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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.4 Brasília oct./dic. 2019

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.4.17346 

Desenho do trabalho: caracterização do fenômeno e análise de suas relações

 

Work Design: characterization of the phenomenon and analysis of its relationships

 

Diseño del trabajo: caracterización del fenómeno y análisis de las relaciones

 

 

Nana Carolina Cunha de JesusI; Antonio Virgilio Bittencourt BastosI; Carolina Villa Nova AguiarII

IUniversidade Federal da Bahia (UFBA), Bahia, Brasil
IIEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Bahia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi caracterizar a organização do trabalho em uma instituição universitária pública de nível superior do Nordeste, explorando-se as relações entre as diferentes dimensões e subdimensões do modelo proposto por Morgeson e Humphrey. Trata-se de um estudo quantitativo de corte transversal no qual participaram 691 servidores públicos. Utilizou-se a versão do Work Design Questionnaire (WDQ) em processo de validação para o contexto brasileiro. Foram conduzidas análises descritivas (média, desvio-padrão e distribuição de frequência) e inferenciais (correlações de Pearson e teste t de Student). Os resultados revelaram um desenho do trabalho que articula níveis ricos de escopo das tarefas e uso do conhecimento com condições contextuais mais precárias. Por se tratar do primeiro estudo utilizando o modelo de Morgenson e Humphrey no Brasil, são necessárias novas pesquisas para ampliar a compreensão de como o trabalho é organizado no País e em ambientes singulares como são as universidades.

Palavras-chave: Desenho do trabalho; Servidor público; Instituição federal de ensino superior.


ABSTRACT

The objective of this study was to characterize the organization of work in a public university of higher education in Northeastern Brazil, exploring the relationships between the different dimensions and subdimensions of the model proposed by Morgeson and Humphrey. In total, 691 technical-administrative staff participated in this cross-sectional, quantitative study. The WDQ (Work Design Questionnaire) version in the process of validation in Brazil was used. Descriptive (mean, standard deviation, and frequency distribution) and inferential (Pearson's correlation and Student's t-test) analyses were conducted. The results revealed a work design that links richer levels of task scope and use of knowledge with more precarious contextual conditions. Since this is the first study using the Morgeson and Humphrey model in Brazil and at this institution, further research is needed to broaden the understanding of how work is organized in singular institutions such as universities.

Keywords: Work design; Technical-administrative staff; Federal institution of higher education.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio es caracterizar la organización del trabajo en una institución universitaria pública del Nordeste, explorando las relaciones entre las diferentes dimensiones y subdimensiones del modelo propuesto por Morgeson y Humphrey. Se trata de un estudio de corte transversal, cuantitativo, en que participaron 691 funcionarios. Se utilizó la versión del Work Design Questionnaire (WDQ), que se encontra en proceso de validación para el contexto brasileño. Se realizaron análisis descriptivos (media, desviación estándar y distribución de frecuencia) e inferenciales (correlaciones de Pearson y Prueba T de Student). Los resultados revelaron un diseño del trabajo que articula niveles ricos de alcance de las tareas y uso del conocimiento con condiciones contextuales más precarias. Por tratarse del primer estudio utilizando el modelo de Morgenson y Humphrey en Brasil-, son necesarias nuevas investigaciones para ampliar la comprensión de cómo el trabajo está organizado en el país y en ambientes singulares como son las universidades.

Palabras clave: Diseño del trabajo; Funcionarios; Institución federal de enseñanza superior.


 

 

A investigação acerca do conteúdo e da organização das tarefas no ambiente de trabalho, por sua implicação sobre o desempenho e o bem-estar dos trabalhadores, ocupa um lugar de destaque na literatura organizacional. Parte significativa de sua importância é o desenho do trabalho, um importante antecedente para a maioria das variáveis dependentes estudadas tanto na área do comportamento organizacional quanto na gestão estratégica de recursos humanos (Parker, Morgeson, & Johns, 2017), a exemplo de fenômenos como comprometimento, desempenho e bem-estar (Campion, Mumford, Morgeson, & Nahrgang, 2005; Oliveira & Rocha, 2017).

Ao longo do tempo, diferentes modelos teóricos foram desenvolvidos para estudar o desenho do trabalho (Morgeson & Campion, 2003). As pesquisas iniciais baseadas na abordagem do gerenciamento científico (representado pelos trabalhos de Frederick Taylor no início do século XX), que emergiu dos trabalhos de Adam Smith em 1776 e Charles Babbage em 1835, evidenciaram a excessiva fragmentação do trabalho para gerar maior eficiência produtiva. A gestão taylorista agravou os subprodutos pertencentes ao processo produtivo industrial - perda de significado do trabalho, seu caráter repetitivo e mecânico - e reforçou a insatisfação, o adoecimento e o absenteísmo, o que impactou a produtividade. Para lidar com tais subprodutos, a ciência no século XX intensificou a produção de pesquisas sobre os aspectos psicológicos do trabalho (Vielma, 2013), o que culminou na criação de novos modelos. Entre estes, destacam-se os de enriquecimento do trabalho, cujo intuito era superar a natureza reducionista do desenho laboral, concentrando-se em características que poderiam melhorar a satisfação e a motivação e buscando atender a necessidades intrínsecas de um trabalho autorrealizador.

Entre esses modelos, o de maior impacto, tanto na pesquisa quanto nas intervenções gerenciais, foi o de Características do Trabalho de Hackman e Oldham (Job Characteristics Model - JCM) publicado em 1980e de grande influência na literatura (Parker et al., 2017). Os autores destacam cinco características centrais para descrever o trabalho (variedade de habilidades, identidade da tarefa, significado da tarefa, autonomia e feedback) e justificam a importância desse modelo pela ligação entre componentes afetivos e resultados comportamentais que expressam o significado do trabalho, o conhecimento e a responsabilidade por seus resultados. Assim, tais características interagem para produzir um estado psicológico crítico que culmina em um conjunto de resultados positivos de trabalho (Morgeson & Campion, 2003). No entanto, embora tenha sintetizado e expandido modelos anteriores, o JCM apresenta uma lacuna ao não captar a complexidade do contexto social em que as organizações se desenvolvem (Santos, Chambel, & Castanheira, 2015).

Como alternativas ao JCM, surgiram o Modelo Interdisciplinar de Desenho do Trabalho (Campion, 1988) e a Perspectiva do Processamento da Informação (Salancik & Pfeffer, 1978, citado por Vielma, 2013), entre outros. A abordagem do Modelo Interdisciplinar destaca a existência de pelo menos quatro modelos básicos: mecanicista (aumento da simplificação, especialização e repetição do trabalho), motivacional (resposta à insatisfação com o trabalho, desqualificação e alienação), perceptual (vinculado às mudanças tecnológicas na execução de alguns trabalhos, com vistas a diminuir os requisitos para processamento da informação e assim reduzir a probabilidade de erros) e biológico (emergência das pesquisas ergonômicas e ciências médicas a fim de aliviar as tensões físicas do trabalho) (Morgeson & Campion, 2003). A Perspectiva do Processamento da Informação destacou os efeitos do contexto e as consequências das escolhas passadas em oposição a predisposições individuais e processos racionais de tomada de decisão. Assim, o meio social impactaria os indivíduos, ajudando-os a construir um significado sobre os recursos organizacionais incertos e tornando algumas informações mais proeminentes.

As teorias que sucederam o JCM, no entanto, apresentaram pouca integração entre si e não avançaram muito em relação a ele, fazendo ressurgir, com maior força nos últimos anos, novos modelos integradores que mantêm as características motivacionais do trabalho mas incorporam elementos sociais e contextuais. Essa nova vertente é denominada redesenho, integração e reinvenção das teorias do desenho do trabalho, que agrupa uma série de novas propostas de análise do trabalho a fim de ampliar a compreensão e a prática acerca desse conceito (Vielma, 2013).

Nesse cenário, o modelo de organização do trabalho proposto por Morgeson e Humphrey (2006) tem se apresentado como uma alternativa de pesquisa inovadora para uma questão que preocupa pesquisadores e gestores há muitas décadas. É alicerçado em três bases teóricas que foram unidas: características da tarefa, sistemas sociotécnicos e papéis de trabalho (Parker, 2014). Trata-se de um modelo ampliado que agrupa um conjunto de novas dimensões não presentes em propostas anteriores, que eram mais centradas nos impactos motivacionais do desenho do trabalho sobre o desempenho do trabalhador. No novo modelo, sinteticamente apresentado na Figura 1, o desenho do trabalho é dividido em quatro dimensões de análise, que, por sua vez, são compostas por 21 subdimensões, representando uma ampliação significativa.

 

 

A mensuração do desenho do trabalho por meio de ferramentas válidas e confiáveis gerou, entre outros, dois instrumentos bastante usados nas pesquisas: o Job Diagnostic Survey (JDS), desenvolvido por Hackman e Oldham para avaliar o JCM, e o Multimethod Job Design Questionnaire (MJQD), de Campion, para avaliar o Modelo Interdisciplinar. No entanto, ambos têm apresentado propriedades psicométricas questionáveis relacionadas à baixa consistência interna (JDS) e problemas com a estrutura do fator (MJQD) (Bayona, Caballer, & Peiró, 2015).

Assim, o WDQ (Morgeson & Humphrey, 2006) surgiu para superar as limitações mais usuais na pesquisa, operacionalizando o conjunto de dimensões e subdimensões e ampliando a qualidade psicométrica da nova escala. Esta medida vem sendo considerada abrangente, que reconhece o trabalho em si e a relação dele com o ambiente, expandindo-se além das características motivacionais - o contexto de trabalho, os indivíduos, suas atividades e a interação entre trabalho e o social, o físico e o organizacional são todos analisados (Ríos, et al., 2017). A novidade do modelo impõe, ainda, uma agenda de pesquisa que tem como item importante a sua validação para diferentes contextos culturais e organizacionais. No caso específico da realidade brasileira, há uma carência de dados descritivos que revelem como o trabalho se organiza em diferentes segmentos produtivos, e não há, ainda, estudos publicados que tenham apresentado as propriedades psicométricas do WDQ quando aplicado à população brasileira. Borges-Andrade, Peixoto, Queiroga e Pérez-Nebra (2019) conduziram recente pesquisa com tal objetivo.

Apesar dos avanços que se concretizam em modelos ampliados para analisar o desenho do trabalho, ainda há um longo caminho a ser percorrido pela pesquisa. Parker (2014) sugere algo desafiador ao considerar que é preciso analisar o tema para além de uma perspectiva passiva e trazê-lo como uma forma de atenuar potenciais efeitos negativos (e aumentar os positivos) das mudanças tecnológicas e sociais, bem como permitir que essas mudanças sejam mais efetivas.

As organizações públicas, como se sabe, passam por transformações que buscam superar o excesso de burocratização nestes espaços, com a adoção de práticas de gestão que se traduzam em prestação de serviços mais eficazes, menor tempo de resposta aos usuários e utilização eficiente dos recursos públicos (Janissek, Peixoto, Cerqueira, & Santos, 2014a). A melhoria dos serviços, necessariamente, requer alterações importantes na forma como o trabalho está desenhado.

As universidades, mais especificamente, constituem um tipo peculiar de organização, cujas finalidades são complexas e o tipo de serviço oferecido admite um caráter estratégico para a sociedade, como é o caso da prestação de serviços educacionais (Janissek, Peixoto, Cerqueira, & Santos, 2014b). A sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão requer processos de gestão diversificados como suporte para as atividades-fim, o que se traduz em uma complexa estrutura organizacional apoiada em uma rede de processos de trabalho, muitos dos quais não estão devidamente mapeados. Janissek et al. (2014a) apontaram, inclusive, para a necessidade de definir e redesenhar tais processos a fim de orientar os servidores e esclarecer a comunidade interna sobre o fluxo de atividades desenvolvidas pelos diferentes órgãos e unidades administrativas. Considerando que as atividades-meio permeiam toda extensão universitária, a coexistência e interdependência das atividades acadêmicas e administrativas tornam o trabalho dos servidores técnico-administrativos estratégico (Alberto & Balzan, 2008). Esses profissionais distribuem-se entre os órgãos da administração central (reitoria e os órgãos estruturantes, também chamados de sistemas universitários) e unidades acadêmicas (integram órgãos de ensino, pesquisa e extensão). A administração central, apesar de focada em atividades de planejamento e orçamento, gestão de pessoas e assistência estudantil, abarca atividades que atendem às demandas de ensino, pesquisa e extensão. No entanto, em geral as atividades são burocráticas, e não permitem interação direta entre servidores, discentes e docentes. Já nas unidades acadêmicas, responsáveis por atividades acadêmicas e de lotação de pessoal docente, a interação entre os servidores, alunos e docentes é mais frequente.

O presente estudo visa, então, a caracterizar a organização do trabalho em uma instituição universitária pública de nível superior do Nordeste, explorando-se as relações entre as diferentes dimensões e subdimensões do modelo proposto por Morgeson e Humphrey (2006) em uma amostra de servidores públicos brasileiros.

 

Método

Este estudo, de caráter descritivo correlacional, envolveu um survey com uma amostra de servidores públicos de uma instituição universitária. Trata-se de uma pesquisa quantitativa que utilizou o modelo teórico proposto por Morgeson e Humphrey (2006).

Participantes

Em uma população de aproximadamente 2.900 servidores técnico-administrativos com vínculo estatutário da universidade, distribuídos em cargos de nível médio/fundamental e superior que foram convidados a participar, 691 compuseram a amostra, por terem respondido a todos os itens do instrumento. A maioria dos participantes é do sexo feminino, representando 60,6% da amostra, casados (47,4%), com média de idade de 44 anos e com especialização completa, representando 40,1 % da amostra (N = 675). Em relação às variáveis ocupacionais, 55,3% são profissionais que ocupam cargos de nível médio/fundamental, enquanto 44,7% são de cargos de nível superior (N = 669). Além disso, a média de tempo na organização é de 14 anos (DP = 11,59), representados por 53,6% dos profissionais (N = 675) que trabalham na administração central e que não têm função gratificada (76,8%) (N = 668).

Instrumentos

Utilizou-se para coleta dos dados o WDQ (Morgeson & Humphrey, 2006) traduzido, adaptado e em validação para o Brasil (Borges-Andrade et al., 2019). Este instrumento é composto por 18 subescalas distribuídas em quatro grandes categorias ("características da tarefa", "do conhecimento", "sociais" e "contexto de trabalho"). Os itens foram respondidos a partir de uma escala Likert de cinco pontos ("1"→ menor concordância e "5"→ maior concordância). A partir da análise fatorial exploratória, os seguintes coeficientes foram obtidos:

Características da tarefa. Autonomia na organização de trabalho (cargas fatoriais entre 0,84 e 0,91; α = 0,83); autonomia nas decisões e nos métodos de trabalho (cargas fatoriais entre 0,79 e 0,86; α = 0,91); variedade de tarefas (cargas fatoriais entre 0,91 e 0,93; α = 0,92); significado da tarefa (cargas fatoriais entre 0,69 e 0,91; α = 0,84); identidade da tarefa (cargas fatoriais entre 0,65 e 0,92; α = 0,853) e feedback do trabalho (cargas fatoriais entre 0,90 e 0,95; α = 0,88).

Característica do conhecimento. Complexidade do trabalho (cargas fatoriais entre 0,40 e 0,92; α = 0,81); processamento da informação (cargas fatoriais entre 0,81 e 0,91; α = 0,83); resolução de problemas (cargas fatoriais entre 0,61 e 0,78; α = 0,506); variedade de habilidades (cargas fatoriais entre 0,85 e 0,94; α = 0,87); especialização (cargas fatoriais entre 0,82 e 0,94; α = 0,83).

Características sociais. Suporte social (cargas fatoriais entre 0,56 e 0,82; α = 0,80); interdependência (cargas fatoriais entre 0,45 e 8,82; α = 0,82); interação externa à organização (cargas fatoriais entre 0,70 e 0,90; α = 0,87); feedback dos outros (cargas fatoriais entre 0,91 e 0,93; α = 0,88).

Contexto de trabalho. Ergonomia (cargas fatoriais entre 0,48 e 0,88; α = 0,83); demandas físicas (cargas fatoriais entre 0,94 e 0,96; α = 0,95); condições de trabalho (cargas fatoriais entre 0,67 e 0,77; α = 0,78); uso de equipamentos (cargas fatoriais entre 0,80 e 0,90; α = 0,72).

Além dos itens do WDQ, o questionário incluiu levantamento de informações sociodemográficas e ocupacionais para caracterização da amostra.

Procedimentos de Coleta e Análise de Dados

O questionário foi acessado com o auxílio da ferramenta on-lineSurvey Monkey® e disponibilizado via e-mail. Em relação aos aspectos éticos da pesquisa, os respondentes receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual ficaram cientes de sua autonomia para participar ou não da pesquisa ou até mesmo desistir no decorrer do processo. Além disso, foi garantido o anonimato nas respostas e a segurança do acesso aos resultados.

Para a análise dos dados, foram inicialmente conduzidas estatísticas descritivas (média, desvio-padrão e distribuição de frequência) a fim de caracterizar como as dimensões e as subdimensões do desenho do trabalho estão representados na universidade. Em seguida, foram feitas análises de correlação entre seus componentes, bem como entre as dimensões e algumas variáveis pessoais e ocupacionais. Finalmente, foi realizado o teste t, com o intuito de analisar os escores dos componentes em diferentes condições (variável "cargo" e os diferentes segmentos da administração). As análises foram conduzidas com a utilização do software Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 23.0.

 

Resultados e Discussão

Os resultados da pesquisa foram estruturados em três segmentos: análise das características da organização do trabalho na instituição, considerando as dimensões e subdimensões que integram o modelo proposto por Morgeson e Humphrey (2006); análise das associações entre os componentes do desenho do trabalho; e, finalmente, associações entre variáveis pessoais/ocupacionais e comparações entre as unidades da administração (central e unidades acadêmicas) no tocante às características do trabalho nesses locais, bem como entre a variável cargo.

Características da Organização do Trabalho na Instituição

A análise das dimensões e subdimensões do desenho do trabalho permitiu observar detalhadamente como se organiza o trabalho na instituição. A Figura 2 indica a comparação entre os escores médios das dimensões "Características da Tarefa" (CTa), "Características do Conhecimento" (CCo), "Características Sociais" (CSo) e "Contexto de Trabalho" (CTr) e suas respectivas subdimensões que integram o modelo utilizado.

 

 

Das quatro dimensões avaliadas, apenas o "contexto de trabalho" obteve um escore médio inferior (M = 2,83; DP = 0,47) ao ponto médio da escala utilizada, significando que os servidores percebem as condições de trabalho (características ergonômicas, equipamentos, demandas físicas) menos positivamente que as demais dimensões que estruturam o seu trabalho. As três dimensões restantes apresentam uma avaliação moderadamente positiva, com médias localizadas entre os pontos 3 e 4 da escala. As "características do conhecimento" constituem a dimensão mais positivamente avaliada, com escore médio de 3,72 (DP = 0,66), sinalizando um reconhecimento, por parte dos servidores, de que lidam com um trabalho mais complexo, que exige processamento de informações e tomada de decisões. Em seguida, também é moderadamente positiva a avaliação das "características da tarefa", indicando que há autonomia, variedade, identidade e feedback. Finalmente, a dimensão "características sociais" teve uma avaliação média mais próxima do ponto intermediário da escala (M = 3,37; DP = 0,52), mostrando que os participantes possivelmente se dividem no reconhecimento de que há "suporte social", "interdependência", "feedback dos colegas", entre outros.

Na avaliação das subdimensões do modelo, os escores médios foram comparados com a média de cada dimensão. Assim, observou-se que entre as subdimensões de "características da tarefa" os servidores avaliam mais positivamente o "significado e a variedade das tarefas" sob sua responsabilidade, seguidos da "identidade da tarefa". Ou seja, a gama de atividades sob sua responsabilidade, a influência exercida pelo trabalho dentro e fora da organização e o acompanhamento de todas as etapas na execução de seu ofício são percebidas como mais positivas pela amostra estudada. Tais resultados, se interpretados à luz do modelo desenvolvido por Hackman e Oldham (1975), indicam que o indivíduo enxerga a atividade que realiza como útil, legítima e importante para a organização. Tratam-se de atividades variadas, considerando a tendência geral, que requerem um leque mais rico de competências, ou seja, um trabalho não alienante, em que o trabalhador consegue identificar as etapas do processo - desde a concepção até a finalização - e perceber o significado que seu trabalho tem, muitas vezes potencializando o senso de responsabilidade. Destacam-se, no entanto, as avaliações menos positivas do grau de autonomia para organizar o trabalho e para definir métodos de realizá-lo, bem como do feedback recebido. Para Hackman e Oldham (1976), a "autonomia" e o "feedback do trabalho" são importantes na organização, e podem impactar a experiência de responsabilidade e o conhecimento dos resultados, respectivamente. Em síntese, nesta pesquisa, os servidores indicam ter uma visão completa de seu trabalho e percebem sua eficácia dentro e fora da organização, mas de alguma maneira não têm acesso aos resultados e não se sentem livres para tomar decisões, escolher seus métodos e organizá-los.

Tais resultados são compreensíveis considerando o contexto da gestão pública, em que todos os processos são formalizados e devem atender a regras e normas que, na maioria dos casos, vão além da instituição universitária específica. A integração entre sistemas nos diversos âmbitos da administração pública federal, um processo em andamento, tende a restringir o grau de liberdade do servidor em alterar procedimentos e formas de realizar o trabalho. Apesar das tentativas de mudanças, esse contexto é excessivamente burocrático, com um conjunto de etapas, normas, regras, procedimentos especializados e hierarquização que podem conduzir o servidor a não acompanhar, na prática, todo o processo de desenvolvimento das atividades. Janissek et al. (2014a) destacam que o modelo burocrático, na contramão do que se espera de organizações mais inovadoras, criativas e responsivas às demandas do ambiente, é caracterizado por suas disfunções (excesso de formalismo, morosidade, entre outras). No entanto, é importante ressaltar que as pressões administrativas para inovação e reinvenção nesses espaços têm, de certa forma, refletido em tentativas de eliminar etapas e procedimentos de trabalho que sejam desnecessários (Janissek, Peixoto, & Bastos, 2014).

Em relação às "características do conhecimento", todas as subdimensões apresentam escores acima do ponto médio da escala, consistindo em avaliações moderadamente positivas. De acordo com Vargas, Ríos e Vielma (2012), essa dimensão trata das demandas relacionadas à capacidade cognitiva do indivíduo para realizar um determinado trabalho, sendo que a atração das pessoas pelo trabalho que realizam está diretamente relacionada à maior complexidade e às demandas por maiores capacidades cognitivas. Os resultados mais positivos são congruentes com estudos de Morgeson e Humphrey (2006): ocupações formais que exigem um grau maior de formação dos profissionais envolvem o desempenho de um trabalho mais complexo que exige um comportamento mais flexível e adaptável.

No que tange às subdimensões, a única que exibiu média acima da média geral da dimensão foi "processamento da informação" (M = 4,08; DP = 0,74), o que pode indicar que entre os aspectos relativos aos conhecimentos necessários para o desempenho do trabalho, o alto monitoramento e a atenção aos procedimentos a serem seguidos na organização são considerados mais relevantes. As dimensões "complexidade do trabalho" (M = 3,58; DP = 0,88), "resolução de "(M = 3,69; DP = 0,74) e "especialização" (M = 3,57; DP = 1,00), no entanto, apresentaram valores ligeiramente abaixo da média geral da dimensão, todas em uma faixa muito próxima. Esse dado é consoante com algumas atividades que permeiam o trabalho dos servidores que compõem essa amostra, tendo em vista que o trabalho é majoritariamente repetitivo e operacional. A existência de atividades que exijam aperfeiçoamento, criatividade e atitudes inovadoras tende a exercer influências positivas e motivadoras sobre o indivíduo; baixos escores nessas dimensões associam-se a percepções de um trabalho enfadonho. Essa avaliação mais positiva da subdimensão "processamento da informação" pode dever-se à crescente informatização do trabalho na universidade, o que é congruente com o que Humphrey, Nahrgang e Morgeson (2007) apontam, ou seja, o aumento da tecnologia no contexto organizacional torna o trabalho mais exigente e complexo cognitivamente, e demanda dos indivíduos uma maior variedade de habilidades.

A dimensão "características sociais" (M = 3,37; DP = 0,52), por sua vez, é destacada como parte importante para a organização do trabalho a partir da criação de um ambiente relacional que proporcione o compartilhamento de conhecimentos, experiências e apoio entre os indivíduos no ambiente de trabalho (Vielma, 2013). Os resultados da análise dessa dimensão também revelaram uma avaliação moderadamente positiva. Considerando-se as subdimensões, verifica-se que o "suporte social" (M = 4,04; DP = 0,63) é, na realidade, o responsável pela avaliação mais positiva de toda a dimensão. Ou seja, os servidores reconhecem a possibilidade de compartilhar ideias e contar com um suporte na resolução de problemas, condição largamente reconhecida como fundamental para a construção de equipes de trabalho coesas e de alto desempenho. No entanto, essa avaliação mais positiva não se mantém para as três outras subdimensões: "interdependência" (M = 3,08; DP = 0,82), "interação externa à organização" (M = 3,16; DP = 0,96) e "feedback" (M = 2,90; DP = 1,04), as quais apresentaram escores próximos ao ponto médio da escala, sendo que o "feedback" é ligeiramente inferior a 3,0. Esses dados podem indicar que as trocas entre os pares, no que se referem às atividades executadas, são percebidas com menor frequência. Além disso, o "suporte social", neste caso, é avaliado a partir de relações não especificamente centradas na execução da tarefa, algo que demanda um exame mais cuidadoso no instrumento utilizado. O escore mais baixo na subdimensão relativa à prática de feedback entre os profissionais no contexto da universidade expõe o déficit no modelo de gestão: os gestores não estão dando a devida relevância a um aspecto que, de acordo com Hackman e Oldham (1980), é considerado potencial motivador e preditor de resultados positivos.

Por fim, a dimensão "contexto de trabalho" foi a que apresentou a avaliação mais crítica (M = 2,83; DP = 0,47), localizando-se abaixo do ponto médio da escala, o que reflete uma visão de problemas associados às condições em que o trabalho é desempenhado. Quando se examinam as subdimensões, ressalta-se a avaliação mais negativa das "demandas físicas" (M = 2,21; DP = 1,01) e "uso de equipamentos" (M = 2,72; DP = 0,99). Há, em síntese, uma percepção de que as condições de trabalho implicam sobrecarga física, que pode estar associada a carências (ou desatualização) dos equipamentos utilizados para o desempenho. As avaliações ligeiramente menos negativas das subdimensões "ergonomia" (M = 3,09; DP = 0,92) e "condições de trabalho" (M = 3,10; DP = 0,88), por sua vez, não alteram fortemente o quadro que aponta a necessidade de ajustes importantes no contexto de trabalho ou nas condições oferecidas para os servidores executarem as tarefas sob sua responsabilidade. Embora tais avaliações tenham que ser contextualizadas de forma mais específica, pela diversidade das condições de trabalho existentes nos diversos âmbitos da universidade, há que se reconhecer o fato das crescentes dificuldades de suporte financeiro para a manutenção das universidades públicas no Brasil nos últimos anos. Tais dificuldades incidem em ambientes de trabalho com déficits muito evidentes, a exemplo da atualização de computadores e seus softwares, algo crítico para a maior parte das tarefas executadas.

Após a caracterização geral da organização do trabalho na universidade, pode-se sinteticamente afirmar que os servidores consideram que o seu trabalho tem um escopo relativamente positivo e suas tarefas demandam conhecimento e processamento de informações mais complexas. Isso ocorre em um ambiente com maior precariedade em termos de condições, mas no interior de grupos em que há importante nível de suporte social. Para se compreender com tais avaliações se relacionam, na seção seguinte, são apresentados os resultados relativos às correlações entre as dimensões e suas subdimensões.

Associações entre os Componentes do Desenho do Trabalho

A análise das correlações entre os componentes do desenho do trabalho, apresentada na Tabela 1, permitiu observar que a maioria das dimensões e subdimensões relaciona-se significativamente entre si, tal qual aconteceu na pesquisa realizada por Vargas et al. (2012) - com trabalhadores que pertenciam a diferentes empresas de setores distintos da atividade industrial - e por Morgeson e Humphrey (2006) com profissionais que também atuavam em ocupações distintas.

Com relação a "características da tarefa", observou-se que todas as subdimensões apresentaram correlações significativas e positivas (entre moderadas e altas) com a dimensão, variando de r = 0,484 (p < 0,01) em "significado da tarefa" até r = 0,801 (p < 0,01) em "autonomia nas decisões e métodos de trabalho". Além disso, "características do conhecimento" também apresentou correlação significativa (entre moderadas e altas) e positiva com todas as suas subdimensões, variando de r = 0,667 (p < 0,01) em "complexidade do trabalho" e r = 0,897 (p < 0,01) em "resolução de problemas". Esses dados indicam que, de acordo com a percepção dos servidores acerca de seu trabalho, ter autonomia nos processos decisórios e nos métodos usados para o desempenho das atividades está fortemente relacionado com a forma como o trabalho é realizado e seu alcance em relação aos objetivos da organização. Além disso, observa-se uma forte ligação entre os conhecimentos exigidos e a capacidade que o indivíduo tem de ser criativo e saber lidar com situações inesperadas.

As "características sociais", por sua vez, apresentaram padrões de correlação um pouco mais fracos quando comparados às primeiras dimensões mencionadas, tendo seus escores variando entre r = 0,584 (p < 0,01) em "suporte social" e r = 0,657 (p < 0,01) em "feedback dos outros". O mesmo ocorreu com "contexto de trabalho", cujas correlações foram significativas para todas as subdimensões, embora tenha variado entre r = 0,321 (p < 0,01) para "demandas físicas" e r = 0,614 (p < 0,01) para "condições de trabalho". Percebe-se que as subdimensões apresentaram correlações significativas no nível p < 0,01 indicando coerência teórica entre elas e as dimensões - as mais fortemente relacionadas são as que se referem às "características do conhecimento", e as menores são as vinculadas ao "contexto de trabalho". Essas correlações mais baixas entre as dimensões do "contexto de trabalho" expressam, possivelmente, a diversidade existente no interior das diversas unidades que integram a universidade.

Algo similar foi observado em Morgeson e Humphrey (2006), em que as "características motivacionais" foram altamente correlacionadas entre si quando comparadas às "características sociais" e "contexto de trabalho", fornecendo evidências de que todas as categorias formavam conjuntos únicos de características.

No que tange às relações entre as dimensões, os índices de correlação são todos significativos, porém baixos entre si. Entre essas, a maior correlação foi entre as "características da tarefa" e "características do conhecimento" (r = 0,357; p < 0,01), já que essas dimensões possuem uma complementaridade entre si, sendo reflexos dos requisitos do trabalho (Morgeson & Humphrey, 2006). As "características sociais" apresentaram correlação similar com as "características da tarefa" (r = 0,346; p < 0,01), enquanto as menores correlações aconteceram entre "contexto de trabalho" e "características da tarefa" (r = 0,228; p < 0,01), além de "características dos conhecimentos" (r = 0,82; p < 0,05) e "características sociais" (r = 0,228; p < 0,01). Algumas correlações não foram significativas, como a associação entre "características da tarefa" e "demandas físicas" (p = 0,50). Chama atenção, também, a ausência de correlação entre "autonomia na organização do trabalho" e "resolução de problemas/variedade de habilidades" (p = 0,62).

As correlações moderadas entre as diferentes dimensões oferecem um suporte para o modelo de Morgenson & Humphrey (2006), sinalizando que o desenho do trabalho é integrado por dimensões distintas. Ou seja, trabalhos mais ricos, de maior significado, que manejam mais conhecimento e requerem maior processamento de informação podem ser desempenhados em contextos sociais mais pobres, com menor suporte social e em condições contextuais mais precárias. A compreensão dessas interações mostra um potencial significativo para processos de intervenção no contexto específico, pois o impacto do desenho do trabalho nos processos motivacionais e no próprio desempenho não pode ser visto como resultado do efeito de uma dimensão isoladamente, mas de como tais dimensões se combinam em cada unidade analisada. Estudos posteriores poderão aprofundar a compreensão de como tais características se combinam, formando perfis ou padrões de organização do trabalho que sejam unidades mais complexas e ricas para a análise dos seus impactos em outros fenômenos organizacionais.

Associação do Desenho do Trabalho com Características Pessoais/Ocupacionais e Diferenças para as variáveis Cargo e Unidades da Administração

Para a exploração das associações entre variáveis do estudo, foram analisadas as correlações entre as características do desenho do trabalho e três variáveis: idade, escolaridade e tempo de organização. Os seus resultados constam na Tabela 2:

 

 

Examinando-se a Tabela 2, verifica-se que apenas a avaliação das "características do da tarefa" apresenta correlações estatisticamente significativas com as três variáveis pessoais e ocupacionais, sendo todas elas fracas. São correlações positivas que indicam que o tempo, a escolaridade e a idade mais avançados tendem a ser acompanhadas por uma melhor avaliação do escopo do trabalho realizado. A avaliação de que o trabalho envolve maior uso de conhecimento só se relacionou positivamente (r = 0,25; p < 0,01) com a variável escolaridade, algo esperado, pois servidores de nível superior estão engajados em funções técnicas mais complexas e que, portanto, devem demandar maior processamento de informação.

Ainda sobre as variáveis pessoais e ocupacionais gerais, o teste t de Student para amostras independentes identificou que os homens obtiveram médias estatisticamente superiores que as mulheres nas dimensões "características sociais" e "contexto de trabalho" (t (673) = 2,43, p < 0,05 e t(673) = 5,64, p < 0,01, respectivamente). Os servidores que têm gratificação obtiveram médias estatisticamente superiores aos que não ocupam esse tipo de função em três dimensões: "características das tarefas" (t (666) = 2,50, p < 0,05), "características do conhecimento" (t (666) = 3,16, p < 0,05) e "características sociais" (t (666) = 3,37, p < 0,01).

Para a análise das possíveis diferenças do desenho do trabalho nas condições da variável "cargo" (nível médio e superior) e nas unidades da administração, optou-se pela condução de uma análise pormenorizada, contemplando não apenas as dimensões gerais como também cada uma das subdimensões. Os resultados encontram-se na Tabela 3.

Sobre a unidade de lotação, verificou-se diferença significativa nos escores de duas dimensões do desenho do trabalho: "características do conhecimento" (t (673) = 3,14; p = 0,002) e "contexto de trabalho" (t (672,3) = 3,23; p = 0,001). Os indivíduos que trabalham na administração central (M = 3,80; DP = 0,68) apresentam maiores escores em "características do conhecimento" quando comparados aos que trabalham nas unidades acadêmicas (M = 3,64; DP = 0,64), e, no que se refere a "contexto de trabalho", os indivíduos das unidades acadêmicas (M = 2,89; DP = 0,44) apresentaram maiores escores em relação aos da administração central (M = 2,77; DP = 0,49). Este dado pode ter relação tanto com as exigências de conhecimentos e complexidade do trabalho em cada unidade da administração quanto com a possibilidade de os respondentes divergirem com o cargo ou grau de escolaridade. Em relação às dimensões "características da tarefa" (t (673) = 1,32; p = 0,19) e "características sociais" (t (673) = 0,61; p = 0,54), não foram verificadas diferenças significativas entre as médias para a duas condições. Esse dado chama atenção porque alguns aspectos do trabalho e do contexto social entre essas duas unidades são diferentes: o contato ou não com docentes e discentes, o foco do trabalho, ou seja, concentração nas atividades internas ou ligação com a atividade-fim da organização, a saber, pesquisa, ensino e extensão. Esperava-se a ocorrência de diferença significativa em relação às "características sociais", tendo em vista a possibilidade de maior relação com alunos e docentes nas unidades acadêmicas, por exemplo. Por outro lado, isso pode ter ligação com a natureza do trabalho desses profissionais, que também tem muitas similaridades.

Apesar de terem sido levantadas possíveis causas das diferenças apresentadas entre as unidades da administração, os dados devem ser analisados com cautela, pois algumas médias apresentaram-se bastante próximas. Essas diferenças estatisticamente significativas entre as médias em duas dimensões do desenho do trabalho podem ser em decorrência da influência do tamanho da amostra, o que pode interferir nos resultados.

Na relação com a variável "cargo", por sua vez, houve diferença significativa nos escores das dimensões "características da tarefa" (t (667) = 2,41; p = 0,02) e "características do conhecimento" (t (666,7) = 9,16; p = 0,00). Os indivíduos que ocupam cargos de nível superior (M = 3,56; DP = 0,60) apresentam maiores escores em "características da tarefa" quando comparados aos que ocupam cargos de nível médio (M = 3,67; DP = 0,58). De acordo com Hackman e Oldham (1980), quanto mais enriquecidos são os trabalhos, mais tendem a não ser rotineiros e repetitivos, o que permite ao indivíduo atuar de forma mais criativa. Assim, é considerável entender que, devido ao caráter distinto da complexidade e responsabilidades esperadas para profissionais de nível médio e de nível superior, esperava-se que essas diferenças fossem significativas. Em relação às subdimensões, apenas "autonomia na tomada de decisões e métodos de trabalho" (t (657,4) = 4,18; p = 0,00) - com escores de (M = 3,06; DP = 0,97) para nível médio e (M = 3,36; DP = 0,88) para nível superior - e "significado da tarefa" (t (667) = 2,35; p = 0,02), cujas médias são inferiores (M = 3,98; DP = 0,76) para nível médio quando comparadas ao nível superior (M = 4,12; DP = 0,73), apresentaram diferenças significativas para as duas condições. Neste caso, observa-se que os indivíduos que ocupam cargos de nível superior percebem maior autonomia para tomada de decisões e para responder pelos métodos utilizados na execução de suas atividades, bem como o sentimento de que o seu trabalho gera um impacto tanto para a organização quanto para o ambiente externo quando comparados aos indivíduos de nível médio. No que se refere ao "significado da tarefa", Morin (2001) realizou um estudo sobre sentidos e significados a respeito do trabalho com administradores de níveis médio e superior e percebeu a convergência nas respostas. Nesta pesquisa, os indivíduos destacaram a eficiência, a satisfação com a atividade, a garantia de segurança e independência, além do caráter moralmente aceitável e socialmente responsável como fatores importantes para o significado do trabalho. Estes, por sua vez, foram fortemente relacionadas à organização do trabalho, que permite (ou não) desenvolver competências para o trabalhador evoluir e se ajustar conforme suas responsabilidades.

No que tange às "características do conhecimento", a diferença também é significativa (t (666,7) = 9,16; p = 0,00), sendo as médias maiores nos cargos de nível superior (M = 3,97; DP = 0,56) na relação com os cargos de nível médio (M = 3,53; DP = 0,68). Todas as subdimensões, então, apresentaram diferenças significativas para a duas condições, sendo as médias para nível médio inferiores quando comparadas com nível superior. Esses dados condizem com a literatura, embora houvesse a expectativa de que as diferenças entre as médias fossem maiores do que as apresentadas nesta pesquisa. Vielma (2013) destaca que, quando aspectos como "autonomia", "variedade, significado", além das demandas cognitivas exigidas e "especialização" - características esperadas em cargos de nível superior - se tornam mais prevalentes ou aumentam, o trabalho tende a ser mais complexo e, assim, exige mais do trabalhador. Este autor destaca, ainda, a importância de dois outros aspectos, tais como o ambiente social em que o trabalho ocorre e as demandas físicas existentes, considerando que o trabalho envolve muito mais do que características isoladas. No entanto, não foram verificadas diferenças importantes entre as médias para as duas condições (nível médio e superior) no que se refere às "características sociais" (p = 0,44) - e todas as suas subdimensões - e "contexto de trabalho" (p = 0,21), embora na subdimensão "ergonomia" (t (667) = 2,3; p = 0,02) essa diferença tenha sido significativa.

 

Considerações Finais

Utilizando o modelo ampliado proposto por Morgenson e Humphrey (2006), este estudo caracterizou a organização do trabalho de servidores técnico-administrativos no contexto de uma instituição universitária pública. Além de abrir, no contexto nacional, uma vertente de pesquisas que busca adaptar, validar e permitir comparações com outros cenários sobre a forma como o trabalho é organizado, este estudo oferece a possibilidade de analisar o fenômeno em um tipo de organização de grande porte, de estrutura bastante complexa e com microcontextos de trabalho específicos, tendo em vista a sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão.

A ausência de pesquisas anteriores utilizando esse modelo em nosso país impõe limites naturais à compreensão do significado dos resultados obtidos, pela dificuldade de comparar com resultados de estudos em organizações similares ou mesmo distintas. Coerente com o que se conhece sobre as universidades públicas e seu precário modelo de financiamento pelo estado, agravado nos últimos anos pela crise econômica, percebeu-se que o contexto físico foi o avaliado mais negativamente entre todas as dimensões. A reconhecida dificuldade financeira das instituições federais de ensino superior tem impedido as instituições de superarem limites históricos em relação a dotar todos os seus ambientes de trabalho de condições adequadas. Isso pode estar vinculado às carências físicas presentes no ambiente de trabalho da universidade e à necessidade de mais recursos e equipamentos para a plena execução de atividades. A dimensão mais bem avaliada - "características do conhecimento" - é um fator coerente com a atividade-fim da instituição (ensino, produção de conhecimento e prestação de serviços à sociedade), todas tarefas complexas e que demandam maior articulação e preparo para o desenvolvimento das atividades, mesmo de profissionais que não são diretamente responsáveis por tais fins. É verdade que isso não elimina trabalhos mais simples e rotineiros associados à natureza pública e burocrática da instituição.

As associações com aspectos pessoais e ocupacionais são claramente exploratórias e devem guiar estudos posteriores que ampliem a compreensão de quais variáveis estão efetivamente associadas a diferentes características do desenho do trabalho. Mostra-se promissor, por exemplo, aprofundar a análise sobre as diferenças entre os segmentos da administração, pela especificidade com que eles se ligam às atividades-meio e às atividades-fim da universidade. Os resultados mostraram que estar na administração central ou nas unidades acadêmicas se diferencia em apenas duas dimensões do modelo ("características da tarefa e do conhecimento"), sendo similares em relação às "características sociais" e ao "contexto de trabalho". Outro achado que merece análises mais específicas refere-se ao efeito da variável "cargo" (nível médio ou superior). Muitos servidores que ocupam cargos de nível médio têm, na realidade, formação de nível superior; em alguns casos desempenham tarefas compatíveis com seu nível de formação e não com o cargo que ocupam na estrutura da universidade. Novos estudos poderiam focalizar essa questão ao combinar formação e cargo na análise de como os trabalhadores caracterizam o desenho do seu trabalho.

Por fim, destaca-se que, para além dos objetivos acadêmicos de validação para o contexto nacional do mais novo e completo modelo, o presente estudo apresenta o potencial de contribuir para melhorias na organização do trabalho da instituição participante da pesquisa, podendo-se extrair subsídios para possíveis implementações de mudanças em vários aspectos da forma como o trabalho está organizado neste contexto. Como um estudo de caso, os resultados devem ser analisados com cautela e seu alcance depende de novas investigações em outras universidades federais, de modo a se identificar um eventual padrão específico desse tipo de instituição. Além de contribuir inicialmente para a introdução do modelo de Morgenson e Humphrey (2006) no contexto brasileiro, pode-se pensar em uma agenda de pesquisa que amplie a compreensão desse importante fenômeno organizacional e com impactos significativos sobre processos e resultados da organização. Um aprofundamento da compreensão do significado dos resultados encontrados seria viável em um novo estudo que combinasse estratégias quantitativa e qualitativa em alguns grupos especiais selecionados. Adicionalmente, a replicação desta pesquisa em instituições universitárias privadas pode ser um caminho promissor para ampliar as evidências sobre um padrão que seja comum às universidades e que diferencie as públicas das privadas. Outro item para uma agenda futura de pesquisa consiste na realização de um estudo longitudinal, a fim de verificar como essas relações se modificam ao longo do tempo e das experiências de trabalho nos servidores técnico-administrativos da universidade. Abre-se, então, como se pode constatar, um leque de oportunidades de pesquisa neste campo no Brasil, além de ser um apoio aos pesquisadores que já vêm tratando desses assuntos no âmbito de suas pesquisas.

 

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Endereço para correspondência:
Nana Carolina Cunha de Jesus
Rua Waldemar Falcão, 2106. Horto Florestal
Salvador- BA. CEP: 40286-050
E-mail: carol.vna@gmail.com

Recebido em: 16/12/2018
Primeira decisão editorial em: 20/02/2019
Versão final em: 23/05/2019
Aceito em: 04/06/2019

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