois, a crítica reside na falta de clareza conceitual por parte dos investigadores, conduzindo, segundo Bendassolli e Gondim, a uma sobrevalorização equivocada de uma ou outra expressão.

Neste estudo, nos baseamos no modelo de Borges e Tamayo (2001), composto por quatro facetas: (1) centralidade do trabalho, "importância do trabalho em termos absoluto e relativo, quando comparado a outras esferas de vida"; (2) atributos valorativos, "o que o indivíduo considera que o trabalho deva ser"; (3) descritivos, "o que o indivíduo percebe caracterizar trabalho na realidade"; e (4) hierarquia desses atributos "em que ordem de prioridade o indivíduo organiza tais atributos". Esses autores compreenderam os significados do trabalho como cognição subjetiva (individual) e social (sócio-histórica). Nesse sentido, um fenômeno processual e dinâmico, segundo Borges (1998). Sobre a adequação terminológica deste modelo, Borges e Barros (2015) e Borges e Yamamoto (2010) consideraram já consolidada na literatura a expressão "significados do trabalho", além de que, na prática, significado e sentido são indissociáveis. Os sentidos do trabalho são construções sociais (significados, nos termos desta distinção), ao mesmo tempo em que os significados do trabalho dependem dos sentidos que os indivíduos atribuem às suas atividades.

Pesquisas baseadas neste modelo apresentaram diferenças de significados por ocupação. Por exemplo, docentes (Heleno, 2016) e psicólogos (Borges & Yamamoto, 2010) valorizaram os aspectos econômicos e a percepção do trabalho como humanizante e socializador. Para trabalhadores voluntários, o trabalho ideal e o concreto foram semelhantes, considerado como realização, condições de trabalho adequadas e igualdade de direitos (Silva, Kemp, Carvalho-Freitas, & Brighenti, 2015). Os trabalhadores com deficiência física valorizaram um trabalho digno (assistência, segurança e salários justos) e o descreveram como um meio de sobrevivência e, ao mesmo tempo, uma carga (Tette, Carvalho-Freitas, & Oliveira, 2014).

Os operários da construção civil, por sua vez, valorizaram o trabalho como expressão de respeito e de acolhimento e de crescimento pessoal e econômico, descrevendo-o como uma responsabilidade e uma ocupação (Barros & Borges, 2016; Pinheiro, 2014). Tais achados coincidiram com um momento de crescimento econômico no setor. Estudos realizados com operários, em momento de retração econômica (Barros, Borges, & Álvaro, 2017), identificaram uma valorização do trabalho desumano, desgastante e duro, e a percepção deste como meio de crescimento, de justiça e de esforço corporal, sugerindo que as mudanças macrossociais também influenciam a produção de significados do trabalho.

Neste estudo, utilizamos os tipos dos atributos valorativos e descritivos identificados nos estudos realizados com os operários e anteriormente descritos, na discussão sobre suas respectivas funções (Tabela 1).

 

 

Significados do dinheiro

É consensual na literatura que o dinheiro representa uma variedade de símbolos, os quais refletem as experiências dos indivíduos sob os diversos contextos sociais, históricos e culturais (p. ex., Furnham, 2014; Gusmán Fernández, 2000; Zelizer, 1989). Os estudos sobre os significados do dinheiro ganharam maior expressividade a partir da década de 1980 (Barros & Borges, 2016; Moreira, 2002; Távora, 2003), graças à construção de modelos de investigação (Furnham, 1984; Tang, 1992; Yamauchi & Templer, 1982), os quais contribuíram para difundi-los especialmente na psicologia (Durvasula & Lysonski, 2010; Furnham, Wilson, & Telford, 2012). Nos referidos modelos, encontramos termos como atitudes e crenças referindo-se aos significados do dinheiro, embora autores como Pimentel, Milfont, Gouveia, Carvalho Mendes e Correa Vione (2012) e Tatzel (2002) tenham sinalizado diferenças conceituais, conforme a ênfase dada aos aspectos comportamentais ou cognitivos, respectivamente.

Neste estudo, nos baseamos no modelo proposto por Moreira e Tamayo (1999) e Moreira (2002). Esses autores compreenderam os significados do dinheiro como um fenômeno multidimensional, influenciado por fatores que variam do nível individual ao macros-social. A partir de estudo empírico, identificaram nove componentes, situados nos polos de análise positivo (progresso, cultura, estabilidade, prazer) e negativo (desigualdade, desapego, conflito, sofrimento), sendo um desses componentes "poder" apresentando características de ambos, representando simultaneamente prestígio e dominação sociais.

Pesquisas baseadas nesse modelo têm demonstrado variações na percepção dos significados do dinheiro, segundo diferentes categorias ocupacionais ou grupos de participantes. Assim, segundo Lunardi (2012), estudantes associaram ao dinheiro generosidade, além dos nove componentes de Moreira e Tamayo (1999). Para outro grupo de estudantes, o dinheiro, percebido como felicidade, mostrou-se determinante no processo de escolha profissional (Oliveira, 2010). Trabalhadores de transporte público atribuíram maior ênfase a altruísmo e desigualdade (Távora, 2003), enquanto, para operários da construção civil, transcendência (associado à espiritualidade, como um meio de ajudar as pessoas) assumiu o primeiro nível em ordem de importância, seguido por conflito, altruísmo e desigualdade, prazer, e sofrimento (Barros & Borges, 2016).

Ainda sobre os operários da construção civil, autores (Barros et al., 2017) encontraram diferenças na percepção dos significados do dinheiro, conforme dois momentos econômicos distintos, de crescimento e de retração. Esses autores encontraram diferenças significativas apenas para os componentes prazer e transcendência, cuja ênfase foi maior no momento de retração. Além disso, observaram que desigualdade e altruísmo se mantiveram em um mesmo nível de prioridade no momento de crescimento, enquanto na retração, esses dois componentes apresentaram um mesmo nível de prioridade junto com prazer, o mesmo ocorrendo entre conflito e altruísmo. Esses resultados demonstraram a influência dos contextos no modo como percebemos subjetivamente o dinheiro. Corroboraram a literatura (Barros, Borges, & Álvaro, no prelo) sobre a necessidade de inserir na discussão aspectos do contexto social, como históricos, políticos, econômicos e culturais, nos seus diferentes níveis de análise.

De forma semelhante, neste estudo, tomamos como referência os componentes dos significados do dinheiro identificados, segundo a percepção dos operários da construção civil, na discussão sobre as funções que tais significados têm cumprido na vida dos trabalhadores (Tabela 2).

 

 

Método

Tendo em vista a consecução do objetivo já anunciado, desenvolvemos uma pesquisa de campo, por meio de entrevistas a operários, como passamos a descrever.

Participantes

Participaram 44 operários, representados, em seu conjunto, por serventes, oficiais, encarregados e mestres de obras. A idade variou entre 19 e 57 anos (M = 36,91; dp = 11,93), sendo a maioria (63,6%) com idade superior a 30 anos. Sobre o tempo total de trabalho, houve uma variação entre um e 51 anos (M = 24,5; dp = 14,0). Apenas dois participantes (6,8%) relataram experiência de trabalho exclusiva na construção civil. Entre os demais, 54,5% trabalharam na zona rural (p. ex., lavoura, carvoaria, gado), 20,5% realizando "bicos" (p. ex., artista de rua, catador de papelão), 15,9% no comércio (p. ex., padaria, vidraçaria) e 2,3% na indústria (operador de rejeitos industriais). O tempo na construção civil variou entre um a 41 anos (M = 17,30; dp = 12,07) e, na empresa e/ou condição de trabalho atual, entre quatro dias e 19 anos (M = 3,82 anos; dp = 4,56). Sobre o nível de instrução, apenas 37 operários responderam, entre os quais 50% estudaram até o ensino fundamental completo (31,8% entre a quinta e oitava séries) e 29,6% ensino médio incompleto e completo. Sobre a renda salarial, apenas três não responderam. Para os demais, encontramos a mesma proporção (41,5%) entre aqueles que recebiam até mil reais e entre mil e dois mil reais, enquanto 17,1% recebiam salários superiores a dois mil reais.

Instrumentos

Utilizamos um roteiro para as entrevistas semiestruturadas, com tópicos para discussão, de modo a permitir que a entrevista se desenvolvesse de maneira fluida e flexível (Minayo, 2008). Exploramos, então, as trajetórias e experiências de trabalho, os aspectos positivos e negativos de trabalhar na ocupação, o atual momento de retração econômica do setor e a importância do trabalho. Acerca do dinheiro, nos centramos em perguntas sobre ganhos e perdas financeiras, o apoio concedido e recebido por colegas em situações de vulnerabilidade financeira e a importância do dinheiro.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Adotamos como estratégia de acesso aos participantes a técnica bola de neve, o que permitiu contarmos com operários em diferentes contextos de trabalho. Como critério de inclusão, consideramos os trabalhadores que possuíam um mínimo de seis meses de experiência na construção civil. Aos participantes, explicamos o objetivo da pesquisa, bem como as questões éticas e o uso de gravador. Após o consentimento livre e esclarecido, iniciamos as entrevistas, que aconteceram no local de trabalho dos participantes.

Procedimentos de análise de dados

Gravamos e transcrevemos as entrevistas na íntegra. Realizamos análises de conteúdo temáticas (Bardin, 1977/2011; Bauer, 2011; Minayo, 2008; Turato, 2013). Seguimos as seguintes etapas: leitura flutuante; categorização dos aspectos relevantes; análise de frequência das categorias e códigos identificados, segundo algumas variáveis (idade, nível educacional, renda, tempo de atuação no setor e no emprego atual); revisão e enxugamento da categorização; interpretação dos resultados. Contamos com o programa de informática Qualitative Analysis Software - QDA Miner, que apoiou o registro da categorização e a análise de frequência no contexto dessa análise.

 

Resultados

Identificamos dois grandes eixos articuladores das funções dos significados do trabalho e do dinheiro. Ambos apareceram nas falas dos operários de modo contrastante, representando simultaneamente a presença e a ausência dessas funções em seu cotidiano. Compreendemos que tais contrastes refletem o dinamismo de uma realidade contraditória, em que coexistem significados igualmente contraditórios. Nesse sentido, optamos por manter as contradições na designação dos referidos eixos:

1. O primeiro eixo de inserção e inclusão sociais versus exclusão social. Representamos, de um lado, o modo como o operário se vê na sociedade (inserção) e como ele acredita ser visto por ela (inclusão), e, de outro, o modo como ele se percebe excluído da sociedade.

2. No segundo, denominamos realização e sentido de utilidade versus degradação. Representamos, de um lado, o que o operário espera e/ou considera obter como resultado do trabalho (realização) e contribuir para a sociedade (sentido de utilidade), e, de outro, o que ele percebe como degradante no trabalho. Codificamos as diferentes formas com que as funções representadas nestes eixos se manifestaram para os operários com as designações especificadas na Figura 1.

No primeiro eixo, para a maioria dos entrevistados (77,3%), estar inserido socialmente representou ter a garantia da própria sobrevivência. Ser operário implicou melhoria de vida, visto que, como apresentado anteriormente, a maior parte deles vivenciou uma condição de miséria, necessitando trabalhar ainda criança para a subsistência familiar: "... na roça ... tinha meses que a gente fazia farinha pra vender, pra comprar arroz, feijão. Era muito sofrido, eu sofri na minha vida. ... nem gosto de lembrar do passado, que foi muito sofrido ..." (Entrevista 16). "Porque foi a época que a minha mãe separou do meu pai, ... tava passando dificuldade em casa ... eu fui e vi que tava precisando e fui e comecei ir pra rua. Comecei fazer malabarismo e tudo" (Entrevista 28); Ter uma ocupação formal correspondeu, então, a superação dessas dificuldades, por ser capaz de sustentar-se financeiramente e/ou manter a própria família: "Ah, o trabalho é tudo, né? Sem o trabalho cê num ganha dinheiro. Sem dinheiro cê num sustenta sua família" (Entrevista 22). "Tem hora que eu tô trabalhando e tá cansado assim, aí passa na minha cabeça que eu tô sofrendo, eu falo 'sofrimento é se eu tivesse dentro de casa sem nada pra comer'" (Entrevista 13).

O suporte financeiro, além de garantir a sobrevivência, habilitou o acesso ao consumo (Figura 1), possibilitando ao operário usufruir determinados espaços e serviços disponíveis na sociedade: "... a gente tá com dinheiro, 'ah não, vamo dá um rolezinho no parque, vamo no zoológico' ... minha esposa tava doente ... comprei um remédio ... se eu não tivesse o dinheiro, do quê que eu ia viver?" (Entrevista 8). "... o lazer, qualidade de vida que ele te dá, né? Sem o dinheiro a gente num tem uma Sky, né? Pra gente assistir o que quer, né? É bom" (Entrevista 39). Tal acesso foi, em realidade, outra maneira de garantir a sobrevivência, visto que o consumo a que a maioria dos entrevistados se referiu foi de produtos básicos, e, muitas vezes, com um custo elevado para o operário: "... se você pagasse imposto e tivesse esse imposto voltado pra você em algum benefício, aí você precisaria do dinheiro, mas nem tanto, igual necessito ... se você precisar de uma consulta, você é obrigado a ter o dinheiro" (Entrevista 14).

Essa inserção, por sua vez, se legitimou, ainda que pouco mencionado pelos entrevistados (22,7%), na forma de inclusão social, pelo reconhecimento social do trabalho realizado por eles (Figura 1), expresso nos elogios recebidos de clientes e/ou gestores: "... quando eu consigo terminar uma obra, aí vêm os elogios, né? ... essa é a importância pra mim, ... o gosto, o prazer, de tá frequentando esse dia a dia mais que pesado ..." (Entrevista 9); "... a gente é visado, principalmente assim no capricho pelo trabalho, né? Às vezes, eles falam com a chefia da gente, que gostou muito da pessoa da gente, do trabalho da gente, isso tudo ajuda, né? A gente fica satisfeito"

(Entrevista 23). E pela recompensa financeira, como consequência de tal qualidade: "Se você é um bom funcionário, que faz o serviço tudo direitinho, o patrão vai falar 'não tem jeito de atrasar o salário desse funcionário, ... d'eu mandar ele embora, que tudo que eu peço ele, ele tá fazendo'" (Entrevista 8).

A inclusão social também se concretizou, para a maioria dos entrevistados (72,7%), no suporte interpessoal construído entre os próprios operários (Figura 1). Tal suporte ocorreu de duas maneiras. Afetivamente, pela valorização das amizades, nas brincadeiras e na escuta de problemas pessoais: "Às vezes, você tá com um problema e você chega no trabalho e tem um amigo que você conversa, que você desabafa o seu problema, você concentra, você aprende muita coisa, né?" (Entrevista 17).

"O que mais me encanta é a convivência com os amigo, que por mais que seja assim, tem muita gente que fala que peão é largado, mas aqui dentro, a gente tem a conversa um com outro" (Entrevista 28). E financeiramente, assistindo ao colega em diversas necessidades e, ao mesmo tempo, contando com a ajuda deste em situações de dificuldade, garantindo, novamente, a sobrevivência por outro meio, em caso de insuficiência financeira: "Quando um colega tá numa situação difícil demais aí, a gente junta ... Aconteceu pouco tempo aí, a muié faleceu e ele sem dinheiro, a gente ... juntou uns mil real, aí, ajudou ele" (Entrevista 37). "Uai, quando falta, a gente tem muito amigo, né? Então, chego nos amigo 'dá pra me emprestar um dinheiro aí, tal, alguma coisa?', então, pessoa que tem muita amizade ele num passa aperto não" (Entrevista 7). Considerando a trajetória de vida relatada pelos entrevistados, marcada pela escassez de recursos e de oportunidades, poder contar afetiva e financeiramente com os colegas e ao mesmo tempo apoiá-los, tem um sentido de pertencimento social, em que, se é ajudado, mas, sobretudo, se é capaz de ajudar.

Contudo, pelos mesmos esforços empregados para garantir sua inserção e inclusão na sociedade, o operário experimentou a exclusão social (Figura 1), no desprestígio social, experimentado nos baixos salários e na discriminação por ser operário: "... o que ele ganha não dá pra sustentar ... tanto o oficial, o pedreiro, o ajudante, mereciam um ordenado melhor, que desse ... vida melhor pro seus filhos, pra sua família ... nós tá muito longe disso" (Entrevista 15). "... a pessoa sua, ela anda muito e transpira muito, é normal. Mas cê também num precisa isolar, sair fora, ou seja, 'ah, é ladrão' ... esses cara tão trabalhando ..." (Entrevista 43). Para os entrevistados, no entanto, as próprias condições de trabalho a que estão sujeitos deveriam proporcionar-lhe melhores salários: "... o trabalho é pesado ... muito esforço, sol, poeira, ... perigo. Então, ... deveria ganhar ... um salário que competisse ao menos com a inflação ... de acordo com o preço dos alimentos, do combustível, da energia, da água" (Entrevista 30).

Adicionalmente, as práticas de subcontratações e/ou terceirizações e suas consequências, como perdas de direitos e instabilidade devido à descontinuidade dos serviços prestados, conduziram a outra forma de exclusão, expressa pela fragilização de vínculo com o trabalho: "Nós tá aí, mas o dia de amanhã, né? Pode tá aí hoje e amanhã não tá, né?" (Entrevista 4). "Cê num tem mesmo direito quando é fichado direto pela empresa. Eu te garanto que num tem que eu já trabalhei já, entendeu? Já trabalhei pra empreiteira ..." (Entrevista 36). E a incerteza de receberem o pagamento pelo serviço prestado nessas condições: "Eu já trabalhei em terceirizado, na época eu fui assim, fiquei lesado ... me deixou muito constrangido, entendeu? Lesado, pessoas saem e num te paga nada, entendeu? Já aconteceu muito isso" (Entrevista 10).

Apesar dessas formas de exclusão, e como representante do segundo eixo, os entrevistados relataram experimentar realização e um sentido de utilidade social, pelo trabalho desempenhado (Figura 1). Nesse caso, ter uma atividade não apenas viabilizou a inserção social, mas concedeu ao operário um aprendizado prático em diferentes áreas, contribuindo para a satisfação de poder aperfeiçoar o conhecimento adquirido no próprio ofício: "... cê aprende muito, cê conversa com muita gente na construção civil. Cê conversa com pedreiro, engenheiro, arquiteto. Cê conversa com ajudante, então, você aprende, né? ... todo dia cê aprende alguma coisa nova" (Entrevista 24). "... cada prédio que você vai executando, você aprende uma coisa nova, né? Um acabamento novo, uma coisa mais sofisticada" (Entrevista 17).

A valorização do aprendizado fica mais clara contrastando com as razões pelas quais a maioria dos entrevistados ingressou na construção civil, devido ao baixo nível de estudo formal e/ou por não apresentarem as qualificações exigidas em outras ocupações: "Por que a construção e não outra área? Nossa, é difícil, viu? Ah, falta de capacitação também, né? Que eu parei de estudar e hoje exige muito estudo, né?" (Entrevista 32). "... como as empresas exigia, né?, um grau mais alto e eu num podia estudar porque família de baixa renda, né? Aí foi que eu comecei a trabalhar na construção civil ..." (Entrevista 38). Poder aprender por meio do trabalho, então, conferiu legitimidade ao saber, ainda que informalmente, sendo tal saber reconhecido pelos operários nos desafios e nas dificuldades vencidas diariamente: "... quando a gente pega um problema aqui. ... E a gente procura resolver e quando resolve a gente sente feliz, né?, que isso prova que a gente tem a capacidade de resolver" (Entrevista 40). "... eu gosto mais de desafio na obra. ... quando a construção, ela começa a dar ... um abacaxi ... é ali que eu gosto. ... Eu fico muito feliz quando eu vejo que eu completei a tarefa, né?" (Entrevista 9).

Por outro caminho, a realização, para a metade dos entrevistados, se manifestou no prazer e no bem-estar decorrente do trabalho, impactando na saúde física (estar em movimento; atividades executadas) e psicológica (mente ocupada): "Eu sem trabalhar, eu passo mal. Então, o trabalho é aquilo ali que cê levanta, cê sai de manhã, cê levanta, cê volta com o corpo espiritual ótimo, sem aborrecimento, sem nada, então o trabalho é ótimo" (Entrevista 26). "O trabalho é muito importante, sem querer cê ocupa sua mente também. Se ficar em casa cê não faz nada, cê só gasta e ocupa a mente com coisa que não presta" (Entrevista 22). O prazer e o bem-estar, nesse contexto, estão relacionados à condição de estar empregado e, nesse sentido, não ter de lidar com problemas familiares pela falta de dinheiro: "... ficar em casa parado. Você briga com a mulher, a mulher fica com raiva, porque cê num arrumou emprego ..." (Entrevista 16). "... eu vou começar uma segunda-feira agradecendo a Deus porque eu tenho um emprego. Muitos vai acordar na segunda-feira, não tem emprego, não é verdade? Então, ... é onde que eu vou tirar o sustento pra minha família ..." (Entrevista 21).

Embora em menor proporção (13,6%), alguns entrevistados relataram a satisfação em poder contribuir para o progresso da sociedade (Figura 1), promovendo melhores condições de vida para as pessoas, como moradia e construção de espaços públicos, expressando, assim, um sentido de dever social cumprido: "... você vê o serviço concretizado, as pessoas colocando mobília, no serviço pronto. Então aquilo ali é uma satisfação de trabalho. Você tá fazendo algo em prol de alguém. Então você tem a recompensa também, a satisfação do seu trabalho" (Entrevista 20). "... a pessoa passar na rua e falar 'nó, tá ficano bunito!' ... sempre tem uma pessoa que olha 'oh lá o menino da obra, esse menino que fez a praça lá, ele trabaiô lá'" (Entrevista 24). Em contrapartida, os entrevistados expressaram mais frequentemente (52,3%) uma atitude de resignação perante as condições em que o trabalho é realizado, considerado pesado, perigoso e insalubre: "Procura evitar o máximo a poeira e procura evitar o máximo também o sol, né? Mas quando num tem jeito, como faz parte do cotidiano tem que enfrentar. ... Infelizmente" (Entrevista 30). "... daqui uns anos, a minha saúde vai tá bastante prejudicada, cê tá entendendo? ... problema de coluna, tem veia estourada na perna porque pega peso, cê tá entendendo? ... trabalha demais" (Entrevista 13).

 

Discussão

As contradições presentes nos eixos articuladores das funções dos significados do trabalho e do dinheiro evidenciaram que as condições de trabalho precárias e a escassez de dinheiro, ambas vivenciadas cotidianamente pelos operários, estruturaram os modos de enfrentamento dessas realidades, na valorização dos benefícios alcançados, e, ao mesmo tempo, na naturalização e conformismo decorrentes da dureza e da limitação de oportunidades acessíveis a esses trabalhadores. A interdependência entre as funções dispostas em tais eixos também se repetiu entre o conjunto de significados do trabalho e do dinheiro associado a cada uma delas. Contudo, o modo como se organizaram sugere diferentes dinâmicas operando nessas funções.

Assim, no primeiro eixo - inserção e inclusão sociais versus exclusão social -, o conjunto de significados do trabalho acessado pelos operários refletiu mais os aspectos valorizados no trabalho em geral que como categoria de experiência na prática cotidiana, ou seja, no posto de trabalho realizado. Tal fato sugere que as aspirações dos operários por um trabalho que seja, entre outras coisas, prazeroso e que promova a independência econômica (TV1), desafiante (TV3) e que favoreça o respeito e acolhimento social (TV2), ao mesmo tempo em que exija agilidade e sobrecarga (TV6) (Tabela 1), devido às próprias características inerentes às atividades na construção civil (Oliveira & Iriart, 2008; Sousa, 1983), são mais norteadores do esforço empregado pelos operários para garantir a inserção e inclusão sociais e, ao mesmo tempo, no vivenciar a exclusão social. A relação dinâmica entre inserção-inclusão/exclusão sociais, como dimensão única neste eixo, também foi encontrada no conjunto dos significados do dinheiro (transcendência, desigualdade e sofrimento), indicando que o manejo dos recursos financeiros pelos operários contribui para intensificar e/ou atenuar os efeitos e os significados da referida dimensão.

Ainda sobre o primeiro eixo, a maioria dos entrevistados citou com mais frequência a sobrevivência, o suporte interpessoal e a fragilização de vínculo. Os estudos sobre a construção civil têm sinalizado a alta rotatividade no setor (Barros & Mendes, 2003; Borges & Peixoto, 2011; Oliveira & Iriart, 2008), bem como a baixa instrução formal e/ou o treinamento específico dos operários (Santos, 2010; Takahashi et al., 2012). Tais aspectos contribuem para que a mobilidade desses trabalhadores em outras ocupações seja bastante restrita, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos do mercado e, consequentemente, de sua condição perante a sociedade (inserido-incluído/excluído). Devemos ter em conta que a realização da pesquisa de campo coincidiu com um momento de retração econômica de mercado, cuja repercussão na construção civil implicou perdas substanciais de postos de trabalho formais, segundo Pochmann (2015) e dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2016).

Embora nossa amostra tenha sido de empregados, a incerteza de seguir trabalhando, devido à crise instalada, pode ter contribuído para que as referidas formas de manifestação desta função aparecessem mais frequentemente nas falas dos entrevistados. A necessidade de garantir a sobrevivência, nesse contexto, pode ter contribuído para que os efeitos da fragilidade de vínculo fossem mais suportados pelos trabalhadores, assim como o fortalecimento das redes solidárias de apoio construídas para dar suporte àqueles em situação de vulnerabilidade social, tal como discutido por Cockell (2008).

No segundo eixo - realização e sentido de utilidade versus degradação -, por sua vez, o conjunto de significados do trabalho acessado pelos entrevistados apresentou uma maior concentração dos aspectos do trabalho percebidos no dia a dia. Sugere, então, que um trabalho descrito por eles que exija esforço corporal e desgaste (TD1), que preencha o tempo (TD2), que realize e dê um sentido de utilidade social (TD4), bem como de reconhecimento pelos esforços desprendidos (TD5), são contrapostos ao mesmo tempo com a experiência dos aspectos mais degradantes deste mesmo trabalho, como perigoso e insalubre (Santos, 2010; Souza, 1983; Silva & Borges, 2015). De forma semelhante ao eixo anterior, a dimensão realização-utilidade/degradação foi encontrada no conjunto dos significados do dinheiro (prazer, altruísmo e conflito), demonstrando igualmente que o manejo dos recursos econômicos contribui para intensificar e/ou atenuar os efeitos desta dimensão no cotidiano desses trabalhadores.

Nesse mesmo eixo, embora aprendizado, legitimidade do saber, prazer e bem-estar e resignação tenham sido mais citados, não houve predomínio destas manifestações nas falas dos entrevistados, como ocorreu no primeiro eixo para sobrevivência, suporte interpessoal e fragilização de vínculo. A importância do aprendizado, assim como o saber legitimado pela experiência nos canteiros de obra corrobora estudos anteriores (Santos, 2010) que destacaram esse saber construído informalmente na prática cotidiana. No entanto, o sentimento de impotência e de conformismo perante as condições de trabalho a que estão sujeitos diariamente foi mais evidenciado. Como já mencionado, é possível que os efeitos da crise econômica tenham contribuído para que a resignação fosse mais abordada pelos entrevistados. Aceitar tais características como condição para seguir trabalhando pode representar a garantia de sobrevivência. Isso fica mais claro quando consideramos que o sentido de utilidade representado pelo dever social foi abordado por apenas 13,6% dos entrevistados, e que prazer e bem-estar foram relacionados a estar empregado e não precisar enfrentar problemas familiares pela escassez de recursos financeiros.

Considerações finais

Responder o objetivo deste estudo contribuiu para nos introduzir na compreensão das formas com que os significados atribuídos ao trabalho e ao dinheiro regulam a vida dos trabalhadores da construção civil. Embora os eixos norteadores das funções que ambos os significados cumpriram apresentarem necessidades sociais mais gerais, e nesse sentido, aplicáveis a qualquer indivíduo, as características da ocupação e o perfil dos operários explicaram, em grande parte, as formas específicas de manifestações desses eixos nas falas dos entrevistados. Do mesmo modo, as contradições identificadas em ambos os eixos corresponderam às peculiaridades deste segmento de atividade e representaram modos de regulação dos referidos significados sobre a vida desses trabalhadores.

Os limites deste estudo se referem à quantidade insuficiente de participantes em outras formas de contratação, como terceirizados e autônomos, no total da amostra. Uma participação maior de trabalhadores nessas condições possibilitaria explorar outros tipos de análise, por exemplo, as estratégias de enfrentamento dos efeitos da retração econômica no mercado, que possivelmente se diferenciariam entre aqueles que recebem uma renda mensalmente dos que dependem do fluxo de serviço no mês. Outra limitação diz respeito ao roteiro de entrevista, que não incluiu tópicos que explorassem outras esferas de vida além do trabalho, a exemplo da família e da religião, ambas apontadas na literatura como importantes para os operários. Tais esferas apareceram nas falas dos operários associadas, por exemplo, à sobrevivência, ao acesso ao consumo e ao prazer e bem-estar. Explorá-las, então, pode oferecer uma melhor compreensão sobre o modo como os referidos significados têm orientado a vida desses trabalhadores.

Por fim, sugerimos que pesquisas futuras busquem explorar as funções dos significados do trabalho e do dinheiro em diferentes categorias ocupacionais, com vistas a ampliar a discussão sobre tais temáticas. Pesquisas com design longitudinais podem ser mais potentes em clarear o papel regulador dos significados do trabalho e do dinheiro na vida dos operários.

 

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Endereço para correspondência:
Sabrina Cavalcanti Barros
Rua Sena Madureira, 566, apto 301
1340-000, Ouro Preto, Belo Horizonte-MG, Brasil
E-mail: sabrina.psic@gmail.com

Recebido em: 08/02/2017
Primeira decisão editorial em: 29/09/2017
Versão final em: 14/08/2017
Aceito em: 29/09/2017

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