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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.1 Brasília Jan./Mar. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/rpot/2021.1.20323 

Presenteísmo em uma corporação policial: prevalência e repercussões na saúde dos trabalhadores

 

Presenteeism in a police corporation: prevalence and repercussions on workers' health

 

Presenteismo en una corporación policial: prevalencia y repercusiones en la salud de los trabajadores

 

 

Alessandra Laudelino NetoI; Liliana Andolpho Magalhães GuimarãesII

IUniversidade Católica Dom Bosco (UCDB), Brasil
IIUniversidade Católica Dom Bosco (UCDB), Brasil

Informações sobre os autores

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é investigar a prevalência do presenteísmo, bem como suas repercussões na saúde de trabalhadores em uma corporação policial. O presenteísmo se caracteriza no comparecimento ao trabalho, apesar do trabalhador se sentir mal ou adoecido. Para tanto, foi realizado um estudo transversal, exploratório-descritivo, através de abordagem metodológica quantitativa e amostragem por conveniência. Como instrumentos de pesquisa foram utilizados o Stanford Presenteeism Scale (SPS-6) e um Questionário Sócio Demográfico e Ocupacional construído especialmente para este estudo. Como resultados, a avaliação do presenteísmo apontou que 55,4% da amostra (p=0,2169) apresentou certo comprometimento no desempenho do trabalho, sendo esse, primordialmente, associado a fatores de ordem psicológica (capacidade de concentração comprometida). Conclui-se que os achados deste estudo contribuirão para uma melhor compreensão sobre o processo de presenteísmo nessa população, assim como subsequente implementação de abordagens preventivas e promotoras de saúde.

Palavras-chave: presenteísmo, categorias de trabalhadores, danos à saúde.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the prevalence of presenteeism and its impact on the health of workers in a police corporation. Presenteeism is characterized by attendance at work, even though the worker feels sick or ill. To this end, a cross-sectional, exploratory-descriptive study was carried out, with a quantitative approach and convenience sampling. As research instruments, the Stanford Presenteeism Scale (SPS-6) and a socio-demographic and occupational questionnaire built especially for this study were used. As a result, the evaluation of presenteeism pointed out that 55.4% of the sample (p=0.2169) showed impairment in work performance by presenteeism, which is primarily associated with psychological factors (impaired ability to concentrate). It is concluded that the findings of this study will contribute to the understanding of presenteeism in this population and the subsequent implementation of preventive and health-promoting approaches.

Keywords: presenteeism, occupational groups, health damage.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es investigar la prevalencia del presenteismo, bien como sus impactos en la salud de los trabajadores en una corporación policial. El presenteismo se caracteriza por la asistencia al trabajo, aunque el trabajador se siente enfermo. Con este fin, se realizó un estudio transversal descriptivo exploratorio, con un enfoque metodológico cuantitativo y muestra por conveniencia. Como instrumentos de investigación, se utilizaron la Escala de Presentismo de Stanford (SPS-6) y un Cuestionario Socio Demográfico y Ocupacional, creado especialmente para este estudio. Como resultado, la evaluación del presentismo mostró que el 55.4% de la muestra (p=0.2169) mostró un deterioro en el desempeño laboral por el presentismo, que se asoció principalmente con factores psicológicos (capacidad deteriorada para concentrarse). Se concluye que los resultados de este estudio contribuirán a una mejor comprensión del presentismo en esta población, asi como posterior implementación de enfoques preventivos y de promoción de la salud.

Palabras clave: presentismo, grupos profesionales, daños a la salud.


 

 

Desde a década de 1990, temos assistido, nos diversos âmbitos laborais, a progressiva ascensão de discussões sobre um fenômeno denominado presenteísmo. Ele é considerado como emergente, na literatura científica, no sentido de que existia, mas não era compreendido (Miraglia & Johns, 2016; Zanelli, 2016). A primeira utilização que mensura esse termo data de 1896, em um livro de humor, que trata sobre corpos presentes, no trabalho (Araújo, 2012). Esse modo de abordar o fenômeno, de certa forma, tem particular impacto nos elementos de sua atual constituição. Eles se pautam, explícita ou implicitamente, no conceito de: comparecimento do trabalhador ao trabalho, apesar de se sentir mal ou adoecido; com tendência a produzir impactos em sua produtividade, não somente em termos de quantidade de trabalho, mas também na qualidade do trabalho produzido; refletindo-se, sobretudo, em erros, falhas e omissões, bem como na saúde e bem-estar dos trabalhadores (Aronsson, Gustafsson, & Dallner, 2000; Homrich, Dantas-Filho, Martins, & Marcon, 2020; Laudelino Neto, 2019; Miraglia & Johns, 2016).

Autores como Karanika-Murray e Cooper (2018) e Silva, Zanatta, e De Lucca (2017), entre outros, entendem que o presenteísmo tende a ser mais prejudicial que o absenteísmo. Tais autores consideram, por conseguinte, um posicionamento antagônico do presenteísmo ao absenteísmo, sendo que este se refere à ausência ao trabalho por algum motivo interveniente. Nessa perspectiva, Macedo (2017), Zanelli (2016) e Pie, Fernandes, Carvalho, e Porto (2020) relatam que os custos indiretos relativos a saúde do trabalhador, comumente avaliados em indicadores absenteístas, como sendo a ponta do iceberg, expressam, majoritariamente, o ônus do presenteísmo, vinculando-o a questões relacionadas, por exemplo, à redução do desempenho, em quantidade e qualidade, durante o trabalho.

Nota-se, além disso, que a exposição de algumas características do trabalho podem também influenciar a escolha desses comportamentos (absenteísmo/presenteísmo), tais como: o sistema de recompensas, a cultura organizacional, a segurança no trabalho; juntamente com características individuais como atitudes em relação ao trabalho, variáveis de personalidade, engajamento e motivação; refletindo-se em um comportamento social (Gil-Monte, & Orden, 2014, Laudelino Neto, 2019). Com base no exposto, o modelo conceitual dinâmico de presenteísmo e absenteísmo, desenvolvido por Johns (2010) e adaptado por Laudelino Neto (2019), apresenta o papel dos fatores pessoais e as características do contexto vinculados ao processo decisório e suas prováveis consequências cumulativas.

O modelo dinâmico revela, do mesmo modo, relações com fatores explícitos e/ou implícitos, perpetuados socialmente (e institucionalmente) sobre deveres de determinadas categorias profissionais. Por exemplo, aquelas vinculadas aos serviços de emergência, sob a ótica do socorro; ou aquelas vinculadas à segurança, predispondo a adesão a um sistema de valores e princípios éticos que tendem a nortear, como nos policiais, as atitudes e o comportamento assumidos dentro - e fora - da corporação e na sua relação com o trabalho (Laudelino Neto, 2019). Em termos gerais, estudos alertam para uma maior probabilidade de ocorrência do presenteísmo entre trabalhadores com ocupações que demandam alto comprometimento. Em profissionais da saúde, por exemplo, tais atitudes podem, inclusive, influenciar as taxas de transmissão de doenças (Homrich et al., 2020).

Nesse sentido, as atividades profissionais vinculadas aos serviços de emergência, como as corporações policiais, tendem a suscitar maior preocupação em relação ao presenteísmo, em decorrência de exigências físicas e emocionais, pressões socioambientais e iminência de riscos à integridade física e psicológica, entre outros (Ângelo, 2016; Mekonnen, Tefera & Melsew, 2018; Violanti, Owens, McCanlies, Fekedulegn, & Andrew, 2018). Sobre esse aspecto, Koopman et al. (2002) indicam o ponto de análise do presenteísmo na capacidade de um trabalhador de se concentrar e realizar seu trabalho.

Violanti et al. (2014), pesquisadores em uma equipe interdisciplinar que integra o grupo de pesquisadores do National Institute for Occupational Safety and Health - Centers for Disease Control and Prevention (NIOSH-CDC), conduziram estudos longitudinais relacionados aos riscos associados ao trabalho policial, incluindo os riscos psicossociais. Alertaram para as consequências adversas à saúde desses profissionais e que superam, majoritariamente, os perigos relacionados à ameaça cotidiana de violência, morte e testemunho dos eventos traumáticos em seu trabalho.

Conforme a European Agency for Safety and Health at Work [EU-OSHA] (2011), os policiais encontram-se expostos a numerosos fatores de risco, sobretudo os psicossociais, ao desenvolver suas atividades ocupacionais. Tal contextualização destaca possíveis consequências para a sua saúde e a sua segurança, especialmente ao se trabalhar adoecido ou se sentindo mal. No Brasil, a produção científica sobre a relação entre trabalho e saúde para os profissionais pertencentes às corporações policiais pode ser considerada incipiente. Apesar disso, enfatiza associações entre exposições estressantes, no local de trabalho, e seu impacto no bem-estar físico e mental dos policiais (Minayo, Souza, & Constantatino, 2008). Logo, tornam-se necessários estudos e intervenções, no intuito de prevenção e promoção de saúde para essas populações (Guimarães, Laudelino Neto, & Massuda Júnior, 2020).

Com a finalidade de melhor compreender essa problemática, surgiram as seguintes indagações: a) Supondo a existência de presenteísmo em corporações policiais, como ela se caracterizaria; e b) Haveria possíveis repercussões na saúde dos trabalhadores e no desempenho das atividades exercidas? A esse propósito, os objetivos deste estudo foram: a) verificar a prevalência de presenteísmo em policiais rodoviários federais, pertencentes à 3ª Superintendência Regional de Polícia Rodoviária Federal, do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil; e b) examinar possíveis impactos, em associações, entre as práticas de presenteísmo e danos à saúde dos policiais em questão.

 

Método

Trata-se de um estudo transversal, de caráter descritivo e exploratório, com abordagem quantitativa e amostragem por conveniência.

Participantes

A amostra não probabilística e por conveniência contemplou a participação de 155 policiais rodoviários federais pertencentes à 3ª Superintendência Regional de Polícia Rodoviária Federal, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, sendo n=148 elegíveis, mediante critérios de inclusão; de uma população de cerca de 400 policiais ativos. Os critérios de inclusão foram: ser policial rodoviário federal pertencente à 3ª Superintendência Regional, e não possuir afastamento nos últimos 30 dias de trabalho. Tal parâmetro foi escolhido em razão do critério proposto por Koopman et al. (2002), de que, para a avaliação do presenteísmo, é necessário ter, no mínimo, trinta dias ininterruptos na atividade laboral.

Instrumentos

Como instrumentos de pesquisa, foram utilizados dois instrumentos. Um deles foi o Questionário Sociodemográfico e Ocupacional (QSDO), construído especialmente para este estudo, composto de um conjunto de 12 perguntas fechadas, na forma de múltipla escolha ou para completar. O outro foi Stanford Presenteeism Scale (SPS-6), de Koopman et al. (2002), traduzido para o português brasileiro e validado para uso, no Brasil, por Paschoalin, Griep, Lisboa e Mello (2013).

A Stanford Presenteeism Scale - SPS-6 (Koopman et al., 2002) é uma ferramenta que tem como objetivo avaliar o impacto do presenteísmo na produtividade e no desempenho individual, mediante a capacidade dos trabalhadores para se concentrarem e realizarem o seu trabalho, apesar do adoecimento ou de se sentirem mal. No presente estudo, foi utilizada a versão com seis itens (SPS-6), demonstrados na figura 1 e distribuídos em dois grupos para avaliação. As questões 1, 3 e 4 se associaram a fatores de ordem psicológica, avaliando a capacidade de concentração mantida pelos trabalhadores, durante a realização do trabalho, quando eles se encontravam sob a influência das causas de presenteísmo (denominadas pela escala como distração evitada). As questões 2, 5 e 6 avaliaram a interferência dos problemas de saúde, referidos na capacidade de finalizar o trabalho quando se manifestavam sintomas de presenteísmo, comumente associados a causas físicas (Koopman et al., 2002).

O escore total da SPS-6 foi obtido mediante a soma das pontuações dos itens, que pode variar de seis a trinta, apresentados em uma escala do tipo Likert, variando de um (discordo, totalmente) a cinco (concordo, totalmente). Uma alta pontuação (>18) indica uma maior capacidade de concentração e realização do trabalho, apesar do problema de saúde ou do indivíduo se sentir mal. As pontuações mais baixas (de 6 a 18) indicam queda no desempenho de suas atividades laborais, em razão do presenteísmo. A escala possui valores com escore reverso. A consistência interna das dimensões identificadas como 'trabalho finalizado' e 'distração evitada' apresentou valores superiores ao critério mínimo adotado (0,70), podendo se observar uma robustez psicométrica, o que habilita o indivíduo a apresentar resultados fidedignos.

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

Nesse estudo, a divulgação e o convite para a participação da pesquisa foram realizados por métodos variados: por e-mail, pessoalmente e por meio de redes sociais privativas da instituição. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora, durante os meses de abril e maio de 2018, por meio da plataforma de questionários on-line Google Forms, disponibilizado eletronicamente, sendo os dados exportados como planilha eletrônica, no formato .csv (comma-separated values), para o banco de dados da pesquisa. As análises foram efetuadas utilizando o software R, disponibilizado pela R Core Team. Apresentou-se, inicialmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), requisito obrigatório para o acesso aos instrumentos de pesquisa. Realizou-se o pré-teste da pesquisa com um grupo de 15 policiais voluntários, para a aplicação dos instrumentos. Efetuaram-se ajustes a partir das colocações/dificuldades constatadas e das sugestões obtidas. Cumpriram-se todos os preceitos éticos recomendados, tendo sido o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), número do CAAE: 80895617.7.0000.5162, número do parecer: 2.439.552).

Como critério de inclusão, dos 155 participantes da pesquisa, somente 148 policiais rodoviários federais se consideraram elegíveis a responder o instrumento, isto é, não se afastaram do trabalho nos últimos 30 dias (Tabela 1), respeitando as designações do instrumento utilizado.

 

 

Procedimentos de Análise de Dados

Adotou-se o nível de significância (α) de 5%, sendo considerados significativos valores p<0,05 e intervalo de confiança de 95% (IC95%) e realizadas análises descritivas e categóricas com distribuição de frequências, bem como aplicado o teste de proporções χ2 de Pearson, com correlação de Yates.

 

Resultados

Houve predominância de participantes do sexo masculino (82,6%), casados ou em regime de união estável (76,1%), com filhos, (78,1%) e que cursaram o ensino superior completo (92,9%). Os participantes trabalhavam como policiais rodoviários federais, no período de três a seis anos (36,8%), residindo na cidade em que exerciam a sua profissão (60%), com a presença de algum familiar (71%); porém, necessitaram deslocar-se de sua cidade/estado de origem para assumir um posto de trabalho em outra cidade ou estado (61,3%).

Historicamente, os policiais, trabalhadores de serviços de emergência, sob a ótica da segurança, são majoritariamente do sexo masculino, conforme se confirma nos dados dessa pesquisa (82,6% - sexo masculino), corroborados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (DIEESE,2017), com cerca de 91,3% de homens entre os membros das forças armadas, policiais e bombeiros. Em relatório sobre os serviços de emergência, a EU-OSHA (2011) expôs a prevalência masculina nesse grupo ocupacional, referindo que a Inglaterra possuía 96,4% dos bombeiros, em 2009, sendo do sexo masculino. Na Finlândia, 85% dos policiais em serviço operacional são homens. Na França, 76,2% homens trabalham para a força policial. Na Bélgica, em 2005, 98% dos bombeiros eram homens e 88,4% dos policiais belgas são homens . Na Irlanda, mais de 99% dos bombeiros eram homens, em 1999.

Os resultados obtidos através da aplicação da escala SPS-6, que avalia o presenteísmo, por meio dos critérios de Koopman et al. (2002), indicaram a frequência de 55,4% da amostra (p=0,2169), com comprometimento no desempenho no trabalho, pelo presenteísmo. Em outros termos, revelaram que mais da metade dos trabalhadores que participaram da pesquisa apresentaram escore menor ou igual a 18 pontos, associados a fatores de ordem psicológica (capacidade de concentração não mantida) e a interferências comumente associadas a causas físicas (capacidade de finalização do trabalho) (Tabela 2).

 

 

Em continuidade, apresentam-se (Tabela 3) os resultados desmembrados da baixa pontuação relacionada ao presenteísmo expostos na Tabela 2, com frequência de 55,4% (p=0,2169), que se refere à existência de comprometimento no desempenho das atividades laborais, com o intuito de expor a frequência relativa obtida por grupo 'trabalho completado' e 'distração evitada'. Um aspecto importante no desmembramento dos resultados do presenteísmo obtidos pela pontuação apresentada no instrumento SPS-6 se baseia na visualização dos percentuais relativos ao nível de comprometimento observado. O instrumento SPS-6 caracteriza, em pontuações < a 6 pontos na escala Likert, o nível elevado de comprometimento na capacidade de concentração e/ou realização do trabalho no presenteísmo.

 

 

A frequência relativa para o grupo 2 (distração evitada) apontou que cerca de 73,17% dos participantes da pesquisa que pontuaram escore < 18 pontos (55,4% da amostra) - ou seja, que declararam que o presenteísmo reduziu a sua capacidade de se concentrar e realizar o trabalho - encontram-se nas menores pontuações da escala SPS-6 (de 3 a 6 pontos). Isso caracteriza um elevado nível de comprometimento na capacidade de manutenção da concentração, associada a aspectos psicológicos; em contraponto com os percentuais das frequências relativas apresentadas pelo grupo I, relacionado ao trabalho completado, manifestado por meio de causas físicas (Tabela 3).

A partir das variáveis sociodemográficas e ocupacionais dos policiais rodoviários federais, obtiveram-se associações e resultados significativos sobre a relação com o presenteísmo na variável que indica o tempo de trabalho como policial, compreendendo especificamente "de 03 --| 06 anos" (64,3%), "de 09 --| 12 anos" (100%) e "de 12 -- |15 anos" (60%) - quase todo o período de ápice laboral do trabalhador (tabela 4). Tais resultados denotam veracidade estatística de p-valor para o Teste Qui-quadrado de 0,021.

É importante ressaltar a questão da mobilidade geográfica dos policiais rodoviários federais, tomando-se como referência o local de origem e a localidade onde atuam. Com a investidura e a nomeação do cargo de policial rodoviário federal, mediante concurso público de âmbito nacional, a pesquisa de Pinto (2018) indica que houve, recentemente, segundo Instrução Normativa-IN nº 07/2012 alterada pela Instrução Normativa-IN nº39/2014, uma priorização do servidor já ativo sobre o servidor ingressante, no processo de redistribuição dos policiais rodoviários federais nas unidades da Federação. Isso denota a relevância da mobilidade geográfica, evidenciada no presente estudo, em relação à necessidade de migração laboral, em um país considerado continental, com diferentes questões socioculturais.

Com efeito, a pesquisa evidenciou que a maioria dos trabalhadores precisa migrar para outra cidade ou estado (61,3%), a fim de assumir o cargo ou o posto de trabalho. Contudo, declara residir com a presença de algum familiar (71%) na nova localidade, sendo composta por participantes casados ou em regime de união estável (76,1%), com filhos (78,1%).

 

Discussão

Os achados obtidos apontam para uma prevalência de 55,4% (p-0,2169) de presenteísmo, na amostra estudada. Ou seja, mais da metade dos trabalhadores da amostra se encontra atuando adoecida ou se sentindo mal, em um serviço caracterizado como emergencial à população. Tal resultado expõe a associação com o período de ápice laboral (p = 0,021). Recomenda-se acentuada atenção a esse resultado, sobretudo dado o tipo de atividade desempenhada, que exige prontidão, ação imediata e adequada. Identificou-se o fator 'distração evitada', associado a aspectos psicológicos, como uma maior influência nos indicadores de pontuações de nível elevado de comprometimento, no desempenho do trabalho, com cerca de 73,17%, conforme apresentado na Tabela 3.

Dados semelhantes foram encontrados em recente estudo, utilizando o SPS-6, em um serviço de emergência pré-hospitalar, na Espanha, com uma prevalência de 52,9% de presenteísmo. Tais resultados apresentaram associação com o estresse ocupacional em médicos (p = 0,049) e enfermeiros (p = 0,016) atuantes em serviços de emergência (Sánchez-Zaballos, Baldonedo-Mosteiro, & Mosteiro-Díaz, 2018). Estudo recente de Pie et al. (2020) relata a alta prevalência do presenteísmo em diferentes populações, sobretudo em ocupações que apresentem, entre outras questões, alta demanda no trabalho e estresse ocupacional.

No cruzamento das variáveis sociodemográficas e ocupacionais com o presenteísmo, destaca-se, de forma significativa, a variável tempo de serviço, enquanto policiais rodoviários federais, em quase todo o período de ápice laboral (respectivamente está de 03 --| 06 anos (64,3%), de 09 --| 12 anos (100%) e de 12 -- |15 anos (60% - p-valor para o Teste Qui-quadrado de 0,021). Entre a variável sexo e o presenteísmo , verificamos que, apesar de não apresentarem associações significativas, os resultados expõem um percentual de menor incidência de comprometimento no sexo feminino em relação ao masculino (respectivamente, 43,5% ante 57,6% - p-valor para o Teste Qui-quadrado de 0,211). A partir do mesmo prisma, vê-se que há menor incidência de presenteísmo nos policiais com estado civil solteiro (41,7%), em contraponto a aqueles com estado civil separado ou divorciado (75%) (p-valor para o Teste Qui-quadrado de 0,103). Estudos sobre o presenteísmo apontam um não consenso, na literatura, entre as variáveis sexo e estado civil e o presenteísmo (Johns, 2010; Pie et al., 2020).

Salienta-se que uma característica importante do trabalho realizado por equipes de serviços de emergência é o enfrentamento de demandas psicológicas. Na amostra estudada - de policiais rodoviários federais - cita-se, como exemplo, a responsabilidade pelas vidas das pessoas em um acidente de trânsito; e, simultaneamente, o controle e liberação do tráfego; além de possíveis coberturas midiáticas, que podem adicionar estresse para os trabalhadores. Tal contexto, consequentemente, evidencia, entre outras, (i) as vivências de estresse ao lidar com decisões entre a necessidade de ajudar pessoas e os riscos para a própria segurança do trabalhador, (ii) horas de trabalho extensas e imprevisíveis, (iii) a exposição do trabalhador na cena de um evento (e.g., desastre, acidente), (iv) além de possíveis consequências psicológicas posteriores, que podem levar a diferentes transtornos psicológicos e psiquiátricos (EU-OSHA, 2011).

Nesse sentido, ressalta-se que a maior frequência dos 55,2% da amostra de policiais rodoviários federais que declararam redução na capacidade de desenvolvimento do trabalho pelo presenteísmo, mensurado via SPS-6, encontra-se no grupo 'distração evitada' (73,17%), associado a aspectos psicológicos e à possibilidade significativamente reduzida de evitar estressores negativos no contexto de trabalho, que podem levar ao excesso de esforço e ao desgaste emocional. Pesquisas (Ângelo, 2016; EU-OSHA, 2011; Mekonnen et al., 2018) indicam que as profissões vinculadas aos serviços de emergência estão propensas a experimentar variados sintomas de estresse laboral, com reações cognitivas (desorientação, perda de memória), reações emocionais (choque, raiva, culpa, impotência), físicas (tensão, dor, fadiga) e psicossociais (desconfiança, isolamento, distanciamento).

Além disso, evidencia-se que esses trabalhadores possuem maior risco de desenvolver Transtorno por Estresse Pós-Traumático, mesmo sem terem sido expostos a grandes acidentes ou desastres (Ângelo, 2016; EU-OSHA, 2011). Um estudo realizado, recentemente, com policiais rodoviários federais de Campo Grande/ Mato Grosso do Sul, Brasil, constatou alta prevalência de Transtorno por Estresse Pós-Traumático (36,1%), com influência significativa (59%) entre o tipo de função desempenhada como fator de risco para o desenvolvimento do referido transtorno (Grillo, 2017).

Por outro lado, um estudo com policiais suecos constatou, entre outras questões, que os fatores do ambiente de trabalho estavam diretamente associados ao presenteísmo entre os agentes policiais, expondo, particularmente como mais afetados, os sujeitos que relataram boa autopercepção de saúde (Leineweber et al., 2010), sendo imperativa a analise ampliada desse complexo construto. Homrich et al. (2020) alertam para as percepções do trabalhador acerca de sua própria saúde ao pertencer a uma cultura e um sistema de valores. Laudelino Neto (2019) evidenciou, em um estudo com policiais, a importância dos valores e princípios éticos e, consequentemente, sua decorrente influência na construção da autoimagem do policial, com tendência a refletir na decisão de um comportamento presenteísta.

 

Considerações Finais

Constatou-se uma alta prevalência (55,4%) de comprometimento pelo presenteísmo, com repercussão, sobretudo, na capacidade de concentração (73,17%) dos policiais rodoviários federais investigados. Esses trabalhadores enfrentam, frequentemente, uma combinação complexa de diferentes fatores de risco, incluindo-se os psicossociais. Esses fatores compreendem, por exemplo, a imprevisibilidade das situações e a vivência de estressores negativos intrínsecos ao contexto de trabalho, com significativa dificuldade de redução dos estressores, que podem levar ao excesso de esforço emocional no desempenho laboral.

Estudos adicionais são necessários para a compreensão desse fenômeno, inclusive com análises retrospectivas de afastamentos por absenteísmo-doença. Sugere-se um acompanhamento longitudinal para análises aprofundadas, relacionadas ao presenteísmo, nessa população. O estudo demonstrou necessárias intervenções de caráter multidimensional, voltadas para essa problemática, que levem a ações preventivas e promotoras de saúde e qualidade de vida.

 

Referências

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Informações sobre os autores:
Alessandra Laudelino Neto
Rua Brasil, 948, Centro
Campo Grande, MS, Brasil
E-mail: alessandraneto.psico@gmail.com

Liliana Andolpho Magalhães Guimarães
E-mail: lguimaraes@mpc.com.br

Submissão: 08/04/2020
Primeira decisão editorial: 26/08/2020
Versão final: 09/09/2020
Aceite: 13/09/2020
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

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