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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.4 Brasília out./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.4.17475 

Características da tarefa e do conhecimento como preditoras do desenvolvimento profissional

 

Task and knowledge characteristics as professional development predictors

 

Características de la tarea y del conocimiento como predictoras del desarrollo profesional

 

 

Priscila de Jesus Viana; Luciana Mourão

Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O desenho do trabalho é um construto com ampla influência sobre diversas variáveis organizacionais. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre as variáveis desenho do trabalho (características da tarefa e características do conhecimento) e a percepção de desenvolvimento profissional. A amostra foi composta por 389 trabalhadores (71% mulheres) de diferentes categorias ocupacionais. O instrumento de coleta de dados continha duas escalas já utilizadas em amostras brasileiras e com bons indicadores psicométricos. A análise de dados foi feita por modelagem de equações estruturais. Os resultados confirmaram relação positiva entre a dimensão características da tarefa e a percepção de desenvolvimento profissional e relação negativa entre tal percepção de desenvolvimento e as características do conhecimento. Os resultados obtidos são discutidos à luz da literatura revisitada e são apresentadas implicações práticas para aconselhamento de carreira e gestão de pessoas.

Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; Desenho do trabalho; Tarefa.


ABSTRACT

Work design is a construct with wide influence on several organizational variables. The objective of this study was to investigate the association between the variables work design (task characteristics and knowledge characteristics) and perception of professional development. The sample comprised 389 workers (71% women) from different occupational categories. The data collection instrument contained two scales already used in Brazilian samples and with good psychometric indicators. Data analysis was carried out using structural equation modeling. The results confirmed a positive relationship between the task characteristics dimension and the perception of professional development, and a negative relationship between such perception of development and the knowledge characteristics dimension. The results obtained are discussed in light of the literature reviewed and practical implications are presented for career counseling and personnel management.

Keywords: Professional development; Work design; Task.


RESUMEN

El diseño del trabajo es un constructo con amplia influencia sobre diversas variables organizacionales. El objetivo de este estudio fue investigar la asociación entre las variables de diseño del trabajo (características de la tarea y características del conocimiento) y la percepción de desarrollo profesional. La muestra fue compuesta por 389 trabajadores (71% mujeres) de diferentes categorías ocupacionales. El instrumento de recolección de datos contenía dos escalas ya utilizadas en muestras brasileñas y con buenos indicadores psicométricos. El análisis de datos fue realizado por modelado de ecuaciones estructurales. Los resultados confirmaron una relación positiva entre la dimensión características de la tarea y la percepción de desarrollo profesional y una relación negativa entre tal percepción de desarrollo y las características del conocimiento. Los resultados obtenidos se discuten a la luz de la literatura revisitada y se presentan implicaciones prácticas para el asesoramiento de carrera y gestión de personas.

Palabras clave: Desarrollo profesional; Diseño del trabajo; Tarea


 

 

Cada vez mais há reconhecimento de que o contexto tem influência sobre a forma como as pessoas se relacionam com o seu trabalho e como se sentem a respeito dele. O ambiente organizacional, em termos de suas políticas de gestão de pessoas e de estruturação dos processos de trabalho, afeta os empregados, assim como o ambiente macrossocial em que a organização está inserida. Apesar dessa influência das variáveis contextuais ser reconhecida, ainda são relativamente recentes as investigações empíricas sobre as formas e o impacto que o desenho do trabalho pode ter sobre variáveis do mundo organizacional (Dierdorff & Morgeson, 2013).

O interesse sobre o modo de fazer o trabalho vem crescendo desde que as máquinas passaram a automatizar o trabalho, reduzindo o tempo de execução das atividades e aumentando a efetividade da produção (Parker, Morgeson, & Johns, 2017). A aprendizagem relacionada ao trabalho que, até então, acontecia principalmente por meio da observação de empregados mais experientes (Moraes & Borges-Andrade, 2010), passou a considerar as variáveis do contexto (como o suporte material ofertado pela organização e o suporte psicossocial dos colegas e superiores), a aprendizagem coletiva e as características individuais para apreender a complexidade do trabalho.

Os avanços oriundos de automatizações e simplificações dos processos de trabalho trouxeram também um conjunto de mudanças na forma de pensar e organizar o trabalho (Malvezzi, 2016) e fenômenos como greve, rotatividade e absenteísmo passaram a ser objeto de mais estudos. Maior ênfase também passou a ser dada à preparação do trabalhador e às características e atributos do ambiente e da tarefa. Assim, o desenho do trabalho passou a ser reconhecido como antecedente de variáveis como produtividade, bem-estar, desempenho e criatividade e como mediador de variáveis como liderança, produção, redução de tempo, e elaboração de tarefas (Parker et al., 2017).

Apesar desses estudos, muitas pesquisas sobre comportamento organizacional não descrevem as características do ambiente em que os trabalhadores e a própria organização estão inseridos e nem incluem variáveis contextuais em suas análises. Na extensa revisão de literatura realizada por Johns (2017), evidenciou-se que o contexto estava adequadamente relatado em apenas 5 a 25% dos estudos sobre equipes, liderança, empreendedorismo e compartilhamento de conhecimento. Apesar disso, notou-se um aumento no interesse em entender como o ambiente molda o desenho do trabalho e as reações de quem está inserido nele (Morgeson, Dierdorff, & Hmurovic, 2010).

Em uma análise mais detalhada, Güntert (2015) mostrou que a integração das características da tarefa aumenta a motivação intrínseca e facilita a internalização de metas e valores relacionados ao trabalho. Conclui-se, pois, que as atividades são internalizadas mais facilmente quando os funcionários são capazes de entender as estratégias e os objetivos da organização. Nesse sentido, trabalhos bem projetados oferecem tarefas desafiadoras que cobrem uma gama de atividades com as quais os funcionários podem se identificar e sobre as quais recebem feedback. No estudo realizado por Güntert (2015), a compreensão das estratégias da organização - assim como o desenho do trabalho e a liderança - está fortemente associada à identificação do empregado com a tarefa, indicando que as práticas organizacionais são facilitadoras nesse processo.

Considerando a influência do desenho do trabalho nesse extenso conjunto de variáveis relacionadas à psicologia das organizações e do trabalho, seria de se esperar que ele também tenha relação com o desenvolvimento profissional, uma vez que tal desenvolvimento depende tanto de variáveis do indivíduo quanto de variáveis do ambiente em que ele se insere (Monteiro & Mourão, 2017). De fato, o domínio e a consciência das etapas da tarefa, por exemplo, estão relacionados aos atributos da própria tarefa e podem contribuir para melhorar a sua execução e, consequentemente, o avanço na carreira.

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo investigar a associação entre as variáveis desenho do trabalho (características da tarefa e características do conhecimento) e a percepção de desenvolvimento profissional. O modelo teórico central de suporte ao estudo é o Job Demands-Resources (JD-R), desenvolvido por Demerouti, Bakker, Nachreiner, & Schaufeli (2001). Tal modelo diferencia e reforça a interação entre aspectos pessoais e contextuais, que são avaliados por meio do conceito de demandas e recursos presentes simultaneamente nos ambientes profissionais. De acordo com essa teoria, os recursos e as demandas dizem respeito aos aspetos físicos, psicológicos, sociais e/ou organizacionais do trabalho, que são importantes para a motivação do trabalhador além de estimularem o crescimento, a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal (Demerouti & Bakker, 2011; Demerouti et al., 2001).

Em consonância com a essência do desenho do trabalho, o JD-R postula que altas demandas podem elevar a tensão e o estresse por parte dos trabalhadores, assim como os recursos adequados amenizam o impacto das exigências do trabalho. De forma semelhante, o modelo de controle de demanda de trabalho de Karasek (1979) considera que o controle reduz o impacto das demandas de trabalho sobre o estresse do trabalhador, contribuindo para melhorar a sua satisfação no trabalho pela oportunidade de se envolver em tarefas desafiadoras e aprender novas habilidades.

Nesse sentido, demandas e recursos bem ajustados podem ser usados a favor do desenvolvimento e do bem-estar dos trabalhadores. Assim, a teoria de demandas e recursos norteia as hipóteses estabelecidas para esta pesquisa com foco na influência dos recursos e demandas do trabalho sobre o desenvolvimento dos trabalhadores. A seguir serão brevemente apresentados o referencial teórico relativo às duas temáticas centrais deste estudo - desenho do trabalho e desenvolvimento profissional -, bem como uma seção sobre os estudos que permitem estimar uma relação entre tais temáticas.

 

Desenho do Trabalho

A teoria do desenho do trabalho surgiu como uma reação a trabalhos repetitivos e pouco desafiantes, chamando a atenção para as características do trabalho que aumentam a motivação e levam a melhores resultados. Morgeson e Humphrey (2008) definiram o desenho do trabalho como o estudo, a criação e a modificação da composição, do conteúdo, da estrutura e do ambiente em que os papéis do trabalho são desempenhados. O conceito de desenho ou atributos do trabalho refere-se, portanto, ao conteúdo das tarefas, atividades, relações e responsabilidades no ambiente laboral e a como elas são organizadas (Parker, 2014).

Nesse sentido, o eixo principal do desenho do trabalho é a forma como as tarefas são organizadas para servirem a trabalhadores e a ambientes de trabalho (Parker, Knight, & Ohly, 2017). Tal organização e planejamento das atividades são importantes para que o trabalhador consiga compreender melhor e mais facilmente quais são as suas atividades e o que deve fazer para executá-las adequadamente. Assim, o trabalho pode ser redesenhado de forma a aumentar a motivação dos trabalhadores e, consequentemente, a sua satisfação (Morgeson & Humphrey, 2006). Contudo, a despeito de trazer contribuições relevantes, redesenhar o trabalho é um desafio em função da variedade de mudanças (e do conjunto de variáveis envolvidas) que estão implicadas na melhoria do desenho de tarefas e de metas.

Entre os fatores que podem gerar um redesenho de trabalho mais elaborado, pode-se citar o equilíbrio entre recursos e demandas do trabalho, que interagem nos ambientes profissionais. Nesse sentido, estratégias de redesenho do trabalho têm sido empregadas, com o suporte na teoria JD-R, como um meio para aumentar o bem-estar do trabalhador, assim como o seu desenvolvimento e a performance no trabalho (Devotto & Machado, 2017; L. C. Fernandes & Ferreira, 2015).

Uma análise das mudanças na demanda por diferentes tipos de tarefas no mercado de trabalho brasileiro foi realizada por Soares-Júnior e Funchal (2016), a partir de dados oriundos da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), no período entre 1985 e 2002. Os autores fizeram uso do modelo baseado em atividades, que classifica as tarefas em dois grupos: (i) rotineiras, que se dividem entre rotineira cognitiva (registrar, cadastrar, conferir) e rotineira manual (distribuir, transportar, operar); e (ii) não rotineiras, que se dividem em não rotineira analítica (pesquisa, analisar, estudar), não rotineira interativa (negociar, defender, ensinar), e não rotineira manual (consertar, reformar, servir, limpar).

Por um lado, os resultados da análise de Soares-Júnior e Funchal (2016) apontaram para uma expressiva queda na demanda por atividades manuais, sejam elas rotineiras (caiu de 39,8% para 23,40%) ou não rotineiras (de 11% para 2%). Por outro, houve um aumento da demanda por tarefas não rotineiras analíticas (7% para 14%), não rotineiras interativas (17% para 22%) e rotineiras cognitivas (25% para 38%). Assim, há uma tendência de as organizações demandarem que os trabalhadores sejam motivados, treinados e que pensem sobre as tarefas que executam, não apenas reproduzindo ações, mas criando e inovando.

Uma metanálise realizada por Morgeson, Nahrgang e Humprey (2007) integrou três aspectos do desenho do trabalho: características motivacionais do indivíduo, características sociais advindas da interação entre as pessoas e componentes contextuais do trabalho. Os estudos empíricos que compuseram tal metanálise identificaram uma relação modesta entre as características sociais e motivacionais, mas os resultados indicaram que o desenho do trabalho está inserido em todos os processos das organizações - o que convida a novas reflexões sobre o fenômeno e de formas de continuar a apreendê-lo.

Acerca das formas de apreensão do fenômeno, a mensuração do desenho do trabalho também passou por evoluções. Os primeiros instrumentos do construto foram o Job Diagnostic Survey (JDS; Hackman & Oldham, 1975) e o Multimethod Job Description Questionnaire (MJDQ; Campion & Thayer, 1985). O instrumento mais recente e que amplia o modelo teórico do tema é o Work Design Questionnaire (WDQ), elaborado por Morgeson e Humphrey (2006). Tal modelo incorpora as características do ambiente social e do contexto do trabalho, o que permitiu desenvolver uma medida que explora as características do trabalho previamente descritas.

O WDQ foi criado a partir de uma revisão de medidas anteriores, tendo demonstrado confiabilidade e validade. O instrumento foi adaptado para outros idiomas, inclusive o português, já tendo sido testado em amostras de trabalhadores brasileiros (Borges-Andrade, Peixoto, Queiroga, & Pérez-Nebra, 2019). Assim, este foi o instrumento escolhido para investigar as variáveis do desenho do trabalho e testar sua influência sobre o desenvolvimento profissional.

 

Desenvolvimento Profissional

O conceito de desenvolvimento profissional tem como alicerce a teoria da aprendizagem experimental de Kolb (1984), que entende que o percurso da profissionalidade ocorre ao longo de toda a vida, a partir das experiências laborais que as pessoas têm e do processo reflexivo que advém dessas experiências (Pimentel, 2007). A teoria da aprendizagem experiencial parte da premissa de que a aprendizagem não ocorre apenas no plano cognitivo, mas que depende, também, das experiências vividas pelo indivíduo. Assim, o processo de aprendizagem experiencial estabelece a interdependência entre características internas das pessoas e circunstâncias externas do ambiente, permitindo o desenvolvimento profissional (Monteiro & Mourão, 2017).

A análise conceitual do desenvolvimento profissional apresentada por Mourão e Monteiro (2018) mostra que o termo desenvolvimento está associado a crescimento, progressão, evolução, propagação, com elementos relacionados ao aumento das competências ou capacidades, ou mesmo aumento de qualidades, sejam elas morais, psicológicas ou intelectuais. Nesse sentido, o termo remete a um processo de mudança evolutiva. As autoras demonstraram em sua análise conceitual que o termo profissional, por sua vez, não apresenta relação direta com emprego ou organização de trabalho e nem com o termo carreira. Ele é apresentado em diferentes dicionários com menção à profissão, ofício, atividades e formação. Dessa forma, Monteiro e Mourão (2017) reforçam que há nas definições do termo profissional um caráter de distinção do que é característico de um determinado ofício, com o sentido de que os ofícios ou profissões apresentam atividades e práticas sistemáticas que lhe são específicas.

Nessa lógica, o desenvolvimento profissional envolve processos individuais que incluem as transformações identitárias dos indivíduos, além de compreender também competências coletivas provenientes da interação com outras pessoas ao longo da trajetória profissional, a partir das diferentes experiências laborais (Paquay, Wouters, & van Nieuwenhoven, 2012). O desenvolvimento profissional refere-se, portanto, à aquisição e à transformação contínua de conhecimentos, habilidades e atitudes, em processos de aprendizagem que são simultaneamente afetivos, cognitivos e comportamentais (Mourão, Porto, & Puente-Palacios, 2014).

A respeito de a temática do desenvolvimento profissional estar sendo cada vez mais pesquisada (Hill, Beisiegel, & Jacob, 2013), a revisão de literatura realizada por Monteiro e Mourão (2017) indicou que são poucos os estudos que apontam variáveis preditoras ou consequentes do desenvolvimento profissional. A rede nomológica do construto, isto é, seus antecedentes, consequentes e variáveis correlatas, ainda é pouco explorada. Como exemplos de antecedentes do desenvolvimento profissional podem ser citados a resiliência e a justiça organizacional (Monteiro & Mourão, 2016), as estratégias de aprendizagem, as horas de treinamento e o nível educacional (Haemer, Borges-Andrade, & Cassiano, 2017), a busca por ações de qualificação autodidata e a satisfação no trabalho (Viana & Mourão, 2016). Nesse sentido, a área carece de novos estudos que permitam aprofundar os conhecimentos ainda incipientes sobre o desenvolvimento profissional e sua relação com as características da tarefa e do conhecimento exigido para a sua execução.

 

Pesquisas sobre Desenvolvimento Profissional e Desenho do Trabalho

Há uma abrangente visão acerca das oportunidades de aprendizagem no ambiente laboral e sua relação com o desenho do trabalho. Van Ruysseveldt e van Dijke (2011), por exemplo, identificaram que a carga de trabalho está positivamente relacionada às oportunidades de aprendizagem, entretanto, quando tal carga é excessivamente alta, as oportunidades de aprendizagem diminuem. Isso significa que uma demanda de trabalho elevada inicialmente propicia a aprendizagem, mas gradualmente passa a dificultá-la, o que aponta para uma relação invertida entre essas duas variáveis. O estudo dos autores também identificou que em ambientes com baixos níveis de autonomia, os efeitos iniciais e positivos da carga de trabalho na aprendizagem não se materializam. Assim, níveis elevados de autonomia previnem os efeitos negativos da carga de trabalho nas oportunidades de aprendizagem. Como conclusão, trabalhos que combinem níveis altos de autonomia e baixos níveis de carga de trabalho favorecem a aprendizagem, pois a autonomia assume papel moderador na relação entre carga de trabalho e oportunidade de aprendizagem.

A análise do estudo de van Ruysseveldt e van Dijke (2011) remete à ideia de que o ambiente de trabalho fornece restrições e oportunidades, que podem ter efeitos diretos ou indiretos na ocorrência de respostas comportamentais. Em uma discussão teórica sobre a temática, Johns (2017) indica que o contexto tecnológico, por exemplo, pode condicionar o desenho de trabalho, mas também pode permitir que os trabalhadores assumam novas identidades ocupacionais. O autor destaca que o aumento da atenção ao contexto e às diferentes situações que ele envolve pode clarear fronteiras teóricas e melhorar a aplicação prática das pesquisas nessa temática. A abordagem contextual permite especificar formalmente o que é especial, distinto ou mesmo exclusivo em determinadas situações de trabalho, além de integrar fenômenos aparentemente diferentes (Johns, 2017).

A relação entre desenho do trabalho e desenvolvimento profissional foi testada anteriormente por Sampaio (2018). A autora identificou que a autonomia nos métodos do trabalho e o feedback da tarefa se correlacionam com a estratégia de aprendizagem de reflexão ativa, isto é, escores mais elevados de autonomia e de feedback da tarefa estão associados a uma maior percepção de reflexão advinda do próprio trabalhador em suas estratégias de aprendizagem. Além disso, o desenho do trabalho se correlaciona de forma negativa com a percepção evolutiva do desenvolvimento no trabalho, isto é, pessoas que têm tarefas mais complexas tendem a ter uma percepção mais baixa de sua evolução profissional.

O estudo de Shantz, Alfes, Truss e Soane (2013), por sua vez, mostrou que as características da tarefa (autonomia, variedade, identidade, significado e feedback) estão positivamente relacionadas ao engajamento no trabalho, sendo a identidade da tarefa a dimensão cuja relação com o engajamento foi menos intensa e a variedade da tarefa a dimensão cujo relacionamento mais forte. Assim, tarefas variadas contribuem para o engajamento do empregado e para a autonomia de decisão do que fazer e de como fazer.

Assim, considerando o conjunto de estudos revisados, a presente pesquisa testou um modelo de explicação do desenvolvimento profissional que conta com as características da tarefa e do conhecimento como variáveis antecedentes. A inclusão de variáveis contextuais como preditoras do desenvolvimento das pessoas atende a uma demanda da literatura da área que aponta para a importância de considerar as características do trabalho e do ambiente nas pesquisas sobre desenvolvimento profissional (Monteiro & Mourão, 2017).

Nesse sentido, este estudo se propõe a avaliar se um desenho de trabalho mais favorável ou mais desfavorável exerceria maior ou menor influência sobre a percepção de desenvolvimento profissional do trabalhador. Ainda que já haja estudos que relacionem o desenho do trabalho ao desenvolvimento profissional (Sampaio, 2018), eles ainda são preliminares e não se tem avanços em termos de modelos confirmatórios como os que são obtidos, por exemplo, por meio da modelagem de equações estruturais.

Assim, considerando a revisão de literatura apresentada, e tomando por base a teoria JD-R sobre os efeitos das demandas e dos recursos do trabalho, foram formuladas duas hipóteses: as características da tarefa estão positivamente correlacionadas ao desenvolvimento profissional de tal sorte que quanto maior a complexidade da tarefa, maior também o desenvolvimento profissional percebido pela pessoa (H1); e as características do conhecimento estão negativamente correlacionadas ao desenvolvimento profissional, de tal sorte que quanto menor o conhecimento demandado, maior o desenvolvimento profissional percebido pela pessoa (H2).

Por um lado, a razão para se esperar uma relação positiva entre o grau de complexidade das tarefas e o desenvolvimento profissional decorre do fato de tarefas desafiadoras demandarem mais competências e, nesse sentido, levarem a pessoa a buscar um maior desenvolvimento. Por outro, seria esperada uma relação negativa das características do conhecimento com o desenvolvimento profissional, porque quanto mais conhecimento é requerido, mais tempo será necessário para o trabalhador perceber seu desenvolvimento. Por exemplo, o conhecimento demandado de um técnico de enfermagem é menos complexo do que aquele demandado de um médico, que leva mais tempo para se desenvolver profissionalmente. Assim, ao pesquisar um técnico de enfermagem e um médico, ambos com dois anos na função, seria de se esperar que o médico percebesse maior demanda de conhecimento e, simultaneamente, menor desenvolvimento profissional do que o técnico de enfermagem, que após dois anos, provavelmente, já domina os conhecimentos necessários para o exercício de sua função. Então, no processo de desenvolvimento profissional pode ser esperada, conforme discutido por H. A. Fernandes, Mourão e Gondim (2019), que encontraram semelhanças, mas também diferenças, nos processos de desenvolvimento profissional de médicos, psicólogos, engenheiros e advogados.

Nesse sentido, o presente estudo será feito com distintas categorias ocupacionais e sem limitação de nível de escolaridade para os participantes. O pressuposto da pesquisa é que tarefas que demandam grande esforço cognitivo ensejarão uma percepção mais elevada de desenvolvimento profissional; enquanto tarefas cuja execução requerem um longo tempo de estudo e preparo ensejarão uma percepção menos elevada de tal desenvolvimento.

 

Método

Participantes

A pesquisa contou com 389 participantes, oriundos especialmente da região Sudeste (84,1%), tendo as demais regiões um percentual baixo na amostra: Centro-Oeste - 6,4%; Nordeste - 4,1%; Sul - 2,8%; e Norte - 2,6%. Os critérios de inclusão estabelecidos foram os seguintes: (i) ter mais de 18 anos; (ii) estar formalmente vinculado a uma organização de trabalho; (iii) concordar em participar da pesquisa; e (iv) ter no mínimo um ano de trabalho, a fim de que seja possível avaliar o seu desenvolvimento profissional. Foram excluídos da pesquisa os participantes que apresentaram respostas incompletas (30% ou mais de questões em branco) ou incoerentes à bateria de aplicação da pesquisa, totalizando seis questionários desconsiderados (menos de 2% da amostra total).

Considerando que o desenho do trabalho é variável antecedente do modelo, era importante, também, que a pesquisa incluísse profissionais de diferentes setores. Nesse sentido, buscou-se variabilidade da amostra em termos de sexo, idade e tempo de trabalho, categorias ocupacionais e cargos ocupados pelos trabalhadores.

No perfil dos respondentes predominaram mulheres (70,1%), idade média de 36,6 (desvio-padrão = 11,5 e variação entre 18 e 69 anos) e profissionais com pós-graduação (47,3%), embora tenha havido também um expressivo quantitativo de graduados (30,1%). O tempo de trabalho médio foi de 14,4 anos (desvio-padrão = 11,0). O tempo médio de trabalho na organização atual foi de 6,7 anos (desvio-padrão = 7,5). Entre os pesquisados, 33,2% exercem cargo de chefia. As organizações às quais se vinculam eram predominantemente privadas (66,6%), embora o percentual de organizações públicas também tenha sido expressivo (28,2%). As profissões e os cargos ocupados pelos pesquisados foram bastante diversificados, com destaque para professor, psicólogo, administrador e enfermeiro, que juntos compuseram 47% da amostra.

Instrumentos de Coleta de Dados

Para a mensuração do desenvolvimento profissional foi utilizada a Escala de Percepção Atual de Desenvolvimento Profissional - EPADP (Mourão et al., 2014), com estrutura unidimensional e em sua versão reduzida de quatro itens, que apresenta indicadores de consistência e cargas fatoriais melhores que a versão completa (alfa de Cronbach de 0,83 e cargas fatoriais acima de 0,60). Um exemplo de item: "Tive um expressivo desenvolvimento profissional desde que comecei a trabalhar". As respostas a esse instrumento foram atribuídas por meio de escala Likert de concordância, variando de 1 = discordo fortemente a 5 = concordo fortemente.

O desenho do trabalho foi mensurado a partir do WDQ, construído por Morgeson e Humphrey (2006) e adaptado para amostras brasileiras por Borges-Andrade et al. (2019). A escolha do instrumento WDQ para uma pesquisa que adota a teoria JD-R como principal suporte teórico se justifica pelo fato de o instrumento abordar variáveis que se referem tanto a recursos do trabalho (p. ex., autonomia, feedback da tarefa, significado da tarefa) quanto a demandas do trabalho (complexidade do trabalho, processamento de informação, especialização).

O questionário contém 77 itens, distribuídos em quatro macrodimensões: características da tarefa, características do conhecimento, características sociais e características do contexto, as quais, por sua vez, apresentam dimensões de segunda ordem, possibilitando um mapeamento bastante completo do desenho do trabalho. No conjunto, as dimensões do WDQ demonstram elevada consistência interna, com precisão média de 0,87 no estudo original e 0,83 na adaptação para amostras brasileiras. Para esta pesquisa foram utilizadas duas dimensões dessa medida: características da tarefa (23 itens - alfas de 0,70 a 0,92, exemplo de item: "É provável que os resultados de meu trabalho afetem de forma significativa a vida de outras pessoas"); e características do conhecimento (20 itens - alfas variando de 0,80 a 0,86, exemplo de item: "O meu trabalho exige que eu esteja atento a mais de uma tarefa ao mesmo tempo").

Considerando que o tamanho da amostra necessário a uma modelagem por equações estruturais depende do número de relações previstas no modelo, optou-se por reduzir o número de itens das escalas. Para tanto, foi realizada uma análise de juízes, que contou com a participação de oito doutores em psicologia que atuam na área de psicologia organizacional e do trabalho. Os juízes avaliaram a pertinência dos itens tendo em vista o objetivo da pesquisa e atribuíram aos itens um valor que variava de 1 (pouco pertinente) a 5 (muito pertinente), tendo permanecido aqueles que obtiveram maiores pontuações.

Após a análise de juízes, a escala de características da tarefa ficou com grau de precisão aceitável (alfa = 0,65) e seis itens. Os itens que permaneceram na escala foram: (1) O meu trabalho me dá a oportunidade de usar minha iniciativa pessoal ou julgamento na sua realização; (2) O meu trabalho me permite tomar muitas decisões por conta própria; (3) O meu trabalho envolve uma grande variedade de tarefas; (4) O meu trabalho consiste em fazer muitas coisas diferentes; (5) É provável que os resultados do meu trabalho afetem de forma significativa a vida de outras pessoas; e (6) As atividades do meu trabalho fornecem, por si só, informações diretas e claras sobre a efetividade do meu desempenho.

A escala de características do conhecimento ficou com um grau de precisão adequado (alfa = 0,79) e os sete itens que permaneceram foram: (1) O meu trabalho exige que eu pense muito; (2) O meu trabalho exige que eu analise muitas informações; (3) O meu trabalho exige que eu seja criativo; (4) O meu trabalho faz com que eu tenha que lidar, muitas vezes, com problemas que eu nunca tinha visto antes; (5) O meu trabalho exige que eu utilize várias habilidades complexas ou de alto nível; (6) O meu trabalho exige conhecimentos e habilidades muito especializados; e (7) O meu trabalho exige conhecimento profundo e experiência.).

Por fim, a escala de percepção atual do desenvolvimento profissional também ficou com um grau de precisão adequado (alfa = 0,75) e com três itens: (1) Atualmente domino todas as habilidades para a realização do meu trabalho; (2) Sinto-me bem preparado para realizar as atividades que me são destinadas; e (3) Com meus conhecimentos atuais, consigo realizar satisfatoriamente o meu trabalho. Além dessas escalas, o questionário da pesquisa contemplou algumas perguntas de dados sociodemográficos para caracterização da amostra.

Procedimentos de Coleta de Dados

Antes do início da coleta de dados, o projeto de pesquisa foi inscrito na Plataforma Brasil e aprovado por um comitê de ética (CAAE 78201517.7.0000.5289). Cabe o registro de que todos os participantes foram informados dos objetivos da pesquisa e do sigilo de suas respostas individuais. Também foi requerido que eles assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, como forma de expressão de sua concordância em participar do estudo.

Os questionários foram autoaplicados em versão digital (via internet) e em versão impressa, presencialmente, com utilização de papel e caneta. O tempo médio de aplicação do instrumento foi de 22 minutos.

Procedimentos de Análise de Dados

Foram realizadas análises descritivas e exploratórias para investigar a exatidão da entrada dos dados, a presença de casos extremos, a distribuição dos casos omissos e a distribuição de frequência, de acordo com as orientações de Tabachnick e Fidell (2013). Foram consideradas as condições de número mínimo de cinco observações por item do questionário e de pelo menos três indicadores (itens) por variável latente (O'Rourke & Hatcher, 2013). A manutenção dos itens nas escalas foi condicionada à carga fatorial mínima de 0,32 (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2010). Em seguida, para a modelagem por equações estruturais, foi utilizado o método de estimação Maximum Likelihood (ML), com o apoio do software AMOS (versão 21.0). Optou-se pelo uso das equações estruturais porque este é um método de análise robusto, o qual permite avaliar simultaneamente as medidas utilizadas e o modelo de relação entre as variáveis (Hair et al., 2010).

Após a especificação e a estimação do modelo, seu ajuste foi avaliado por meio dos seguintes indicadores: qui-quadrado (χ2), Tucker-Lewis Index (TLI), Comparative Fit Index (CFI), e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA). Como critério, o quiquadrado não deveria ser significativo e, caso fosse, seria adotado o parâmetro da razão do quiquadrado pelos graus de liberdade inferior a 5,0 (Brown, 2006). Para indicação de adequação do modelo aos dados, o TLI e o CFI deveriam apresentar valores superiores a 0,90 (Kline, 2011). Como parâmetros do índice de parcimônia do modelo (RMSEA), tem-se os pontos de corte sugeridos por Brown (2006) (inferior a 0,06) e por Kline (2011) (inferior a 0,08).

 

Resultados

A análise exploratória dos dados identificou a presença de 0,6% de dados omissos (missing values), de caráter aleatório, que foram substituídos pela média e, em alguns casos, ela foi arredondada para as categorias imediatamente posteriores ou anteriores, evitando, assim, a criação de novas categorias. A análise descritiva aponta escores médios de 3,96 (desvio-padrão = 0,81) para a percepção de desenvolvimento profissional; de 3,73 (desvio-padrão = 0,65) para características da tarefa; e de 3,90 (desvio-padrão = 0,76) para características do conhecimento.

A amostra pesquisada apresentou valores de desenvolvimento profissional que se aproximaram de uma curva normal, com ligeiro desvio à direita, tendo o primeiro quartil sido identificado no ponto 3,3 da escala e o último quartil no ponto 4,3, com valores mínimos e máximos respectivamente de 1,0 e 5,0, e mediana de 4,0. Esses resultados mostram que os trabalhadores pesquisados tendem a avaliar mais positivamente o seu desenvolvimento profissional, o que, em parte, pode ser justificado tanto pela escolaridade (a maior parte dos pesquisados tem pós-graduação) quanto pela experiência profissional (o tempo médio de trabalho foi de 14,4 anos).

A análise bivariada das correlações de Pearson entre as variáveis mostrou uma correlação positiva e elevada entre as características da tarefa e as características do conhecimento (r < 0,61; p < 0,01), o que já seria esperado em função de as duas variáveis serem dimensões de um mesmo instrumento (desenho do trabalho). Essa correlação revela que 59% da variância é compartilhada entre essas duas dimensões da escala, o que não chega a configurar um caso extremo de multicolinearidade (Tabachnick & Fidell, 2013). Considerando que a lógica subjacente ao desenvolvimento de um instrumento é cobrir um construto latente a partir de um ou mais conjuntos de variáveis observadas, é de se esperar que tais variáveis estejam correlacionadas (Hair et al., 2010).

A análise das correlações com o desenvolvimento profissional, por sua vez, apresentou resultados distintos. O construto teve correlação positiva com as características da tarefa, e correlação negativa com as características do conhecimento, ambas de baixa magnitude (Tabela 1).

 

 

Após as análises exploratórias, foram testados modelos rivais de estrutura latente (Tabela 2). No primeiro modelo (M1), os itens de todas as medidas foram configurados para serem explicados por uma única dimensão. Esperava-se um modelo não ajustado aos dados, uma vez que uma dimensão geral indicaria ausência de validade discriminante entre as dimensões latentes. Os indicadores apontaram para um modelo de dimensão geral com pobre ajuste aos dados. Portanto, há evidência de que os itens avaliam mais de uma dimensão latente ou outras relações entre os itens não contempladas por uma dimensão latente geral.

 

 

Considerando que para uma análise de predição as variáveis independentes devem ser distintas entre si, o modelo inicial foi reconfigurado em duas variáveis latentes (M2): uma dimensão geral explicando todos os itens das variáveis independentes e outra dimensão explicando os itens da variável dependente. Conforme a Tabela 2, esse segundo modelo também não apresentou ajuste aos dados, indicando que os itens das variáveis independentes avaliam mais de uma dimensão latente.

Foi realizada a testagem dos modelos 1 e 2 em caráter preliminar à testagem do modelo hipotetizado, uma vez que somente se pode testar as hipóteses se houver comprovação de que os itens avaliam diferentes dimensões latentes, seja no conjunto de todas as variáveis (M1), seja entre as variáveis independentes (M2). Uma vez asseguradas essas condições preliminares, foi testado o modelo hipotético de relações explicativas entre as variáveis latentes (M3) com três variáveis latentes correlacionadas, conforme a estrutura teórica prevista. Neste modelo somente foram incluídos os itens que tinham carga fatorial igual ou superior a 0,32, sendo reduzido de 21 para 16 itens ao todo. Os resultados apontaram para um modelo de ajustamento melhor que os anteriores, confirmando a relação teórica hipotética, mas ainda sem um ajuste adequado do modelo.

Por fim, tendo em vista a análise do Modification Indices - MI, foi verificada uma elevada correlação entre os erros dos itens "O meu trabalho inclui uma grande variedade de tarefas" (CT5) e "O meu trabalho consiste em fazer muitas coisas" (CT6), (r = 0,70, p < 0,01), correspondente a uma redução no valor do qui-quadrado (MI = 217,31). Com este único ajuste ao modelo hipotético, obteve-se um modelo ajustado com razão crítica do qui-quadrado pelos graus de liberdade equivalente a 2,58. Além disso, os parâmetros TLI e CFI foram aceitáveis (0,89 e 0,92, respectivamente); a parcimônia do modelo foi também adequada com o RMSEA de 0,064 (variando de 0,054 a 0,073, com um intervalo de confiança de 0,90). Embora o valor do TLI tenha ficado abaixo de 0,90, seu valor foi muito próximo (0,89), a tal ponto de o corte e os demais indicadores do modelo ficarem dentro de parâmetros aceitáveis, razão pela qual optou-se por não acrescentar novos ajustes no modelo. A Tabela 2 mostra os indicadores obtidos em cada um dos modelos testados.

Esse modelo indicou que as variáveis do desenho do trabalho apresentam tanto correlação positiva quanto negativa com o desenvolvimento profissional, ambas de baixa magnitude. Os valores de correlação das variáveis latentes foram os seguintes: características da tarefa e desenvolvimento profissional (r = 0,13) e características do conhecimento e desenvolvimento profissional (r = -0,19). O modelo final é apresentado na Figura 1, com os seus respectivos parâmetros padronizados e indicadores de ajuste.

 

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre as variáveis desenho do trabalho (características da tarefa e características do conhecimento) e a percepção de desenvolvimento profissional. Assim, foram apresentadas duas hipóteses, que são discutidas a seguir.

A primeira hipótese de pesquisa previa que as características da tarefa estão positivamente correlacionadas ao desenvolvimento profissional de tal modo que quanto maior a complexidade da tarefa, maior o desenvolvimento profissional percebido pela pessoa (H1). Essa hipótese foi confirmada, embora as relações obtidas entre o desenho do trabalho e o desenvolvimento profissional tenham sido de baixa magnitude.

A correlação positiva entre o grau de complexidade da tarefa e o desenvolvimento profissional está em consonância com o estudo de Güntert (2015), em que tarefas desafiadoras tendem a proporcionar mais chances de crescimento pessoal e domínio de desafios. Os achados obtidos também corroboram a pesquisa de Sampaio (2018), que encontrou correlação positiva entre as estratégias de aprendizagem de reflexão ativa e as características da tarefa em termos de autonomia no trabalho e feedback da tarefa. Há, ainda, ressonância com os estudos de Shantz et al. (2013), que associaram as características da tarefa ao engajamento no trabalho, que, por sua vez, impulsionaria o desenvolvimento profissional.

A segunda hipótese (H2), de que as características do conhecimento estão negativamente correlacionadas ao desenvolvimento profissional, de tal forma que quanto menor o conhecimento demandado, maior o desenvolvimento profissional percebido pela pessoa, também foi confirmada. Assim, quando a atividade requer conhecimentos complexos e com muito processamento de informações, a percepção de desenvolvimento profissional tende a ser menor. A explicação para tal achado possivelmente deriva do fato de que atividades com alta exigência de conhecimento demandam dos trabalhadores um processo de desenvolvimento mais longo. Nesse sentido, quem trabalha com esse tipo de atividade possivelmente percebe que ainda tem um caminho a percorrer em termos de preparo para exercer plenamente a sua profissão, além da possibilidade de haver distinções entre as categorias profissionais, conforme apresentado na introdução deste estudo.

Tais resultados podem ser compreendidos à luz dos achados de van Ruysseveldt e van Dijke (2011), que identificaram que uma carga de trabalho excessivamente alta reduz as oportunidades de aprendizagem. Assim, é possível que trabalhos com elevada carga de complexidade, processamento de informação e demanda por solução de problemas possam reduzir o tempo que a pessoa dispõe para investir em seu desenvolvimento profissional. Por fim, os achados desta pesquisa confirmam os resultados de Sampaio (2018), que identificou que trabalhos que demandam conhecimentos mais complexos e com diferentes habilidades tendem a fazer o trabalhador ter uma percepção mais baixa da evolução de seu desenvolvimento profissional.

A presente pesquisa também se aproxima dos estudos de Super (1980) no que se refere ao entendimento de que a carreira é influenciada não apenas por determinantes psicológicos, mas também por determinantes sociais ou ambientais nas diferentes fases da vida. Dessa forma, desenhos de trabalho com atividades mais variadas, que dão mais feedback para o trabalhador e que têm mais significado para ele estão positivamente correlacionados com o seu desenvolvimento profissional. Por fim, os resultados obtidos reforçam o modelo JD-R que indica que o bem-estar laboral e o desenvolvimento das pessoas no trabalho estão associados a demandas e recursos provenientes tanto das pessoas quanto do trabalho.

Portanto, a principal conclusão desta pesquisa é que as características da tarefa estão positivamente associadas à percepção de desenvolvimento profissional, enquanto as características do conhecimento apresentam relação negativa com a percepção de tal desenvolvimento. Nesse sentido, quando o trabalho da pessoa requer muita especialização, experiência e capacidade de solucionar problemas distintos, o trabalhador tende a perceber menor desenvolvimento profissional; e quando o trabalho favorece a autonomia, a variedade, a identidade, o significado e o feedback da tarefa, a percepção de desenvolvimento do trabalhador aumenta. Essa conclusão contribui para mostrar que o contexto de trabalho pode associar-se ao desenvolvimento profissional em dupla direção.

Assim, os resultados desta pesquisa contribuem para as pesquisas de psicologia organizacional e do trabalho por investigar o desenho do trabalho, que é um construto relevante para a área e ainda pouco estudado no Brasil. Outra contribuição teórica está na associação de variáveis contextuais ao desenvolvimento profissional, o que já era previsto em teorias de aprendizagem e de carreira, como as apresentadas por Kolb (1984), Illeris (2011) e Super (1980).

Do ponto de vista prático, o fato de as características da tarefa estarem correlacionadas a uma maior percepção de desenvolvimento profissional suscita algumas reflexões para quem atua na área de carreira e na área de gestão de pessoas. Se estudos futuros confirmarem os presentes achados, podem ser desenvolvidos programas organizacionais voltados para a valorização daqueles que exercem tarefas complexas, bem como programas que contribuam para a autoavaliação, de forma que os trabalhadores tenham chance de analisar a evolução de suas capacidades e o seu crescimento no contexto laboral. Além disso, esses resultados também podem ser úteis para profissionais que atuam com orientação de carreira, pois as vivências dos trabalhadores com tarefas complexas podem ser usadas como exemplos da capacidade da pessoa, reforçando sua percepção de desenvolvimento profissional.

Os resultados obtidos também fomentam a ideia de que estratégias de redesenho do trabalho podem contribuir para o desenvolvimento profissional dos trabalhadores. Essas estratégias de redesenho podem voltar-se para a autonomia do trabalho, para a identidade da tarefa, para a variedade de tarefas, para o significado atribuído à tarefa, bem como para o feedback advindo do próprio trabalho.

A despeito dessas contribuições, a presente pesquisa também apresenta algumas limitações. Do ponto de vista teórico, o estudo englobou somente duas dimensões do desenho do trabalho (características da tarefa e características do conhecimento), abrindo possibilidades para estudos futuros que contemplem as outras duas dimensões do construto. Outra limitação relaciona-se à maior concentração da amostra em indivíduos com nível superior, quando no Brasil ainda existem muitos trabalhadores de nível médio. Além disso, os resultados obtidos não podem ser generalizados, uma vez que o estudo foi realizado com uma amostra de conveniência.

Nesse sentido, são recomendadas investigações que ampliem a amostra em termos do perfil de escolaridade. Por fim, também precisa ser mencionada a limitação de o delineamento do estudo ter sido transversal. Sugere-se, portanto, que estudos futuros adotem delineamentos longitudinais e, se possível, com experimentos de redesenho de tarefas, de forma a permitir a análise de relações causais entre o desenho do trabalho e o desenvolvimento profissional. Considerando que esta pesquisa foi realizada com dados perceptuais, também seria interessante que pesquisas futuras incluíssem comparações entre indicadores duros de desenvolvimento profissional (tais como progressões funcionais, indicadores de desempenho, número de horas investidas em ações de qualificação profissional) e os escores de percepção dos trabalhadores, a fim de identificar o quanto tal percepção está alinhada com indicadores objetivamente mensuráveis.

A título de sugestão para os pesquisadores que se interessem pela temática do desenho do trabalho, propõe-se que seja testada uma versão reduzida da escala, pois a extensão da medida de Morgeson e Humphrey (2006) pode comprometer a fidedignidade das respostas dos participantes. Além disso, observa-se grande similaridade em vários itens do instrumento. Um instrumento menor poderia estimular a realização de mais pesquisas sobre o desenho do trabalho, ampliando o conhecimento atual acerca do papel das características da tarefa, do contexto, do conhecimento e, também, das características sociais sobre diversos construtos da área de psicologia organizacional.

 

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Endereço para correspondência:
Priscila de Jesus Viana
Universidade Salgado de Oliveira, Mestrado em Psicologia
Rua Marechal Deodoro, 217, 2º andar, Centro
Niterói, RJ, Brasil, CEP 24030-060
E-mail: prijviana@gmail.com

Recebido em: 09/01/2019
Primeira decisão editorial em: 14/05/2019
Versão final em: 24/05/2019
Aceito em: 05/06/2019

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