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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.2 Brasília abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.2.13944 

Significado do trabalho para gerações de trabalhadores rurais no beneficiamento da castanha

 

Meaning of work between generations of rural workers in cashew nut processing

 

Significado del trabajo entre generaciones de trabajadores rurales en el aprovechamiento de la castaña

 

 

Maria Mércia dos Santos Barros; Marley Rosana Melo de Araújo

Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa sobre o significado do trabalho entre gerações de trabalhadores envolvidos no beneficiamento da castanha de caju utilizou-se do significado do trabalho como uma cognição subjetiva e social. Investigou-se 100 pais e 100 filhos que trabalhavam com a castanha de caju aplicando-se um questionário sociolaboral, e o Inventário do Significado do Trabalho. Ao utilizar análises descritivas e inferenciais, os resultados indicaram que, no grupo de pais, formaram-se 3 clusters valorativos: Dialético, Otimista e Acrítico; e 4 descritivos: Satisfeito, Instrumental, Conflitante e Desvalorizado. No grupo de filhos, formaram-se 6 clusters valorativos: Dialético, Acrítico, Otimista, Reconhecido, Indiferente e Acolhedor; e 5 clusters descritivos: Conflitante, Desafiador, Satisfeito, Penoso e Neutro. Em suma, os pais demonstraram otimismo nos atributos valorativos, mas sentiram-se desvalorizados nos atributos descritivos. Já os filhos tinham uma visão dialética do que o trabalho deva ser e como de fato é.

Palavras-chave: trabalho; trabalhadores rurais; análise de cluster.


ABSTRACT

This research about the meaning of work between generations of workers involved in cashew nut processing used the meaning of work as a subjective and social cognition. The investigation included 100 parents and 100 children who processed cashew nuts, applying a socio-work questionnaire, and the Meaning of Work Inventory. Using descriptive and inferential analyses, the results indicated that, in the parents' group, three valuation clusters were formed: Dialectic, Optimistic, and Acritical; and four descriptive: Satisfied, Instrumental, Conflicting, and Unappreciated. In the children's group, six valuation clusters were formed: Dialectic, Acritical, Optimistic, Recognized, Indifferent, and Welcoming; and five descriptive clusters: Conflicting, Challenging, Satisfied, Pitiful, and Neutral. In short, parents demonstrated optimism in the valuation attributes, but felt unappreciated in the descriptive attributes. While the children had a dialectic vision of what work should be and how it really is.

Keywords: work; rural workers; cluster analysis.


RESUMEN

Este artículo sobre el significado del trabajo entre generaciones de trabajadores involucrados en el proceso de aprovechamiento de la castaña de marañón se valió del significado del trabajo como una cognición subjetiva y social. Se investigaron 100 padres y 100 hijos involucrados en el proceso de aprovechamiento, a los que se les aplicaron un cuestionario sociolaboral, y el Inventario del Significado del Trabajo. Al utilizar análisis descriptivos e inferenciales, los resultados indicaron que, en el grupo de padres, se formaron 3 clusters valorativos: Dialéctico, Optimista y Acrítico; y 4 descriptivos: Satisfecho, Instrumental, Conflicto y Desvalorizado. En el grupo de hijos, se formaron 6 clusters valorativos: Dialéctico, Acrítico, Optimista, Reconocido, Indiferente y Acogedor; y 5 descriptivos: Conflicto, Desafiador, Satisfecho, Penoso y Neutro. En suma, los padres demostraron optimismo en los atributos valorativos, pero se sintieron desvalorizados en los descriptivos. Por su parte, los hijos tenían una visión dialéctica de lo que el trabajo debe ser y cómo de hecho lo es.

Palabras-clave: trabajo; trabajadores rurales; análisis cluster.


 

 

O tema significado do trabalho foi estudado com mais intensidade após a década de 1970, dando origem a correntes epistemológicas que proporcionaram sustentação ao construto (Tolfo, Coutinho, Baasch, & Cugnier, 2011). Aborda-se, segundo Borges (1998), o significado do trabalho como uma cognição subjetiva, histórica e dinâmica, caracterizado por múltiplas facetas que se articulam de diversas maneiras. Ele é subjetivo, apresentando uma variação individual, a qual reflete a história pessoal de cada um, porém, não deixa de ser social, pois, além de apresentar aspectos compartilhados por um conjunto de indivíduos, reflete as condições históricas da sociedade na qual estão inseridos. Outra característica é o dinamismo, pois é um construto em permanente processo de construção. Por isso, sua caracterização varia conforme seu próprio caráter sócio-histórico.

De acordo com Borges e Barros (2015), o conceito apresentado subentende que as construções de significados, que têm a ver com a macroestrutura socioeconômica da sociedade em cada época histórica, se apresentam no nível individual de análise. Da mesma maneira, as vivências das condições de trabalho (aspectos jurídicos, de infraestrutura, de organização e conteúdo do trabalho) e, no caso do emprego, das condições contratuais e do gerenciamento, também afetam diretamente a construção dos significados.

O tema significado do trabalho reúne estudos cujo objetivo é determinar o que esse significado compreende – ou seja, as representações e mapas cognitivos que organizam a própria experiência com o trabalho (Bendassolli & Borges-Andrade, 2015).

Grande parte da investigação sobre o significado do trabalho segue a tradição inaugurada pelo Meaning of Work Research Team (Equipe de Investigação do Significado do Trabalho)- Equipe MOW (1987), com a publicação do International Team of Meaning of Occupational Work (Equipe Internacional de Investigação do Significado do Trabalho), que estava em consonância com a adoção de uma abordagem sistêmica.

Para a equipe MOW (1987), a primeira das facetas do significado do trabalho é a centralidade do trabalho, definida como a importância relativa atribuída a ele, comparando-o a outras esferas de vida: família, religião, lazer e amigos. Outros aspectos consistem nos atributos valorativos (definições sobre o que o trabalho deve ser) e nos atributos descritivos (características percebidas no trabalho concreto). A última dimensão é a hierarquia do trabalho, que se refere à ordem de importância que os diferentes atributos valorativos e descritivos têm para cada pessoa.

A presente pesquisa foi realizada nos povoados Carrilho e Taboca, localizados no sudoeste do município de Itabaiana/SE. Também conhecidos como "Rota da Castanha", esses povoados são dedicados majoritariamente ao beneficiamento da castanha, no qual predomina a mão de obra rural e familiar, agregando adultos, jovens e crianças nessa atividade, razões que motivaram a escolha desse campo empírico. A microrregião de Itabaiana tem a agricultura como atividade econômica muito expressiva, abastecendo grande parte das feiras da capital Aracaju (Nascimento, Marques Neto, & Santana, 2011).

O ofício, passado de pai para filho, beneficia economicamente esses povoados, tendo na castanha sua principal fonte de renda. O trabalho com a castanha, a princípio, era realizado nas "casinhas" (estruturas de madeira e telhas, construídas nas comunidades e, até mesmo, dentro da residência), em família, inclusive pelas crianças e adolescentes. Entretanto, ele passou por mudanças significativas em seu processo produtivo, sendo influenciado pela legislação de combate ao trabalho infantil.

Essa intervenção dos órgãos de controle e fiscalização sobre o trabalho infantil é algo vivido pela atual geração (filhos) nessa comunidade. Apesar da proibição desse trabalho, e por mais que se verifique a expansão de programas sociais que têm como objetivo apoiar e fortalecer os investimentos educacionais das famílias, há a permanência do trabalho infantojuvenil entre as famílias desses trabalhadores, o que justifica estudos que se disponham a compreender o significado atribuído ao trabalho entre a geração de pais e filhos. A noção de geração serve, assim, como princípio de comparação das percepções esboçadas pelo grupo de pais e pelo grupo dos filhos com relação ao trabalho, os quais provavelmente receberam diferenciadas influências socializadoras sobre o trabalho.

Diante do exposto, este artigo teve como objetivo investigar e comparar o significado do trabalho entre gerações de trabalhadores envolvidos no processo de beneficiamento de castanha de caju nos povoados Carrilho e Taboca, em Sergipe.

 

Método

O estudo adota a abordagem quantitativa de coleta e análise de dados. Trata-se de um survey de corte transversal, mediante a utilização de questionário estruturado.

Participantes

A amostragem do estudo foi não probabilística por conveniência, assumindo o delineamento de amostras paralelas. Foram investigados 100 pais e 100 filhos (adolescentes na faixa etária de 12 a 17 anos), envolvidos no processo de beneficiamento de castanha de caju, de dois povoados no interior de Sergipe. O critério de inclusão de faixa etária dos adolescentes foi ser menor de 18 anos, visto que esta é , legalmente, a idade mínima para trabalhar. Os pais eram selecionados para a amostra desde que trabalhassem com beneficiamento de castanha e tivessem filho(s) na faixa etária de 12 a 17 anos. Em cada unidade familiar, foi entrevistado, pelo menos, um dos pais e seu filho adolescente. Neste estudo, o termo "pais" foi utilizado para expressar o pai ou a mãe de cada unidade familiar.

Ao analisar os dados quanto à caracterização sociodemográfica, foi observado que 77% (n = 77) dos pais eram do sexo feminino e 69% (n = 69) dos filhos eram do sexo masculino. A idade média dos pais foi de 39 anos (DP = 7,46; Amplitude = 26-61), enquanto que a dos filhos foi de 14 anos (DP = 1,46; Amplitude = 12-17). A maior parte dos pais e filhos (70%; n = 140) residia no povoado Carrilho e 30% (n = 60), no povoado Taboca.

Quanto ao estado civil, a maioria dos pais encontrava-se em união estável (43%; n = 43) e a maioria dos filhos (98%; n = 98) encontrava-se solteira. Na subamostra de pais (n = 100), a quantidade de filhos variou de 1 a 11 filhos (Md = 3,00). Em relação à escolaridade, grande parte dos pais (65%; n = 65) e dos filhos (75%; n = 75) tinha ensino fundamental incompleto.

Em cada residência moravam aproximadamente 5 pessoas (Md = 5,00), variando de 3 a 13 pessoas. A renda familiar mensal variou de R$ 400,00 a R$ 3.000,00 (M = R$ 1.050,00; DP = R$ 481,03). Em relação à renda individual mensal dos pais, variou de R$120,00 até R$ 2.000,00 (M = R$ 451,89; DP = R$ 301,70). Já a renda dos filhos variou de não ter renda até R$ 1.000,00 (M = R$ 204,95; DP = R$ 190,00).

Quanto às características profissionais, o tempo de trabalho com a castanha, para os pais, foi de até 50 anos (M = 17,34; DP = 9,90) e, para os filhos, de até 9 anos (M = 2,53; DP = 1,92). A carga horária diária de trabalho com a castanha, para os pais, foi de até 16 horas (M = 9,31; DP = 3,30), sendo que os participantes afirmaram trabalhar aproximadamente 4 dias por semana (M = 4,08; DP = 0,91), variando até 7 dias por semana. Os filhos trabalhavam até 13 horas por dia (M = 3,90; DP = 2,37), e aproximadamente 3 dias por semana (M = 3,23; DP = 1,45), variando até 5 dias por semana.

Em relação ao turno de trabalho, 73% (n = 73) dos pais afirmaram trabalhar pela manhã e pela tarde; 25% (n = 25), apenas pela manhã ; 1% (n = 1), somente pela tarde; e 1% (n = 1), à noite. A maioria dos filhos trabalhava apenas pela manhã (94%; n = 94), 5% (n = 5) trabalhavam manhã e tarde; e 1% (n = 1), apenas pela tarde.

Instrumentos

A fim de investigar o significado do trabalho, utilizou-se o Inventário do Significado do Trabalho (IST), de Borges e Barros (2015), que contém 68 frases acompanhadas por uma escala gráfica em formato de figura, com cinco pontos de gradação, segundo as quais o trabalhador avalia o quanto cada frase corresponde a uma definição tanto do que o trabalho deve ser, quanto do que o trabalho realmente é . Os itens são organizados a partir de tipos Valorativos: 1. Fonte de realização e independência econômica; 2. Expressão de respeito e de acolhimento; 3. Autoafirmação; 4. Desumanizante e desgastante; 5. Representante de dureza; 6. Fonte de desafio, responsabilidade e sustento; e Descritivos: 1. Ser desumanizado; 2. Sentir-se esgotado e pressionado; 3. Enfrentar as demandas e dureza; 4. Ser responsável; 5. Desafiar-se; 6. Crescer economicamente; 7. Sentir prazer e proteção; 8. Contribuir socialmente e ser assistido; 9. Ser reconhecido; 10. Ser retribuído equitativamente. Para maior precisão na obtenção de dados característicos da amostra, o referido instrumento foi complementado com itens de cunho sociodemográfico e profissional.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Alguns itens do IST foram adaptados pela substituição de itens aplicáveis exclusivamente à situação de emprego por outros mais abrangentes, aplicáveis a trabalhadores informais e de realidade rural. Por exemplo, o item original "Trabalho é para ser feito de acordo com o que dizem os superiores" foi adaptado para "Trabalho é para ser feito de acordo com as regras do grupo". Posteriormente a tais ajustes, foi realizada a análise semântica do IST com cinco pais e cinco filhos beneficiadores da castanha, de escolaridade variada, e solicitada a compreensão sobre cada item e sugestões, a fim de adaptar o instrumento para uma amostra de trabalhadores informais com baixa instrução. Quando o item não era compreendido, era solicitado que os participantes sugerissem uma redação alternativa. As sugestões, em sua maioria, referiram-se à presença de palavras estranhas a seu vocabulário cotidiano.

Após a execução dos ajustes apontados pela análise semântica, e sendo realizado o reconhecimento de campo das comunidades a serem visitadas, iniciou-se a coleta de dados domiciliar com amostra paralela de 100 pais/mães de família e 100 filhos adolescentes, a fim de caracterizar quais as concepções de trabalho vigentes. A interação com os participantes ocorreu em seus domicílios e assumiu o formato de entrevista estruturada ancorada no questionário. A decisão por usar a entrevista como técnica de coleta de dados deveu-se à expectativa de que a escolaridade da amostra fosse insuficiente para compreender e responder ao instrumento de forma autoaplicada, suspeita que, de fato, foi constatada após a coleta dos dados sociodemográficos. Destarte, acredita-se que o recurso ao formato de entrevista não comprometeu a fidedignidade dos dados, pois era garantido ao participante o sigilo das informações (constante no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE), as interações aconteciam em ambiente privado e buscava-se estabelecer um vínculo de confiança (rapport) com o entrevistado, antes de adentrar na investigação do questionário. Todos os pais que anuíram à pesquisa oficializaram o aceite com a assinatura do termo de consentimento, tanto para si próprios, quanto para seu filho que fosse participar. Essa pesquisa obteve aprovação (CAAE: 37031114.1.0000.5546) do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram tratados mediante a utilização do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Atendendo às orientações dos autores da escala (Borges & Barros, 2015), foi executada a Análise de Clusters para identificar os padrões de significado do trabalho para pais e para filhos, de maneira a observar diferenças no significado atribuído ao trabalho. Tal técnica é utilizada para classificar objetos em grupos relativamente homogêneos, chamados de clusters (ou conglomerados). Ou seja, os objetos em cada cluster tendem a ser semelhantes entre si, mas diferentes de objetos em outros clusters.

Para calcular o escore de cada respondente por tipo valorativo e descritivo, obteve-se a média aritmética das respostas aos itens componentes. A hierarquia dos atributos é uma medida indireta: depois de estimados os escores médios da amostra nos atributos valorativos, verificou-se a ordem decrescente de escores da amostra nesses tipos. Fez-se o mesmo para os atributos descritivos. Para a análise da centralidade do trabalho, estimou-se a frequência de cada uma das questões utilizadas (Borges & Barros, 2015).

 

Resultados

Padrões do significado do trabalho

Para uma compreensão sistêmica dos resultados, foram identificados, neste estudo, os padrões do significado do trabalho. Por meio da técnica de análise de clusters, foi realizada a combinação, dentro do grupo de pais e de filhos, dos escores dos tipos valorativos e descritivos, formando-se quatro eixos constituídos por variados clusters, os quais compartilham modos semelhantes de significar o trabalho. Os eixos são: 1) Tipos Valorativos para Pais, 2) Tipos Descritivos para Pais, 3) Tipos Valorativos para Filhos e 4) Tipos Descritivos para Filhos.

No grupo dos pais, formaram-se três clusters nos tipos valorativos: a) Dialético, b) Otimista e c) Acrítico; e nos tipos descritivos formaram-se quatro clusters: a) Satisfeito, b) Instrumental, c) Conflitante e d) Desvalorizado (Tabela 1).

 

 

Já no grupo dos filhos (Tabela 2), foram encontrados seis clusters nos tipos valorativos: a) Dialético, b) Acrítico, c) Otimista, d) Reconhecido, e) Indiferente e f) Acolhedor. Nos tipos descritivos, formaram-se cinco clusters: a) Conflitante, b) Desafiador, c) Satisfeito, d) Penoso e e) Neutro.

 

 

Hierarquia dos Atributos Valorativos e Descritivos

A hierarquia dos fatores valorativos e descritivos é a organização, por ordem de importância, dotada pelos indivíduos para cada atributo. Assim, fez-se necessário proceder à comparação dos escores dos fatores valorativos e descritivos para cada grupo geracional, como pode ser visto na Tabela 3.

 

 

Centralidade do Trabalho

Para avaliar a centralidade absoluta do trabalho, considerou-se a frequência de resposta dos participantes de acordo com sua geração, ranqueando, em ordem decrescente, apenas as frequências das esferas de vida julgadas pelos participantes com respostas de máxima importância (pontuação 5 na escala). Para a centralidade relativa do trabalho, foi calculada a frequência para cada esfera em particular, desde a máxima (5,0) até a mínima (1,0) importância atribuída.

Para os pais, o fator família foi apontado como a esfera de vida mais importante (centralidade absoluta). Considerando-se a centralidade relativa, a família também obteve a maior pontuação, e, com uma grande diferença de pontuação, o trabalho foi considerado a segunda esfera mais importante, seguido de lazer, religião e amigos.

No que se refere aos filhos, na centralidade absoluta, o fator família também foi apontado pelos participantes como a esfera mais importante da vida. Na centralidade relativa, a família ficou em primeiro lugar, seguido de amigos, lazer, religião e, por último, trabalho.

Comparação de Atributos Valorativos e Descritivos entre pais e filhos

Após execução do Teste t, foi encontrada diferença significativa entre a geração dos participantes (pais e filhos) em todos os atributos valorativos (Tabela 4) e em alguns atributos descritivos (Tabela 5). Em relação aos valorativos, o fato de ser da categoria "pais" faz com que o significado do trabalho seja mais intenso e complexo, uma vez que os escores médios foram mais altos tanto no que tange aos tipos positivos, quanto negativos, quando comparados aos escores dos filhos.

 

 

 

 

Nos atributos descritivos, foi encontrada diferença significativa entre a geração dos participantes e os seguintes atributos (maiores escores para os pais, em geral): sentir-se esgotado e pressionado; enfrentar as demandas e a dureza; ser responsável; desafiar-se; crescer economicamente; e ser retribuído equitativamente. A exceção foi "Ser retribuído equitativamente", em que os filhos tiveram maior pontuação.

Atributos e variáveis sociodemográficas de acordo com a percepção dos pais e dos filhos

Após a execução do Teste t, encontrou-se diferença significativa entre o sexo dos pais e os atributos descritivos: Enfrentar as demandas e a dureza (t(98) = 2,16; p = 0,03) e Contribuir socialmente e ser assistido (t(98) = 2,17; p = 0,03). Ou seja, o fato de ser do sexo feminino (M = 4,33; M = 4,35, respectivamente) influencia significativamente na percepção de enfrentamento das demandas do trabalho e da contribuição social e assistência, pois os níveis auferidos foram maiores quando comparados ao masculino (M = 4,04; M = 4,08, respectivamente).

Igualmente, verificou-se, após execução do Teste t, diferença significativa entre o sexo dos filhos e o atributo valorativo Expressão de respeito e acolhimento (t(98) = 2,26; p = 0,01). Ou seja, o fato de ser do sexo feminino (M = 4,62) influencia significativamente na expectativa de que o trabalho seja uma expressão de respeito e acolhimento, pois os níveis auferidos foram maiores quando comparados ao masculino (M = 4,35).

 

Discussão

Analisando-se os atributos valorativos referente aos pais, surgiram três padrões de significado do trabalho. O primeiro padrão apresentou escores elevados para todos os tipos, sendo rotulado de "Dialético". De acordo com Bastos, Pinho e Costa (1995), há dois grandes eixos de significado do trabalho, com elementos que, embora sejam antagônicos, coexistem. O trabalho deve ser sinônimo de sacrifício, esforço, algo esgotante para quem o realiza e, ao mesmo tempo, possui uma clara valorização positiva, que o considera desafiador, prazeroso, estimulando o crescimento profissional, social e pessoal.

Um segundo padrão, denominado "Otimista", foi o que reuniu o maior número de pais (44,2%). Nesse sentido, otimismo pode ser entendido como a tendência das pessoas de esperar resultados positivos e favoráveis em suas vidas e como uma expectativa generalizada de resultados positivos (Rodríguez & Alvarado, 2013). Os participantes consideram que o trabalho deva ser prazeroso, trazendo satisfação tanto na execução e retorno financeiro recebido, quanto na construção de um sentido de confiança, respeito e qualidade, em que se sintam valorizados.

Para os participantes do terceiro padrão, nenhum aspecto é extremamente importante no que se refere ao que o trabalho deva ser, visto que houve predomínio de escores moderados para todos os tipos valorativos. Trata-se do padrão menos expressivo, com 22% dos pais, sendo denominado de "Acrítico". Esse resultado demonstra que o trabalho não tem uma centralidade tão destacada na vida desses indivíduos, inclusive no que diz respeito ao futuro profissional e, consequentemente, com os impactos que este pode ter em sua vida pessoal.

Nos atributos descritivos, em que os participantes avaliam como o trabalho realmente é , formaram-se quatro padrões. O primeiro foi classificado como "Satisfeito". Nesse grupo, o trabalho é visto como fonte de prazer, satisfação, crescimento e aprendizado. A esse respeito, Lourenço, Ferreira e Brito (2013) comentam que o prazer é um instrumento de equilíbrio para o trabalhador, uma vez que se localiza na lacuna entre a organização do trabalho prescrito e o trabalho real;é nutrido pela expectativa da descoberta e da criação, as quais são úteis ao passo que conferem reconhecimento e identidade. Vale salientar que o grupo pontuou moderadamente em "Ser retribuído equitativamente", ou seja, apesar de estarem satisfeitos com o trabalho, não consideram que o retorno financeiro seja proporcional ao empenho na execução das atividades.

No segundo padrão, chamado de "Instrumental", o único tipo que pontuou alto foi Crescer economicamente. Para esses pais, o trabalho é o meio pelo qual se adquire sustento e independência financeira. Se, por um lado, pode-se considerar o trabalho como um momento essencial da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro lado, ele também é trabalho assalariado, em que a finalidade central converte-se em meio de subsistência (Antunes, 2002).

O terceiro padrão foi classificado como "Conflitante", pois todos os tipos descritivos (positivos e negativos) tiveram pontuação alta. O trabalho é visto como pesado, sofrido, mas necessário para sentir-se realizado. Segundo Nascimento et al. (2011), o trabalho tem dimensões dúbias: ora constrói, ora destrói; ora humaniza, ora subordina; gera riqueza, explora, degrada, precariza, transforma e é necessário. Essas são as diferentes dimensões, reestruturações e contradições do mundo do trabalho.

O quarto e último padrão, composto pela maior parte dos pais (49%), foi intitulado de "Desvalorizado". Esse grupo enfatiza não se sentir valorizado e reconhecido pelo que faz, além de apresentar percepção de injustiça e pouco suporte social. Apesar de saberem a importância de seu trabalho, os pais consideram sua realidade laboral de forma negativa, associada à desvalorização. Esta pode estar relacionada com as características do trabalho com a castanha, devido às condições às quais o trabalhador é submetido, como a falta de emprego formal e, consequentemente, a ausência de direitos trabalhistas, condições de trabalho precárias e baixa remuneração, entre outras.

Devido ao exposto, pode-se concluir que a maioria dos pais acredita que o trabalho deva ter efeitos positivos, mostrando uma visão otimista e até ingênua (atributos valorativos). Entretanto, quando avaliam como o trabalho é na realidade, não se sentem valorizados pelo que fazem (atributos descritivos), visto que, nos atributos valorativos, sobressaiu o padrão Otimista e, nos atributos descritivos, o Desvalorizado. Tal desvalorização é experimentada em um contexto de elevado nível de pobreza que acomete o trabalhador rural, a qual comparece na dificuldade de acesso à educação e à saúde, e condiciona-o a submeter-se à situação de trabalho precário, sem direitos trabalhistas. Pode-se perceber a precariedade do trabalho na produção de castanha de caju por meio de relatos dos trabalhadores que acordam às duas horas da manhã para torrar e tirar a casca da castanha; permanecem na mesma posição (sentada) por cerca de 9 ou 10 horas, fato que prejudica sua coluna; e precisam manusear a amêndoa ainda quente para a extração da casca, o que produz uma crosta vermelha nos dedos dos produtores (Nascimento et al., 2011).

Ao formarem-se os padrões de significado do trabalho para os filhos, percebeu-se a duplicação dos padrões Dialético, Acrítico e Otimista, que apareceram também no grupo dos pais. Entretanto, surgiu o dobro de padrões do significado do trabalho nos tipos valorativos, comparativamente aos pais, o que pode ser consequência da diversidade de ideias e opiniões característica da idade, além da menor experiência com o trabalho (Vilela, 2003), ou talvez do maior arcabouço cultural fomentado pelo processo de formação escolar ao qual os jovens estavam sujeitos. Borges e Tamayo (2001) chamam atenção para essa diferenciação de padrões de significado do trabalho, a qual deve embasar políticas capazes de atingir diferencialmente os trabalhadores, e não que tentem homogeneizá -los. Por isso, deve-se pensar formas diferentes de intervenção para pais e para filhos, quando se pensa em melhoria de condições de trabalho.

O padrão com o maior número de filhos foi o "Dialético" (n = 21). Para os adolescentes, o trabalho pode ter implicações positivas, quando propicia aprendizagem e é revestido de significado. Por outro lado, pode trazer impactos para seu desenvolvimento, quando as condições laborais se apresentam desfavoráveis. A execução de um trabalho em contexto adverso comumente acarreta consequências negativas para a pessoa em desenvolvimento. Por ser constituinte do ser humano, a experiência de trabalho ajuda na construção da identidade, ao passo que é geradora de prazer e sofrimento (Mendes & Morrone, 2011).

O segundo padrão, "Acrítico", apesar de ter sido o grupo com menor número de sujeitos (n = 6), merece atenção, visto que os filhos parecem demonstrar falta de posicionamento e opinião em relação ao que se espera do trabalho. Esse resultado corrobora os encontrados por Vilela (2003), o qual atribui a falta de avaliação dos atributos valorativos por parte dos jovens a sua pouca experiência. O terceiro padrão, "Otimista", agrupa os filhos que acreditam que o trabalho deva ser uma experiência positiva. A esse respeito, Amazarray et al. (2009) comentam que os jovens veem o trabalho como positivo, na medida em que se torna um meio de ajudar as famílias, de adquirir independência financeira e de conquistar a liberdade.

O quarto padrão foi denominado "Reconhecido", ou seja, os filhos esperam ser reconhecidos pelo trabalho. Aqui, o trabalho deveria enriquecer a experiência humana individual, em que são desenvolvidos valores relacionados com o prestígio; e social, agrupando valores atribuídos à contribuição social e ao contato com o outro. Segundo Bendassolli (2009), os jovens não parecem estar menos interessados no trabalho em si. Eles não se interessam pelo trabalho apenas como meio de subsistência, mas sim como uma atividade em que possam se sentir realizados, com um componente afetivo que valorize bem-estar, vontades e expectativas.

O quinto padrão foi chamado de "Indiferente", visto que, nesse grupo, os filhos não consideram que o trabalho possa ser positivo, tampouco negativo. Ou seja, demonstram indiferença sobre o que ele deva ser. Isso pode ser explicado pelo pouco tempo de vivência no trabalho, demonstrando, inclusive, a falta de interesse desses jovens em relação ao trabalho.

Por fim, o último e sexto padrão identificado foi o "Acolhedor", em que os filhos acreditam que o trabalho deva ser essencialmente fonte de respeito, acolhimento e realização. A esse respeito, Thomé e Koller (2014) comentam que a atividade laboral pode ser vista como um aspecto importante para o desenvolvimento do ser humano ao longo do ciclo vital, influenciando a formação da identidade dos indivíduos, suas relações em diferentes âmbitos da vida e os significados atribuídos ao trabalho.

Em relação aos atributos descritivos referente aos filhos, surgiram cinco clusters, sendo que dois deles coincidiram com os pais: Conflitante e Satisfeito. O primeiro padrão, "Conflitante", foi o que reuniu o maior número de filhos (36%). Esse tipo de percepção advém da dualidade do trabalho, corroborada por Frenzel e Bardagi (2014), em que o trabalho tem aspectos negativos para as crianças e adolescentes, como o prejuízo às atividades escolares, o aumento da repetência, a diminuição do tempo livre e dedicado às questões próprias da adolescência e o impacto para a saúde, entre outros. Entretanto, os jovens têm, muitas vezes, uma perspectiva mais positiva do trabalho, indicando uma percepção de maior autonomia e iniciativa, ampliação e melhoria das relações sociais e aquisição de conhecimentos e habilidades para o futuro, além da contribuição financeira.

No padrão "Satisfeito", os filhos avaliam o trabalho como uma experiência positiva, corroborando os resultados encontrados por Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira e Sá (2005) em estudo sobre representações sociais sobre o trabalho em adolescentes, os quais consideram o trabalho predominantemente positivo, organizando-se em torno das categorias amadurecimento e função de crescimento proporcionado pelo trabalho. A inserção laboral é associada pelos próprios adolescentes ao valor moral do trabalho, por meio de palavras como "bom", "importante", "enobrece o homem", "amadurecimento", "dinheiro" (Oliveira & Robazzi, 2001).

O terceiro padrão, denominado "Desafiador", também mostra uma tendência positiva em relação ao trabalho. O significado atribuído pelos jovens pode ser devido ao trabalho, nesta geração, estar diretamente relacionado com a motivação para a busca de uma ocupação, incentivo da família, busca pelo primeiro emprego e por novas experiências e conhecimentos, curiosidade em relação ao mercado de trabalho e ambiente laboral agradável, além de consistir compromisso e responsabilidade. Esses atributos estão relacionados com o processo de amadurecimento pelo qual estão atravessando e com o papel que passam a desempenhar na família (Amazarray et al., 2009).

O quarto padrão foi chamado de "Penoso", em que os filhos consideraram que o trabalho é carregado de significado negativo. Amazarray et al. (2009) apontam que o trabalho pode produzir efeitos negativos sobre a saúde dos jovens trabalhadores, danos que podem ser evidentes apenas em estágios posteriores da vida. Além das condições físicas, também as características psicológicas do trabalho devem ser consideradas para torná -lo penoso. No caso do trabalho com a castanha, esses danos podem ser ainda maiores, visto que a atividade de beneficiamento apresenta riscos socioambientais e os expõe a situações de insalubridade (Rocha, Costa, Delabrida, Araújo, & Rocha, 2016).

O quinto e último padrão foi "Neutro", em que os jovens não significam o trabalho de forma positiva nem negativa. Como a família é a principal responsável pela inserção dos jovens no mundo do trabalho, é comum que estes não consigam vislumbrar o que trabalho significa para eles mesmos (Amazarray et al., 2009). A esse respeito, Vilela (2003) aponta que o fato de ter pouca experiência com trabalho remunerado faz com que haja uma avaliação menos realística dos atributos descritivos.

É importante salientar que os filhos não apresentaram uma noção de trabalho essencialmente negativa. Esses dados estão de acordo com o estudo realizado por Thomé e Koller (2014), em que houve predominância de uma visão do trabalho, entre os jovens, como desenvolvimento e crescimento pessoal, minimizando os efeitos negativos desse sobre o indivíduo e até fragilizando a concepção do trabalho infantojuvenil protegido.

Comparando-se internamente os padrões de significado do trabalho apresentados por pais e filhos, houve maior diferença entre os agrupamentos dos fatores valorativos e descritivos no grupo dos pais, o que demonstra que, para essa geração, a realidade do trabalho distancia-se do modelo ideal de trabalho definido pelos próprios trabalhadores.

Já em relação aos filhos, houve menor diferença entre o que se espera do trabalho e como ele é na realidade, pois, em ambos os casos, o padrão com maior número de pessoas foi o que mostra uma visão dual e dicotômica do trabalho. É visível que esse estreito e complexo relacionamento entre os fatores valorativos e descritivos apresentado pelos filhos evidencia que os valores do trabalho afetam a leitura da realidade, e esta afeta a definição dos valores. Em outras palavras, há uma forte relação entre a estrutura cognitiva construída no processo de atribuir significado ao trabalho e o mundo concreto do trabalho (Borges & Tamayo, 2001).

Em relação à hierarquia dos atributos, constatou-se que os pais e os filhos apresentaram o maior escore no fator valorativo "Fonte de realização e independência econômica" (TV1), o qual traz, em seu sentido, que o trabalho deve ser prazeroso, estimulando o crescimento profissional, social e pessoal, trazendo satisfação na execução e no retorno financeiro, e no sentido de utilidade social. Importante frisar que todos os outros cinco fatores valorativos foram hierarquizados da mesma forma pelos pais e pelos filhos. O atributo com menor média foi "Desumanizante e desgastante" (TV4), tanto para os pais como para os filhos. Esses resultados são semelhantes aos de Barros (2012) e Vilela (2003), em que o TV4 foi o fator com menor escore.

Quanto aos atributos descritivos, o fator com maior pontuação foi Crescer economicamente (TD1) em ambos os grupos (pais e filhos) e, da mesma forma que os valorativos, os outros fatores foram hierarquizados na mesma ordem. Esses dados vão ao encontro do estudo de Barros (2012), a qual encontrou que a maioria dos participantes vê o trabalho como uma responsabilidade, um estímulo a tentar fazer sempre o melhor e um meio de crescimento econômico, à medida que o trabalho provê o sustento necessário à sobrevivência.

Em relação à centralidade do trabalho do grupo de pais, os resultados coincidem com os da equipe MOW (1987), em estudo transnacional realizado no Japão, Israel, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Bélgica e Iugoslávia, com exceção dos resultados do Japão, em que o trabalho antecede a família. Além deste, os resultados são similares a outros estudos realizados no Brasil (Bastos, Pinho, & Costa, 1995; Soares, 1992; Vilela, 2003), em que a ordem de importância das esferas da vida também foi família, trabalho, lazer, religião e amigos. Ou seja, o trabalho ocupa o segundo lugar na vida dessas pessoas, assim como dos pais deste estudo. Nesse sentido, pode-se afirmar que o trabalho é uma importante esfera da vida, sendo elemento ponderável na definição da identidade dos indivíduos.

Para os filhos, a família também foi a esfera mais importante. Os adolescentes consideram que ela é fonte de apoio, afeto, orientação e compreensão. Diante dos conflitos que as mudanças dessa fase de desenvolvimento provocam, é comum que a família seja um importante elemento da rede de apoio social e afetivo (Amazarray et al., 2009). Entretanto, a ordem de prioridades que se segue foi totalmente inversa à dos pais. A segunda esfera mais importante foi amigos, que pode ser explicada pela proximidade e relacionamentos da idade. O lazer foi a terceira esfera da vida dos filhos. A esse respeito, Bendassolli (2009) afirma que, para algumas pessoas, o trabalho não tem significado em si mesmo, sendo obtido por meio do lazer. A realização ocorre no lazer porque ali o indivíduo pode escolher como usar seu tempo e realizar atividades que tenham a ver com seu interesse.

O que mais chama atenção é o fato de os filhos considerarem que o trabalho é a esfera menos importante da vida. Isso pode ser devido ao fato de que, para os jovens, o trabalho possivelmente não está associado à ideia de construção de suas identidades, mas está internalizado como meio de ajudar as suas famílias, conforme Marin et al. (2012), os quais afirmam que as atividades de trabalho dos jovens junto à família são vistas como ajuda, e não como trabalho.

Comparando-se os atributos valorativos entre pais e filhos, foi possível perceber que os pais pontuam mais alto nos atributos valorativos do que os filhos, o que quer dizer que eles parecem ter opinião mais formada sobre o que trabalho deva ser. Os atributos descritivos também apareceram em maiores níveis para os pais, quando comparados aos filhos, com exceção de "Ser retribuído equitativamente", em que os filhos tiveram maior pontuação. Essa percepção dos filhos em serem retribuídos financeira e socialmente pode ser explicada pelo fato de não possuírem obrigações financeiras formais, como, por exemplo, o sustento do lar, que é responsabilidade dos pais.

As mães deste estudo mostram maior percepção de enfrentamento das demandas do trabalho e de contribuição social e assistência do que os pais. Esse dado pode estar relacionado com o fato de que uma grande parte das trabalhadoras, que atuam com o beneficiamento da castanha, participam (ou participaram) do programa Mulheres Mil. Trata-se de um programa do Governo Federal, o qual objetiva garantir o acesso à educação profissional e à elevação da escolaridade, além de trabalhar questões de gênero e autoestima para trabalhadoras rurais dos povoados de interesse. Tonet, Garcia, Reuter e Pohl (2016), em seu estudo com trabalhadoras rurais, concluem que é inegável a precarização na vida dessas mulheres, porém, muitas delas apresentam estratégias para defender-se das adversidades e transformar o sofrimento inerente ao trabalho em prazer por realizá -lo, principalmente por meio da dinâmica de reconhecimento de seu trabalho.

Ao mesmo tempo, as filhas têm maior expectativa de que o trabalho seja uma expressão de respeito e acolhimento, comparativamente aos filhos do sexo masculino. Nesse sentido, o trabalho com a castanha, apesar de ser penoso, também está relacionado com aspectos positivos em relação à interação e manutenção de vínculos na comunidade, visto que esse momento também possibilita o contato com amigos e familiares. Devido à alta carga horária de trabalho, muitas famílias aproveitam esse período de labor para conversarem e se aproximarem (Rocha et al., 2016).

Ao investigar o significado do trabalho utilizando o critério geracional, pretendeu-se focar na percepção comparativa de pais e de filhos, sem que, contudo, se perdesse de vista a complexidade do fenômeno como um todo, abordando-o de forma sistêmica. Os estudos revisados nesta pesquisa em muito corroboram as percepções negativas do trabalho de crianças e adolescentes, como o prejuízo às atividades escolares, a diminuição do tempo livre e dedicado às questões próprias da adolescência e o impacto para a saúde, entre outros.

Os pais demonstraram uma visão otimista do que o trabalho deva ser -atributos valorativos, mas sentem-se desvalorizados quando o avaliam como ele é -atributos descritivos. Já os filhos possuem uma visão dialética do que o trabalho deva ser e quando o avaliam como ele é , também o consideram conflitante.

Diante disso, propõem-se ações interventivas para a integridade física e mental dos jovens trabalhadores, em que sejam informados sobre saúde do trabalhador e seus direitos à qualidade de trabalho. Essas informações devem ser transmitidas por meio de metodologias participativas, nas quais o processo de aprendizagem colabora para a formação de uma consciência crítica nos jovens.

Entretanto, considerando a realidade local, não se observam essas contrapartidas para direcionar o jovem para um caminho que não seja o do trabalho com a castanha. Por ser uma comunidade rural, não há empregadores formais, e, por isso, inviabiliza-se a concretização da lei da aprendizagem; não há escolas de tempo integral, estando o jovem ocupado em apenas um período e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) não é efetivo no que se propõe. Além disso, os povoados dispõem de raríssimas atividades de entretenimento ou complementares aos estudos.

Quando da revisão bibliográfica para esta pesquisa, detectou-se escassez de estudos geracionais sobre o trabalho, o que revela a relevância do presente artigo. Contudo, novas pesquisas se fazem necessárias, não apenas para possibilitar as comparações de estudos que auxiliam na solidificação e ampliação do conhecimento sobre um objeto de pesquisa, como também para suprir lacunas deixadas por estudos anteriores. Especificamente, sugerimos o perfilamento por sexo e faixa etária quando de novos estudos geracionais sobre o significado do trabalho. Ressalta-se, também, a importância de estudos longitudinais na apreensão da variabilidade do constructo estudado, o que poderia ser valioso no sentido de que o significado do trabalho é dinâmico e sócio-histórico.

 

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Endereço para correspondência:
Maria Mércia dos Santos Barros
Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Psicologia
49015-160, Aracaju, SE - Brasil
E-mail: mmerciabarros@hotmail.com

Recebido em: 11/06/2017
Primeira decisão editorial em: 09/10/2017
Versão final em: 12/11/2017
Aceito em: 12/11/2017

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