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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.4 Brasília out./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.4.14415 

Estresse ocupacional, um fenômeno coletivo: evidências em equipes de trabalho

 

Occupational stress, a collective phenomenon: evidence in work teams

 

Estrés ocupacional, un fenómeno colectivo: evidenciasen equipos de trabajo

 

 

Tarsila Dantas da Silva Gomes; Katia Elizabeth Puente-Palacios

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pesquisas da área têm avaliado e analisado o estresse predominantemente apenas em nível individual. Constata-se, entretanto, que o significado dado a esse processo é construído pela interação com os outros. O objetivo geral desta pesquisa foi evidenciar que o estresse ocupacional se manifesta em nível de equipe e, nesse nível, atua como antecedente de resultados da equipe. A amostra consistiu de 216 sujeitos (75 equipes de trabalho). A verificação das variáveis como processos grupais foi realizada por meio da similaridade intragrupo e da variância intergrupo. Diante disso, as informações individuais foram congregadas para construir escores grupais que representaram as variáveis abordadas neste estudo. Com esses escores foi construído o modelo de predição proposto. As análises demonstraram que os estressores têm poder de predição de 26% (p < 0,01) para a satisfação e 25% (p < 0,01) para desempenho. Essa visão do estresse ocupacional como fenômeno coletivo permite analisar as vivências compartilhadas, as fontes de estresse incidentes em determinado grupo e suas consequências.

Palavras-chave: estresse ocupacional; equipe; processo grupal.


ABSTRACT

Area research has studied occupational stress predominantly at the individual level. It is noted, however, that the meaning given to this process is constructed through interaction processes. The main objective of this research was to show that occupational stress is a collective phenomenon, and on this level has impact on team results. The sample consisted of 216 subjects (75 teams). The verification of variable levels was performed through intra- and inter-group variance analysis. The results demonstrated that the variables of this research were collective processes; therefore, group scores were created. With these scores the proposed prediction model was constructed. The results showed that the stressors have a predictive power of 26% (p < 0.01) for satisfaction and 25% (p < 0.01) for performance. This view of occupational stress as a collective phenomenon allows us to analyze the shared experiences, the sources of stress incident to a given group, and its consequences.

Key words: occupational stress, team, group process.


RESUMEN

Las investigaciones sobre estrés ocupacional lo han abordado, predominantemente, en nivel individual. Sin embargo, el significado dado a ese proceso es construido mediante procesos de interacción. El objetivo de esta investigación fue demostrar que el estrés ocupacional es un fenómeno colectivo que actúa como antecedente de resultados del equipo. La muestra consistió de 216 sujetos (75 equipos). El nivel de las variables fue verificado analizando la varianteintragrupal e intergrupal. Esos resultados demostraron la pertinencia de crear escores grupales que representan las variables del estudio. Con esos escores se construyó el modelo de predicción propuesto. Los resultados demostraron que los estresores predicen el 26% (p < 0,01) de la satisfacción y el 25% (p < 0,01) del desempeño. Esta visión del estrés ocupacional como fenómeno colectivo permite analizar las vivencias compartidas, las fuentes de estrés incidentes en determinado grupo y sus consecuencias.

Palabras clave: estrés ocupacional, equipo, proceso grupal.


 

 

O estresse ocupacional é um fenômeno que afeta de maneira marcantemente negativa a vida de trabalhadores e organizações (Ferreira et al., 2015). O estresse ocorre quando as demandas do trabalho não combinam ou excedem as capacidades, os recursos ou as necessidades do trabalhador, ou quando o conhecimento ou as habilidades de um trabalhador individual ou de um grupo não são compatíveis com as expectativas da cultura organizacional de uma empresa (International Labour Organization, 2016). Estresse ocupacional, assim, tem como elementos centrais os estressores e as respostas eliciadas por esses, considerando-se o processo dinâmico entre sujeito e ambiente.

Muitos modelos têm sido desenvolvidos e têm contribuído para o entendimento desse fenômeno. Apesar disso, ainda há muitas lacunas que decorrem do fato de que grande parte das pesquisas tem avaliado e analisado o estresse apenas em nível individual. Como consequência, são desconsiderados os aspectos do contexto grupal em que o indivíduo está imerso, o que é bastante grave. Afinal, o estresse ocupacional (da percepção à reação) é direta e indiretamente afetado pelo contexto (Peiró, 2001).

As experiências de estresse, todavia, não podem ser compreendidas adequadamente se o indivíduo é separado do seu contexto. Essa crítica surge da constatação de que o significado dado ao processo de estresse é construído por meio de interação com os outros. Portanto, reconhece-se que os indivíduos tendem a extrair sentido das experiências vividas e, nesse processo, lançam mão das pistas dadas pelos outros (Peiró, 2001).

A teoria do sensemaking defende que o sentido dado aos ambientes está em processo contínuo de construção, dessa forma, os ambientes não são estáveis, singulares e externos às pessoas. A realidade é socialmente construída por um processo que pressupõe interações sociais e significados compartilhados. Constata-se que a construção de sentido acontece, mormente, quando as pessoas se perguntam o que devem fazer em seguida, quando têm dúvidas em relação à sua ação subsequente e quando ocorrem imprevistos (Possas & Medeiros, 2016). Isso resulta do fato de os indivíduos, perante situações adversas, estarem mais propensos a redefinir e alterar o significado dos eventos. Assim, nos estudos acerca de estresse ocupacional, essa criação de sentido ganha destaque, visto que o estresse é advindo, muitas vezes, de situações ambíguas e imprevistas (Wrzesniewski et al., 2003).

Uma vez que é mediante processos de interação que os trabalhadores constroem, de modo iterativo, interpretações e reações comuns aos estressores, é de se esperar que a variação individual acerca das interpretações dos estressores e das reações resultantes diminua à medida que a experiência coletiva do estresse se intensifica. Portanto, o que ocorre pode ser descrito como processo que, gradativa e diacronicamente, dá lugar à uniformidade das experiências relativas ao estresse, resultando em padrões similares entre os indivíduos; esse processo é definido como processo de emersão. Assim, tendo em vista os atributos do estresse ora focados, é pertinente afirmar que as experiências de estresse podem ter qualidades coletivas.

Conclui-se, portanto, que as interpretações sobre os estressores e as reações ocorrem, inicialmente, em nível (microindividual). A emersão para o nível (meso grupal) acontece à medida que os membros da equipe interagem, comunicam e comparam perspectivas, trocam informações e afetos, compartilham ideias, verbalizam sentimentos, estados de humor, experimentam situações de trabalho em conjunto e passam a outorgar a esses eventos um significado coletivamente construído.

Como resposta ao reconhecimento da natureza coletiva da vivência do estresse, o alinhamento teórico e metodológico dos diferentes níveis tem sido adotado, embora ainda timidamente, como base para algumas pesquisas no âmbito internacional. No âmbito nacional, todavia, não se verifica a mesma tendência. Diante disso, o estudo ora relatado objetiva, inicialmente, evidenciar a pertinência de tratar o estresse como fenômeno coletivo e, em seguida, identificar as associações significativas com consequentes também do nível do grupo.

Buscando alinhar os componentes teórico-conceituais no estudo realizado, o estresse ocupacional, em nível de grupo, é descrito como percepção compartilhada pelos integrantes de uma equipe acerca de um estressor que, ao exceder os recursos percebidos, afeta diretamente a capacidade de alcançar os objetivos desejados pela equipe ou causa algum mal-estar.

Na realização de pesquisa com foco no estresse entendido como processo coletivo, enfrenta-se a dificuldade da defesa de ocorrência, em nível de grupo, de pensamentos, emoções e ações grupais, pois esses fenômenos são, a rigor, atributos individuais; é o sujeito quem pensa, tem emoções e reage. Desse modo, o uso de expressões, como estresse do grupo ou da equipe, demanda a oferta de explicações teóricas específicas que descrevam o significado do termo adotado que revela uma mudança de nível de fenômenos genuinamente individuais, evitando cometer, desse modo, erros na atribuição dos níveis, o que, infelizmente, é bastante comum na literatura científica.

A questão do erro na definição do nível do construto é apontada claramente por pesquisadores do âmbito organizacional que destacam a severidade das consequências (Puente-Palacios, Porto, & Martins, 2016). Pontualmente, no caso de fenômenos como o estresse, compreendido como atributo do nível meso, a observância adequada do nível permite a detecção de relações sutis, não identificadas em análises em nível micro. Por exemplo, Jex e Bliese (1999) apontamque a análise do estresse como fenômeno grupal lhes permitiu constatar a presença de fatores moderadores na relação entre estressores e respostas, moderadores esses não detectados ao realizar as análises em nível micro.

Além de propiciar a adequada compreensão acerca do construto, o exame do estresse ocupacional como fenômeno coletivo proporciona outros benefícios entre os quais podem ser mencionados os relacionados à intervenção e à gestão. Quanto às intervenções, ao serem coletivas, estão alinhadas à lógica teórica do fenômeno e, desse modo, devem focar no grupo, e não em indivíduos como entes isolados, permitindo que as condições geradoras de estresse coletivo possam ser revertidas. Com relação à gestão das equipes de trabalho, a compreensão do estresse enquanto fenômeno coletivo revela a complexidade dessas unidades de desempenho, dotadas de atributos compartilhados entre seus integrantes, como avaliações coletivas quanto àquilo que a equipe considera estressores e que superam as estratégias de enfrentamento que a equipe considera dispor.

Ainda quanto à questão da intervenção, ao observaro cenário atual, consta-se que resultados das pesquisas em nível individual são largamente utilizados para a implementação de intervenções. Assim, a maior parte delas utiliza técnicas com foco no indivíduo. Recentemente, a literatura da área tem ressaltado a inadequação desse tipo de intervenção (individual), sem nenhum melhoramento do contexto nem das condições de trabalho que provocam estresse (ILO, 2016). Como justificativa para essa crítica, aponta-se que as referidas técnicas não objetivam o gerenciamento da causa do estresse. Em contraste, visam ao desenvolvimento de resiliência individual para lidar com demandas, a fim de que os trabalhadores produzam mais. Ademais, essas intervenções assumem implícita ou explicitamente que o estresse vivenciado é uma questão do trabalhador que não consegue lidar com as demandas do trabalho (Peiró, 2001).

Para compreender as exigências derivadas da adoção de qualquer ação com foco nas equipes de trabalho, torna-se imprescindível definir essas unidades de desempenho, pois elas constituem o objeto de pesquisa focado neste estudo. Adota-se a definição apresentada por Machado (1998), pois nela são abordados os atributos centrais que caracterizam as equipes. Portanto, equipes de trabalho constituem:

Sistema de relações dinâmicas e complexas entre um conjunto de pessoas, que se identificam a si próprias e são identificadas por outras pessoas dentro da organização como membros de um grupo relativamente estável, que interagem e compartilham técnicas, regras, procedimentos e responsabilidades, utilizados para desempenhar tarefas e atividades com a finalidade de atingir objetivos mútuos (Machado, 1998, p. 7).

Quanto às equipes, ainda é importante reconhecer que essa forma de organização do trabalho é reflexo da procura incessante de mecanismos que favoreçam a efetividade das organizações. Isso porque a adoção de equipes, como células de desempenho, busca o aprimoramento da qualidade e produtividade das organizações. Esse ganho potencial deve-se, notadamente, ao presente contexto laboral, marcado por tarefas complexas e dinâmicas (Tannenbaum, Mathieu, Salas, & Cohen, 2012).

Nesse cenário, diversos problemas e desafios são adequadamente solucionados apenas quando há esforços coletivos (Puente-Palacios, Silva, & Borba, 2015). É o caso, por exemplo, de tarefas complexas; tarefas em que os erros podem levar a graves consequências; tarefas nas quais a complexidade excede a capacidade do indivíduo; tarefas que são ambíguas, estressantes ou mal definidas; e tarefas que exigem decisões múltiplas e rápidas (Salas, Cooke, & Rosen, 2008, Puente-Palacios & Brito, 2017).

Em estudos com foco no coletivo e que envolvem processos de emersão, como o relatado neste artigo, é imprescindível averiguar se a mudança de nível acarreta alterações nas características do construto (Puente-Palacios et al., 2016). Em vista disso, analisam-se a estrutura e o conteúdo, dois aspectos do fenômeno que podem se alterar à medida que os fenômenos variam de nível.

A estrutura refere-se à forma de organização, ao tipo e à quantidade de contribuição dos indivíduos na emersão do fenômeno. O estresse ocupacional caracteriza-se pela contribuição similar dos membros para a emergência do fenômeno. Ou seja, o elemento de base é similar: pessoas que percebem condições de trabalho como estressantes e fazem uma interpretação semelhante desses fatos. Não ocorre, assim, alteração na estrutura do construto (Bliese & Jex, 1999).

O conteúdo diz respeito ao fato de o construto ser teoricamente similar e desempenhar os mesmos papéis e funções em níveis diferentes. Kozlowski e Klein (2000) argumentam que os fenômenos, ao emergirem mediante articulação de contribuições individuais de natureza semelhante (significado da vivência de estresse), apresentam em nível superior o mesmo conteúdo verificado em nível inferior.

Por outro lado, quando o fenômeno sofre alterações ao mudar de nível, tem-se o denominado processo de emersão por composição inexata1 que, segundo Bliese (2000), mostra que o fenômeno não apresenta o mesmo significado nos diferentes níveis. Isso ocorre, notadamente, porque a variável de nível superior representa influências contextuais, e não características peculiares dos indivíduos.

É a essa segunda perspectiva que a presente pesquisa se filia. Assim, ao se analisar o estresse em nível de equipes (nível meso), não se investigam as características individuais (nível micro), como experiências na infância, problemas conjugais ou traços da personalidade (Semmer, Zapf, & Greif, 1996). Os aspectos efetivamente focados são os atributos contextuais, como as demandas de trabalho exigidas pelo ambiente em que os indivíduos estão imersos (Bliese & Jex, 2002). Com isso, o estresse ocupacional constitui fenômeno que, ao emergir, apresenta variação no conteúdo - nos termos de Bliese (2000), sendo um fenômeno resultante de emersão por composição inexata.

Isso posto, após análise quanto às alterações nas características do fenômeno decorrentes da mudança de nível, passa-se a delimitar as variáveis que compõem o processo de estresse ocupacional na atual pesquisa.

Delimitação dos estressores e das respostas

O estresse ocupacional consiste em fenômeno vasto e complexo. Em razão dessas características, tanto os estressores quanto as respostas e as estratégias de enfrentamento (coping) têm de ser delimitados pelo pesquisador que se propõe a investigá-los. A seguir, explicitam-se as opções adotadas pela presente pesquisa.

Neste estudo, utilizam-se alguns dos estressores estudados de maneira mais recorrente e destacados na literatura contemporânea pelo seu efeito deletério sobre os trabalhadores. São eles: ambiguidade e conflito de papéis, referindo-se à falta de clareza sobre as próprias funções e ao recebimento de demandas contraditórias; sobrecarga de papéis, associada ao excesso de tarefas; falta de suporte social, relacionada à ausência de apoio ofertado pelos colegas e superiores; insegurança no trabalho, relativa às dificuldades financeiras da organização e à instabilidade no emprego; falta de autonomia, entendida como restrição do espaço dado pela empresa para que o empregado possa planejar e tomar decisões acerca de suas próprias tarefas; conflito família-trabalho, referente à incompatibilidade entre os encargos familiares e os laborais; pressões pela responsabilidade, atinentes à atribuição de responder por pessoas e equipamentos conferida ao empregado no desempenho de suas funções (Ferreira et al., 2015).

Como resposta aos estressores, foi avaliada a efetividade das equipes. Essa opção justifica-se pelo aspecto, já antes mencionado, relativo ao incremento na implementação de equipes nas organizações. Também se pondera o fato de muitas organizações ainda consideram custos com gerenciamento do estresse como gasto, e não como investimento. Assim, esta pesquisa objetiva evidenciar, empiricamente, que os estressores, entendidos como atributos do coletivo, repercutem negativamente na efetividade das equipes. A partir do alcance desse objetivo, busca-se concomitantemente demonstrar que investir no gerenciamento do estresse dos grupos possibilita o aumento da efetividade das equipes, elementos-chave da vida das organizações.

Ante à especial relevância do estudo relativo à efetividade, diversos foram os critérios adotados pela literatura como indicadores. Hackman (1987), autor de produção científica de enorme relevância para a compreensão do funcionamento de equipes de trabalho, propõe que a efetividade dessas células de trabalho é mais bem abordada quando há a mensuração conjunta de critérios de naturezas distintas, a saber: produto (envolve avaliação do desempenho e entregas feitas pelo grupo), qualidade das relações interpessoais e saldo afetivo positivo entre os membros da equipe. Assim, para o desenvolvimento do estudo empírico abordado neste artigo, adotaram-se dois critérios para mensuração da efetividade, sendo eles o desempenho julgamental e a satisfação com a equipe de trabalho.

No tocante ao desempenho, a revisão da literatura da área mostra divergências quanto ao seu significado. Afinal, o construto é definido ora como processo, ações realizadas pelo trabalhador que contribuem para a execução das tarefas, ora como resultado, consequências dos processos. Ante essa dicotomia, a presente pesquisa compreende desempenho como resultado. Especificamente, vale-se da seguinte descrição do que seja desempenho: resultado grupal cuja mensuração pode ser realizada a partir do relato dos membros da equipe (Puente-Palacios, Martins, & Palumbo, 2016).

Além do desempenho, o outro critério de efetividade adotado é a satisfação com a equipe de trabalho. A razão para essa escolha é o fato de que o trabalho em equipe deve resultar em saldo afetivo favorável para os membros, visto que a experiência em grupo proporciona reações afetivas potencialmente favoráveis ou prejudiciais ao trabalho coletivo (Hackman, 1987).

Objeto de muitas divergências na literatura, o significado desse construto variou de maneira significativa ao longo do tempo. Inicialmente, satisfação era estudada como um componente da motivação. Posteriormente, satisfação foi concebida como atitude. Finalmente, foi interpretada como emoção, momento em que o conceito de satisfação alcançou refinamento notável. Como resultado, o construto passa a caracterizar o vínculo afetivo do indivíduo com seu trabalho, assentando, assim, a presença de componente afetivo no construto (Siqueira, 2004). É essa perspectiva que embasa o conceito de satisfação adotado neste artigo. A satisfação, desse modo, é compreendida como estado emocional positivo ou agradável compartilhado pelos membros do grupo em relação à equipe de trabalho.

Conforme identificado por pesquisas recentes, esse estado emocional positivo ou agradável é prejudicado por situações de estresse. Assim, a satisfação é afetada negativamente por estressores psicossociais organizacionais, tais como conflito família-trabalho e longas horas de trabalho (ILO, 2016). Entretanto, são necessárias mais pesquisas considerando aspectos coletivos, buscando alcançar a adequada compreensão desse complexo processo.

Resumindo, o presente estudo propõe, como objetivo geral, demonstrar que o estresse ocupacional se manifesta em nível de equipe e, nesse nível, atua como antecedente de resultados da equipe. Alinhadas a esse objetivo e sustentadas nas revisões teóricas e empíricas que embasam este artigo, foram levantadas duas hipóteses centrais a serem empiricamente investigadas. Hipótese 1: os estressores e as respostas são atributos do nível meso, apresentando homogeneidade dentro da equipe e heterogeneidade entre as equipes. Hipótese 2: os estressores impactam negativamente na efetividade da equipe (desempenho da equipe e satisfação com a equipe).

 

Método

A amostra de dados utilizada para a realização empírica da pesquisa esteve composta pelas respostas dadas por integrantes de uma instituição de segurança pública. Especificamente, a amostra reúne informações de 217 trabalhadores dessa instituição, selecionados a partir de dois critérios. Primeiro, os respondentes estavam trabalhando em equipes com, pelo menos, três membros que estavam juntos há, pelo menos, três meses. Segundo, a equipe à qual pertenciam teve mais de um respondente. A partir desses critérios, foram obtidas 73 equipes, cujo número de respondentes variou entre dois e oito.

Em termos de sexo, a composição foi de 80, 6% respondentes do sexo masculino e 19, 4% do sexo feminino. As idades variaram entre 26 e 66 anos (M= 42, 88; DP = 6, 994). O tempo de trabalho na instituição teve média aritmética de 11, 99 (DP = 3, 54). Em 54, 5% dos casos, os participantes informaram que a natureza do trabalho era operacional; em 45, 5%, administrativa. Por fim, 41, 08% assinalaram que eram chefes da equipe.

Instrumentos

Estressores

A escala utilizada para a avaliação dos estressores psicossociais no contexto laboral foi desenvolvida por Ferreira et al. (2015). Trata-se de medida composta por 35 itens, organizados em 7 fatores que mostraram índices de confiabilidade satisfatórios (α entre 0, 72 e 0, 82) na pesquisa de desenvolvimento da medida realizada por esses autores. Os fatores da medida são: insegurança no trabalho, falta de suporte social, ambiguidade e conflito de papéis, conflito família-trabalho, sobrecarga de papéis, responsabilidade e autonomia. Os questionários da escala original são respondidos em escala do tipo Likert de frequência de cinco pontos. Para esta pesquisa, no entanto, optou-se por averiguar a intensidade dos estressores (1 equivale a "não me afeta" e 5 a "afeta-me extremamente"), e não a frequência. Essa mudança foi motivada por se defender que as percepções do estresse devem ser analisadas pela forma que os eventos são vivenciados. Adicionalmente a essa mudança, alguns dos enunciados foram levemente ajustados, pois foi necessário adotar palavras usadas corriqueiramente na organização em que a pesquisa foi realizada.

Desempenho das equipes

A escala referente ao desempenho das equipes foi desenvolvida por Puente-Palacios et al. (2016). O estudo concernente à construção dessa escala resultou na compilação de 9 itens em um fator (α = 0, 93). É respondida em escala do tipo Likert de concordância de cinco pontos (1 equivale a "discordo totalmente" e 5 a "concordo totalmente"). Como exemplo, cita-se o seguinte item: "Os serviços desta equipe são de ótima qualidade".

Satisfação com a equipe

A escala utilizada para auferir a satisfação foi desenvolvida por Puente-Palacios e Borges-Andrade (2005). Está composta por 5itens, agrupados em um fator único (α = 0, 87). É respondida em escala do tipo Likert de concordância de cinco pontos (1 equivale a "discordo totalmente" e 5 a "concordo totalmente"). Como exemplo, cita-se o seguinte item: "Tenho sentimentos positivos sobre a forma como trabalhamos juntos na minha equipe" (Puente-Palacios & Borges-Andrade, 2005).

Procedimento de coleta de dados e cuidados éticos

Prévio à coleta de dados, foi verificado junto à organização em que medida os integrantes da amostra desempenhavam seus trabalhos em equipes. Para tanto foi estabelecido como critério o fato de os membros manterem relações e contatos diários, por motivos profissionais, e terem metas de trabalho comuns ao grupo pelas quais deviam ser coletivamente responsáveis. Além disso, foi imperativo que o membro participasse apenas de uma equipe. Após verificação da observância desses critérios e com anuência da organização, os questionários foram aplicados. O procedimento de envio dos instrumentos aos destinatários foi realizado utilizando questionário eletrônico online nomeado Polldaddy.

Procedimentos de análise de dados

Objetivando reunir evidências de validade e confiabilidade das medidas no contexto da amostra investigada, procedeu-se inicialmente às análises fatoriais exploratórias, utilizando-se o método PAF (Principal Axis Factoring), seguido da verificação dos índices de confiabilidade de Alfade Cronbach e valor médio (corrigido) da correlação item total.

Após essa etapa, passou-se a verificar a manifestação da emersão. Esse processo envolve tanto a análise de consenso dentro do mesmo grupo, avaliado por meio do ADMd, como a identificação dediferenças entre grupos, avaliada mediante análise de variância (da ANOVA one-way) e ICC, que revela a intensidade da variância existente em nível grupal. Constatadas essas características, as respostas individuais podem ser agregadas em dados de equipes. A pertinência de uso dessas estratégias para a verificação da ocorrência do processo de emersão é defendida por autores que investigam a ocorrência de processos coletivos nas organizações (Bliese, 2000; Gonzáles-Romá & Hernandez, 2014; Dawson et al., 2007).

Por fim, mediante o uso de uma regressão múltipla hierárquica, testou-se o modelo preditivo do estudo. Assim, verificou-se o impacto significativo dos estressores no desempenho das equipes e na satisfação com as equipes.

 

Resultados

Inicialmente, foram adotados procedimentos analíticos que oferecessem evidências da adequação das medidas para coletar dados na amostra do estudo. Todas as escalas revelaram a fator habilidade da matriz de dados mediante o valor do KMO, do teste de esfericidade de Bartlett significativo (p< 0, 01) e do determinante da matriz de dados.

Em relação à escala de estressores, o presente estudo adotou como critério a estrutura conceitual da escala, portanto, a extração de 7 fatores. Essa solução, entretanto, resultou no fato de 3 itens (de um total de 4) referentes ao fator insegurança carregar em outros fatores. Assim, observou-se que esse fator não se adapta à amostra, visto que, possivelmente, a insegurança no trabalho não se apresenta como estressor em servidores públicos que contam com estabilidade. Optou-se, portanto, pela retirada desse fator e pela consequente realização de uma nova análise fatorial. A análise fatorial com extração de 6 fatores, com rotação proporção máxima, resultou na melhor representação dos dados. Essa solução foi responsável por 70, 42% da variância total. A confiabilidade desses fatores mostrou-se satisfatória (α entre 0, 78 e 0, 92; r item total - corrigida - entre 0, 78 e 0, 65), e as cargas fatoriais demonstraram contribuições relevantes de todos os itens para a mensuração das dimensões subjacentes à medida (cargas fatoriais entre 0, 50 e 0, 94).

No que concerne à escala de desempenho de equipes, acompanhando a solução da escala original, extraiu-se apenas 1 fator (α = 0, 91; r item-total = 0, 61 corrigida), responsável por 60, 08% da variância total explicada. Em relação à carga fatorial, os itens apresentaram valores que variaram de 0, 55 a 0, 89.

Em relação à escala de satisfação com as equipes, extraiu-se apenas um fator (α = 0, 95 e r item-total = 0, 86), responsável por 82, 73% de explicação da variância total. Essa solução é compatível com a lógica teórica subjacente ao construto e foi, portanto, a utilizada. Em relação às cargas, os itens obtiveram valores que variaram de 0, 84 a 0, 93.

A partir dos valores médios dos fatores (ou variáveis), obtidos pela congregação dos itens constitutivos identificados mediante a análise fatorial, foram calculadas correlações entre o estresse (fatores) e os critérios de efetividade (satisfação e desempenho). Os valores resultantes estão apresentados na Tabela 1, que também mostra os valores da M aritmética e o DP.

 

 

Os dados contidos na tabela mostram que a quase totalidade dos fatores do estresse se associa de maneira significativa aos critérios de efetividade. Assim, conta-se com evidências iniciais da pertinência de vincular essas condições de trabalho à satisfação e ao desempenho. Entretanto, por se tratar de associações em nível individual, não permitem tecer conclusões sobre o comportamento dessas variáveis em nível grupal.

Constatada a adequação das medidas para a amostra de respondentes e verificadas associações iniciais entre as variáveis, passou-se a analisar a pertinência de compor escores grupais a partir de dados recolhidos em nível individual ou, dito de outro modo, analisar a ocorrência de emersão. Para tanto, três passos são necessários, sendo o primeiro a verificação de similaridade ou concordância nas respostas individuais em cada equipe; o segundo, a existência de diferenças significativas entre equipes; e o terceiro, a existência de variância de magnitude relevante entre equipes. Para a averiguação da concordância dentro das equipes foi analisado o valor do desvio médio absoluto para os itens de cada fator/variável (índice ADMd), considerando o máximo de afastamento tolerado, que obteve o valor de referência de 0, 83, segundo as diretrizes de Dawson, Gonzalez-Romá, Davis e West (2007) e González-Romá e Hernández (2014). Essa análise revelou, em todos os casos, valores abaixo do critério de referência antes mencionado (0, 83). Por conseguinte, constatou-se homogeneidade nas respostas apresentadas pelos membros das equipes, adimplindo um dos critérios cruciais para a conclusão de que o fenômeno é coletivo.

Após essa análise, é imperativa a inspeção da variabilidade entre as equipes. Essa etapa foi realizada lançando-se mão do teste ANOVA one-way. Dos fatores do estresse, aqueles capazes de discriminar os grupos foram: ambiguidade e conflito de papéis; sobrecarga de papéis e falta de suporte social; os restantes (trabalho-família, responsabilidade e autonomia) não alcançaram resultados significativos na análise de variância. Com relação aos critérios de efetividade, tanto o desempenho das equipes como a satisfação com a equipe alcançaram significância estatística e, desse modo, revelaram ser elementos de distinção entre as equipes estudadas. Com relação aos fatores que não mostraram diferença significativa, deveriam, portanto, ser eliminados da testagem do modelo de predição (em nível meso), pois esse se sustenta em fenômenos coletivos.

No terceiro momento da análise de emersão realizada buscou-se investigar a magnitude da variância grupal, por meio do Intraclass Correlation Coeficient- ICC (González-Romá & Hernandéz, 2014). O fator responsabilidade (estressor), que não apresentou significância na ANOVA one-way, concomitantemente não apresentou valor satisfatório no que concerne à análise do ICC. Esse fator apresentou valor abaixo de 0, 05, evidenciando escassa magnitude de diferença entre os grupos. Os fatores remanescentes apresentaram valores considerados satisfatórios, variando entre 0, 05 e 0, 21 (Bliese, 2000). Para interpretar o valor do ICC é importante ter em mente que ele mostra a porcentagem de variância do fenômeno atribuída ao nível meso. Os resultados desse conjunto de análises encontram-se na Tabela 2.

 

 

O conjunto de achados ora apresentado oferece sustento à primeira hipótese desta pesquisa, segundo a qual o estresse e seus consequentes (satisfação e desempenho) são fenômenos coletivos. Ainda assim, reconhece-se que três, dos seis estressores pesquisados, mostraram não ser fenômenos coletivos. Logo, o suporte à hipótese é parcial.

A seguir procedeu-se a construção de um banco de dados, do nível das equipes, no qual estavam contidos os fatores do estresse (ambiguidade e conflito de papéis, sobrecarga de papéis e falta de suporte social), a satisfação e o desempenho das equipes. A geração dessas novas variáveis foi realizada pela média aritmética (por equipe) e o modelo de predição proposto neste estudo foi testado. Ao serem tratadas como novas variáveis, torna-se imprescindível investigar as associações ocorridas quando assumidas na condição de atributos coletivos, resultados esses dispostos na Tabela 3.

 

 

Os resultados obtidos revelam associação significativa entre os estressores e as variáveis-critério. Ao estarem todos esses elementos em nível de equipes, tornam-se evidências concretas da vinculação entre condições de trabalho, coletivamente percebidas como estressores, a satisfação e o desempenho das equipes. Para a testagem do modelo, então, foram adotados procedimentos relativos à condução de teste de predição, via regressão múltipla, utilizando-se o método enter para forçar aentrada dos fatores: falta de suporte social, sobrecarga de papéis e ambiguidade e conflito de papéis. Todavia, previamente, os pressupostos que sustentam as análises de regressão foram investigados. Assim, inspecionou-se a normalidade das distribuições, a presença de casos extremos multivariados e a independência das observações. Em todos os casos, os resultados revelaram adequação dos dados, de sorte a ser pertinente ir adiante com as análises pretendidas.

Com relação ao modelo de predição proposto, os resultados obtidos demonstraram que os estressores, atuando em conjunto, têm poder de predição de 26% (p < 0, 01) para a satisfação e 25% (p < 0, 01) para desempenho da equipe. Esses achados dão suporte à segunda hipótese, que assume os estressores como fontes de impacto negativo sobre a satisfação e o desempenho.

A análise pormenorizada do comportamento independentementede cada estressor, entretanto, revela que apenas o efeito do fator falta de suporte social é significativo, atuando tanto sobre o desempenho (β = -0, 37; p < 0, 05) quanto sobre a satisfação (β = -0, 41; p < 0, 05). Os resultados, desse modo, evidenciam que quanto mais a equipe percebe falta de suporte dos colegas e do chefe, menos favorável é a percepção da equipe sobre o seu desempenho e menor a satisfação reportada.

O conjunto de achados obtidos a partir das análises de dados realizadas no estudo ora relatado elicia diversas possíveis interpretações. Essas precisam ser sustentadas nos avanços teóricos do campo, relativos aos estressores presentes no cenário de trabalho, e nos impactos que eles exercem sobre os trabalhadores. Assim, a continuação tem-se a seção de discussão.

 

Discussão

Demonstrar a importância de estudar o estresse como fenômeno coletivo foi uma das contribuições esperadas desta pesquisa. Nesse sentido, o modelo teórico proposto foi construído tomando como base a participação de um conjunto de variáveis, todas relativas a processos grupais. Os resultados encontrados na realização da pesquisa empírica revelaram a pertinência das teorizações iniciais realizadas. Tanto as descobertas alinhadas com as hipóteses de pesquisa quanto as que não mostraram estar na direção esperada oferecem subsídios para a melhor compreensão da ocorrência do estresse em equipes de trabalho. Os achados do estudo oferecem evidências empíricas que dão sustento, ainda que parcial, às hipóteses da pesquisa. Essas descobertas, todavia, oferecem substantivo suporte à afirmação relativa à pertinência de defender o estresse como fenômeno coletivo, e não apenas como processo que ocorre em nível de indivíduo.

No que concerne à emersão dos estressores psicossociais, os dados mostram a existência de compartilhamento de interpretação, entre membros de equipes, de todos os estressores analisados (ADMd < 0, 83). Tais evidências são similares às encontradas em pesquisas desenvolvidas por autores que constataram que as percepções dos estressores foram compartilhadas entre os trabalhadores (Semmer et al., 1996; Jex & Bliese, 1999). Os dados da pesquisa objeto deste relato, portanto, revelam que as avaliações acerca desses fenômenos não são apenas processos intrapsíquicos que operam dentro do indivíduo, ocorrendo de maneira isolada. São, sim, avaliações coletivamente construídas e compartilhadas pelos trabalhadores da organização. Desse modo, reforçam a defesa relativa ao fato de a realidade ser socialmente construída, desencadeando significados compartilhados, que resultam em experiência coletiva do estresse ocupacional.

Porém, para a emersão de um fenômeno do nível micro para o meso ou para a transformação de um atributo individual em fenômeno coletivo é necessário também que as equipes sejam diferentes entre si, fato que foi demonstrado nos seguintes estressores: ambiguidade e conflito de papéis, sobrecarga de papéis e falta de suporte social. Esse achado constitui evidência empírica que torna pertinente afirmar que os grupos diferem em sensibilidade e vulnerabilidade para esses tipos de eventos. Isso mostra, paralelamente, que aspectos, como sobrecarga de papéis, falta de suporte ou conflito de papéis, não afetaram somente alguns dos participantes do estudo. Afetaram a todos eles. Contudo diferenças foram identificadas na intensidade da percepção feita, a depender da equipe a que os membros estavam vinculados.

Ainda assim, três percepções sobre os estressores não apresentaram variação significativa entre as equipes, a saber: responsabilidade, falta de autonomia e conflito trabalho-família. Cabe relembrar, porém, que esses estressores apresentaram também similaridade entre as respostas dos participantes. Desses achados pode-se inferir que as interpretações sobre esses fenômenos são similares em toda a organização, não se manifestando como uma característica do nível meso e não permitindo diferenciar uma pessoa de outra na amostra pesquisada.

No caso do fator responsabilidade, deve-se considerar a natureza do trabalho, que é de uma organização de segurança pública. Dessa forma, o cumprimento das tarefas requer alto grau de responsabilidade. Pode-se exemplificar citando o fato de as tarefas desencadearem situações que colocam em risco a própria vida dos respondentes e a de terceiros. Por isso, itens como "saber que meus erros podem interferir negativamente na vida de outras pessoas" foram respondidos de forma homogênea, independentemente das equipes que os sujeitos participavam. Na mesma vertente dessa argumentação, verifica-se que esse foi o estressor que apresentou média aritmética mais elevada (M = 3, 51; DP = 1, 04), fato que torna pertinente afirmar que é o que mais afeta os respondentes da pesquisa.

Contrapondo esse resultado, a falta de autonomia foi o estressor que apresentou o valor médio mais baixo (M = 2, 28; DP = 1, 12), oferecendo evidências empíricas, assim, de que esse é o estressor que menos afeta os respondentes. Para compreender esse resultado, deve-se considerar que o respeito à hierarquia e à disciplina é disseminado e regulamentado (expresso no Código de Ética da Instituição). É possível inferir, portanto, que as equipes dessa organização são estruturadas de forma hierarquizada e que a disciplina é valorizada. Ademais, falta de autonomia é uma característica intrinsicamente relacionada ao exercício da profissão na organização adotada.

Por fim, em relação ao estressor conflito trabalho-família, deve ser ponderado que, mesmo quando esses profissionais não estão em seu local e horário de trabalho, ainda assim vivenciam o constante estado deprontidão. Fato esse evidenciado pelo valor da média aritmética, que é o segundo mais elevado, demonstrando se tratar de um estressor relevante na organização estudada (M = 3, 30; SD = 1, 08).

Com relação aos critérios de efetividade, satisfação e desempenho, também foram investigadas as evidências de emersão. No caso das três variáveis houve constatação empírica da similaridade das interpretações intragrupo como também da variância intergrupo. Tais resultados são similares aos de outras pesquisas, realizadas em nível meso, que analisaram a efetividade das equipes (Barouh & Puente- Palacios, 2015; Barbosa, 2016; Puente-Palacios & Brito, 2017 e demonstraram que os indivíduos que trabalham em equipes são fontes apropriadas de informação sobre o desempenho das unidades a que se vinculam. Esses mesmos achados revelam, de maneira concomitante, que satisfação e desempenho podem ser legitimamente considerados como atributos coletivos, não apenas individuais, o que torna pertinente falar de equipes mais ou menos satisfeitas ou equipes com desempenhos melhores e piores.

O conjunto de resultados ora explorados permite verificar o processo dinâmico de articulação de características individuais desencadeando propriedades coletivas. Demonstra-se, assim, a pertinência do alinhamento entre o arranjo proposto pela organização (equipe) e o nível de análise dos fenômenos neste estudo (nível meso). Esse fato merece destaque, tendo em vista que a emersão tem sido longamente ignorada (Puente-Palacios, et al., 2016), principalmente quando se trata do estresse ocupacional, que é dominado pelos estudos do nível individual (Kirkegaard & Brinkmann, 2015).

Uma vez demonstrada a manifestação das variáveis do estudo em nível meso, a pesquisa evoluiu para a verificação das relações hipotetizadas. Pontualmente a segunda hipótese, construída em nível meso, defendia que os estressores psicossociais afetam negativamente a efetividade da equipe. Em relação ao desempenho da equipe, os resultados demonstraram que os estressores psicossociais em nível de grupo, atuando em conjunto, têm poder de predição de 25% (β = 0, 37, p < 0, 001). O fato de estressores impactarem no desempenho é, também, apontado em meta-análises de estudos em nível micro (Gilboa, Shirom, Fried, & Cooper, 2008). Embora resultados de diferentes níveis não possam ser comparados, como se fossem fenômenos idênticos, os achados mostram que o comportamento de preditor dos estressores funciona de maneira similar em nível individual e coletivo, sugerindo que, nesse aspecto, as relações de predição em ambos os níveis podem ser isomórficas ou similares.

No que concerne à satisfação com a equipe, os estressores têm poder de predição de 26% (β = -0, 41, p < 0, 001). Isso indica que os estressores psicossociais são capazes de afetar a satisfação com a equipe. Esse dado é similar ao encontrado em estudo internacional que trouxe evidência empírica da relação entre estressores e satisfação com o trabalho em nível de equipes (Jex & Bliese, 1999).

Embora os resultados de predição de estressores na efetividade nesta pesquisa pareçam similares aos já realizados em nível micro, este estudo, ainda assim, contribui para o suprimento de lacuna teórica sobre os estudos do impacto de estressores na efetividade. Isso porque a quantidade de pesquisas sobre essa relação é vasta, e a conclusão tende a ser a mesma: os estressores impactam na efetividade (ILO, 2016). Porém, precaução é necessária nessa interpretação, pois as pesquisas desenvolvidas, até então, têm analisado os fenômenos em nível individual. Assim, simplesmente identificar e mensurar esse impacto não revelava qual era o papel do contexto de trabalho ou do ambiente social. Tais resultados podiam ser interpretados, simplesmente, como evidências de que o estresse resulta de características individuais, como traços da personalidade (Semmer et al., 1996). A análise em nível meso, diferentemente, contribui para o enriquecimento do conhecimento sobre a relação entre estresse ocupacional e efetividade, visto que permite atribuir o impacto dos estressores não aos indivíduos, mas ao contexto ou ambiente social no qual os indivíduos estão imersos.

Análises pormenorizadas dos efeitos dos diferentes estressores investigados mostram que quando esses são avaliados separadamente, apenas o efeito do fator falta de suporte social é significativo, tanto no desempenho da equipe (β = -0, 37; p < 0, 05) quanto na satisfação com a equipe (β = -0, 41; p < 0, 05). Esses resultados eliciam reflexões quanto às causas da sua ocorrência, e é possível defender que se devem ao formato de organização em equipes. Nessa modalidade, os indivíduos trabalham de maneira interdependente e são corresponsáveis tanto pela correta execução das tarefas como pelas consequências derivadas. O êxito no desempenho do trabalho, desse modo, depende da afinada articulação de diversas ações individuais, fato que destaca a centralidade que aspectos sociais desempenham, especialmente no surgimento do estresse. Assim, poder contar com a ajuda de colegas e da chefia é essencial para o bom desempenho das funções, bem como para a equipe estar satisfeita. Dessa forma, evidencia-se a importância desse fator, que aborda questões relativas a receber (ou não) ajuda dos colegas quando os indivíduos têm problemas no trabalho.

Já no caso do estressor denominado ambiguidade e conflito de papéis, embora apresente a média aritmética mais elevada entre os estressores (M = 3, 10; DP = 1, 21), não teve papel significativo como antecedente dos critérios escolhidos para este estudo (desempenho da equipe e satisfação com a equipe; p > 0, 05). Isso pode ter ocorrido pelo fato de o grupo poder atuar como fonte de esclarecimento perante uma incerteza na tarefa. Portanto, pessoas que trabalham em equipe seriam menos susceptíveis a esse estressor, comparadas às que trabalham de forma individualizada.

Outro resultado instigante é a não significância do efeito da sobrecarga de papéis na efetividade (desempenho da equipe, satisfação com a equipe; p > 0, 05). Esse dado está alinhado com os achados de algumas pesquisas realizadas em nível micro. Nessas pesquisas, tem sido demonstrado que a sobrecarga mencionada nem sempre desencadeia consequências deletérias. Isso porque, em alguns casos, pode ser percebida como gerenciável, o que faz com que esse estressor possa ser avaliado como desafio, não assumindo o papel de ameaça (Cavanaugh, Boswell, Roehling, & Boudreau, 2000). Assim, infere-se que na amostra do estudo ora relatado a sobrecarga de papéis é percebida como administrável e, consequentemente, desafiadora, motivo pelo qual não apresentou impacto negativo sobre qualquer um dos critérios de efetividade.

Levando-se em consideração o conjunto de resultados visitados e comentados, constata-se a existência de evidências empíricas suficientes para afirmar que os estressores influenciam a efetividade das equipes. A ocorrência do processo de estresse ocupacional, em nível de equipe, foi evidenciada na organização estudada. Assim, tem-se que o estresse não é apenas uma vivência do sujeito, pois os dados demonstram que se trata de uma experiência coletiva, uma vez que foram encontradas equipes que relatam vivenciar mais estresse que outras.

Essas descobertas realizadas na pesquisa eliciam análises também quanto às implicações práticas. A primeira delas é a observação de que as condições de trabalho estressantes perturbam a efetividade da equipe. Argumenta-se, portanto, que é importante que organizações se esforcem para manter os estressores (condições de trabalho) em níveis gerenciáveis de tal forma que as equipes consigam adimplir as tarefas a elas designadas, ao mesmo tempo em que a satisfação possa ser preservada. Dessa forma, este estudo contribui para que as organizações considerem os custos com gerenciamento do estresse como investimento, não como gasto.

A segunda implicação é advinda da constatação do caráter deletério da falta de suporte social em grupos de trabalho. O conteúdo abordado pela medida oferece indícios quanto aos aspectos a serem observados e gerenciados. Por exemplo, não receber ajuda dos supervisores ou colegas perante problemas de trabalho ou pessoais, ou, ainda, não ser ouvido por esses atores quando os trabalhadores enfrentam dificuldades diversas mostram-se como situações desencadeadoras de estresse. Considera-se, portanto, ser pertinente que as organizações invistam em intervenções que incentivem comportamentos colaborativos entre os colegas e entre os chefes e os subordinados como mecanismo de prevenção do surgimento de vivências de estresse de equipes de trabalho.

A terceira implicação prática é a importância do alinhamento entre o nível de manifestação do estresse e o nível de intervenção das organizações. Defende-se que, quando o estresse se manifesta como fenômeno coletivo, a intervenção mais efetiva será a direcionada ao contexto ou ao ambiente social, e não a indivíduos isolados. Dessa forma, é possível contribuir também para o aprimoramento dos esforços tradicionais, avançando na construção de respostas mais efetivas, abordando estratégias de intervenção congruentes com o nível de manifestação em que o estresse ocupacional atua.

Ainda com as contribuições apontadas e a relevância dos achados, este estudo tem algumas limitações. Uma delas é o fato de os dados terem sido coletados mediante medidas de autorrelato. Isso levanta a possibilidade de ocorrência do fenômeno de variância do método comum. Embora essa possibilidade não possa ser negada, também se pode argumentar que é improvável que os resultados estejam contaminados por esse artefato metodológico. Isso porque no estudo ora relatado foi observado que certas variáveis ​​exibiam evidências de ser propriedades do nível grupal, enquanto outras não. No entanto, futuras investigações poderiam lançar mão de outros tipos de medidas a fim de prevenir esse possível problema.

Outra limitação refere-se ao fato de a amostra ser inteiramente de respondentes que trabalham com segurança pública. Isso levanta preocupações sobre a pertinência de generalização dos resultados para outras configurações de trabalho. Porém, a similaridade observada com achados realizados por outros pesquisadores permite defender a relevância do estudo realizado, apesar da especificidade da amostra. De toda forma, no futuro recomenda-se replicar este estudo em outras configurações de trabalho a fim de aprimorarmos o entendimento do complexo processo do estresse ocupacional.

Por fim, uma terceira limitação é o caráter transversal do estudo. Todos os dados foram recolhidos em um único momento. Assim, a relação construída entre variáveis antecedentes e consequentes obedece ao modelo teórico adotado, mas, de fato, ambas as informações foram levantadas em um único momento. Por essa razão sugere-se que pesquisas futuras investiguem a temporalidade das relações defendidas.

 

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Endereço para correspondência:
Tarsila Dantas da Silva Gomes
Universidade de Brasília, Brasília, Brasil... Campus Darcy Ribeiro - ICC, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho
Brasília- DF. CEP-70910-900
Email: kep.palacios@gmail.com

Recebido em: 22/11/2017
Primeira decisão editorial em: 24/01/2018
Versão final em: 22/04/2018
Aceito em: 22/04/2018

 

 

1 Tradução livre de fuzzy.

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