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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.4 Brasília out./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.4.17381 

Percepção de desempenho de pessoas com deficiência e desenho do trabalho

 

Perceived performance of persons with disabilities and work design

 

Percepción de desempeño de personas con discapacidad y diseño del trabajo

 

 

Maria Nivalda de Carvalho-FreitasI; Raissa Pedrosa Gomes TetteI; Graceane Coelho de SouzaII; Daiane Rose Cunha BentiviIII; Marcos Santos de OliveiraI

IUniversidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Minas Gerais, Brasil
IIUniversidade Federal da Bahia (UFBA), Bahia, Brasil
IIIUniversidade Ceuma, Maranhão, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da presente pesquisa foi avaliar o poder preditivo dos fatores do desenho do trabalho sobre a percepção que pares e gestores têm em relação ao desempenho das pessoas com deficiência. A amostra foi composta por 72 funcionários (entre docentes e técnicos administrativos) de uma universidade pública federal que responderam ao Questionário Sociodemográfico, ao Work Design Questionnaire (WDQ) e ao Inventário de Percepção do Desempenho no Ambiente de Trabalho. Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 20 funcionários. Verificou-se que a autonomia na planificação da tarefa, variedade de tarefas, identificação da tarefa e as demandas físicas justificam 40% das variações na percepção acerca do desempenho das pessoas com deficiência no contexto investigado. Esses resultados indicam que o desenho do trabalho tem um papel essencial na percepção do desempenho das pessoas com deficiência, visto que amplia as evidências empíricas existentes sobre as possibilidades de atuação desses indivíduos, corroborando assim para um mercado de trabalho mais inclusivo.

Palavras-chave: universidade; inclusão; organizações.


ABSTRACT

The aim of the present research was to evaluate the predictive power that the factors of work design have about the perception that colleagues and managers have regarding the performance of people with disabilities. The sample consisted of 72 employees (including teachers and administrative technicians) from a federal public university, who answered the sociodemographic questionnaire, the Work Design Questionnaire (WDQ), and the Inventory of Perceived Performance in the Work Environment. In addition, semi-structured interviews were conducted with 20 employees. It was verified that autonomy in planning tasks, the variety of tasks, identification of the task and the physical demands explain 40% of the variation of the perceived performance of people with disabilities in the context investigated. These results indicate that work design has an essential role in the perceived performance of people with disabilities, extending the empirical evidence about the possible performance of these people, thus supporting a more inclusive labor market.

Keywords: university; inclusion; organizations.


RESUMEN

El objetivo de la presente investigación fue evaluar el poder predictivo de los factores del diseño del trabajo sobre la percepción que tienen los colegas y gerentes con relación al desempeño de las personas con discapacidades. La muestra consistió en 72 empleados (entre maestros y técnicos administrativos) de una universidad pública federal, los cuales respondieron al Cuestionario Sociodemográfico, al Cuestionario de Diseño del Trabajo (WDQ) y el Desempeño de Percepción en el Inventario del Entorno Laboral. Además, se realizaron entrevistas semiestructuradas con 20 empleados. Se verificó que la autonomía en la planificación de la tarea, la variedad de tareas, la identificación de la tarea y las demandas físicas explican el 40% de la percepción de la variación en el rendimiento de las personas con discapacidad en el contexto investigado. Estos resultados indican que el diseño del trabajo tiene un papel relevante en la percepción del desempeño de las personas con discapacidades, extendiendo la evidencia empírica de las posibilidades de desempeño de estas personas.

Palabras clave: Universidad; Inclusión; Organizaciones.


 

 

As discussões sobre a inserção no trabalho de pessoas com deficiência têm sido objeto de estudo de pesquisadores brasileiros, principalmente a partir da promulgação da Lei de Cotas (Faria, Siqueira, & Carvalho, 2013; Suzano, Nepomuceno, Ávila, Lara, & Carvalho-Freitas, 2008). A revisão de literatura realizada pelos autores Simonelli e Jackson Filho (2017) que analisa as publicações brasileiras após 25 anos da Lei de Cotas, constatou que, de forma geral, as pesquisas mostram que o cumprimento da legislação está vinculado às ações de fiscalização e visam a atender à lei sem grandes investimentos em adaptações para adequação do ambiente de trabalho às necessidades da pessoa com deficiência. Ademais, os cargos ocupados por pessoas com deficiência em organizações brasileiras geralmente exigem baixa qualificação e envolvem pouca interação com o público (Tanaka & Manzini, 2005), indicando haver uma disposição para que esses funcionários permaneçam "fora da vista dos clientes" (Faria et al., 2013, p. 237). A esse respeito, Ribeiro e Carneiro (2009) observam que, muitas vezes, a baixa receptividade das organizações brasileiras frente à inclusão é revelada por meio de justificativas que ressaltam, por exemplo, a dificuldade de fazer adaptações no ambiente de trabalho ou a escassez de pessoas com deficiência qualificadas para o exercício eficaz das ocupações.

Além disso, ao se contratar pessoas com deficiência com o único intuito de cumprir a lei, as organizações tendem a desconsiderar suas possibilidades de trabalho e a alocá-las em funções predominantemente operacionais e de menores salários (Garcia & Maia, 2014; Neves-Silva, Prais, & Silveira, 2015), muitas vezes tendo por critério a deficiência que possuem (Garcia & Maia, 2014; Ribeiro & Carneiro, 2009; Suzano, Carvalho-Freitas, Tette, Brigenthi, & Vieira-Silva, 2014). Conforme Jones, Latreille e Sloane (2006), quando um trabalhador tem deficiência, os gestores geralmente têm baixas expectativas sobre seu desempenho, as quais são baseadas na relação entre a deficiência e a capacidade dos indivíduos de atenderem às expectativas de determinada função. Além disso, o desempenho das pessoas com deficiência tem sido avaliado diferentemente, conforme o tipo de deficiência (Suzano et al., 2014), reafirmando o foco nas deficiências como características distintivas para a avaliação do desempenho dessas pessoas em detrimento de suas competências. Essas constatações indicam a importância de se identificar empiricamente como o desempenho de pessoas com deficiência é avaliado por pares e gestores em situações com maiores exigências de qualificação profissional e com características de trabalho, conhecimentos, relações sociais e condições de trabalho similares entre pessoas com e sem deficiência, uma vez que essa avaliação é parte de um processo sociopsicológico que se desenvolve no contexto das relações de trabalho (Peixoto, 2015).

Nesse sentido, o desempenho é considerado como o empenho do indivíduo em ações e comportamentos relacionados ao cumprimento de objetivos e metas de trabalho que o levam a obter resultados (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2011; Sonnentag & Frese, 2002). Os estudos mais tradicionais sobre o desempenho individual têm como foco principal o desempenho da tarefa, ou seja, as contribuições técnicas para o núcleo do cargo ou a ocupação exercida. Desse modo, o desempenho se relaciona aos comportamentos esperados e prescritos para a função, ou seja, intrapapel, e depende principalmente de habilidades cognitivas. Tal fato ocorre, possivelmente, devido à preocupação das organizações em aperfeiçoar o desempenho dos indivíduos considerando apenas suas dificuldades e limitações, e deixando, assim, de considerar outras variáveis pertencentes a distintos níveis (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2011).

No entanto, a partir do século XXI, os estudos sobre desempenho passaram a incorporar elementos que foram sistematicamente negligenciados no domínio do desempenho e que vão além da dimensão técnica ou da tarefa (Vielma, 2013). Com isso, outras ações que não estavam previamente prescritas ou previstas pelo cargo passaram a fazer parte das investigações sobre o construto, uma vez que, sendo manifestadas pelo indivíduo, dão suporte ao ambiente social, organizacional e psicológico para alcançar os objetivos organizacionais, sendo tais ações conhecidas como desempenho contextual (Borman & Motowidlo, 1993). Outros autores denominam esses comportamentos como extrapapel (Peixoto & Caetano, 2013), justamente por não terem relação direta com a tarefa executada. Esses comportamentos emergem para que haja correspondência entre aquilo que é esperado no desempenho do cargo e o desempenho real manifestado, uma vez que indivíduos e grupos precisam de apoio e suporte material, psicossocial, financeiro, entre outros (Coelho Junior, 2009). Diante dessa perspectiva, pesquisas mais recentes condicionam o desempenho a um conjunto de fatores de natureza multideterminada, isto é, associando fatores de nível individual (querer fazer) à tarefa (saber fazer) e ao contexto (poder fazer) (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2011), de modo a incorporar as condições sociais e culturais relativas ao posto de trabalho (Bendassolli & Malvezzi, 2013).

Dessa forma, percebe-se que as limitações das condições organizacionais podem influenciar o desempenho. Aspectos referentes a burocracia, ausência de abertura para o desenvolvimento de competências, ausência de respeito pelas diferenças, assédio moral e mudanças impulsionadas por pressões externas tendem a impactar negativamente o desempenho individual (Souza, Mattos, & Sardinha, 2009). Em virtude dessa complexidade, alguns autores afirmam que, se tratando do desempenho, estão em jogo múltiplos fatores, visto que ele tem impacto na própria pessoa e no ambiente em que se manifesta. Assim, pode-se definir o desempenho de modo mais amplo ao tratá-lo como um conjunto de características, capacidades, comportamentos e ações direcionadas para o alcance de objetivos pessoais e organizacionais, passível de julgamento em termos de adequação, eficiência e eficácia, e com implicações significativas sobre o bem-estar e a satisfação dos indivíduos (Bendassolli & Malvezzi, 2013).

No que concerne ao desempenho contextual de pessoas com deficiência, Stone e Colella (1996) construíram um modelo de fatores que afetam o tratamento de pessoas com deficiência nas organizações, que tem sido utilizado como referência em várias pesquisas desenvolvidas internacionalmente nesse campo (Stone-Romero, Stone, & Lukaszewski, 2006; Paetzold et al., 2008, entre outras). O modelo sugere que a combinação de fatores do ambiente externo (legislação), características organizacionais (tecnologia, normas, valores da organização, etc.), características pessoais (atributos das pessoas com deficiência e do observador - colegas de trabalho e supervisores) e a natureza e organização do trabalho afeta a maneira como as pessoas são tratadas na organização. O modelo prediz que a natureza do trabalho e os atributos das pessoas com deficiência influenciam as expectativas, inclusive de desempenho, sobre essas pessoas.

Visando a caracterizar o contexto em que o desempenho se manifesta, utilizou-se o conceito do desenho do trabalho, que é definido como sendo o conjunto de tarefas, responsabilidades e conteúdo de trabalho e o modo como tais conteúdos estão estruturados (Oldham, 1996; Parker, 2014; Morgeson & Humphrey, 2008). De acordo com Grant e Parker (2009, p. 319), o desenho do trabalho "descreve como trabalhos, tarefas e papéis são estruturados, executados e modificados, assim como o impacto dessas estruturas, execuções e modificações nos resultados do indivíduo, do grupo e das organizações". Tal construto se distingue das demais teorias por abordar conteúdos para além das condições de trabalho, isto é, por ser mais abrangente e relacionar-se às questões referentes à tarefa, ao conhecimento, às condições sociais e de contexto.

O modelo proposto por Morgeson e Humphrey (2006) considera que o desenho do trabalho é composto a partir de quatro macrodimensões: as características da tarefa, as características do conhecimento, as características sociais e as características do contexto de trabalho. As características do conhecimento se referem a como o trabalho é executado e à extensão e à natureza das tarefas associadas a esse trabalho. As características do conhecimento se referem aos tipos de conhecimentos e às habilidades que são identificadas no indivíduo, em função do trabalho realizado. As características sociais são relativas ao grau em que a realização das atividades depende de tarefas executadas por terceiros e ao nível de interação com outras pessoas, sejam elas da organização ou não. Por fim, as características do contexto de trabalho se referem às condições físicas, ao nível de esforço exigido para execução das tarefas e à variedade de equipamentos e tecnologias utilizadas pelo indivíduo. É preciso, ainda, destacar que cada uma dessas macrodimensões é composta por outros fatores, tais como ilustra a Figura 1:

 

 

Estudos sobre desenho do trabalho evidenciam que a forma como ele está configurado resulta em efeitos (outcomes) relacionados à motivação interna, ao estresse, à satisfação, ao absenteísmo, à rotatividade e ao desempenho no trabalho (Humphrey, Nahrgang, & Morgeson, 2007; Morgeson & Campion, 2002; Parker, 2014; Parker, Chmiel, & Wall, 1997). Acerca do desempenho, é possível relacioná-lo com o desenho do trabalho, tendo em vista que este último é resultante de diversas características, como autonomia1 (Morgeson et al., 2005; Parker et al., 1997), autoeficácia (Parker, 1998), iniciativa pessoal (Frese, Garst, & Fay, 2007), proatividade (Parker, Williams, & Turner, 2006; Grant & Parker, 2009) e motivação (Hackman & Oldham, 1976).

A partir do cenário apresentado, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o poder preditivo dos fatores do desenho do trabalho sobre a percepção que pares e gestores têm do desempenho de pessoas com deficiência em situações de trabalho com exigências de desempenho similares entre pessoas com e sem deficiência.

 

Método

A pesquisa foi realizada em duas fases: a primeira de enfoque quantitativo; e a segunda, de enfoque qualitativo, visando à triangulação dos dados e maior robustez dos resultados.

Participantes

Na etapa quantitativa foram convidados cerca de 800 funcionários (entre docentes e técnicos administrativos) de uma universidade pública federal que tem 15 funcionários com deficiência (três com baixa visão, um cego, um cadeirante, um com perda auditiva, um com encurtamento dos membros superiores, sete com mobilidade reduzida e uma docente surda). Esses funcionários com deficiência têm formação superior e 27% deles ocupam função de chefia. Além disso, a universidade conta com 103 alunos com deficiência (com as mais diversas deficiências), o que leva a maioria do seu quadro de funcionários a ter contato com essas pessoas, ainda que de forma esporádica. A escolha em realizar a pesquisa em uma universidade se deu em função da necessidade de investigar situações de trabalho em que as pessoas com deficiência estivessem em situação de exigência de produtividade e complexidade de trabalho similares aos seus pares, isto é, que não fossem alocadas em funções com menores exigências, como as pesquisas acerca da inclusão de pessoas com deficiência no trabalho têm indicado (Garcia & Maia, 2014; Neves-Silva et al., 2015). Responderam à pesquisa 133 funcionários, contudo, apenas as respostas de 72 pessoas foram consideradas, pois responderam integralmente a todos os questionários.

A universidade da qual os participantes da pesquisa fazem parte é pública, localizada na região sudeste do país, e tem mais de 30 anos de fundação. Possui seis campi e oferece em torno de 45 cursos de graduação presenciais com mais de 10 mil alunos. Além disso, possui cerca de 30 programas de pós-graduação stricto sensu com mais de mil pós-graduandos. Tem em torno de 1.400 servidores, entre docentes e técnicos administrativos em educação. Ressalta-se que a escolha da instituição ocorreu em função da conveniência, devido à localização geográfica, a anuência da área de gestão de pessoas e da presunção de que seu contexto organizacional seria compatível com as demais instituições federais de ensino superior do país.

Na etapa qualitativa, foram realizadas entrevistas com 20 profissionais que trabalhavam diretamente com pessoas com deficiência na universidade, sendo nove gestores e onze colegas de trabalho que exerciam a mesma função. O objetivo foi obter dados que pudessem ampliar, ratificar ou retificar as análises realizadas.

Instrumentos

Work Design Questionnaire (WDQ) (Morgeson & Humphrey, 2006; adaptado para o contexto brasileiro por Borges-Andrade, Peixoto, Queiroga, & Pérez-Nebra (2019). A versão brasileira é composta por 71 itens, com escala de 5 pontos, ancorado nos extremos de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Esses itens se dividiram em 18 fatores, com eigenvalue >1, sendo capazes de explicar 70% da variância total dos dados. Todos os itens apresentaram carga fatorial superior a 0,40 e coeficiente alfa de Cronbach entre 0,70 e 0,94. No presente estudo, os alfas variaram de 0,66 a 0,95, conforme mostra a Tabela 2. Vale destacar que, no estudo de validação e adaptação do instrumento para o Brasil, os autores Borges-Andrade et al. (no prelo) indicam a junção de três subcategorias: autonomia na tomada de decisão e autonomia nos métodos de trabalho, variedade de habilidades e solução de problemas e interdependência iniciada e recebida. Além disso, cinco subcategorias foram parcial ou integralmente renomeadas: autonomia na planificação do trabalho, autonomia de decisão e realização, solução de problemas, interdependência e conforto no trabalho.

Inventário de Percepção do Desempenho no Ambiente de Trabalho (Suzano et al., 2014). Escala Likert, composta por 14 itens, de escolha forçada, considerando-se a variação de 1 (péssimo) a 6 (excelente). Este inventário é baseado nas discussões sobre desempenho de Coelho Júnior e Borges-Andrade (2011), Bendassolli e Malvezzi (2013) e Peixoto e Caetano (2013). Os resultados indicaram a existência de um fator com eigenvalue superior a 1,0, que explica 69% da variância total. Todos os itens apresentaram carga fatorial superior a 0,30 e coeficiente alfa de Cronbach igual a 0,965. No presente estudo, o alfa é igual a 0,94.

Questionário sociodemográfico. Esse questionário visou a levantar características dos participantes da pesquisa como idade, sexo, escolaridade, frequência de contato com pessoas com deficiência no trabalho e cargo.

Entrevista semiestruturada. Essa entrevista visou a compreender como gestores e pares percebiam as características da tarefa, as características sociais, as características do conhecimento e o contexto de trabalho em que atuavam e as relações que faziam com o desempenho das pessoas com deficiência que trabalhavam com eles.

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa faz parte de um programa de pesquisa sobre a inclusão de pessoas com deficiência no trabalho que foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFSJ/ Plataforma Brasil, sob o número CAAE 94280818.9.0000.5151. A coleta de dados ocorreu por meio de ferramenta on-line Survey Monkey. Foram convidados todos os funcionários e docentes que atuavam com pessoas com deficiência no cotidiano de trabalho, a partir do envio de e-mails que continham o link da pesquisa. Os participantes que aceitaram o convite assinalaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que se encontrava na página inicial da ferramenta.

As entrevistas também obedeceram aos critérios éticos para realização da pesquisa. As entrevistas foram realizadas no próprio ambiente de trabalho, em salas separadas, visando à manutenção da confidencialidade das respostas.

Procedimentos de Análise de Dados

Foram realizadas análises quantitativas no Software SPSS (do inglês Statistical Package for the Social Science) versão 20.0, especificamente análises descritivas (frequência, média e desvio-padrão) e exploratórias dos dados (entrada de dados, presença de casos extremos, distribuição dos casos omissos, distribuição de frequência das variáveis e tamanho da amostra). Foi utilizada análise de regressão linear múltipla, considerando a percepção do desempenho como a variável dependente e como independentes os 18 fatores do questionário sobre o desenho do trabalho, além de fatores sociodemográficos. As técnicas para as análises estatísticas utilizadas no presente estudo foram a estatística descritiva, testes de diferença de médias e a análise de regressão linear múltipla.

Também foi feita análise de cluster, visando a verificar se os respondentes poderiam ser agrupados segundo os fatores de dimensão do trabalho preditores do desempenho e o resultado de percepção do desempenho de pessoas com deficiência. O método foi o de Ward, baseado nos princípios da análise de variância. A medida de similaridade utilizada foi a distância euclidiana. Para determinar o número de conglomerados, utilizou-se o gráfico dos passos de agrupamentos em relação ao nível de distância. Detectou-se a formação de dois agrupamentos, configurando dois padrões de perfis de percepção de desempenho e de desenho do trabalho. Foi realizado o teste de qui-quadrado para verificar se os clusters identificados eram independentes dos dados sociodemográficos.

As entrevistas foram analisadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011), privilegiando-se a análise de associações entre a percepção do desenho do trabalho que executam e a percepção do desempenho das pessoas com deficiência no mesmo contexto.

 

Resultados e Discussão

Em relação à caracterização dos participantes, verifica-se que dos 72 funcionários que participaram da investigação, 40% eram docentes e 60% eram técnicos administrativos. Quanto à formação, 70% tinham especialização latu senso e as demais tinham realizado, pelo menos, mestrado; 30% eram pessoas solteiras ou sem companheiro e 70% viviam com um companheiro; 37% tinham contato frequente (diário) com pessoas com deficiência no cotidiano de trabalho, as demais (63%) tinham contato menos frequente, isto é, não tinham contato diário com essas pessoas, variando de às vezes (34%) à raramente (29%). A idade média dos respondentes foi igual a 38,52 (DP = 10,53). As análises descritivas dos fatores do desenho do trabalho e da percepção sobre o desempenho no trabalho estão apresentadas na Tabela 1.

 

 

Conforme pode ser verificado na Tabela 1, as características da tarefa dos participantes da pesquisa indicam que eles tendem a concordar que as tarefas que desempenham lhes proporcionam liberdade para planejar (autonomia na planificação do trabalho). Contudo, acreditam que têm autonomia parcial para tomar decisões e definir os métodos de trabalho (autonomia de decisão e realização). Em geral, concordam que realizam múltiplas tarefas (variedade de tarefas) e que o trabalho executado tem influência sobre a vida de outras pessoas (significado da tarefa). Tendem a concordar, também, com a assertiva de que o trabalho que executam forma produtos completos que são reconhecíveis (identificação) e concordam parcialmente com a indicação de que recebem informações diretas e claras sobre o seu desempenho (feedback do trabalho).

Quanto às características do conhecimento, verifica-se que os participantes concordam tanto que o trabalho que realizam exige habilidades intelectuais superiores (complexidade) quanto atenção e processamento de dados (processamento de informação), além de exigir ideias e soluções únicas (solução de problemas); e tendem a concordar serem necessários também conhecimentos e habilidades em áreas específicas (especialização).

Em relação às características sociais, tendem a concordar que têm orientação e assistência no trabalho (apoio social) e concordam parcialmente que o trabalho exige interdependência, interação fora da organização e feedback de outras pessoas.

Quanto às características contextuais, discordam que o trabalho tenha exigência de esforço físico (demandas físicas). Concordam parcialmente que têm conforto no trabalho (cadeiras e local adequados para suas demandas) e variedade e complexidade da tecnologia e equipamentos usados (uso de equipamentos). Concordam parcialmente que o trabalho não apresenta riscos à saúde (condições de trabalho).

De forma geral, verifica-se que entre os respondentes predomina o desenho do trabalho que apresenta as características da tarefa, do conhecimento, sociais e contextuais similares aos resultados encontrados por Jesus (2018), em seu estudo realizado com técnicos-administrativos de uma instituição pública federal. A autora verificou em seu estudo que as características da tarefa, do conhecimento e sociais foram avaliadas de forma moderadamente positiva, sinalizando que as atividades exigem certa complexidade para a execução, mas que há autonomia, variedade de tarefas e feedback advindo da própria realização da atividade, e que também há suporte social, interdependência e feedback dos colegas, entre outros. Porém, o contexto de trabalho foi avaliado de forma menos positiva.

Foi verificado também que os fatores de desenho do trabalho e a percepção do desempenho de pessoas com deficiência não tinham relação de dependência com os dados sociodemográficos relativos a sexo, estado civil, escolaridade, e nem com a frequência de contato com pessoas com deficiência no trabalho. Identificou-se, contudo, que os fatores de desenho do trabalho referentes à autonomia de decisão e realização (qui-quadrado = 43,327, p = 0,002), identificação da tarefa (qui-quadrado = 18,513, p = 0,018), solução de problemas (qui-quadrado = 28,101, p = 0,031) e especialização (qui-quadrado = 23,930, p = 0,032) têm relação de dependência com o cargo (se docente ou técnico administrativo). Esse resultado indica uma maior percepção de autonomia do docente, também identificada em outras pesquisas relacionadas aos docentes de ensino superior que atuam em instituições federais, a despeito de uma série de controles internos e externos de mérito (Lemos, 2012). Morgeson e Humphrey (2006) também constataram empiricamente maior autonomia entre ocupações profissionais (na qual pode-se incluir o docente) e ocupações não profissionais (na qual pode-se incluir os técnicos administrativos).

Além disso, percebeu-se correlação entre fatores de desenho do trabalho e a idade dos participantes, de forma que quanto maior a idade, maior a concordância com os fatores de autonomia na planificação do trabalho (r = 0,41, p < 0,05), autonomia de decisão e realização (r = 0,50, p < 0,01), variedade de tarefa (r = 0,24, p < 0,05), identificação da tarefa (r = 0,38, p < 0,01), feedback dos outros (r = 0,28, p < 0,05), solução de problemas (r = 0,38, p < 0,01), especialização (r = 0,44, p < 0,01), suporte social (r = 0,30, p < 0,05), conforto no trabalho (r = 0,25, p < 0,05) e condições de trabalho (r = 0,36, p < 0,01). No estudo realizado por Jesus (2018), a dimensão características da tarefa também obteve relação positiva com a idade dos participantes (r = 0,150; p < 0,01), mais precisamente com os fatores autonomia de decisão e realização, identidade da tarefa e feedback do trabalho.

No contexto em questão, no qual também estão inseridas as pessoas com deficiência, o desempenho delas é percebido, de maneira geral, como tendendo a muito bom, o que é similar à percepção de desempenho de pessoas com deficiência física e auditiva em organizações privadas (Suzano, Carvalho-Freitas, Tette, Brighenti, & Vieira-Silva, 2014), embora a universidade tenha funcionários e estudantes com as mais diversas deficiências. Além disso, pelo menos a metade dos funcionários com deficiência da universidade não pode ter suas deficiências consideradas como leves, uma vez que requerem adaptações nas condições e nos instrumentos de trabalho para garantir um bom desempenho. Essa percepção positiva do desempenho das pessoas com deficiência ratifica resultados de pesquisas que indicam benefícios na contratação dessas pessoas em empregos competitivos (Ávila-Vitor & Carvalho-Freitas, 2012: Lindsay, Cagliostro, Albarico, Mortaii, & Karon, 2018) e difere de uma avaliação mais geral das pessoas com deficiência identificadas pelas pesquisas como um todo (Carneiro & Ribeiro, 2009, Neves-Silva et al., 2015, Simonelli & Jackson Filho, 2017). Esses resultados, contudo, precisam ser situados em uma realidade em que, na maioria dos casos, os funcionários com deficiência têm as qualificações/background exigidos para suas atividades, tendo sido aprovados em concursos públicos.

Para avaliar a relação entre os fatores do desenho do trabalho e a percepção do desempenho das pessoas com deficiência será apresentada a tabela de correlações (Tabela 2), na qual é possível verificar que a avaliação do desempenho das pessoas com deficiência está correlacionada positivamente com dez dos 18 fatores do desenho do trabalho. O desempenho está correlacionado com todos os fatores de características do trabalho (autonomia na planificação do trabalho, autonomia de decisão e realização, variedade de tarefas, significado da tarefa, identificação da tarefa e feedback do trabalho); com dois fatores

das características do conhecimento (processamento de informação e solução de problemas); com o fator de suporte social das características sociais; e com o fator de condições no trabalho das características do contexto do trabalho. Essas correlações ajudam a relativizar a associação da deficiência com incompetência e baixa capacidade de realização, identificada por Ribeiro e Carneiro (2009). Ao considerar que as pessoas com e sem deficiência estão em condições similares de trabalho, verifica-se que a possibilidade de pessoas com deficiência realizarem trabalhos com desenhos mais complexos, contribuindo, assim, para uma melhor avaliação de seus desempenhos e, por consequência, abrindo possibilidades para ressignificar a associação entre deficiência e baixo desempenho no trabalho.

A partir da análise dos resultados apresentados na Tabela 3, verifica-se que quatro fatores do desenho do trabalho explicam 40% da percepção de desempenho das pessoas com deficiência na universidade. Constata-se que quanto maiores são a autonomia na planificação do trabalho, a variedade de tarefas, a identificação da tarefa (três fatores relacionados às características da tarefa) e as demandas físicas (características de contexto), melhor é a percepção do desempenho do trabalho de pessoas com deficiência. Esse resultado, compreendido no contexto em que pessoas com deficiência (tanto funcionários como estudantes) têm demandas de desempenho similares aos demais funcionários e estudantes universitários, ratifica um conjunto de discussões e premissas que indicam que, garantidas as condições de formação/qualificação profissional e de condições de trabalho adequadas (Dipboye & Colella, 2005) e colocadas as pessoas com deficiência em situações de status igual às demais pessoas (Pettigrew, Tropp, Wagner, & Christ, 2011), a percepção do desempenho das pessoas com deficiência se torna positiva.

 

 

Supõe-se que as pessoas com deficiência são percebidas como mais capazes de desenvolver estratégias idiossincráticas na realização de seus trabalhos quando na presença dos fatores do desenho do trabalho relacionados à autonomia na planificação do trabalho, à variedade de tarefas, à identificação da tarefa e às demandas físicas (que, no caso da universidade, são poucas). Desse modo, a deficiência é percebida como mais próxima de uma diferença funcional (Carvalho-Freitas, Silva, Tette, & Silva, 2017), o que traz para o contexto laboral novas formas de organizar o trabalho e que contribui, desse modo, para o alcance dos resultados esperados pela instituição.

As características do conhecimento não predizem a percepção do desempenho de pessoas com deficiência, o que indica que, em relação a situações em que as pessoas com deficiência são vistas como qualificadas para o trabalho, a associação entre deficiência e incapacidade desaparece, reafirmando a importância da garantia de qualificação profissional para elas (Vieira, Vieira, & Francischetti, 2015).

Identificação de padrões de Desenho do Trabalho e Percepção do Desempenho de Pessoas Com Deficiência

Visando a verificar a possibilidade de agrupar os respondentes em grupos relativamente homogêneos entre si e heterogêneos entre eles, foi realizada a análise de cluster (Tabela 4). Foram identificados dois clusters distintos de perfis de percepção de desempenho das pessoas com deficiência e de desenho do trabalho (fatores preditores do desempenho). Entende-se que esses agrupamentos distinguem as percepções dos participantes sobre o desempenho das pessoas com deficiência, as quais foram situadas em configurações distintas de desenho do trabalho no que se refere à autonomia na planificação do trabalho, à variedade de tarefas, à identificação da tarefa (fatores da dimensão de características das tarefas) e às demandas físicas (fatores da dimensão do contexto de trabalho).

 

 

Padrão 1 - Percepção do desempenho das pessoas com deficiência como muito bom e desenho do trabalho com autonomia. O perfil dos sujeitos que fazem parte desse cluster é de funcionários que tendem a perceber o desempenho no trabalho de pessoas com deficiência como muito bom e que percebem na configuração de seus trabalhos (desenho do trabalho) a possibilidade de planejamento com autonomia, uma variedade de tarefas a serem desempenhadas, a possibilidade de organizar as tarefas do trabalho de tal forma que possam realizá-las do início ao fim (identificação da tarefa) e cujas demandas físicas são poucas.

Padrão 2 - Percepção do desempenho das pessoas com deficiência como bom e desenho do trabalho com menor autonomia. Deste perfil fazem parte os funcionários que percebem o desempenho das pessoas com deficiência como bom. A organização do trabalho desses respondentes se caracteriza por pouca autonomia no planejamento do trabalho, variedade de tarefas e pouca possibilidade de organizar as tarefas do trabalho de forma que possam realizá-las do início ao fim (identificação da tarefa), além de poucas demandas físicas, embora um pouco maiores do que as do cluster anterior.

Esses padrões de agrupamento dos respondentes confirmam a importância do desenho do trabalho na percepção de possibilidades de desempenho das pessoas com deficiência na medida em que amplia o conhecimento nesse campo e indica que o desenho do trabalho tem influência também no entendimento do desempenho de outras pessoas, abrindo, assim, possibilidades para futuras pesquisas que identifiquem possíveis mediações cognitivas envolvidas nesse processo.

Foram avaliados os resultados dos clusters, tendo sido identificado que fazer parte desses grupos independia do sexo, do cargo, da frequência de contato com pessoas com deficiência e da idade dos participantes. Isso indica que o desenho do trabalho tem um papel importante para a percepção do desempenho das pessoas com deficiência, expandindo os resultados de pesquisas que indicam a importância de oportunidades iguais de trabalho para esses indivíduos (Silva & Helal, 2017).

Análise de conteúdo das entrevistas. A partir da análise das entrevistas foram identificados dois grupos distintos de percepção do desempenho das pessoas com deficiência e de seus desenhos de trabalho. Dos 20 entrevistados, sete avaliaram como muito bom o desempenho das pessoas com deficiência (categoria 1), oito o perceberam como bom, contudo, identificaram restrições associadas, principalmente, às condições de trabalho (categoria 2), e cinco tiveram respostas vagas que dificultaram a associação entre desenho do trabalho e desempenho das pessoas com deficiência. Sendo a relação entre o desenho do trabalho e o desempenho das pessoas com deficiência a questão mais relevante para esta investigação, foram escolhidos dois fragmentos de duas entrevistas que são representativos dos argumentos defendidos por cada um dos grupos.

Categoria 1: Percepção do desempenho das pessoas com deficiência como muito bom e desenho do trabalho com autonomia.

As atividades que realizo são muito amplas, porque cada mês a gente está focado em alguma coisa, igual agora a gente está focado no..., então cada mês, cada dia, é uma coisa nova que chega, entendeu? Então são problemas que vão surgindo todos os dias. Igual a..., a gente fez compra de materiais, então a gente estava tentando instalar em todos os campus, então é, é muito incerto né. A inclusão das pessoas com deficiência aqui foi ótima. Até porque as pessoas com deficiências que eu trabalho, elas se viram superbem, autônomas, então elas fazem tudo, mesmo a gente sabendo a necessidade delas, elas conseguem se sair superbem. Por exemplo, eles têm baixa visão, os computadores são adaptados com letra grande e software de voz, eles fazem todo o trabalho administrativo, coordenam o trabalho dos..., coordenam reuniões, definem estratégias de trabalho. Só às vezes quando tem alguma coisa que algum deles não enxerga, que eles me chamam. Mas fora isso, ótimo, pelo menos as duas pessoas que eu tenho contato são ótimas. Já tive contato com outros que eu vi que eram mais limitados, mas os que eu convivo, tem hora que nem parece que tem, né. Então é supertranquilo (relato de entrevista).

Esse fragmento indica uma relação bastante positiva entre a organização do trabalho e a percepção do desempenho das pessoas com deficiência. As adequações realizadas atendem às necessidades delas e a possibilidade de autonomia faz elas imprimirem suas formas singulares na realização do trabalho, demonstrando compatibilização entre desenho do trabalho e desempenho, contribuindo para uma percepção positiva sobre a atuação das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. Esse resultado amplia os achados de pesquisas realizadas em organizações que têm experiências bem-sucedidas de inclusão de pessoas com deficiência (Ávila-Vitor & Carvalho-Freitas, 2012), por indicar quais fatores do desenho do trabalho são importantes na predição da percepção de desempenho dessas pessoas. Além disso, a despeito de serem funcionários administrativos, as pessoas com deficiência definem estratégias e elegem ações a serem desenvolvidas prioritariamente, distribuindo atividades e construindo formas de organização do trabalho. Essa análise amplia a compreensão dos resultados quantitativos da pesquisa, pois embora na presente investigação a percepção de autonomia seja maior entre os docentes, também os técnicos administrativos identificam essa característica em suas tarefas. Tal condição relativiza os resultados de pesquisas que associam as funções, profissionais ou não profissionais, com maior ou menor autonomia. Esses resultados indicam a necessidade de analisar as situações reais de trabalho para referendar essas premissas.

Categoria 2: Percepção do desempenho das pessoas com deficiência como bom e desenho do trabalho com menor autonomia.

As minhas atividades são mais na parte administrativa, porque eu trabalho na área de... e lá tem muitos cargos específicos..., mas a minha parte é sempre relacionada a qualquer demanda de administração, seja abrir uma licitação, fazer pagamento de bolsista, organizar arquivo, enviar documentos, tramitar processos... É a parte mais burocrática mesmo do setor. Tem que ter conhecimento mesmo assim... dos sistemas, que a gente mexe também com muito sistema pra poder elaborar documento, fazer pagamento, então assim... sistemas tanto internos como o do governo mesmo, legislação para fazer licitação. Então tem uma série de coisinhas, assim, que são de uso geral, né. Eu acho que para o trabalho de uma pessoa com deficiência, acho que ter um...ter o conhecimento do trabalho e das condições da pessoa para poder adequar, e isso não acontece assim... Eu falo assim porque eu trabalho diretamente com o ..., então assim, eu vejo que eu mesma tenho dificuldade de entender o trabalho para poder, eu fico meio que numa função, assim, de auxiliar ele no trabalho ou de construir algumas alternativas. Então é difícil de... às vezes eu ainda sinto dificuldade, assim, de integrar ele na atividade por precisar mesmo desse tempo de entender como que pode funcionar para ele. Então às vezes tem que resolver um negócio num outro tempo, então eu já vou e resolvo e acaba que ele não pega aquela parte do trabalho para fazer porque tem o prazo, então é muito assim... e não tem tanto suporte assim se você for ver. Então aqui, quando, por exemplo, ele chegou lá, ele mesmo que levou os programas que ele precisava e foi adaptando. Mas tem sistema do governo que não é acessível para pessoas cegas e de baixa visão. Eu vejo que não tem muita integração na universidade, a pessoa entra e vai para o setor e cada um se vira como pode...acho complicado, né (risos), assim, para quem já está, e para quem entra, é muito... No início pensei, 'meu Deus, como que vai ser trabalhar com ele, o que que vai ser, será que vai dar certo?'... eu fiquei cheia de...mas depois você vê que não, você vê que flui, normal. A questão da condição do trabalho, como que vai ser feito, acho que faz muita diferença, e podem ter qualidades e defeitos como qualquer outra pessoa (relato de entrevista).

Esse fragmento demonstra um ambiente de trabalho em que as pessoas com e sem deficiência têm menos autonomia para a realização das atividades e no qual dependem de prazos e sistemas informatizados, nem sempre acessíveis, que formam um cenário de pouca autonomia para o planejamento do trabalho e com menos possibilidades de realização das tarefas exigidas do início ao fim. Nesse contexto, o desempenho da pessoa com deficiência é visto como bom, embora haja várias restrições que contribuem, inclusive, para uma possível sobrecarga do colega de trabalho, conforme indicado por outras pesquisas (Ribeiro & Carneiro, 2009). A percepção do desempenho da pessoa com deficiência também se relaciona à organização do trabalho, aos problemas dos sistemas pouco acessíveis e à falta de integração do indivíduo nas práticas da organização. Nesse sentido, a organização do trabalho continua tendo impacto na percepção do desempenho da pessoa com deficiência, pois ela não consegue realizar todas as atividades.

 

Considerações Finais

A presente investigação possibilitou identificar empiricamente a relação entre o desenho do trabalho e a percepção do desempenho das pessoas com deficiência. Dependendo da possibilidade de autonomia na planificação do trabalho, da variedade de tarefas, da identificação da tarefa e das demandas físicas, a percepção do desempenho das pessoas com deficiência se modifica. O impacto do desenho do trabalho é primordial para a predição da percepção do desempenho das pessoas com deficiência, pois justifica 40% da variação no resultado, além de ter sido referendado como elemento importante na análise qualitativa realizada, indicando uma convergência dos resultados a partir de duas estratégias metodológicas distintas.

Os resultados demonstram também uma contribuição científica e prática importante, pois a investigação desloca o foco da deficiência para a forma como trabalho está organizado quando se está analisando o desempenho dessas pessoas. As discussões sobre a integração da pessoa com deficiência com foco em suas possibilidades e desenvolvimentos individuais como garantia de desempenho (Carneiro & Ribeiro, 2009, Neves-Silva et al., 2015, Simonelli & Jackson Filho, 2017) se mostram frágeis para explicar o seu desempenho, pois fatores ligados ao desenho do trabalho se apresentam como preditores importantes da avaliação de desempenho desses indivíduos.

Dessa forma, referenda-se empiricamente o pressuposto de que, garantidas possibilidades de trabalho e de qualificação necessária (condição prévia para aprovação no concurso), a percepção de desempenho de pessoas com deficiência é positiva. Tal conclusão amplia o conhecimento dessa temática ao identificar fatores do desenho do trabalho que contribuem para a percepção do desempenho das pessoas com deficiência. Nos casos em que essa percepção é negativa, as pessoas com deficiência têm, conforme demonstrado, menos autonomia no planejamento do trabalho e as tarefas tendem a ter menores possibilidades de identificação (mais burocráticas), além de não serem oferecidas as adaptações necessárias para garantir a acessibilidade no trabalho.

Uma percepção positiva acerca do desempenho das pessoas com deficiência em cenários tidos como de atividades complexas, como no caso da universidade, tem o potencial de desconstrução de discursos que associam a deficiência à incapacidade e que geram comportamentos de afastamento das pessoas com deficiência por não saberem como se relacionar, e também ocasionam atitudes de piedade ou de supervalorização (Rezende, Carvalho-Freitas, & Vieira-Silva, 2015). Além disso, esses resultados reforçam empiricamente a importância da manutenção de políticas públicas de inclusão de pessoas com deficiência como estratégia para garantir a sua formação, qualificação profissional e possibilidades efetivas de inclusão no mercado de trabalho (Vieira et al., 2015).

Acreditamos que as limitações da pesquisa estão na escolha, por motivos convenientes, da universidade como ambiente de análise do estudo realizado e do número de respondentes. Também estão entre as limitações a não inclusão de questões relativas às adaptações do trabalho para garantir a acessibilidade como possível variável preditiva. Outras pesquisas devem ser realizadas visando à ampliação dos conhecimentos sobre a percepção do desempenho de pessoas com deficiência.

 

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Endereço para correspondência:
Maria Nivalda de Carvalho-Freitas
Rua Felipe Marchetti, 80, Vila Marchetti
São João del Rei, MG, CEP 36307-248
E-mail: nivalda@ufsj.edu.br

Recebido em: 19/12/2018
Primeira decisão editorial em: 18/04/2019
Versão final em: 16/05/2019
Aceito em: 16/05/2019

 

 

1 Conforme Morgeson e Humphrey (2006), a autonomia é definida como a "extensão em que um trabalho permite liberdade, independência e a possibilidade de arbitrar sobre o planejamento do trabalho, tomar decisões e escolher os métodos a serem utilizados para o desempenho das tarefas" (p. 1323). Além disso, segundo esses pesquisadores, a autonomia tem sido utilizada como uma categoria central nos estudos que relacionam características do trabalho e motivação.

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