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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.3 Brasília jul./set. 2019

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.3.16310 

Trabalho, aposentadoria e satisfação de vida em aposentados de uma multinacional

 

Work, retirement, and life satisfaction in a multinational company

 

Trabajo, la jubilación y la satisfacción con la vida en una empresa multinacional

 

 

Samantha de Toledo Martins BoehsI; Marucia Patta BardagiII; Narbal SilvaII

IUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o crescimento da expectativa de vida, torna-se importante a preocupação com os fatores que influenciam a satisfação de vida na aposentadoria. No presente estudo, de natureza quantitativa, foram verificadas as relações entre os aspectos referentes ao papel de trabalho durante a carreira, o tipo de decisão sobre a aposentadoria e a satisfação de vida em 89 aposentados de uma empresa multinacional. Apesar de 83% da amostra ter respondido que a aposentadoria foi voluntária, 64% afirmaram que se pudessem, voltariam a trabalhar. As menores médias de satisfação de vida apareceram entre aqueles que apontaram o motivo financeiro como o fator principal para a realização de atividade remunerada na aposentadoria. Os resultados também indicam que, quanto melhor a percepção da qualidade de vida durante a carreira, maiores o nível de satisfação de vida atual e o desejo de não querer se desvincular do trabalho na aposentadoria.

Palavras-chave: Carreira; Aposentadoria; Satisfação de vida


ABSTRACT

With the increase in life expectancy, the concern with the factors that influence retirement life satisfaction becomes important. In the present quantitative study, the relationships between the aspects related to the work role during the career, the type of retirement decision, and life satisfaction in 89 retirees of a multinational company were verified. Although 83% of the sample answered that retirement was voluntary, 64% said that if they could, they would go back to work. The lowest averages of life satisfaction appeared among those who pointed to the financial motive as the main factor for engaging in paid activity in retirement. The results also indicate that the better the perception of the quality of life during the career, the higher the current level of life satisfaction and the desire not to want to leave work at retirement.

Keywords: career; retirement; life satisfaction


RESUMEN

Con el crecimiento de la esperanza de vida de la población llega a ser importante preocupación acerca de los factores que influyen en la satisfacción con la vida en la jubilación. En este estudio, se encontró que cuantitativos, las relaciones entre los aspectos relacionados con el papel del trabajo durante la carrera, el tipo de decisión y la satisfacción de la vida en la jubilación a los 89 años la jubilación de una compañía multinacional. Aunque el 83% de la muestra han contestado que el retiro fue voluntario, el 64% dijo que podían regresar a trabajar. La satisfacción con la vida media más baja apareció entre los que indicaron razones económicas como el factor principal para la realización de un trabajo remunerado en el retiro. Los resultados también indican que cuanto mejor sea la percepción de la calidad de vida durante la carrera, mayor es el nivel actual de satisfacción con la vida y el deseo de no querer desvincular el trabajo en el retiro.

Palabras clave: carrera; lajubilación; satisfacción com la vida


 

 

O papel de trabalhador é apenas um dentre muitos que os seres humanos desempenham enquanto continuam vivendo suas vidas (Savickas, 2002; Super, 1980). Em relação a isso, Super e Nevill (1986) propõem que a vida pode ser composta por cinco grandes papéis: Estudo, Trabalho, Serviço Comunitário, Casa e Família e Tempo Livre. O Estudo está relacionado a participar de cursos, aulas e palestras e à busca de aperfeiçoamento. Já o de trabalho consiste em trabalhar para alguém ou para si mesmo em troca de remuneração ou algum outro benefício. O Serviço Comunitário compreende atividades em organizações ou entidades comunitárias, tais como grupos recreativos, escoteiros, associações de moradores ou pais e mestres, partidos políticos e sindicatos. O papel relacionado à casa e à família compreende o cuidado com o lar e as interações com os outros seres humanos considerados significativos. Por fim, o papel relativo ao Tempo Livre está associado à participação em atividades esportivas, assistir TV, hobbies, ir ao cinema, teatro, ler, relaxar ou não fazer nada, passar tempo com amigos, entre outros (M. C. P. Lassance, 2010; Super & Nevill, 1986).

Para Agostinho (2013), é importante perceber o nível de relevância que cada pessoa atribui aos papéis da vida, de acordo com as articulações que faz em relação aos diferentes contextos em que atua. Existem diferenças interpessoais a respeito de como as pessoas combinam e enxergam os papéis que desempenham no decorrer do ciclo de vida. Algunas os percebem como complementares, outras entendem como conflitantes e muitas compreendem como complementares e conflitantes ao mesmo tempo. Portanto, cabe ao indivíduo gerenciar sua inserção nestes papéis, de modo a encontrar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (Oliveira, Melo-Silva, & Coleta, 2012). Segundo Savickas (2002), os papéis centrais da vida interagem de forma a se construírem uns aos outros, assim, as pessoas tomam decisões sobre o papel de trabalhador, de acordo com as outras circunstâncias e papéis sociais que dão significado e foco às suas vidas estudo, casa e família, tempo livre e serviço comunitário.

Estudos nacionais e internacionais têm discutido o significado do trabalho na vida das pessoas (Borges & Yamamoto, 2014; Schweitzer, Gonçalves, Tolfo, & Silva, 2016) e comparado o papel de trabalhador com outros papéis da vida (M. C. P. Lassance, 2010; M. C. Lassance & Sarriera 2012; Super & Nevill, 1986). O foco das pesquisas tem recaído sobre o equilíbrio/ conflito entre os papéis de trabalho e de família (Greer & Egan, 2012; Hämmig & Bauer, 2014; Wolfram & Gratton, 2014), além das diferenças de papéis exercidos por homens e mulheres (Lopes, DelLazzana-Zanon, & Boeckel, 2014; Noor, 2004; Silva, 2015).

Wolfram e Gratton (2014), ao examinarem a influência positiva e negativa do trabalho na família e sua relação com satisfação de vida em 201 trabalhadores estadunidenses, descobriram que tanto a importância do papel de família quanto à relevância do papel de trabalho se encontram associados com satisfação de vida, além do que a influência positiva do papel de família está relacionada com alta satisfação de vida. A influência negativa do trabalho reflete em baixa satisfação de vida. Em outra pesquisa realizada com trabalhadores de quatro empresas de médio e grande porte na Suíça, Hämmig e Bauer (2014) apontaram que o conflito entre os papéis de trabalho e vida pessoal foi o principal fator de risco psicossocial para a saúde dos trabalhadores, sendo fortemente associado com stress, burnout e diminuição da saúde física e mental.

Ao realizar um estudo sobre a vida profissional, a maternidade e as responsabilidades do lar com quatro mulheres (de escolaridade superior, que desenvolviam atividade remunerada e recebiam pelo menos cinco salários mínimos), Silva (2015) descobriu que a prática de articular todas as atividades, além do trabalho, é permeada por um alto grau de exigência e cansaço e por uma dicotomia, que tem como antecedente um conflito de gerenciamento do tempo, em função "da sobreposição de tarefas entre casa e trabalho, divisão de tarefas desiguais entre elas e os cônjuges e exigências de dedicação de tempo do trabalho remunerado" (p.97). Lopes et al. (2014), ao investigarem os múltiplos papéis exercidos pela mulher contemporânea e a relação desses papéis com a maternidade tardia, apontaram para a contradição existente entre ser profissionalmente bem sucedida, o que implica em sobrecarga de trabalho, e perdas causadas pela falta de tempo para os cuidados com a saúde e com a vida pessoal. As autoras destacam, ainda, que o trabalho proporciona satisfação pessoal e financeira, e que "se por um lado, as mulheres sofrem prejuízos em função do excesso de tarefas, por outro, elas se sentem felizes por ocuparem seus postos de trabalho" (p.926).

Ao analisar 67 artigos sobre a proeminência do papel de trabalho, Greer e Egan (2012) ressaltam que o tema tem recebido pouca atenção nas pesquisas sobre gestão de pessoas e apontam para a importância dos líderes e demais trabalhadores levarem em consideração, nas políticas e práticas de gestão de pessoas, a compreensão integrada da saliência dos papéis na vida dos empregados como forma de obterem um maior equilíbrio entre vida e trabalho, o que pode vir a beneficiar as organizações e os indivíduos.

A importância que conferimos aos papéis que desempenhamos ao longo da vida podem se modificar de acordo com as etapas do desenvolvimento. Nesta ótica, na perspectiva da Construção da Vida (Life-design), o advento da aposentadoria pode ser compreendido como uma transição importante, realizada dentro do papel de trabalhador e com impacto nos outros papéis (Savickas, 2002), o que pode vir a influenciar na satisfação de vida. Tal transição implica na tomada de decisão relacionada à continuidade ou à ruptura com o papel de trabalho e em novas formas de reorganização do tempo e da rotina.

A aposentadoria é um conceito multidisciplinar. Ao compreendê-la sob a perspectiva da psicologia, por exemplo, enfatiza-se o estudo dos antecedentes comportamentais subjetivos e os resultados da aposentadoria, levando-se em consideração as diferenças individuais durante o possível processo de ruptura com o mundo do trabalho (Shultz & Wang, 2011). Uma dessas diferenças está relacionada ao tipo de decisão relativa ao papel que será conferido ao trabalho após o início do recebimento do benefício do INSS, o que caracteriza, no contexto brasileiro, a oficialização da condição formal de aposentado.

Em relação às decisões de continuidade e/ou ruptura com o papel de trabalho na aposentadoria, os estudos contemplam as seguintes possibilidades de atuação: continuidade no trabalho regular, mesmo tendo tempo para a aposentadoria, aposentadoria definitiva (não realização de atividade profissional remunerada), continuidade de trabalho remunerado após ter aposentado (bridge employment) (Dingemans & Henkens, 2014; Kim & Feldman, 2000; Wang, Zhan, Liu, & Shultz, 2008) e realização de trabalho voluntário não remunerado (Krawulski, Boehs, Cruz, & Medina, 2017; Pundt, Wöhrmann, Deller, & Shultz, 2015).

Fatores pessoais e externos também podem influenciar a decisão do que fazer após a aposentadoria e, consequentemente, a satisfação com a vida nessa fase. Os resultados das discussões que estão sendo realizadas no contexto brasileiro, por exemplo, no que se refere às mudanças nos critérios para a aposentadoria com a Reforma da Previdência, podem influenciar futuramente a satisfação de vida e a maneira de se preparar para a aposentadoria. O trabalhador brasileiro permanecerá mais tempo de sua vida se dedicando obrigatoriamente ao papel do trabalho e se aposentará com uma idade mais avançada, o que reforça a importância do incentivo por um melhor equilíbrio entre os diversos papéis que executa no decorrer da vida profissional.

Estudos sobre os antecedentes da decisão para o bridge employment têm demonstrado que, além da saúde e dos atributos financeiros (Bonsang & Klein, 2012), variáveis psicológicas relacionadas com o trabalho, como as atitudes de emprego, estressores da função de trabalho (Pengcharoen & Shultz, 2010; Wang et. al., 2008) e satisfação com o trabalho (Kautonen, Hytti, Bögenhold, & Heinonen, 2012) são fortes preditores da decisão de aposentadoria. Outras pesquisas revelam que participar de bridge employment pode ser benéfico para a saúde física e mental e para a satisfação de vida (Dingemans & Henkens, 2014) dos aposentados.

Estudos anteriores (Bonsang & Klein, 2012) demonstraram, ainda, que as pessoas que se aposentam voluntariamente possuem maior satisfação de vida do que aquelas que se aposentaram involuntariamente, e que a participação em bridge employment melhora os níveis de satisfação de vida mesmo daqueles que se aposentaram involuntariamente (Dingemans & Henkens, 2014; Hershey & Henkens, 2013). Uma das formas de tentar minimizar os impactos da involuntariedade é a criação de programas de preparação/orientação para a aposentadoria, uma vez que "planejamentos abrangentes e multitemáticos anteriores à aposentadoria podem ser preditores importantes de uma aposentadoria mais satisfatória" (Leandro-França & Murta, 2014, p. 39). Em pesquisa realizada com 1.290 trabalhadores brasileiros, Rafalski e Andrade (2016) observaram que possuir serviço de orientação para a aposentadoria disponível na empresa que trabalha influencia significativamente o planejamento nas dimensões referentes à situação financeira, de saúde, estilo de vida e psicossocial.

A compreensão da satisfação de vida utilizada neste artigo originalmente faz parte do conceito de Bem-estar Subjetivo (Diener, 1984) que pode ser compreendido a partir de uma estrutura tripartite formada por aspectos afetivos e cognitivos. O componente afetivo do BES é composto por afetos positivos e negativos. O componente cognitivo do BES denominado satisfação de vida corresponde tanto a um julgamento cognitivo de algum domínio específico da vida, quanto a um processo de juízo e avaliação geral da própria vida.

O conceito de satisfação de vida é estudado nos âmbitos nacional (Zanon, Bardagi, Layous, & Hutz, 2013) e internacional (Diner, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985; Whisman & Judd, 2016) por pesquisadores de vários campos. De modo mais específico, existem estudos que versam sobre satisfação de vida em idosos (Sancho, Galiana, Gutierrez, Francisco, & Tomás, 2014), com trabalhadores mais velhos (Potocnik & Sonnentag, 2013) e na aposentadoria (Dingemans & Henkens, 2014; Hershey & Henkens, 2013; Kim & Feldman, 2000).

Em estudo longitudinal com 2.813 aposentados e 1.372 trabalhadores mais velhos da Europa, Potocnik e Sonnentag (2013) analisaram o impacto de engajar-se em sete tipos de atividades nos níveis de depressão e qualidade de vida dos participantes. Os resultados demonstraram que a participação em trabalho voluntário, em grupos de esportes ou clubes sociais influenciou na melhoria da qualidade de vida dos aposentados. Kim e Feldman (2000), ao analisarem os antecedentes do bridge employment e suas consequências para a qualidade de vida e satisfação na aposentadoria de 924 professores estadunidenses, descobriram que, junto com o trabalho voluntário e atividades de lazer, o bridge employment estava fortemente relacionado com a satisfação de vida global na aposentadoria.

Dingemans e Henkens (2014) realizaram uma pesquisa com 1.248 aposentados holandeses sobre as consequências do bridge employment na satisfação de vida dos idosos durante o período de transição para a aposentadoria, investigando o impacto do bridge employment de acordo com a voluntariedade da saída do trabalho. Os resultados demonstram que adultos mais velhos, dispostos a prolongar suas carreiras profissionais, mas incapazes de encontrar empregos após a aposentadoria, relataram níveis mais baixos de satisfação com a vida em comparação com aqueles que estavam totalmente aposentados. Comparando a aposentadoria voluntária com a involuntária, os autores descobriram que a aposentadoria involuntária foi prejudicial para a satisfação de vida, mas que a participação em bridge employment foi uma forma de mitigar este choque negativo.

Conforme exposto anteriormente, muitos estudos têm tratado sobre a aposentadoria e a satisfação de vida, entretanto, percebe-se a ausência de pesquisas, que busquem compreender a satisfação de vida na aposentadoria a partir de uma perspectiva temporal, considerando também a relação entre o papel de trabalho durante a carreira, com os tipos de decisão e a satisfação de vida na aposentadoria. Especialmente no âmbito nacional, não foi encontrado nenhum estudo sobre aposentadoria e satisfação de vida, nem sobre a relação entre a voluntariedade/involuntariedade da aposentadoria com a satisfação de vida. Sobre a decisão de aposentadoria foram encontrados somente dois estudos realizados no Brasil (França, 2009; Menezes & França, 2012).

O objetivo geral deste estudo é verificar as relações entre o papel de trabalho durante a carreira com o tipo de decisão e a satisfação de vida na aposentadoria dos aposentados de uma multinacional, cuja sede no Brasil está localizada na cidade de Curitiba/PR. Como objetivos específicos, procurou-se: a) examinar possíveis relações entre a importância do papel de trabalho na vida durante a carreira com o tipo de decisão no que se refere à definição do papel do trabalho na vida na aposentadoria; b) verificar se a participação em um programa de preparação/orientação para a aposentadoria possui associação com a decisão tomada de como será o papel do trabalho na vida durante a aposentadoria; c) apurar possíveis diferenças nos níveis de satisfação de vida na aposentadoria em função do grau de importância atribuído ao papel do trabalho na vida durante a carreira; d) identificar eventuais diferenças nos níveis de satisfação de vida de acordo com o tipo de decisão no que se refere ao papel de trabalho na aposentadoria (aposentadoria definitiva, aposentar e continuar em trabalho remunerado na mesma área, trabalho remunerado em outra área, trabalho voluntário) e a voluntariedade/involuntariedade da decisão; e) averiguar possíveis diferenças nos níveis de satisfação de vida de acordo com os motivos pelos quais as pessoas retornam ao trabalho após a aposentadoria e f) constatar eventuais diferenças de sexo nos resultados. Considera-se que a maior importância atribuída ao papel de trabalho pode se relacionar com decisões de permanecer no trabalho após a aposentadoria e também que o nível de satisfação de vida na aposentadoria pode estar relacionado ao tipo de decisão tomada de acordo com a importância atribuída ao papel de trabalho durante a carreira.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada com pessoas que tiveram como último empregador antes da aposentadoria uma empresa multinacional de grande porte, cuja sede no Brasil se encontra na cidade de Curitiba/PR. Com a finalidade de delimitar o que é estar aposentado ou não, no presente estudo, foi utilizado o termo "aposentadoria" para caracterizar o início do período de recebimento do benefício pelo regime de previdência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

A amostra do estudo é não probabilística (Creswell & Palo Clark, 2013). Os critérios de inclusão dos participantes foram: ter se aposentado entre 2003 (ano de criação do Programa de Preparação para a Aposentadoria) e 2015, ser oficialmente aposentado pelo INSS (independente de exercer ou não atividade remunerada na aposentadoria). A partir dos dados fornecidos pela empresa foram excluídas da amostra aquelas pessoas que se aposentaram por invalidez ou que possuíam alguma doença grave, que impossibilitasse o processo natural de decisão do que fazer na aposentadoria.

A amostra final foi composta por 89 aposentados com idades entre 51 e 75 anos (M = 61,0; DP = 5,19), sendo 84,3% homens e 15,7% mulheres. Em relação ao estado civil, 84,3% eram casados, 9% separados/divorciados, 5,6% solteiros e 1,1% viúvos. A média de filhos por participante foi de dois sendo que 73% dos respondentes não possuíam filhos dependentes no momento da pesquisa. Em relação ao nível de escolaridade, 43,8% apresentavam pós-graduação, 38,2 % ensino superior completo, 15,7% ensino médio completo e 2,2% nível fundamental. Em relação à renda, 11,2% recebiam entre um e quatro salários mínimos, 21,3% de quatro a sete, 18% entre sete e dez e a maior parte da amostra, 49,4%, recebia mais de dez salários mínimos.

Quase metade dos aposentados pesquisados recebe mensalmente mais de 10 salários mínimos, pois, além do benefício oriundo do INSS, faz parte da renda desses aposentados um valor de previdência complementar, fruto da contribuição dos funcionários, durante o tempo que permaneceram trabalhando na empresa. Dessa forma, independentemente de estar realizando trabalho de forma remunerada na aposentadoria, a grande maioria recebe como fonte de renda dois benefícios (o público e o privado).

Os participantes da pesquisa trabalharam na empresa entre 8 e 40 anos (M = 26,4; DP =7,31). Dos 89 participantes, 14,6%, antes de se aposentarem, ocupavam o cargo de técnico/montador, 15,7% de analista, 30,3% de analista sênior, 29,2% de Gerência/Coordenação e 10,1% de Direção/Presidência. A média de idade dos pesquisados, ao se aposentarem pelo INSS foi de 52,9 anos (DP = 5,16). Entretanto, alguns dos participantes se aposentaram pelo INSS mais cedo, pois começaram a trabalhar muito jovens e também devido às questões relacionadas à insalubridade. Os respondentes estavam aposentados pelo INSS em média há 8,53 anos, mas com a finalidade de abranger todos os aposentados da empresa, contemplou-se pessoas em diferentes momentos da aposentadoria, incluindo-se desde os recém-aposentados até os que estavam aposentados há 25 anos.

Instrumentos

A coleta dos dados foi realizada a partir da aplicação de dois instrumentos: Questionário biossociodemográfico e de carreira e Escala de Satisfação de Vida.

Questionário biossociodemográfico e de carreira. Elaborado pelos autores e estruturado por questões distribuídas em quatro seções. A primeira, composta por dados sociodemográficos (nome, sexo, idade, estado civil, escolaridade, religião, renda e profissão) e a segunda, composta por quatorze questões relacionadas à carreira e à distribuição do tempo entre o trabalho e os outros papéis da vida (estudo, família, tempo livre e comunidade) durante a carreira regular do participante. Para identificar as horas dedicadas e a importância atribuída ao trabalho utilizou-se como base algumas das questões do inventário de saliência no trabalho desenvolvido por Super e Nevill (1986) e validado para o Brasil por M. C. Lassance e Sarriera (2012). Estas duas sessões eram compostas por questões fechadas.

A terceira seção foi composta por questões que investigaram aspectos do processo de aposentadoria, contemplando a voluntariedade/involuntariedade da decisão, os motivos que levaram à aposentadoria (doença, tempo de serviço, idade, data limite estipulada pela empresa), o status da atividade profissional durante a aposentadoria (aposentadoria definitiva, trabalho remunerado na mesma área, trabalho remunerado em outra área, trabalho voluntário) e os motivos que levaram ao retorno/permanência no trabalho após a aposentadoria (contato social, necessidade financeira, ocupar tempo ocioso, realização pessoal, ter motivos para sair de casa), também com opções fechadas de respostas. Por fim, a quarta seção foi composta por questões relacionadas à participação no programa de preparação para a aposentadoria com algumas questões abertas que foram categorizadas a posteriori.

Escala de satisfação de vida. A escala foi construída por Diener, Emmons, Larsen & Griffin (1985) e a versão brasileira foi validada por Zanon et al. (2013). Por meio dessa escala, se mensura o aspecto cognitivo do bem-estar subjetivo: a satisfação com a vida. A ESV é composta por cinco itens de auto relato, que avaliam julgamentos relativos à satisfação ou insatisfação com a vida a partir de uma escala Likert de sete pontos, em que as pessoas assinalam o quanto discordam ou concordam das sentenças apresentadas, variando do "discordo plenamente" (nível 1) até o "concordo plenamente" (nível 7).

Os estudos de validação têm mostrado que a ESV compreende um único construto possuindo altos níveis de consistência interna (α = 0,87) e alta confiabilidade teste-reteste (Zanon et. al., 2013). Os mesmos autores, ao realizarem a adaptação da escala, a partir de uma amostra de 1388 brasileiros, obtiveram adequadas evidências de validade, com bom ajuste do modelo, uma vez que apresentou um mínimo de erros. Além disso, os autores por último referidos também avaliaram se o sexo influenciava nas respostas da amostra brasileira e chegaram à conclusão que homens e mulheres percebem e respondem os itens da mesma maneira.

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

Anterior a aplicação dos instrumentos de coleta de dados, foi realizado um estudo piloto onde o questionário foi aplicado a cinco aposentados, sendo três deles externos à organização e escolhidos por conveniência da pesquisadora e dois ex trabalhadores da referida empresa. A testagem do piloto foi realizada com aposentados de diferentes níveis de escolaridade. A aplicação foi importante para a calibragem do questionário, sendo que após o piloto cinco questões foram modificadas para aplicação da pesquisa. No que se refere ao contexto específico dos aposentados da instituição, ao realizar o estudo piloto foi possível obter a informação de que várias pessoas que se aposentavam pelo INSS continuavam trabalhando mais alguns anos na empresa até que se aposentassem também pela previdência privada que a organização oferece. Tal informação também serviu de base para reorganização da questão que se refere ao tipo de tomada de decisão na aposentadoria, sendo inserida uma subdivisão de opções entre aqueles que se aposentam e continuam trabalhando na mesma empresa, e aqueles que se aposentam e passam a trabalhar em outras empresas ou por conta própria.

Após o piloto, iniciou-se a coleta dos dados que foi parte presencial e parte eletrônica. A presencial aconteceu em um dia específico e foi realizada de forma coletiva, com 34 aposentados. Na sequência, foi realizada coleta eletrônica com a finalidade de atingir o restante dos participantes que não estiveram na coleta presencial. A coleta eletrônica aconteceu por dois meses subsequentes e obteve taxa de retorno de 63,2 %, (55 respondentes), o que somados aos 34 questionários válidos da coleta presencial resultou no total de 89 pesquisados. Em relação aos procedimentos éticos, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o parecer de nº 1322.802. Os participantes foram informados sobre a voluntariedade na participação do estudo e deram ciência ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para a análise dos dados foram utilizadas técnicas de estatística descritiva e inferencial, por meio do software SPSS 22.0 (Statistical Package for the Social Sciences). Além das análises de frequência e da verificação da fidedignidade da Escala de Satisfação de Vida, para alcançar os objetivos do estudo foram realizados testes de associação Qui-quadrado, Testes t de diferenças de médias e análises de variância (ANOVAS).

 

Resultados

Em relação à jornada semanal de trabalho, 37,1% costumavam trabalhar até 44 horas semanais durante a carreira, 41,6% de 45 a 50 horas e 21,3% mais de 50 horas semanais. Dessa forma, 62,9% da amostra relatou trabalhar mais de 45 horas semanais durante a carreira. Na Tabela 1, são apresentados os dados de homens e mulheres e os percentuais totais em relação ao número de horas dedicadas para outras atividades fora do trabalho (estudo, família, comunidade e lazer) e na Tabela 2 a importância atribuída para cada um dos cinco papéis no decorrer da carreira (trabalho, estudo, família, comunidade e lazer).

Ressalta-se, na Tabela 1, o reduzido número de horas dedicadas para cada um dos outros papéis da vida fora o trabalho. Em todos eles, pelo menos 60% dos participantes assinalaram que dedicam cinco ou menos horas semanais a essas atividades. Em relação à importância atribuída aos grupos de papéis no decorrer da carreira, descritos na Tabela 2, os relacionados ao trabalho e à família foram marcados como importantes ou muito importantes.

No que diz respeito à satisfação no trabalho durante a carreira, 78,7% relataram que se consideravam totalmente satisfeitos, 18% parcialmente satisfeitos, 2,2% parcialmente insatisfeitos e 1,1% totalmente insatisfeitos. Em relação à qualidade de vida durante a carreira, 65,33% dos homens consideraram como boa e 26,66% como ótima. Entretanto, no grupo das mulheres, 78,57% consideraram como boa e nenhuma como ótima. Foram realizados testes de associação Qui-Quadrado com a finalidade de explorar as relações entre a satisfação no trabalho e a percepção de qualidade de vida durante a carreira, entretanto não foram encontradas associações significativas (χ2=14,055; gl=9; p = 0,12).

Em relação ao tipo de decisão tomada na aposentadoria no que se refere ao papel de trabalho na vida, 24,7% dos participantes informaram que não realizam trabalho remunerado na aposentadoria, 39,3% trabalham na mesma área de atuação da carreira regular, 20,2% trabalham em área de atuação diferente e 14,6% realizam somente trabalho voluntário. Ressalta-se que 59,5% dos participantes realiza algum tipo de atividade remunerada na aposentadoria. Em relação à voluntariedade/involuntariedade da decisão, 83% da amostra respondeu que a aposentadoria foi voluntária, enquanto 17% afirmaram que não queriam ter se aposentado e que motivos externos influenciaram o processo.

Entre os que realizam trabalho remunerado na aposentadoria (59,5% da amostra), 36% apontam a necessidade financeira como principal motivo para continuarem trabalhando, 28% assinalaram que continuar trabalhando propicia a possibilidade de fazer o que gostam, 12% realização pessoal e 8% manter o contato social com outras pessoas. O motivo "outros" foi assinalado por oito participantes, representando 16% da amostra dos que realizam trabalho remunerado na aposentadoria. Entre os motivos mencionados na categoria outros, "se considerar novo e com condições de saúde e disposição para desenvolver atividades de trabalho" foi citado cinco vezes, enquanto "complementar a renda" e "se dedicar a sua própria chácara" apareceram duas vezes cada um e "continuar fazendo o que gosta", "experimentar uma nova atividade" e "gerir os negócios da família" foram mencionados somente uma vez cada.

Para analisar as possíveis relações entre o papel do trabalho na vida durante a carreira com o tipo de decisão de aposentadoria também foram realizados testes de associação Qui-Quadrado, que não apontaram associação significativa entre tipo de decisão de aposentadoria e as horas semanais dedicadas ao trabalho durante a carreira (χ2=4,370; gl=8; p = 0,8), a importância atribuída ao trabalho (χ2=5,962; gl=4; p = 0,2) e a satisfação no trabalho (χ2=6,920; gl=12; p= 0,8). Não houve associação entre sexo e decisão de aposentadoria (χ2=3,479; gl=4; p = 0,4), entre cargo que ocupava e decisão de aposentadoria (χ2=23,295; gl=16; p = 0,1), entre a voluntariedade da aposentadoria e a decisão de se aposentar (χ2=6,395; gl=4; p = 0,1) ou, ainda, entre satisfação no trabalho e voluntariedade/involuntariedade da decisão de aposentadoria (χ2=7,72; gl=3; p = 0,052).

Apesar dos testes Qui-Quadrado não terem apontado associação entre satisfação no trabalho com voluntariedade/involuntariedade a decisão de aposentadoria, aqueles que assinalaram satisfação no trabalho como ótima, com maior frequência do que os demais apontaram ter se aposentado de forma involuntária, por motivos externos como por exemplo mudanças nas regras de aposentadoria do INSS e tempo limite para a aposentadoria determinado pela empresa. Já a associação entre qualidade de vida na carreira e decisão de aposentadoria foi estatisticamente significativa (χ2=8,65; gl=3; p< 0,03), indicando que as pessoas que consideraram a qualidade de vida durante a carreira ótima com maior frequência do que as demais assinalaram que não gostariam de ter se aposentado.

Entre os que participaram do Programa de Preparação para a Aposentadoria (PPA) oferecido pela empresa (69,7% da amostra total), 48,4% avaliaram a qualidade do programa como ótima, 38,7% como boa e 12,9% como regular. Originalmente havia também a opção "ruim", entretanto nenhum dos participantes a assinalou. Do total, 46,4% indicaram que o programa ajudou muito na decisão do que fazer após a aposentadoria, 33,9% consideraram que ajudou um pouco e 19,6%, que não ajudou em nada ou quase nada. Ao serem questionados se mudariam algo no Programa, apareceram alguns relatos positivos e outros negativos quanto ao funcionamento dele. Cinco participantes mencionaram a necessidade do mesmo ser oferecido para todos os funcionários da empresa, inclusive aos ingressantes. Três pessoas elogiaram o funcionamento atual, enquanto duas sugeriram a melhoria das informações sobre planos de saúde a serem contratados após o desligamento. Foi sugerido também a possibilidade da participação do cônjuge no Programa de Preparação. Entre os questionamentos e aspectos negativos apontados, foram mencionadas a dificuldade de diálogo com os gestores do Programa e a necessidade de divulgar melhor quem são os responsáveis por prestar as informações. Outro aspecto mencionado pelos participantes foi o fato de que a regra de se desligar da empresa aos 60 anos deveria valer para todos os funcionários. Não houve associação entre ter participado do PPA e tipo de decisão de aposentadoria (χ2=7,756; gl=4; p = 0,1) ou entre a percepção de ajuda do Programa com o tipo de decisão de aposentadoria (χ2=7,988; gl=9; p = 0,5).

Em relação aos escores de satisfação de vida da amostra, o valor mínimo apresentado foi de 14 pontos e o máximo de 35 (M = 27,5; DP = 5,14). Testes t, de comparação de médias, demonstraram que não houve diferenças significativas de média em relação ao sexo (t=0,129; gl = 87; p =0,8) nem em relação à voluntariedade/involuntariedade da decisão de aposentadoria (t=1,022; gl = 86; p =0,3). Em relação ao nível de satisfação com o trabalho durante a carreira, o teste da análise de variância também não foi significativo para as diferenças de satisfação de vida atual [F(3, 88) = 1,630; p=0,1].

Na Tabela 3, percebe-se, a partir da análise de variância, que existem diferenças significativas nas médias de satisfação de vida na aposentadoria em relação à avaliação da qualidade de vida durante a carreira [F (4, 88) = 3,749; p<0,01)]. Quanto maior a percepção da qualidade de vida durante a carreira maior o nível de satisfação de vida atual.

 

 

A menor média de satisfação de vida em relação ao tipo de decisão tomada na aposentadoria aparece entre os que ainda trabalham, mas em área diferente da carreira regular. Em contrapartida, existe uma média aumentada de satisfação de vida em quem realiza somente trabalho voluntário. Apesar do resultado não ter sido significativo [F(4, 88) = 0,318; p= 0,8], essas médias podem indicar uma tendência.

A análise de variância não demonstrou diferenças significativas nos níveis de satisfação de vida, de acordo com os motivos pelos quais as pessoas retornam ao trabalho após a aposentadoria [F (5, 49) = 1,967; p = 0,1]. Entretanto, as menores médias de satisfação de vida apareceram entre aqueles que apontaram o motivo financeiro como o principal para a realização de atividade remunerada na aposentadoria.

 

Discussão

O objetivo geral deste estudo foi verificar as relações entre o papel de trabalho durante a carreira com o tipo de decisão no que se refere ao papel de trabalho e a satisfação de vida na aposentadoria esclarecendo algumas características peculiares da amostra utilizada. Ressalta-se que ela foi composta por um conjunto de participantes com um perfil de aposentados específico, não representativo da população de trabalhadores em geral e que possui algumas particularidades. São profissionais que trabalharam muito tempo numa mesma empresa privada e que possuem, em geral, nível de escolaridade e renda acima da média da população brasileira.

O fato de a maior parte dos participantes da pesquisa (82%) possuir nível alto de escolaridade (superior ou pós-graduação) pode ter impactado nos resultados e ter sido consequência da forma de acesso aos participantes, feito a partir do RH da empresa, que inicialmente abordou os aposentados por e-mail, antes de liberar os dados de contato aos pesquisadores (norma interna da empresa). Parte dos aposentados, especialmente aqueles com ensino médio ou inferior, pode não ter sido contemplado por essa limitação de contato, tendo em vista que talvez tenham menos acesso à internet. A maior parte dos respondentes da pesquisa com ensino médio e fundamental respondeu ao questionário no encontro presencial.

Embora tenham esse perfil diferenciado em relação à renda e à escolaridade, 59,5% continuam realizando atividade remunerada na aposentadoria, o que vem ao encontro de estudos anteriores que apontam a permanência no trabalho durante a aposentadoria como relacionada à dificuldade de desfazer o vínculo com o trabalho (Roesler, 2014) e com o significado que o trabalho (Schweitzer et al., 2016) tem na vida das pessoas.

Em relação à importância atribuída aos papéis de vida no decorrer da carreira, algumas incongruências foram observadas. Apesar de mais de 75% dos participantes terem assinalado que consideram tanto o estudo quanto o tempo livre como importantes ou muito importantes, o número de horas dedicadas a esses papéis é muito baixo, cinco ou menos horas semanais. Pode-se considerar que a importância atribuída e as horas dedicadas ao trabalho sejam indicativas da ênfase prioritária dada ao papel do trabalho em relação aos outros papéis da vida. Para Savickas (2002), os papéis centrais interagem de forma a se construírem uns aos outros, sendo que as pessoas tomam decisões sobre o papel de trabalho, levando em conta, as outras circunstâncias e papéis sociais que dão significado e foco às suas vidas (estudo, família, tempo livre e comunidade).

A questão das diferenças entre sexos também merece destaque no estudo. Os percentuais similares de importância atribuída aos papéis e número de horas dedicadas ao trabalho e à família não corroboram pesquisas anteriores (Noor, 2004; Silva, 2015) que apontam uma maior dedicação da mulher ao papel de casa e família quando comparado com os homens. O fato de o número de mulheres da amostra ser pequeno não permitiu análises mais detalhadas sobre as diferenças de sexo. No entanto, pode-se pensar que o perfil peculiar das participantes deste estudo - mulheres que trabalham em cargos executivos de alta responsabilidade, com elevado nível de escolaridade e remuneração -, certamente caracterizam mulheres que não se adequam ao estereótipo de "dona de casa", sendo expectável que atribuam maior valor ao papel profissional. Ainda, é possível que elas, por terem mais recursos, contem com uma rede de apoio que propicia a dedicação intensiva ao trabalho.

É interessante perceber, entretanto, que nenhuma mulher considerou sua qualidade de vida como ótima durante a carreira, enquanto 26,6% dos homens assinalaram tal opção. Talvez o resultado referente à qualidade de vida indique que as mulheres se sintam mais sobrecarregadas para equilibrar os papéis de trabalho e família, o que corrobora estudos anteriores, os quais ressaltam as dificuldades das mulheres contemporâneas em conseguir equilibrar as demandas de trabalho com a vida pessoal e familiar (Lopes et al., 2014; Silva, 2015). Sugere-se que, para melhor compreender essas diferenças na percepção da qualidade de vida entre homens e mulheres, estudos futuros realizem pesquisa qualitativa com a utilização de entrevistas em profundidade.

A relação entre qualidade de vida na carreira e decisão de aposentadoria foi significativa, indicando que, quanto melhor a percepção da qualidade de vida durante a carreira maior o desejo de não querer se desvincular do trabalho na aposentadoria. O resultado vem ao encontro de estudos anteriores relacionados à teoria da continuidade, os quais afirmam que as pessoas na aposentadoria tendem a seguir um padrão de comportamento de continuidade, ao modo como costumavam se comportar no decorrer da carreira (Atchley, 1989; Fontoura, Doll, & Oliveira, 2015). De acordo com a teoria da continuidade (Atchley,1989), o último estágio do ciclo de vida se torna um prolongamento dos períodos antecedentes, no qual a pessoa procura manter suas estruturas internas e externas durante o processo de envelhecimento. A busca pela opção de continuidade laboral após a aposentadoria formal poderia ser compreendida como uma estratégia de adaptação a essa nova fase.

Outros resultados desta pesquisa também apontam nessa direção. Apesar de parte da amostra ter assinalado que a aposentadoria foi voluntária, 64% afirmaram que, se pudessem, voltariam a trabalhar. Os participantes que descreveram a satisfação no trabalho como ótima, com maior frequência do que os demais, disseram terem aposentado de forma involuntária, por motivos externos, indicando que quanto maior a satisfação com a carreira, menor a voluntariedade para se aposentar, o que vem ao encontro de estudos anteriores que apontam a satisfação no trabalho como um importante determinante da intenção de prolongar a carreira (Kautonen et al., 2012). Para Fontoura et al. (2015), as pessoas que tendem a adotar uma postura de realizar muitas atividades de busca de valor instrumental para o período pós-aposentadoria são geralmente as que, em seu percurso laboral, conferiam centralidade ao trabalho.

De modo geral, as médias de satisfação de vida na aposentadoria foram altas, e não houve distinção dos resultados entre homens e mulheres, corroborando estudos anteriores (Zanon et al., 2013). Ao se investigar a relação entre o papel do trabalho durante a carreira com a satisfação de vida na aposentadoria, percebe-se que, apesar dos resultados da satisfação com o trabalho não terem tido relação direta com a satisfação de vida na aposentadoria, a percepção da qualidade de vida durante a carreira apresentou diferenças significativas, indicando que quanto melhor a percepção da qualidade de vida durante a carreira maior o nível de satisfação de vida na aposentadoria. Tais resultados podem indicar que conseguir manter o equilíbrio entre os vários papéis da vida durante a carreira (percepção de qualidade de vida), propicia uma melhor adaptação na aposentadoria. Em contrapartida, uma percepção do excesso do papel do trabalho durante a carreira, em detrimento dos outros papéis da vida, de certa forma está associada com a baixa satisfação de vida na aposentadoria.

Embora os resultados da análise de variância não tenham sido significativos em relação aos níveis de satisfação de vida, e os motivos pelos quais as pessoas retornam ao trabalho após a aposentadoria, a menor média de satisfação de vida apareceu entre aqueles que relataram ter retornado ao trabalho por motivos financeiros, o que vem ao encontro de estudos anteriores, como, por exemplo, o de Dingemans e Henkens (2014), que apontam que a participação em bridge employment por motivos financeiros está associada à diminuição na satisfação com a vida, em comparação com aqueles que trabalham na aposentadoria com base em motivos intrínsecos relacionados aos sentimentos de realização e percepção do significado que o trabalho possui na vida.

Estudos anteriores apontam que a aposentadoria involuntária/ possui impacto significativo e negativo no bem-estar dos idosos (Bonsang & Klein, 2012) e que aposentar-se involuntariamente é prejudicial para a satisfação com a vida (Dingemans & Henkens, 2014; Hershey & Henkens,2013). Embora os resultados da presente pesquisa não tenham apresentado diferenças significativas em relação a voluntariedade/involuntariedade da decisão, a menor média de satisfação de vida em relação ao tipo de decisão tomado na aposentadoria apareceu entre aqueles que ainda trabalham, mas em área diferente da carreira regular. Tal resultado pode estar associado à involuntariedade da decisão. É provável que os respondentes que aposentaram e continuaram trabalhando em áreas diferentes da carreira regular, além de não terem se aposentado por vontade própria, também não tenham conseguido recolocação profissional em suas áreas de origem. Em contrapartida, existe uma média aumentada de satisfação de vida em quem realiza somente trabalho voluntário na aposentadoria. Apesar do resultado não ter sido significativo, estima-se que uma conclusão mais robusta poderia ter sido alcançada com uso de uma amostra maior. Logo, sugere-se que pesquisas futuras investiguem a relação entre trabalho voluntário e altos níveis de satisfação de vida e comparem os resultados com estudos de Potocnik e Sonnentag (2013), Pundt et al. (2015) que apontam que as pessoas que realizam trabalho voluntário possuem altos níveis de satisfação de vida.

Os programas de Preparação para a aposentadoria, de forma geral, auxiliam os trabalhadores na reflexão sobre a possível substituição do papel central do trabalho por outros interesses na aposentadoria. Apesar de tais programas serem apontados por estudos anteriores (Boehs, Medina, Bardagi, Luna, & Silva, 2017; Krawulski et al., 2017; Rafalski & Andrade, 2016) como fonte de planejamento do que fazer após a aposentadoria, os resultados da presente pesquisa não indicaram nenhuma percepção de ajuda do programa de preparação, nem influência do mesmo no tipo de decisão de aposentadoria. Apesar dos resultados não terem demonstrado associação significativa entre ter participado do PPA com a decisão de aposentadoria, vários participantes consideraram importante terem participado da preparação. Talvez o programa não tenha influenciado na decisão em si, mas pode ter contribuído para uma reflexão mais acertada do que fazer a despeito da opção previamente escolhida

Existem algumas limitações no que tange especialmente à composição da amostra, que, além de não ter sido aleatória, não foi representativa da população em geral. O número reduzido dos participantes também foi outro fator limitante, não permitindo que fossem feitas análises mais robustas. Para futuros estudos, sugere-se a composição de uma amostra mais heterogênea, considerando a distribuição de sexo, escolaridade e renda, com aposentados oriundos de diferentes configurações (p. ex., empresas privadas, públicas, profissionais liberais, autônomos), o que permitiria comparações e possíveis generalizações. Futuras pesquisas também podem ser realizadas a partir de métodos mistos de pesquisa e de uma perspectiva longitudinal, o que propiciaria acompanhar os participantes de forma contínua durante todo o processo da aposentadoria.

 

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Endereço para correspondência:
Samantha de Toledo Martins Boehs
Rua XV de Novembro, 1299
Curitiba (PR), Brasil, CEP 80.060-000
E-mail: profsamantha.toledo@gmail.com

Recebido em: 27/07/2018
Primeira decisão editorial em: 27/02/2019
Versão final em: 04/04/2019
Aceito em: 09/04/2019

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