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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.2 Brasília abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/rpot/2021.2.20172 

Adaptação e evidências de validade de um instrumento de mudança organizacional no contexto da educação a distância

 

Adaptation and evidence of validity of an organizational change instrument in the context of distance education

 

La adaptación y la evidencia de la validez de un instrumento de cambio organizacional en el contexto de la educación a distancia

 

 

Raíssa Bárbara Nunes Moraes AndradeI; Thaís ZerbiniII; Irene Kazumi MiuraIII

ICentro Universitário UNIFAFIBE, Brasil
IIUniversidade de São Paulo(USP), Brasil
IIIUniversidade de São Paulo(USP), Brasil

 

 


RESUMO

A efetividade da educação a distância na formação e capacitação de professores é uma questão que, apesar de não recente, mostra-se um desafio teórico e prático. A Mudança Organizacional está relacionada aos efeitos produzidos com os programas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação de Pessoas que causam alterações nos processos da instituição, sem configurar o atendimento dos objetivos organizacionais. Essa pesquisa objetivou adaptar e verificar evidências de validade do instrumento de Mudança Organizacional no contexto de educação a distância. O instrumento foi aplicado a 793 egressos de um curso de formação de professores da rede de ensino do estado de São Paulo e posteriormente passou por análises descritivas, exploratórias e confirmatórias. Os resultados demonstraram evidências de validade do construto e o bom ajuste do modelo, tendo o instrumento suas estruturas fatoriais provadas. O estudo mostra-se relevante devida à escassez de instrumentos que mensuram essa variável no contexto de educação a distância.

Palavras-chave: análise fatorial confirmatória, educação a distância, mudança organizacional.


ABSTRACT

The effectiveness of e-learning in teacher education and training is an issue that, although not recent, proves to be a theoretical and practical challenge. Organizational change is related to the effects produced by the training, development and education of people programs that cause changes in the institution's processes, without configuring the fulfillment of organizational objectives. This research aimed to adapt and verify evidence of validity of the organizational change instrument in e-learning. The instrument was applied to 793 graduates of a teacher education course in the state of São Paulo and subsequently underwent descriptive, exploratory, and confirmatory analyses. The results showed evidence of construct validity and good fit of the model, with the instrument having its factor structures proven. The study is relevant due to the scarcity of instruments that measure this variable in the context of e-learning.

Keywords: confirmatory factor analysis, distance education, organizational change.


RESUMEN

La efectividad de la educación a distancia en la formación y capacitación de profesores es un tema que, aunque no sea reciente, es un desafío teórico y práctico. El cambio organizacional está relacionado con los efectos producidos por los programas de capacitación, desarrollo y educación de las personas que promueven cambios en los procesos de la institución, sin configurar el cumplimiento de los objetivos organizacionales. Esta investigación tuvo como objetivo adaptar y verificar las evidencias de la validez del instrumento de cambio organizacional en la educación a distancia. Se aplicó el instrumento a una muestra de 793 egresados de un curso de formación docente en el estado de São Paulo y posteriormente se sometió a análisis descriptivos, exploratorios y confirmatorios. Los resultados mostraron evidencias de la validez del constructo y un buen ajuste del modelo, y las estructuras de factores del instrumento fueron probadas. El estudio es relevante debido a la escasez de instrumentos que evalúan esa variable en el contexto de la educación a distancia.

Palabras clave: análisis factorial confirmatorio, educación a distancia, cambio organizacional.


 

 

A educação a distância (EAD) vem sendo considerada apropriada para a área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação de Pessoas (TD&E), que passou por transformações devido à expansão e ao aprimoramento da área da tecnologia da informação e comunicação (TIC) (Bell, Tannenbaum, Ford, Noe & Kraiger, 2017; Mill, Dias-Trindade, & Moreira, 2019; Raymond, Alena, Clarke, & Klein, 2014). A EAD é utilizada inclusive na formação e qualificação profissional de professores, que cada vez mais tentam encontrar novos caminhos para seu desempenho profissional. Porém, nem sempre essa formação é adequada (Prestes, Bos, Castro, & Pizzato, 2019). Nota-se uma dificuldade na implementação de estruturas flexíveis para a formação de professores em cursos presenciais, o que pode ser resolvido com a inserção da EAD. As formações híbridas (encontros presenciais unidos à aulas online) vêm demonstrando qualidade, apesar de ainda serem escassas (Gatti, 2016). Lupepso e Sá (2018) apontam que, quando pautada em sólidos princípios educacionais, bem planejada e implementada e com recursos tecnológicos e humanos a seu dispor, a EAD é uma forte aliada nos cursos de formação de professores. Fazer uso dessa modalidade nas ações educacionais ofertadas a professores pode, entre outras coisas, reduzir custos e democratizar o acesso à educação. Ainda, pode auxiliar na socialização dos conhecimentos e desenvolvimento de habilidades voltadas ao uso das TIC's em sala de aula, que vêm cada vez mais fazendo parte do cotidiano escolar. Apesar do crescente interesse pelos cursos ofertados a distância e do reconhecimento dos benefícios e vantagens dos mesmos, ainda restam graves hiatos na produção e sistematização dos conhecimentos da área de forma que análises e discussões que versem sobre ações educacionais a distância se fazem necessárias (Martins & Zerbini, 2015; Umekawa & Zerbini, 2015).

De acordo com Borges-Andrade (2006), pode-se considerar que as ações de TD&E são estruturadas a partir de três subsistemas basais: Avaliação de necessidades de ações instrucionais; Planejamento e Execução, e Avaliação de treinamento. No que tange à avaliação das ações educacionais, os estudos realizados no âmbito deste subsistema concentram seus esforços no refinamento das metodologias e procedimentos hábeis a analisar ações educativas de modo a garantir a transferência e aplicação das competências adquiridas (Bell et al., 2017). Ademais, estudos voltados à avaliação da efetividade de ações instrucionais ainda são escassos e apresentam incongruências quanto aos objetivos pretendidos (Iglesias & Salgado, 2012; Malvezzi, 2015).

A avaliação de ações educacionais a distância é algo realizado com pouca frequência e em alguns casos, de maneira não sistemática. Picchi (2010) afirma que as definições de Mudança Organizacional são bastante variadas. Freitas e Mourão (2012) definem Mudança Organizacional como as alterações nos processos da instituição, produzidas na forma efeitos de determinado programa de TD&E, sem que configure diretamente o atendimento dos objetivos organizacionais.

O trabalho de Picchi (2010) teve como um de seus produtos o desenvolvimento de um instrumento que mensura Mudanças Organizacionais advindas de treinamento. A medida desenvolvida para este estudo é uma medida genérica desenvolvida para poder ser utilizada para qualquer ação educacional. Isso traz benefícios e também limitações. O ganho metodológico está na possibilidade de generalização, de compilação de dados de diversas iniciativas educacionais, podendo atingir uma amostra maior e mais variada para avaliar o fenômeno em questão. Ademais, permite estimar a contribuição das diversas capacitações como um conjunto. Com as limitações de uma medida dessa natureza, com a padronização dos itens, pode-se estar perdendo precisão. Um evento pode ser desde o princípio planejado para gerar um resultado que não se reflete de maneira adequada nos itens genericamente elaborados. Ao desenvolver uma medida perceptual de Mudança Organizacional, a autora afirma que algumas mudanças, como alterações da cultura organizacional e de valores, podem ser mais bem captadas pela percepção dos indivíduos. Além disso, cita que o uso de indicadores duros para mensurar Mudança Organizacional traz a limitação e a dificuldade de identificar o quanto as alterações identificadas se referem àquela ação educacional e não a outros fatores do contexto interno e externo da organização. Há limitações para ambas as formas de medidas: perceptuais e indicadores brutos do desempenho organizacional. Assim, sugere a utilização conjunta das duas formas de mensuração.

Ao realizar-se uma revisão bibliográfica, verificou-se que a variável Mudança Organizacional é estudada em contextos corporativos, que se difere do contexto da presente pesquisa. Contudo, a escola é sim um ambiente organizacional. O trabalho exercido na escola gera fonte de renda, e a dinâmica de uma instituição escolar vive um fenômeno grupal envolvendo um consenso sobre determinadas percepções que englobam aspectos psicológicos, sociais e físicos do ambiente, afetando o comportamento humano. A escola impacta as pessoas que ali trabalham, as quais interferem nos objetivos da instituição/organização, que por sua vez, atrelada a outros microssistemas, interferem na família, comunidade etc. (Benetti, Roberti Junior, Wilhelm, Deon, & Ros, 2016). Vale lembrar que a análise teórica dos dados foi realizada sob a ótica da área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação de Pessoas, dentro da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT). Dessa forma, tanto a definição de Mudança Organizacional, quanto a revisão de literatura e a interpretação dos dados remetem a estudos da área de avaliação de treinamentos dentro da POT.

Considerando a relevância da EAD na formação de professores, bem como a necessidade de avaliar ações educacionais ofertadas a distância a nível de Mudança Organizacional, o presente estudo teve como objetivo verificar evidências de validade de um instrumento de Mudança Organizacional adaptado para ações educacionais ofertadas a distância para professores.

 

Método

Participantes

O presente estudo foi desenvolvido junto a uma amostra de professores da rede pública estadual de ensino no Estado de São Paulo. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) demonstrou interesse em estabelecer uma parceria de pesquisa para este projeto. O curso avaliado foi "Curso Específico de Formação aos ingressantes nas classes docentes do Quadro do Magistério - PEB I", também chamado de "Curso de Ingressantes PEB I", de caráter semipresencial, com o objetivo de proporcionar um panorama da estrutura da SEE-SP, de sua política educacional e do currículo aplicado em suas escolas a todos os profissionais aprovados e empossados por concurso. Essa ação de formação contempla os professores ingressantes provenientes de concursos para provimento de 59.000 cargos de Professor Educação Básica. O curso tem 360 horas de carga horária total, e será organizado em duas etapas. A "Etapa 1 - Fundamentos Básicos" será composta por cinco módulos de formação geral que tem como objetivo principal evidenciar a atuação profissional do professor. A "Etapa 2 - Ensino em Foco" será composta por dez módulos visando à formação dos professores para atuar em cada uma das disciplinas específicas: Arte, Biologia, Ciências, Educação Especial, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia etc.

Durante a análise dos objetivos gerais do curso, notou-se uma possível falta de alinhamento entre o que é esperado dos professores no ambiente de trabalho e o que foi adquirido em termos de competência ao longo do curso. Em outros termos, a transferência de competências adquiridas pode não condizer com o desempenho esperado ao final do curso. Dessa forma, o curso poderia possibilitar atividades mais voltadas para a prática, para que esse alinhamento fique mais próximo.

Participaram desse estudo 793 egressos do Curso de Ingressantes. As informações coletadas mostram que a maioria dos professores é do sexo feminino (95,4%), com Ensino Superior Completo (45,8%) e com experiência anterior em cursos ofertados a distância (77,4%). Possuem, em média, 40 anos de idade (DP = 9,28), sendo 42 anos a idade mais frequente, 23 anos a mínima e 67 anos, a máxima.

A Diretoria de Ensino que possui mais participantes é a Sul 3 (7,8%). Nesse quesito, vale destacar a amplitude do estudo: 41 Diretorias de Ensino tiveram representação, que por sua vez representam 45% de todas as Diretorias do Estado de São Paulo. Nota-se representantes da Capital do Estado e das cidades do interior.

Por mais que a maioria dos professores participantes tenham de 6 a 10 anos de docência (32,5%), a maioria possui apenas de 1 a 5 anos de vínculo com a SEE-SP (55,9%). Esses dados sugerem que os professores já lecionavam em escolas que não estavam vinculadas à SEE-SP antes de ingressarem na Rede Pública Estadual de Ensino.

Por fim, os dados demonstram que a maioria dos professores (24,5%) lecionam no último ano do PEB I, o quinto ano. Além disso, a pesquisa contou com participação de Coordenadores Pedagógicos, Vice-Diretores e Diretores. Porém, a porcentagem desses participantes, se comparada aos professores, é baixa (∑ %=3,2%).

Instrumento

O instrumento de Mudança Organizacional, inicialmente construído por Picchi (2010), passou por alteração de conteúdo, incluindo palavras que fazem parte do contexto no qual foi utilizado, tais como "escola", "professores", etc. Além disso, o mesmo sofreu uma redução de itens, passando de 33 para 11 itens, visando a uma maior objetividade do instrumento, além de retirar itens que não são aplicáveis aos objetivos instrucionais do curso-alvo. Após essas alterações, o instrumento foi submetido à validação semântica e por juízes junto aos colaboradores da SEE-SP. A Tabela 1 mostra os dados do instrumento antes de sua adaptação para o presente estudo, enquanto a Tabela 2 aponta a relação de itens do instrumento de Picchi (2010) em comparação ao instrumento utilizado na coleta de dados. Cabe lembrar que o mesmo não passou por análise fatorial confirmatória.

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

A coleta de dados nesse estudo foi realizada totalmente a distância, por meio da internet, fazendo uso de uma ferramenta gratuita do Google (GoogleForms). Através da plataforma, os instrumentos foram transformados em questionário para serem administrados de forma online pelos participantes da pesquisa. A pesquisa ficou no ar por dois meses, tempo esse determinado pela própria SEE-SP que, segundo a própria experiência com pesquisas anteriores, informou que o retorno tende a zero depois desse período. Ainda assim, tivemos um bom retorno se considerado o fato de que a coleta foi realizada online. De uma população de cerca de 4.000 professores que finalizaram o curso, obteve-se 901 respondentes, dos quais 793 responderam completamente todos os questionários, e foram considerados de fato participantes da pesquisa. Sendo assim o índice de retorno, considerando os que efetivamente responderam à pesquisa, foi de 19,8%. Foi apontado pela SEE-SP que os professores geralmente não possuem uma boa participação em pesquisas, e esse retorno pode ser considerado alto. No que tange aos aspectos éticos para a realização de pesquisa, pontua-se que o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética local (CAAE nº 95854418.5.0000.5407).

Procedimentos de Análise de Dados

Para aplicação dos procedimentos de análise de dados, foram consultadas as orientações de Tabachnick e Fidell (2012). Foram realizadas análises descritivas (média, desvio-padrão, moda, mínimo e máximo) e exploratórias para investigar a exatidão da entrada dos dados, a presença de casos extremos, a distribuição dos casos omissos, a distribuição de frequência das variáveis e o tamanho das amostras. Para a verificação de evidências de validade do instrumento de medida, foram realizadas análises fatoriais exploratórias, utilizando os métodos dos componentes principais (Principal Components - PC) e de fatoração dos eixos principais (Principal Axis Factoring - PAF). As análises descritivas, exploratórias e fatoriais foram feitas no SPSS (Statistical Package for the Social Science) versão 21.0. Foram realizadas também análises fatoriais confirmatórias (AFC; Método de Máxima Verossimilhança) e de consistência interna (Alfa de Cronbach: α). Para julgar a bondade de ajuste do modelo, as medidas incrementais de ajuste (Goodness-of- Fit Index [GFI], Comparative-Fit Index [CFI] e Tucker Luwis Index [TLI]) deveriam ter valores superiores a 0,90 (idealmente > 0,95) e as residuais (Root Mean Square Residual [RMSR] e Root Mean Square Error Approximation [RMSEA]), inferiores a 0,08 (idealmente < 0,05) (Martins, Zerbini, & Medina, 2018). Para a AFC, foi utilizado o software SPSS AMOS versão 21.0.

 

Resultados

Análises Descritivas

O questionário de Mudança Organizacional mensura o efeito do curso sobre os processos na escola, ou seja, mede se após o treinamento, houve alguma alteração no funcionamento dela. O instrumento é composto por 11 itens, que questiona se após o curso, aconteceram mudanças apontadas em cada um deles. Os itens estão associados a uma escala que varia de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente). Os resultados descritivos de seus itens podem ser visualizados na Tabela 3. Os valores mínimo e máximo foram omitidos dessa tabela, uma vez que apresentam valor igual a um e cinco, respectivamente.

Analisando as médias obtidas, que variam de 2,73 a 3,93, percebe-se o curso de ingressantes contribuiu razoavelmente para que ocorressem mudanças na dinâmica escolar, segundo a opinião dos participantes da pesquisa. Os desvios padrão, um pouco mais elevados, demonstram que houve uma variedade nas respostas dos participantes. Ou seja, alguns percebem essas mudanças de maneira nítida, outros nem tanto. Os casos omissos, nesse instrumento, apresentaram uma representação baixa, variando entre 0,4% e 1,5. A pontuação que mais aparece (moda) nos itens é a 4 (quatro) na maioria deles, com o 3 (três) aparecendo somente no item 10.

De uma maneira geral, verifica-se que não houve grande discrepância na avaliação dos itens, tendo todos eles, recebido notas próximas a 3,5; com exceção, mais uma vez, do item 10. Os itens que apresentaram as maiores médias foram o 3 (M=3,93 e DP=1,06) e o 5 (M=3,93 e DP=1,04) - com concentração de respostas superior a 70% entre os pontos de 4 e 5 na escala. Portanto, os professores acreditam que o curso de Ingressantes PEB I colaborou moderadamente (percebe-se isso pelas médias mais altas que não chegam a quatro) para que acontecessem mudanças na escola. Além disso, eles acreditam que as mudanças ocorreram de forma gradativa, e que a principal mudança foi a alteração na maneira com que eles trabalham.

Isso condiz com os itens que tiveram a média mais baixa (Item 2: M=3,13 e DP=1,23 e Item 10: M=2,73 e DP=1,23). Tais itens demonstram que, na opinião dos professores, as mudanças não aconteceram de maneira repentina, confirmando as médias mais altas que dizem que as mesmas aconteceram gradualmente. Também, segundo os participantes, o curso de Ingressantes PEB I pouco contribuiu para que houvessem mudanças nos processos administrativos da escola. Contudo, tais itens apresentaram os maiores desvios-padrão, indicando que, nesses casos, houve uma maior discrepância nas respostas dos participantes. A diferença entre os itens 2 e 10 é que, no caso do último, a pontuação que mais apareceu foi a 3; e no caso do primeiro, foi a 4. Isso quer dizer que, quando se fala de mudanças administrativas, a maioria dos participantes concorda um pouco que o curso contribuiu para que elas acontecessem. Por fim, a maioria dos participantes discorda parcialmente ou totalmente de que o curso contribuiu para que acontecessem mudanças repentinas na escola; pois, por mais que o valor que mais apareceu no item foi o 3, a maior concentração de respostas está nos valores 1 e 2.

Em suma, percebe-se que o curso de Ingressantes PEB I contribuiu de maneira razoável para que acontecessem mudanças na escola, com foco no comportamento dos professores. Esse é um resultado esperado, uma vez que o curso é voltado para que os cursistas adquiram competências que podem alterar sua maneira de trabalhar.

Análise Fatorial Exploratória

A PC inicialmente sugeriu uma estrutura fatorial empírica com dois componentes que explicam, em conjunto, 63,62% da variância total das respostas dos participantes aos itens do questionário. A análise dos valores próprios e o scree plot confirmaram essa possibilidade. A análise paralela de Horn também indicou a presença de dois fatores.

Foi realizada a PAF a partir dos resultados das análises prévias apresentadas acima. A solução inicial continha dois Fatores, sendo o Fator 1 com nove itens e valor de α de 0,92 e o Fator 2 com dois itens e valor de α de 0,59. Aqui, nota-se dois problemas graves: um fator com apenas dois itens, o que não é recomendado pela literatura; e um valor de α abaixo e 0,7, que é considerado o valor mínimo aceitável segundo Tabachnick e Fidell (2012). Além disso, teoricamente, faz mais sentido uma estrutura unifatorial. Dessa maneira, testou-se a estrutura unifatorial, e obteve-se um instrumento de 10 itens, uma vez que o item 9 "Atingiram apenas os professores" foi retirado da escala por apresentar carga fatorial inferior a 0,30. Por fim, ao analisar o valor do índice de consistência interna (α), inicialmente de valor 0,90, percebe-se que, caso retirarmos o item 10 "Aconteceram de forma repentina", o mesmo recebe valor de 0,92. Tal exclusão faz sentido na presente amostra, na qual o item recebeu a menor média das análises descritivas, indicando que não se aplica ao curso-alvo do presente estudo. Além disso, na solução de 1 Fator, o mesmo recebeu uma carga fatorial de 0,38, que é considerada muito baixa, e uma comunalidade de 0,14, também extremamente baixa, indicando que o item não está representando a amostra adequadamente.

Sendo assim, ficou-se com uma solução unifatorial de nove itens, cujas cargas fatoriais variam entre 0,68 e 0,83, e índice de consistência interna equivalente a 0,92 - o Fator único explica 48,18% da variância total das respostas aos itens do instrumento. A Tabela 4 mostra a estrutura empírica encontrada após essas análises.

Análise Fatorial Confirmatória

O modelo hipotético inicial (estrutura empírica unifatorial com nove itens e α = 0,92), não apresentou bons valores para os indicadores de ajuste. Sendo assim, foram consultados os índices de modificação, que indicou uma correlação entre os erros e1-e2 (r=0,35). Os itens 1 "Afetaram toda a escola" e 4 "Afetaram os processos administrativos da escola" possuem semelhanças em sua escrita, o que pode ser o motivo pelo qual apresentaram uma correlação, uma vez que alguns participantes podem ter entendido como um mesmo construto. Porém, ainda depois da inserção das correlações, os índices CMIN/DF e RMSEA ainda não estavam satisfatórios. Consultando novamente os índices de modificação, foi sugerida a inserção das correlações entre os erros e5-e6 (r=0,23) e e8-e11(R=0,22). Os itens 5 "Foram acontecendo gradualmente" e 6 "Surgiram por iniciativa dos próprios professores"; e os itens 8 "Fizeram as pessoas mudarem seus comportamentos" e 11 "Modificaram a dinâmica da escola" tratam sobre de que maneiras ocorreram as mudanças na escola, e apresentaram correlação entre si.

No Modelo re-especificado 2, com a inclusão de correlação entre os pares de erros e1-e2, e5-e6 e e8-e11, obteve-se melhores valores dos indicadores de ajuste (Tabela 4 e Figura 1), em comparação com o anterior, corroborado pelo índice de parcimônia BIC, apontando que este é mais ajustado (ΔBIC=130,90), embora os índices CMIN/DF e RMSEA mantenham-se fora do padrão considerado aceitável. Os itens apresentam distribuição normal, estando seus valores abaixo dos de referência |-2 e 2|: assimetria (de -1,18 a -0,47) e curtose (de -0,62 a 1,18). A Tabela 5 e a Figura 1 mostram esses resultados.

 

 

 

 

Discussão

A escola é cercada de práticas que questionam e avaliam permanentemente o trabalho docente, o que torna necessária a formação contínua de professores, focando em alterações na escola, além da valorização desses colaboradores. Apesar dessa necessidade, pouco tempo é dedicado à formação de professores, o que leva à estagnação da evolução de suas das práticas profissionais (Mucharreira, 2016). Nesse contexto, estudar a Mudança Organizacional advinda de ações de TD&E voltadas para professores ganha relevância, uma vez que poucas ações para esses profissionais se focam no ambiente escolar e nas alterações de dinâmica que podem acontecer consequentemente à sua capacitação.

O instrumento de medida utilizado nessa pesquisa foi adaptado para o contexto de formação e qualificação de professores. Dessa forma, ele foi submetido novamente à análise fatorial exploratória e, pela primeira vez, à análise fatorial confirmatória. A adaptação tornou-se necessária devido ao fato de que o contexto desse estudo é muito particular, e por mais que estejamos falando de professores enquanto colaboradores de uma organização que é a escola, o ambiente é muito diferente de um ambiente corporativo tradicional.

Para verificar se o instrumento estava adequado à pesquisa, foram realizadas rigorosas análises estatísticas, que por sua vez, apontaram para as evidências de validade do construto e o bom ajuste do modelo, tendo suas estruturas fatoriais provadas. Martins et al. (2018) afirmam que medidas mais parcimoniosas, além de válidas e confiáveis, tornam-se mais fáceis e rápidas de responder, agilizando o processo de aplicação quando da coleta de dados em avaliações em geral, implicando ainda na produção de resultados fidedignos.

O instrumento de Mudança Organizacional visou a mensurar as mudanças ocorridas nos processos organizacionais, sem afetar os objetivos estratégicos, após a realização de cursos a distância pelos professores, segundo a percepção deles. Durante as análises exploratórias, pode-se perceber que o item que apresentou maior média foi o que dizia que, após o curso, os professores mudaram a forma de trabalhar. Uma possível explicação é que, segundo Gatti (2016), no geral, não há uma delimitação clara do perfil profissional do professor, e os cursos de formação têm um papel fundamental nesse sentido. A menor média foi atribuída ao item que afirmava que as mudanças ocorreram de forma repentina, o que condiz com a definição de Mudança Organizacional (Mourão & Borges-Andrade, 2005) que afirma que as mudanças levam certo tempo para acontecer; o que justifica a aplicação de questionários que mensuram esse construto, algum tempo após o fim do treinamento.

Após a sua adaptação para o estudo, com a redução dos 33 itens iniciais (Picchi, 2010) para os 11 no momento da aplicação, além de apresentar modificação na escrita dos itens, houve adequação ao contexto de investigação, e o instrumento apresentou uma estrutura unifatorial após a verificação de evidências de validade. Dois itens apresentaram cargas fatoriais baixas, e levariam a um alfa mais robusto caso fossem excluídos, o que aconteceu, levando ao instrumento final possuir nove itens, com bom índices de confiabilidade, validade e ajuste do modelo. Os itens retirados fazem sentido teoricamente para o presente estudo, uma vez que no momento das análises descritivas, foram os itens que receberam duas das menores médias. Considerando-se o objetivo do estudo, percebe-se que, segundo os participantes, as mudanças aconteceram gradativamente e afetaram toda a escola. O estudo de Picchi (2010) apresentou uma estrutura de dois fatores, denominados Mudança Radical e Mudança Incremental. Nesse estudo, além dos itens retirados antes da aplicação do instrumento, permaneceram seis itens do fator de Percepção de Mudança Organizacional Radical da versão original e três itens do fator de Percepção de Mudança Organizacional Incremental, também da versão original, todos agrupados agora no presente estudo, no mesmo e único fator.

Em relação especificamente a esse contexto de estudo, é importante destacar sua importância no cenário atual. Os autores Pino e Zuin (2012) afirmam que a cultura digital se dissemina de forma cada vez mais acelerada, determinando importantes transformações radicais nos processos formativos dos professores. Os referidos autores destacam que novos desafios se aproximam quanto à formação dos professores, inclusive a transformação na relação entre teoria e prática pedagógica em virtude da mediação constante das TIC's no modo como os professores se relacionam com os alunos, seja presencialmente ou a distância. Desta forma, esse estudo contribuiu, dentro da área de TD&E, para compreender melhor sobre a forma como acontece essa formação de professores, e suas consequências para a escola, chamadas aqui de Mudança Organizacional.

A partir dos resultados obtidos na verificação de evidências de validade do instrumento, considera-se que o estudo contribuiu para que futuras ações educacionais sejam avaliadas. O instrumento de Mudança Organizacional com um número reduzido de itens e uma estrutura unifatorial proporciona maior facilidade de aplicação, sem prejudicar a fidedignidade dos resultados. Uma possível limitação está relacionada à baixa participação dos gestores na coleta de dados. Visando o aprimoramento dos instrumentos, sugere-se a aplicação em contextos e amostras diferentes, com a respectiva verificação de evidências de validade. Além disso, recomenda-se a utilização de indicadores brutos também para a Mudança Organizacional, por exemplo, índice de rotatividade de funcionários, índice de absenteísmo, melhorias de processos etc.

Considerando a crescente presença e importância das ações educacionais ofertadas a distância, inclusive para colaboradores no contexto escolar, a utilização de instrumentos de medida robustos podem auxiliar no planejamento, implementação e avaliação dessas ações. Espera-se que esse estudo possa colaborar com a área de avaliação e programas de TD&E na modalidade a distância.

 

Referências

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Informações sobre os autores:
Raíssa Bárbara Nunes Moraes Andrade
Rua Heitor Chiarello, 480. Ap 44. Jardim Irajá
14020-520 Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: raissa.nmoraes@gmail.com

Thaís Zerbini
E-mail: thais.zerbini@gmail.com

Irene Kazumi Miura
E-mail: ikmiura@usp.br

Submissão: 18/03/2020
Primeira decisão editorial: 13/11/2020
Versão final: 16/11/2020
Aceite: 17/11/2020

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