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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.3 Brasília jul./set. 2019

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.3.16131 

Psicologia Organizacional e do Trabalho no Sul do Brasil: características dos profissionais, da atuação e dos contextos de trabalho

 

Industrial and Organizational Psychology in Southern Brazil: characteristics of professionals, practices, and work contexts

 

Psicología Organizacional y del Trabajo en el Sur de Brasil: características de los profesionales, de la actuación y de los contextos de trabajo

 

 

Helder Lima Gusso; Alexandre da Silva Alvarenga; Priscila Pereira Nunes; Maiana Farias Oliveira Nunes; Gabriel Gomes De Luca; Manoela Ziebell de Oliveira

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo descreve a atuação dos psicólogos no campo da POT no sul do Brasil. 300 participantes que atuam nos três estados da Região Sul responderam a um questionário online. Os resultados indicaram que: são mulheres (88,3%), têm até 49 anos (75,3%), são especialistas (62,7%), registrados no CRP (90%), realizam atividades de atualização (76,3%), fundamentam seu trabalho em alguma teoria psicológica (47%), realizam avaliação psicológica (63,7%) e emitem laudos (60%), não são contratados como psicólogos (72,1%) e atuam de forma predominantemente individual. Suas principais atividades são predominantemente relacionadas à gestão de pessoas (99%), destacadamente em treinamento (55%) e recrutamento e seleção (53%). Contrariamente aos relatos da literatura sobre POT, o campo de atuação profissional continua restrito às atividades tradicionais que o caracterizaram ao longo do século XX. Conclui-se que compete aos profissionais da área esforços para a ampliar o campo, já que isso não surgirá como demanda espontânea das organizações.

Palavras-chave: Psicologia organizacional e do trabalho; Campo de atuação profissional; Psicologia organizacional; Psicologia do Trabalho; Perfil profissional; Formação Profissional.


ABSTRACT

This study describes the scope of practice of work and organizational (I/O) psychologists in the Southern Region of Brazil. A total of 300 participants who work in the three states of the Southern Region answered a questionnaire online. Results indicated that they: are mainly women (88.3%), up to 49 years old (75.3%), specialists (62.7%), registered with the Regional Council on Psychology (CRP) (90%), engage in activities to stay up-to-date (76.3%), base their work on some psychological theory (47%), do psychological evaluations (63.7%) and issue psychological reports (60%), are not contracted as psychologists (72.1%), and mainly work individually. Their main activities are predominantly related to human resources management (99%), especially training (55%), and recruitment and selection (53%). Contrary to the literature on I/O psychology, the scope of practice remains restricted to the traditional activities developed throughout the twentieth century. We conclude that it is the responsibility of professionals working in the field to expand it, since this will not emerge as spontaneous demand from organizations.

Keywords: Industrial and Organizational psychology; Field of professional practice; Industrial psychology; Organizational psychology; Work Psychology; Professional Profile; Professional qualification.


RESUMEN

Este estudio describe el alcance de la práctica profesional de los psicólogos organizacionales y del trabajo (POT) en la región sur de Brasil. Los 300 participantes, que trabajan en los tres estados de la Región Sur, respondieron un cuestionario en línea. Los resultados indicaron que: son mujeres (88.3%), tienen hasta 49 años (75.3%), especialistas (62.7%), registrados en CRP (90%), basan su trabajo en alguna teoría psicológica (47%), realizan evaluación psicológica (63.7%) y emiten laudos psicológicos (60%), no son contratados como psicólogos (72.1%) y trabajan individualmente. Sus actividades principales están relacionadas con la gestión de recursos humanos (99%), especialmente la capacitación, (55%) reclutamiento y selección (53%). Contrariamente a la literatura sobre POT, el alcance de la práctica sigue restricta a las actividades tradicionales desarrolladas a lo largo del siglo XX. Concluyese que es responsabilidad de los profesionales que trabajan en el campo ampliarlo, ya que esto no surgirá como una demanda espontánea de las organizaciones‑

Palabras claves: Psicología organizacional y del trabajo; Campo de actuación profesional; Psicología organizacional; Psicología del Trabajo; Perfil profesional; Formación profesional.


 

 

O campo de atuação em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) abrange funções e atividades diversificadas (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2014), as quais estão sistematizadas de diferentes maneiras. A mais difundida no Brasil distingue subcampos específicos relacionados ao trabalho, às organizações e à gestão de pessoas (Zanelli, Bastos, & Rodrigues, 2014). Mas, entre o amplo conjunto de possibilidades de atuação profissional em POT, o que, efetivamente, os psicólogos brasileiros têm feito? Nos últimos 30 anos essa pergunta já orientou diversos estudos (e.g. Cyrne, 2012; Borges, Oliveira, & Morais, 2005; Zanelli, 2002; Bastos & Galvão-Martins, 1990), cujos resultados evidenciam alguns aspectos estáveis ao longo do tempo, assim como as mudanças e características da atuação específica em diferentes regiões do país. A caracterização do perfil profissional, da formação e da atuação dos psicólogos em um campo de atuação é elemento importante para identificar a constituição da identidade profissional, delimitar as tendências do campo de atuação e aperfeiçoar as condições de formação desses profissionais. Nesse sentido, descobrir as características dos psicólogos, das organizações e da atuação em psicologia organizacional e do trabalho possibilita avaliar, com maior precisão, o desenvolvimento desse importante campo de atuação profissional em psicologia, bem como contribuir com diretrizes à formação de psicólogos no país.

Organizações são o modo como pessoas e grupos se estruturam para atender as suas próprias necessidades (Jones, 1994). Tal unidade social é constituída por um complexo sistema de interações entre os comportamentos de pessoas, orientados à produção recorrente de resultados significativos para e na sociedade na qual se inserem (Gusso & De Luca, 2017). Como tal, são mais abrangentes que o conceito de empresa, pois contemplam diversas outras formas de agrupamentos humanos distintos ou mesmo mais amplos ou específicos do que a ideia de empresa. Além de mais abrangente, o conceito de organização também é anterior à noção de empresa: a sua constituição foi decisiva para a desenvolvimento da espécie humana, tendo iniciado por volta de 70 mil anos atrás, sendo explícito seu papel nos marcos centrais do processo civilizatório, tais como a revolução agrícola e industrial (Harari, 2015). Nos modos de vida contemporâneos, não é possível compreender o comportamento humano sem entender as relações estabelecidas pelos indivíduos com as múltiplas organizações das quais fazem parte e se beneficiam ou pelas quais são afetados.

Embora a noção de organização seja ampla, a história do campo de atuação profissional em POT é demarcada, originalmente, pela sua inserção em um tipo específico de organização social: as indústrias. A publicação do livro Psychology and Industrial Efficiency (Munsterberg, 1913) é considerada o marco de fundação da POT. Especificamente no Brasil, a partir da década de 30 começaram a surgir os primeiros trabalhos aplicados de Psicologia no contexto industrial, como recurso de apoio ao processo de industrialização vivenciado no país, sob grande influência da segunda revolução industrial e de seus arranjos produtivos. Ao longo do tempo, os tipos de organização nas quais os psicólogos atuaram foram ampliadas para além do contexto industrial, passando a abranger empresas públicas, privadas e de terceiro setor, em diferentes setores da economia, mas ainda orientada pela noção mais estreita de organizações como sinônimo de empresas, indústria ou, ainda, organizações de trabalho (Zanelli, Bastos et al., 2014). A noção de organização como sinônimo de empresa, embora conceitualmente estrita, por não contemplar unidades de organizações mais amplas (p. ex. redes de empresas) ou mais específicas (p. ex. departamentos, seções ou setores de empresas) como unidades organizacionais, continua a ser utilizada na área.

As estatísticas oficiais mais atuais disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017a) a partir do Cadastro Central de Empresas - CEMPRE - indicam que, em 2015, o País era constituído por 5,1 milhões de empresas que ocupavam 53,5 milhões de pessoas, sendo 46,6 milhões (87%) como pessoal assalariado e sete milhões na condição de sócio ou proprietário (13%). Entre o total de trabalhadores assalariados, 44% eram mulheres e 20,4% dos trabalhadores possuíam nível superior. Das empresas no País, as privadas representavam 90,4% do total e empregavam 75,3% do pessoal ocupado. Os órgãos da administração pública representavam 0,4% do total de empresas, empregando 18% dos assalariados, enquanto as empresas privadas de interesse público, ou entidades sem fins lucrativos, totalizavam 9,2% das organizações e empregavam 6,7% dos assalariados. O salário médio mensal do brasileiro empregado era de R$2.480, equivalente a 3,1 salários mínimos em 2015 (IBGE, 2017b). As empresas públicas pagavam salário médio mensal mais elevado (R$3.592,33 ou 4,6 salários mínimos), seguidas pelas entidades sem fins lucrativos (R$2.354,90 ou 3 salários mínimos), enquanto as empresas privadas pagavam o menor salário em média (R$2.168,45 ou 2,8 salários mínimos). As faixas salariais, quando distintas entre profissionais com ou sem nível superior, indicam que profissionais sem nível superior recebiam em média R$1.745,62 (2,2 salários mínimos), enquanto profissionais com nível superior recebiam, em média, R$5.349,89 (6,8 salários mínimos). Entre as organizações brasileiras, 87,3% têm entre zero e nove trabalhadores ocupados, 10,9% entre 10 e 49, 1,4% entre 50 e 249, e apenas 0,4% têm mais de 250 trabalhadores (IBGE, 2017a). As empresas com mais de 250 trabalhadores registrados são responsáveis pela ocupação de 46,3% da força de trabalho e pelos maiores salários, em média.

Na pesquisa nacional mais recente realizada sobre a atuação dos psicólogos no Brasil, não restrita à atuação no campo organizacional, foi identificado que continua a ser uma profissional feminina (86,6% de mulheres) e jovem (50% têm até 34 anos) (Bastos, Gondim, & Rodrigues, 2010). Quanto à formação, a maior frequência é de profissionais com grau de especialização, 47,4% (29,2% apenas graduação, 18,4% mestrado e 5% doutorado), que participa de congressos (81,9%) e de outros tipos de formação complementar (89,7%) (Yamamoto, Souza, Silva, & Zanelli, 2010). Quanto à orientação teórica, dentre as oito opções apresentadas pelos pesquisadores, os resultados indicaram que aproximadamente 18% utilizam teorias psicanalíticas ou analíticas, 10% teorias cognitivas ou "comportamentais", 10% teoria psicodramática, 6% teorias humanistas ou existencialistas, 3% teorias sócio-históricas, e 52% se consideram ecléticos, utilizando duas ou mais teorias (Gondim, Bastos, & Peixoto, 2010).

Especificamente entre os psicólogos que atuavam no campo organizacional e do trabalho, 61,2% indicavam atuar exclusivamente nesse campo, 48% como trabalhadores assalariados, ganhando, em média, seis salários-mínimos, 48% tinham nível de formação em graduação e 40% especialistas (Gondim et al., 2010), 35% trabalham de forma individual, 42% em equipes multiprofissionais e 12% em equipes de psicólogos (Martins & Puente-Palacios, 2010). Os psicólogos atuavam em locais muito variados, sendo 23,4% em empresas privadas, 23,8% em consultório particular alugado ou próprio (sinalizando, talvez, que exerçam atividades em POT em paralelo às atividades no campo da clínica), 8,1% em órgãos da administração pública, 8,3% na própria residência, 8,3% em instituições de ensino, 8,2% em hospitais e 5,5% em escritórios particulares (Gondim et al., 2010). No que se refere à orientação teórica, especificamente entre psicólogos que atuam em POT, 14% utilizam teorias psicanalíticas ou analíticas, 13% teorias cognitivas ou comportamentais, 2% teoria psicodramática, 7% teorias humanistas ou existencialistas, 2% teorias sócio-históricas, e 63% se consideram ecléticos, utilizando duas ou mais teorias (Gondim et al., 2010). Esses resultados indicam menor proporção de profissionais identificados com psicanálise, psicologia analítica e psicodrama no contexto organizacional e o aumento da quantidade de profissionais ecléticos teoricamente, denotando provável falta de clareza quanto aos fundamentos epistemológicos e ontológicos implicados em diferentes teorias psicológicas, que deveriam orientar a atuação profissional. Quanto ao comprometimento do psicólogo organizacional com seu trabalho, esse é considerado forte, com escores de 4,18 pontos em vínculo afetivo com o trabalho e 3,24 em vínculo instrumental, em uma escala de cinco pontos (Bastos, Magalhães, & Carvalho, 2010).

Em um estudo pioneiro, Bastos e Galvão-Martins (1990) caracterizaram a atuação dos psicólogos organizacionais no Brasil como restrita a poucas atividades relacionadas ao campo de gestão de pessoas, longe da amplitude de possibilidades de atuação em POT. Em outro estudo, Borges et al. (2005), a partir da caracterização dos trabalhos realizados por estagiários de psicologia em organizações entre os anos de 1981 e 1999 em uma universidade, também identificaram a pequena abrangência nas atividades desempenhadas em relação às possibilidades existentes. Tanto o trabalho de Bastos e Galvão-Martins (1990), quanto o de Borges et al. (2005) indicam que a atuação dos psicólogos em organizações de trabalho era restrita a pequenos nichos que configuram mercados de trabalho específicos e delimitados por demandas culturais.

Mais contemporaneamente, aproximadamente 18% dos psicólogos recém-formados no Brasil trabalham com POT (Bastos & Gondim, 2010), evidenciando a expressividade do campo de atuação no País. Como síntese do que se entende como característica central da POT como campo de atuação, Zanelli, Bastos, et al. (2014) indicam que "a preocupação com as organizações (produtividade, qualidade e competitividade), com a gestão (modelos de gestão de pessoas, políticas de pessoal) e com os trabalhadores (em termos de saúde, bem-estar e qualidade de vida) de uma forma integrada, como fenômenos articulados em uma complexa rede de multideterminações recíprocas, é o que define o campo no momento presente" (p. 560). Entretanto, os dados mais recentes de caracterização da atuação de psicólogos no campo no país evidenciam que as atividades profissionais mais realizadas continuam configurando pequena abrangência de atividades, envolvendo prioritariamente a aplicação de testes psicológicos (61,2%), provavelmente orientados ao campo da seleção de trabalhadores e realização de avaliações de desempenho (52,5%) (Gondim et al., 2010). Outras atividades que apareceram com alta frequência são realização de diagnósticos organizacionais (49,5%) e prestação de serviços de consultoria de algum tipo (45%), que podem indicar novas demandas por trabalhos de maior abrangência que nas tradicionais rotinas de recursos humanos (Gondim et al., 2010). Curiosamente, a principal necessidade de formação identificada pelos profissionais já formados é relacionada ao diagnóstico de processos psicológicos em organizações (Bastos & Gondim, 2010).

Zanelli (2002), ao analisar a atuação dos profissionais em POT, destacou ser comum o fato de psicólogos restringirem suas atuações apenas sobre demandas imediatas das organizações, deixando de atentar para as efetivas necessidades sobre as quais sua atuação poderia contribuir. Exemplos disso são os profissionais que atuam aplicando testes psicológicos no subsistema de recrutamento e seleção da empresa, e que não avaliam as razões pelas quais a rotatividade na organização aumenta sistematicamente. Botomé (2010) enfatizou que a questão nuclear a ser respondida nesse contexto, assim como em qualquer outro campo de atuação em psicologia, é: a serviço de quem, ou do quê, está a atuação profissional dos psicólogos? As demandas que delimitam as atividades no mercado de trabalho podem ou não estar relacionadas as efetivas necessidades das organizações ou de seus trabalhadores.

Não há registros de estudos que caracterizem o que fazem os psicólogos organizacionais e do trabalho especificamente na região Sul do Brasil. Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2016) há 44.219 psicólogos ativos na região sul, sendo 15.145 no Paraná, 10.714 em Santa Catarina e 18.360 no Rio Grande do Sul. No último estudo de caracterização do perfil profissional dos psicólogos brasileiro (Gondim et al., 2010), foi identificado o percentual de 22% deles atuando no campo organizacional e do trabalho. Se esse percentual refletir a realidade na região sul, é estimado que 9.728 psicólogos atuem no campo organizacional. A quantidade de profissionais envolvidos nesse campo, as possíveis mudanças da atuação dos psicólogos organizacionais em decorrência de mudanças no mundo do trabalho em comparação com estudos anteriores, bem como as particularidades das organizações da região, parecem evidenciar a relevância de compreender o que estes profissionais fazem em seu cotidiano profissional.

Dois estudos foram publicados acerca de características da atuação na região. Cyrne (2012) descreveu a atuação de psicólogos organizacionais no município de Lajeado (RS), identificando poucas diferenças em relação aos dados brasileiros mais antigos. Pinheiro, Mario, e Giacomini (2012) caracterizaram a atuação de 22 profissionais na região norte do Rio Grande do Sul, identificando perfil profissional feminino (100%), jovem (menos de 25 anos), especializado (77%), atuando em grandes empresas (41%), parte contratada como psicólogas (27%), parte como analistas de RH (27%). Entre essas profissionais, as atividades mais realizadas eram relacionadas ao subsistema de recrutamento e seleção, envolvendo a aplicação de testes psicológicos.

Considerando a relevância do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho e as particularidades da região sul do Brasil, o objetivo desta pesquisa foi caracterizar o perfil (socioeconômico e de formação) dos profissionais em atuação na área, as atividades profissionais realizadas por esses, bem como identificar as características das organizações nas quais estão inseridos.

 

Método

Participantes

Participaram 300 psicólogos que atuam nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Instrumento

O instrumento de pesquisa foi um questionário, constituído por 138 itens, relacionados a: perfil sociodemográfico e de formação; atuação profissional em outros campos de atuação em psicologia; atuação profissional na POT; características da principal organização na qual trabalha; escala de comprometimento organizacional (Bastos, Gondim, et al., 2010); escala de satisfação profissional (Siqueira, 2008); formação e atuação nos subcampos de atuação da POT a partir da classificação proposta por Zanelli, Borges-Andrade, et al. (2004). O questionário foi elaborado pelos autores a partir dos instrumentos utilizados por Bastos e Gondim (2010), Bastos e Galvão Martins (1990), Borges et al. (2005) e Tonetto, Amazarray, Koller e Gomes (2008) e disponibilizado online por meio da plataforma Google Forms.

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

Esta pesquisa atendeu as exigências da resolução 466/12 e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade dos primeiros autores (Parecer 1.745.7997 de 24 de setembro de 2016). Após a aprovação pelo Comitê de Ética, o link para o questionário foi divulgado pelos Conselhos Regionais de Psicologia dos estados da região Sul. O CRP-PR divulgou a pesquisa por e-mail para todos os psicólogos ativos no estado do Paraná, bem como divulgou chamada para o estudo em suas redes sociais e site. Os CRP-SC e CRP-RS divulgaram a pesquisa por meio de suas redes sociais e em seus sites.

Em função da pequena quantidade inicial de participantes nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, também foram enviados e-mail aos coordenadores de cursos de graduação e aos departamentos de recursos humanos de grandes empresas divulgando a pesquisa e pedindo que o convite fosse encaminhado aos psicólogos vinculados ou egressos dessas instituições. Na mensagem de divulgação da pesquisa havia solicitação aos psicólogos que auxiliassem na divulgação da pesquisa, encaminhando a mensagem a outros psicólogos de suas redes de contato.

No convite para a pesquisa havia endereço eletrônico que direcionava o participante ao questionário online. Na primeira página do formulário, constava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Só participaram aqueles que concordaram com o TCLE. Os participantes responderam ao questionário no período entre 14 de setembro e 30 de novembro de 2016.

Procedimentos de análise dos dados

Os dados coletados foram organizados em uma base no programa SPSS, versão 22. Após verificação e correção de possíveis inconsistências na base de dados (e.g. pessoas que não concluíram o preenchimento ou que deixaram muitos itens em branco), foi gerada a estatística descritiva dos dados sociodemográficos e das características de formação e atuação.

 

Resultados

Na Tabela 1 estão apresentadas as características gerais dos participantes.

 

 

Conforme pode ser observado na Tabela 1, os psicólogos consultados são, na maioria, mulheres (88,3%), com idade até 39 anos (75,3%). Possuem título de especialistas (62,7%), realizam formação continuada em variados formatos. Adicionalmente, declaram realizar avaliação psicológica (63,7%) e emitir laudos (60%), são contratados como psicólogos em sua minoria (27,9%, nos demais casos os títulos dos cargos são outros) e, em sua maioria, atuam exclusivamente na área de POT (57,7%). Embora 57 (19%) tenham indicado que o nome de seu cargo é de psicólogo, um total de 75 (25%) indicaram serem contratados como psicólogos, dado explicado pelo fato de parte deles estarem em cargos de gestão (direção, gerência ou coordenação de RH). Cinco participantes se descreveram como empresários.

Na Tabela 2 são apresentadas características das organizações as quais os psicólogos encontram-se vinculados. Os dados evidenciam que o exercício de atividades dos psicólogos que atuam em POT ocorre predominantemente de forma individual (47,7%), com remuneração de até R$5.000,00 (66,3%). Observa-se também a concentração do trabalho em organizações privadas (71%).

 

 

Na Tabela 3 são descritos os campos e subcampos de atuação dos participantes. Para tanto, utilizou-se como referência a classificação proposta por Zanelli, Borges-Andrade, et al. (2014). Foi questionado aos participantes quais eram as cinco principais atividades realizadas em seus trabalhos e a resposta era registrada cursivamente. As quantidades e percentuais nos três grandes campos de atuação não se referem à soma simples das quantidades de cada subcampo que os constituem, pois o mesmo participante poderia informar atividades diferentes em um mesmo subcampo. Nesse sentido, a quantidade informada no subcampo é a quantidade real de participantes que informaram ao menos uma atividade de um dos subcampos de cada categoria.

 

 

Verifica-se grande participação nas atividades do campo de Gestão de pessoas e, em menor proporção, ações de Psicologia Organizacional e do Trabalho. Entre as ações em Gestão de Pessoas, R&S e TD&E são as atividades realizadas de forma mais destacada pelos participantes.

Outro tópico abordado na pesquisa foi o das teorias psicológicas que fundamentam o trabalho dos psicólogos. Na Tabela 4 estão apresentadas essas informações. Pouco mais da metade dos participantes (53%) atua sem um referencial teórico de base, o que se configura um resultado alarmante.

 

 

Também foram avaliados os comprometimentos afetivo e instrumental, assim como a satisfação com diferentes aspectos do trabalho. Os resultados são apresentados na Tabela 5. É possível verificar que os psicólogos consultados possuem um envolvimento afetivo mais alto que o instrumental com o trabalho, e que a satisfação com o trabalho se relaciona especialmente com a satisfação com colegas, com chefia e com a natureza do trabalho. Contudo, no que se refere à satisfação com o trabalho, as médias não foram especialmente elevadas em nenhum caso (considerando que o ponto médio da escala é 4).

 

 

Discussão

O objetivo desta pesquisa foi caracterizar o perfil dos profissionais em atuação no campo, as atividades realizadas por eles, bem como identificar as características das organizações nas quais estão inseridos. A partir dos dados coletados por meio de questionário on-line, divulgado pelos Conselhos Regionais de Psicologia da região sul, foi identificado que o perfil dos psicólogos organizacionais e do trabalho nessa área pode ser resumido como: mulheres (88,3%), de até 39 anos (75,3%), com título de especialista (62,7%), com registro no Conselho Regional de Psicologia (90%), que mantém-se atualizados em atividades de formação profissional (76,3%), fundamentam seu trabalho em alguma teoria psicológica (47%), realizam avaliação psicológica (63,7%) e emitem laudos (60%), atuam exclusivamente no campo organizacional (57,7%), não são contratados como psicólogos na organização (75%), exercem suas atividades de forma predominantemente individual (47,7%), com renda mensal aproximada entre três e quatro salários mínimos, R$2.500 e R$3.500 (25,3%). Quanto às principais atividades que realizam, estão majoritariamente relacionadas ao campo de gestão de pessoas (99%), principalmente em treinamento, desenvolvimento e educação corporativa (55%) e recrutamento e seleção (53%). A organização na qual atuam é privada (71%), no campo da prestação de serviços (37%) e com mais de 500 funcionários (43,2%). Apresentam maior comprometimento afetivo (3,71) que instrumental (2,76) e estão mais satisfeitos com os colegas (5,04), com a chefia (4,89) e com a natureza do trabalho (4,81) que com o salário (3,89) e oportunidades de promoção (3,71).

Na Tabela 6 é apresentada a comparação entre os resultados desta pesquisa com os de pesquisas anteriores com objetivos semelhantes (Bastos, Gondim, et al., 2010; Gondim et al., 2010; Pinheiro et al., 2012).

Muitos aspectos continuam estáveis ao longo do tempo. Destaca-se como principal mudança a diminuição da quantidade de profissionais que se auto-entitulam ecléticos. Ainda que, à primeira vista, essa distinção possa representar maturidade científica e epistemológica dos psicólogos organizacionais, isso provavelmente é decorrência simplesmente de mudanças metodológicas adotadas nesta pesquisa. No procedimento desta pesquisa, o participante respondia diretamente se alguma teoria psicológica orientava sua atuação profissional e, quando respondia sim, completava, cursivamente, um campo para designar a(s) teoria(s). Outro aspecto que chama atenção é que o percentual de profissionais inseridos nas empresas públicas e privadas também aparece com maior intensidade, o que também pode remeter mais a diferenças entre procedimentos metodológicos entre os estudos do que, efetivamente, mudança na maneira de inserção dos profissionais. Vale destacar, também, a diminuição nos índices de comprometimento tanto afetivo quanto instrumental.

Uma comparação complementar pertinente é que no Brasil aproximadamente 13% dos trabalhadores são sócios ou proprietários de seus próprios negócios (IBGE, 2017a), enquanto entre os psicólogos desta pesquisa, apenas 1,7% o são. Quanto às atividades desempenhadas pelos psicólogos, os resultados indicam que continuam atuando basicamente no campo de gestão de pessoas (99%), mais especificamente em atividades de treinamento, desenvolvimento e educação corporativa (55%) e de recrutamento e seleção (53%). Os resultados evidenciam manutenção da pequena abrangência do campo de atuação profissional, que continua restrito em poucas ações já consagradas no campo, tal como evidenciado por Bastos e Galvão-Martins (1990), Borges et al. (2005), Gondim, Bastos, e Peixoto (2010) e Pinheiro et al. (2012).

Quanto às atividades realizadas no campo da gestão de pessoas, chama a atenção o fato de apenas 4% dos psicólogos declararem a análise do trabalho como uma de suas atividades frequentes. Considerando que mais da metade realiza processos de recrutamento e seleção, com base em quê estabelecem critérios para tais processos? Uma vez que a análise do trabalho ou de cargos é o ponto de partida para processos de seleção (Gusso, 2015), é provável que os psicólogos participantes da pesquisa estejam realizando processos de recrutamento e seleção sem os devidos cuidados e, possivelmente, com pouca clareza das especificidades da vaga a ser preenchida e de suas implicações no processo seletivo. Sugerindo questionamentos, dentre eles: como estão sendo realizados os processos seletivos pelos psicólogos? Utilizam análise de trabalho ou de cargos elaborada por outros profissionais? Ou a partir do que realizam tais processos? Será que as "boas práticas", com base em evidências científicas, são aplicadas pelos psicólogos?

Em atividades mais relacionadas ao campo das Organizações (Tabela 3), há predomínio de atividades relacionadas ao campo do comportamento organizacional (19%), evidenciando possível ênfase em atuações para prevenção ou resolução de problemas em subcampos como desenvolvimento de equipes, relacionamento interpessoal, etc. Salienta-se que 10% dos psicólogos indicam atividades relacionadas a consultoria organizacional como uma de suas principais funções. Isso é uma possível evidência do aumento de importância para atividades de consultoria interna (business partner), que surgiu como tendência em gestão de pessoas nesta década, destacando a necessidade de compreender o papel de apoio mais direto e integrado dos departamentos de RH às instâncias administrativas e deliberativas nas organizações (McCracken, Kane, Brown, & McCrory, 2016). Entre os psicólogos que declararam trabalhar com consultoria externa, há predomínio de consultores que atuam especificamente em temáticas de gestão de pessoas (10,7%) e menos frequência de consultores que atendem as demandas do campo organizacional (3,7%), conforme Tabela 2.

Com menor frequência, há psicólogos que atuam no campo do desenho organizacional (8%), que envolve predominantemente atividades de cunho estratégico, indicando o afastamento dos psicólogos das instâncias deliberativas das organizações e, consequentemente, das decisões relacionadas à estratégia, estrutura, processos organizacionais e sistemas de avaliação da própria organização. O campo do Trabalho aparece como tendo atividades mais frequentes para apenas 27% dos psicólogos. Nele, as atividades com maior frequência foram relacionadas à orientação profissional e de carreira (12%), e os subcampos de saúde no trabalho (5%), ergonomia (1%) e relações de emprego, desemprego e empregabilidade (1%) são pouco frequentes. Ferreira e Maciel (2015), ao entrevistarem psicólogos de um estado brasileiro, concluíram que psicólogos não tem a saúde do trabalhador como aspecto central de sua atuação profissional, conclusão fortalecida pelos resultados desta pesquisa.

Embora o conhecimento produzido na POT, como área de conhecimento, sugira a ampliação de fenômenos e contextos de atuação aos psicólogos (p. ex., Hashimoto, 2013), o campo de atuação profissional em POT, caracterizado pelo fazer profissional dos psicólogos inseridos nas organizações, indica que a maioria dos profissionais continua realizando os mesmos tipos de atividades que fundamentalmente caracterizam a profissão desde sua fundação, em 1913: recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento. As afirmações sobre ampliação do campo (p. ex., Zanelli, Borges-Andrade, et al., 2014) parecem falar mais do próprio discurso científico dos pesquisadores que nela atuam (a área do conhecimento), do que da realidade que envolve a atuação dos psicólogos no campo profissional.

Tal constatação possibilita questionamentos: quanto os psicólogos organizacionais estão contribuindo para que as organizações maximizem a probabilidade de produzir os benefícios à sociedade que delimitam seus objetivos? Quanto estão contribuindo para que as organizações se tornem, continuamente, instâncias que aperfeiçoem o cuidado com vida e saúde dos trabalhadores? Enquanto a primeira pergunta sugere uma função abrangente do trabalho em psicologia das organizações, a segunda indica uma função da psicologia do trabalho. Embora haja profissionais atuando em ampla variedade de atividades, há alta densidade nas atividades já tradicionais e escassa, em outros campos de alto valor social (Tabela 6). O predomínio da inserção no campo da gestão de pessoas também pode nos trazer o constante questionamento, parafraseando Botomé (2010): "a quem nós, psicólogos, servimos de fato"? Atendemos apenas as demandas imediatas apresentadas pelos gestores ou lidamos com as efetivas necessidades dos trabalhadores, da organização e da sociedade na qual a organização se insere?

Outro aspecto que merece destaque é a continuidade da prevalência de profissionais atuantes em grandes empresas (43,2% em empresas com mais de 500 funcionários), em oposição à escassez em micro e pequenas empresas (9,9% em empresas com até nove funcionários e 11,7% nas com até 49) (Tabela 2). Considerando que a maior parte dos psicólogos atua em atividades relacionadas à gestão de pessoas e que os departamentos que abrangem tais atividades são instâncias de apoio cuja existência muitas vezes só é viabilizada em empresas maiores, é compreensível tal distribuição desigual. O reconhecimento desse fato nos leva a questionar a necessidade da constituição de serviços de apoio às micro e pequenas empresas a partir das contribuições da POT. Esse aspecto parece consistir em um desafio considerando que grande parte da literatura em POT é relacionada a grandes empresas e a formação de psicólogos parece enfatizar o desenvolvimento de competências para atuação nesses contextos (Zanelli, Borges-Andrade, et al., 2014). Porém, a capacitação de psicólogos organizacionais para atuação em pequenas e médias empresas constitui algo fundamental, tanto para ampliação do campo de atuação profissional quanto para ampliar os benefícios sociais produzidos por essa categoria profissional, em especial porque, no Brasil, as pequenas e médias empresas (até 50 trabalhadores) representam 98,2% (IBGE, 2017a) das empresas nacionais.

Quanto ao comprometimento dos profissionais com seus trabalhos, a média de 3,71 para comprometimento afetivo (Tabela 6) indica um resultado positivo quanto ao reconhecimento da importância do que fazem, mas sinaliza diminuição dos valores encontrados na pesquisa nacional que eram de 4,18 (Bastos, Gondim, et al., 2010). Sobre o comprometimento instrumental, a média de 2,76 (Tabela 6) sinaliza média inferior ao ponto central da escala, sinalizando mudanças importantes que refletem, em alguma medida a insatisfação dos profissionais quanto a sua ocupação. Quanto à satisfação profissional, os itens com menor índice são relativos ao salário e oportunidades de promoção que se justificam, considerando que a média salarial identificada (5 salários, Tabela 6) encontra-se abaixo da média do estudo nacional com psicólogos realizado seis anos antes (Gondim et al., 2010) e abaixo da média salarial entre profissões de nível superior (IBGE, 2017a).

É importante destacar que algumas decisões metodológicas podem ter influenciado os dados desta pesquisa. Três deles parecem importantes. O fato da divulgação da pesquisa ter sido, principalmente, realizado por meio dos CRPs, pode ter decorrido aumento do percentual de profissionais com registro ativo nos conselhos (Tabela 1). É possível que o uso de um instrumento on-line para coleta de dados tenha aumentado a proporção de profissionais mais jovens entre os respondentes. E, considerando que o questionário continha 138 questões e que só tivemos acesso aos questionários respondidos integralmente, talvez o perfil dos respondentes constitua amostra apenas de pessoas com maior satisfação e comprometimento com o trabalho e com o campo de atuação. Nesse sentido, é necessário destacar que os resultados desta pesquisa precisam ser considerados de modo contingente aos procedimentos de coleta de dados, como em qualquer pesquisa científica.

Como síntese das descobertas realizadas neste estudo destacamos: (1) o campo de atuação em POT continua limitado em abrangência às tradicionais atividades que demarcaram o início do campo, de forma incoerente com o conhecimento atual sobre fenômenos organizacionais e do trabalho na área de conhecimento; (2) psicólogos organizacionais e do trabalho pouco estão lidando com os aspectos centrais das organizações (estratégia, processos, estrutura...) e com os fenômenos centrais relacionados aos processos de trabalho (saúde e segurança no trabalho, ergonomia, relações de trabalho...); (3) psicólogos organizacionais e do trabalho apresentam dificuldades para integrar sua formação profissional com sua atuação nas organizações, o que pode cronificar o problema denunciado por Botomé (2010) e Zanelli (Zanelli (2002): profissionais restringem suas atuações a demandas imediatas (pedidos e solicitações do contratante) e não orientam e planejam a atuação sobre as situações-problema e necessidades de intervenção e possibilidades de atuação em relação a elas.

A mudança na situação existente, aproximando a atuação profissional dos psicólogos organizacionais e do trabalho às possibilidades de intervenção já disponíveis literatura científica da área, não ocorrerá por demanda espontânea das organizações. Um possível caminho é a avaliação e o aprimoramento do trabalho realizado nas instituições de ensino superior para que egressos dos cursos de graduação e pós-graduação estejam mais bem qualificados para caracterizar necessidades de intervenção e, a partir delas, derivar possibilidades de atuação compatíveis com o conhecimento já existente (Franken, 2009). Esse caminho parece ser uma possibilidade promissora. Após realizar uma análise documental dos projetos pedagógicos de 43 cursos de Psicologia de diversas regiões e origens administrativas, Coelho-Lima, Bendassoli e Yamamoto (2014) identificaram que 41 citaram a POT na definição do seu perfil de egresso ou no processo de formação do psicólogo. Além disso, os autores observaram que todos os cursos possuíam ao menos uma disciplina desse campo, ocupando uma média de 10% da carga horária da formação, indicando que a área ocupa um lugar relevante na formação de psicólogos no Brasil.

Desse modo, o aperfeiçoamento dos projetos pedagógicos dos cursos, o planejamento das disciplinas e demais atividades de formação constituem um caminho possível para a compatibilização entre a área de conhecimento e o campo de atuação profissional em POT. Entre as possibilidades de aperfeiçoamento na formação, identificamos alguns caminhos possíveis: (1) formação conceitual instrumental que possibilite ao aluno e futuro profissional caracterizar fenômenos no contexto organizacional, viabilizando trabalhar para além das demandas imediatas; (2) capacitação para avaliação dos efeitos de decisões estratégicas sobre o comportamento humano, viabilizando identificar como os diferentes níveis de análise de uma organização se inter-relacionam; (3) ênfase na caracterização das situações existentes a partir dos conceitos e procedimentos da área, não na simples aplicação de rotinas, técnicas e instrumentos, viabilizando intervir em fenômenos que vão além das demandas imediatas; (4) exigência de coerência entre conceitos e procedimentos utilizados, e as matrizes teóricas que os sustentam, a partir da distinção entre áreas de conhecimento, campos de atuação profissional e matrizes psicológicas, diminuindo a (pseudo)cisão teoria-prática; e (5) incentivo para a constante necessidade de avaliar as próprias intervenções profissionais como parte inerente do comportamento profissional. Tais medidas parecem atender as sugestões de Coelho-Lima et al. (2014) para a integração da POT na psicólogos, cujos propósitos são: viabilizar o preparo mínimo dos psicólogos que irão atuar nesse campo ao priorizar debates que integrem a teoria à prática profissional; desenvolver a capacitação do psicólogo de analisar o seu contexto de trabalho, independentemente de sua área de atuação; ampliar a capacidade de as discussões mais recentes da POT contribuírem para uma compreensão diferenciada do ser humano e da sociedade.

Embora tais indicações não sejam regras a serem seguidas, podem ser orientações e diretrizes de um caminho possível para o desenvolvimento do campo de atuação de modo coerente com o conhecimento científico já disponível. Apenas dessa forma será possível ampliar as possibilidades de atuação dos profissionais de POT a fim de que as atividades deixem de ser realizadas de forma operacional e passem a se tornar relevantes para a estratégia das organizações em que atuam e para a saúde e bem-estar dos funcionários que a constituem.

 

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Endereço para correspondência:
Helder Lima Gusso
Departamento de Psicologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário – Trindade
Florianópolis (SC), Brasil, CEP 88040-970
E-mail: helder.gusso@ufsc.br

Recebido em: 28/06/2018
Primeira decisão editorial em: 12/03/2019
Versão final em: 05/04/2019
Aceito em: 07/04/2019

 

 

Agradecemos aos Conselhos Regionais de Psicologia dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelo apoio na coleta dos dados deste estudo.

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