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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.1 Brasília ene./mar. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/rpot/2021.1.20214 

Resenha do Livro "Psicología(s) Organizacional(es) Y Del(os) Trabajo(s): Coexistencia de realidades e implicaciones disciplinares y para las personas. Una Re-introducción", de Erico Rentería Pérez

 

"Psicología(s) Organizacional(es) Y Del(os) Trabajo(s): Coexistencia de realidades e implicaciones disciplinares y para las personas. Una Re-introducción", by Erico Rentería Pérez: A Book Review

 

Reseña del Libro "Psicología(s) Organizacional(es) Y Del(os) Trabajo(s): Coexistencia de realidades e implicaciones disciplinares y para las personas. Una Reintroducción", de Erico Rentería Pérez

 

 

Sonia Maria Guedes Gondim

Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

Informações sobre a autora

 

 

A primeira coisa que observo com atenção em uma produção acadêmica é o título. Considero-o fundamental para despertar a curiosidade do leitor em saber o que poderia ser encontrado no seu interior. Com este livro de Érico Rentería Pérez não foi diferente. Desde que fui presenteada pelo meu amigo e autor com um exemplar, fiquei me indagando qual seria a sua tese. Estaria ele defendendo haver perspectivas diversas de analisar o trabalho e as organizações, atendendo às múltiplas realidades com as quais nos deparamos na atualidade? Estaria afirmando também que essa variedade de perspectivas teria impactos nas intervenções práticas profissionais de POT?

Isso, a princípio, soava estranho, pois do meu ponto de vista estamos caminhando em termos políticos e legais para uma sociedade global marcada pela precariedade do trabalho. E essa precariedade está atingindo países e esferas sociais até então inatingíveis. E se a realidade se torna mais homogênea, reduz-se o espectro de visualização de realidades múltiplas, porque a experiência vai se tornando cada vez mais compartilhada. Ademais, à medida que cresce o compartilhamento aumentam as chances de se estabelecer um diálogo entre teorias até então concorrentes. Certamente que isto não significa unanimidade de pensamento, mas seguramente abrem-se as portas para um novo diálogo.

Foi com esta inquietação apriorística que comecei a ler o livro. No decorrer da minha leitura atenta fui constatando que Rentería estava ali abrindo um mosaico de questões importantes para um diálogo. Logo na apresentação o autor deixa claro que se propõe a sintetizar e ampliar reflexões acadêmicas e profissionais sobre POT. E de fato Rentería Pérez aborda perspectivas e conceitos clássicos, mas também aqueles pouco explorados. Um dos aspectos meritórios do livro é que mesmo adotando pontos de partidas diversos em cada um dos 11 capítulos, o autor consegue provocar reflexões críticas em alunos e profissionais em formação na área de POT, embora não facilmente respondíveis. Apesar de o subtítulo do livro mencionar ser uma re-introdução a questões teóricas e práticas da área, exige familiaridade com alguns autores e aportes conceituais para que se possa desfrutar da leitura. Avalio ainda que os múltiplos pontos de partida, que fazem com que os capítulos possam ser lidos de modo independente, devem-se tanto ao vasto repertório intelectual do autor, que o permite transitar entre variados autores e abordagens, quanto de sua rica trajetória como docente, pesquisador e consultor.

O livro está organizado em três partes. A primeira tem um foco mais conceitual, destacando as tendências sociais, organizacionais e do trabalho, que estão na base de referenciais teóricos adotados no campo de POT. A segunda parte se dedica ao trabalho como categoria social e atividade concreta, em que o autor analisa também as relações entre pessoas-trabalho-organizações-contextos. A terceira parte se dedica mais detidamente aos contextos organizacionais e aos processos relacionados à gestão humana no trabalho. Avança na proposição de reflexões e questionamentos para subsidiar intervenções práticas.

Na primeira parte do livro, composto de dois capítulos, Rentería parte de indagações oriundas da Antiguidade grega para diferenciar o simplesmente viver a vida (Zoé) do dar sentido à vida (Bio). O Bio seria fruto de uma construção social, que se mostra dinâmica envolvendo o processo de socialização, os valores e a cultura. O trabalho assumiria um duplo caráter: fazer com que a vida seguisse seu curso (Zoé), mas também dando sentido e significado a este modo de fazer para seguir vivendo (Bio). No entanto, esse modo de viver e dar sentido à vida ultrapassa a dimensão individual, psicológica e espiritual, interindividual e social, podendo ser imposto também por condições econômicas e políticas que forçam configurações particulares de relações entre os homens, incluindo as que regem o trabalho (biopolítica).

O Bio, portanto, abriga diversas visões de mundo expressas em padrões culturais que difundem formas de conceber, entender e simbolizar a realidade, e que se sustentam ainda no jogo de forças políticas que organizam a sociedade (biopolíticas). Que trabalho queremos? Que relações de trabalho são aceitáveis e justas? Como dividir o trabalho? Que tipos de trabalho devem ser valorizados? As respostas a essas indagações estão na base da construção social que produz sentido e cria materialidade à vida humana e ao trabalho.

Três bases teóricas orientam os argumentos de Rentería Pérez. A primeira delas tem origem em pensadores da chamada Escola de Frankfurt (teoria da crítica social). Para Adorno e Horkheimer, por exemplo, a ciência tem um caráter paradoxal, por ser ao mesmo tempo libertadora e opressora, ao se levar em conta o jogo de forças sociais. A outra perspectiva encontra inspiração na metáfora de Bauman sobre o estado de liquidez da modernidade. A metáfora sugere que as transformações sociais ocorrem na forma e na aparência e não no conteúdo. O líquido se ajusta aos limites da forma. Isso ajuda a compreender a proliferação de alguns conceitos na área de POT que visam acompanhar as mudanças aparentes, embora mantenham a mesma essência. Vou dar um exemplo banal: o termo empregado foi gradativamente sendo substituído por colaborador, sem que as relações hierárquicas fossem de fato suprimidas. Incorporamos um discurso de moda, acompanhando a fluidez da dinamicidade da vida.

A terceira base teórica de que Rentería lança mão é a apresentada por Schvarstein, autor que analisou as repercussões das tendências macrossociais no desenho organizacional. Esse autor afirma que nos encontramos ante processos radicais de individualização e de responsabilização do trabalhador pela condicão em que se encontra. Avança em uma crítica aos psicólogos que ajudaram a sustentar discursos autoreferentes, principalmente pautados em conceitos intrapsíquicos, como o de competências e de empregabilidade. Aqui não estou condenando o uso desses conceitos, mesmo porque me dedico principalmente ao primeiro deles, mas a um posicionamento acrítico sobre os limites dos recursos do trabalhador para fazer frente às crescentes demandas do trabalho e das organizações.

Rentería Pérez reiteradas vezes se refere às novas configurações do trabalho como uma reinstituicionalização do trabalho, e como parte de um projeto de aceleração da globalização, principalmente decorrente de novas tecnologias e formas de gerenciar o trabalho. Essa reinstitucionalização também se vê forçada pelo aumento da expectativa de "vida do trabalhador fora do trabalho", pois os aposentados podem iniciar um novo e longo ciclo de vida após findar o seu ciclo de trabalho remunerado. Essa reinstitucionalização do trabalho também é marcada pela naturalização e difusão da precariedade laboral e da insegurança de vínculos jurídicos de trabalho (para alguns inevitável e irreversível), além da disparidade social que juntos levam os trabalhadores a terem mais dificuldade de aceder ao sistema produtivo e ao consumo de bens e serviços. A desigualdade entre grupos se expande.

O trabalho passa a assumir sentidos bem diferenciados para diversos segmentos da população: para poucos seria um espaço social dotado de sentido, para a maioria fonte de sofrimento e exploração. Ocorre aí uma fratura social pelo trabalho.

O risco é de que o trabalho deixe de atuar como um organizador social, com impactos nas pessoas e nas organizações de trabalho. Rentería alerta que a psicologia começou a se preocupar com a função social do trabalho mais tardiamente, e a agravante é que a Psicologia Organizacional e do Trabalho assentou fortemente a sua produção de conhecimento teórico nos vínculos estáveis com o trabalho. Um dos aspectos-chave da precariedade é justamente a perda da estabilidade do vínculo, que se torna transitório. Outros conceitos passam a ser criados para dar conta de explicar novos fenômenos que até então não se faziam presentes e acabam sendo incorporados no discurso psicológico de maneira acrítica. O de empregabilidade é um deles. Um conceito que envolve o conjunto de competências que uma pessoa deve ter para estar apta a atender às novas demandas do trabalho (alta preparação técnica e flexibilidade de adapatação). A empregabilidade atende a uma necessidade hodierna de se criar padrões de perfis profissionais que almeja ser um dispositivo para a inclusão social. E muitas vezes a Psicologia embarca nesta ilusão fazendo uso de arcabouços técnicos para preparar mão de obra para a inserção laboral, mesmo reconhecendo que a grande maioria não encontrará um lugar para trabalhar. Não basta estar preparado tecnicamente para se inserir no mundo do trabalho. É neste ponto que Rentería Pérez faz um apelo para que a Psicologia considere criticamente aspectos epistemológicos e éticos nas práticas e nos discursos psicológicos que difunde.

A caracterização das modalidades de trabalho na atualidade (uma figura e uma tabela do capítulo 4 ilustram bem esta caracterização) exige um repertório conceitual que POT ainda não desenvolveu a contento. Rentería Pérez acrescenta que os sistemas de formação atuais e os processos de socialização para o trabalho precisam ser revisados, para assumir a coexistência de formas de trabalhar vigentes no momento.

A lacuna entre as modalidades de trabalho na atualidade e o referencial teórico de que dispomos em POT se deve também a uma construçao teórica descontextualizada e a ênfase mais na instrumentalização (meio para se chegar a um fim) do que no aprofundamento e consistência teórica. Isso contribui para uma rápida obsolecência teórico-prática. O reconhecimento da organização como um fenômeno psicossocial exige um referencial teórico que inclua a dinamicidade da vida social como dispositivo analítico. Significa entender a organização como um campo sistêmico, aberto, simbólico e em processo de reconstrução. As organizações não se mostram mais estáveis e permanentes, são fluidas. Em parte fruto do processo de interação cotidiana no exercício de múltiplos papéis que se vêem cada mais flexibilizados. É preciso então considerar haver grandes mudanças nas relações homem-trabalho-organização.

A flexibilidade e a fluidez no mundo do trabalho estão levando a uma crescente individualização das relações de trabalho, exigindo menos de um agente para fazer esta intermediação, o gestor de pessoas. Exige-se cada vez mais autonomia do trabalhador, sendo ele agente de seu próprio trabalho. Ele, trabalhador, senhor de seu tempo e de seus recursos. Ele como definidor de sua produtividade. Se admitirmos que isto está ocorrendo, qual será o futuro do gestor de pessoas? Afinal de contas, historicamente o gestor de pessoas atua como um mediador das relações entre trabalhador e organização. Essa é uma questão difícil de ser respondida e ao mesmo tempo desafiadora para a identidade de uma área de conhecimento e prática, que aposta na gestão como componente que une trabalho e organização.

A organização está perdendo a sua face e o seu contorno. Pode vir a assumir somente um papel de intermediação direta entre prestador de serviço e o consumidor. Cresce o número de plataformas de intermediação de serviços que se apresentam como organizações sem face (física) e estamos vendo isto crescer na pandemia da Covid-19 que recomenda o isolamento social para conter a velocidade da contaminação pelo novo coronavírus. Isso obviamente tem impactos nas intervenções que os psicólogos organizacionais e do trabalho podem vir a fazer. Outra indagação que nos inquieta como pesquisadores, estudiosos e profissionais da área é a seguinte: Temos repertório para atuar profissionalmente nesses novos contextos? Como afirma Rentería Pérez já não é mais possível o uso da técnica pela técnica. A longo, médio ou curto prazo a intervenção profissional não pode prescindir de uma ancoragem no nível macro sistêmico, pois esse nível repercute de modo decisivo no entendimento que temos das relações homem-trabalho-organização.

Ainda que a Psicologia se veja tentada a atuar no nível individual, por raiz, não se pode ignorar que este indivíduo que trabalha faz parte de um jogo de forças que envolve aspectos econômicos (obtenção e utilização de recursos), sociais (tipos de relações entre os homens), políticos (jogos de influência na tomada de decisão), legais (marcos regulatórios gerais) e morais (respeito pelo outro). Tudo isso regula as relações entre os homens, incluindo as do trabalho. A Psicologia sozinha não consegue fazer frente a isso.

Gostaria de neste ponto retomar o meu diálogo com Rentería Pérez com base na minha inquietação original em relação ao título. Será que ao advogar múltiplas psicologias organizacionais e do trabalho não correríamos o risco de um esvaziamento com perda de referentes? A meu ver, o reconhecimento da disseminação da fragmentação, da precarização e da individualização no mundo do trabalho aumenta as chances de maior convergência de pensamento, ao invés de distanciamento. Exemplo dessa convergência se mostra visível ao assistirmos, às vezes passivamente, à expansão da precariedade do trabalho no mundo, ao aumento da extrema desigualdade e de formas institucionalizadas (legalizadas) de injustiças, especialmente no trabalho.

Gostaria de agradecer ao meu amigo e colega Érico Rentería Pérez que mediante a leitura de seu livro me permitiu divagar e dar voz as minhas inquietudes sobre as idiossincrasias de nosso campo de conhecimento. Convido professores, profissionais e estudantes em formação a se aventurarem em uma leitura provocadora, repleta de trilhas que oferecem mais o ponto de partida do que o ponto de chegada, sendo profícuas para aqueles que não temem reconhecer as encruzilhadas que a área de POT nos reserva para os próximos anos.

 

 

Informações sobre a autora:
Sonia Maria Guedes Gondim
Rodrigo Argolo, 293, apto 502
Rio Vermelho, Salvador - BA.CEP: 41940-220
E-mail: sggondim@gmail.com

Submissão: 25/03/2020
Primeira decisão editorial: 11/02/2021
Versão final: 11/02/2021
Aceite: 11/02/2021

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