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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.1 Brasília ene./mar. 2022

http://dx.doi.org/10.5935/RPOT/2022.1.22321 

10.5935/RPOT/2022.1.22321 ARTIGOS

 

A gestão a partir da psicodinâmica do trabalho: revisão sistemática da literatura

 

Management from the perspective of psychodynamics of work: systematic literature review

 

La gestión desde la psicodinámica del trabajo: revisión sistemática de la literatura

 

 

Lorena Fernandes; Ana Clara Di Coimbra Oliveira; Emílio Peres Facas; Gisela Demo

Universidade de Brasília (UnB), Brasil

Informações sobre o autor principal

 

 


RESUMO

Essa revisão teve como objetivo descrever os trabalhos existentes que adotam como referencial teórico e/ou metodológico a Psicodinâmica do Trabalho e que tenham como objeto de estudo a gestão e/ou as vivências de trabalho de gestores. Realizou-se uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional e foram encontrados 14 e sete artigos, respectivamente. Na revisão nacional, oito estudos eram teórico-empíricos e seis teóricos. Na revisão internacional, dois eram teórico-empíricos e cinco eram teóricos. Entre os dez artigos teórico-empíricos, nove adotaram metodologia qualitativa. Apenas dois artigos estudaram a vivência de trabalho dos gestores, enquanto os demais artigos abordaram modelos e práticas de gestão. A maioria dos artigos teceu críticas à forma como a gestão tem sido desenvolvida e alguns apresentaram sugestões de mudanças. Essa revisão contribui ao evidenciar os itinerários de pesquisa e ao desvelar lacunas na literatura, que subsidiaram a proposição de uma agenda de pesquisas para inspirar estudos ulteriores.

Palavras-chave: gestores; psicodinâmica do trabalho; revisão sistemática.


ABSTRACT

This review aims to describe the studies that adopt the psychodynamics of work as a theoretical and/or methodological framework, while having the management and/or the work experiences of managers as their object of study. A systematic review of national and international literature was carried out, and 14 and 7 articles were found, respectively. In the national literature review, eight articles were theoretical-empirical and six were theoretical. In the international review, two articles were theoretical-empirical and five were theoretical. Among the 10 theoretical-empirical articles, 9 adopted qualitative methodology. Only two articles studied the managers' work experience, whilst the others addressed management models and practices. Most of the articles reviewed the way in which management has been developed and some presented suggestions for changes. This review contributes by highlighting the research itineraries while revealing gaps in the literature, which supported the proposal of a research agenda to inspire further studies.

Keywords: managers; psychodynamics of work; systematic review.


RESUMEN

El objetivo de esta revisión es describir los trabajos existentes que adoptan la Psicodinámica del Trabajo como referencia teórica y/o metodológica y que tengan como objeto de estudio la gestión y/o las vivencias laborales de los gestores. Se realizó una revisión sistemática de la literatura nacional e internacional y se encontraron 14 y 7 artículos, respectivamente. En la revisión nacional, 8 eran teórico-empíricos y 6 teóricos. En la revisión internacional, 2 eran teórico-empíricos y 5 eran teóricos. De los 10 artículos teórico-empíricos, 9 adoptaron la metodología cualitativa. Solamente 2 artículos estudiaron la vivencia laboral de los gestores; los demás artículos abordaron modelos y prácticas de gestión. La mayoría de los artículos arrojaron críticas a la forma en que se ha desarrollado la gestión y algunos presentaron sugerencias de cambios. Esta revisión ayuda a resaltar itinerarios de investigación y develar lagunas en la literatura, lo que respaldará una propuesta de agenda de investigación para inspiración de posteriores estudios.

Palabras clave: gerentes; psicodinámica del trabajo; revisión sistemática.


 

 

A Psicodinâmica do Trabalho, teoria preconizada por Christophe Dejours, evidencia a organização de trabalho e a gênese do sofrimento mental decorrente desse vínculo, estabelecendo que organização de trabalho é a "divisão de tarefas entre os trabalhadores, repartição, cadência, e, enfim, o modo operatório prescrito e a divisão de pessoas: repartição de responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc" (Dejours, 2017, p.173). A organização do trabalho, com suas prescrições, definirá os destinos que o sofrimento do trabalhador terá (criativo ou patogênico), dependendo da margem de negociação entre suas imposições e a realidade do trabalho.

Notar a influência da organização de trabalho na concepção da identidade é um ponto chave da teoria Psicodinâmica do Trabalho para reconhecer a centralidade do trabalho na vida dos sujeitos. Todavia, as novas formas de gestão, por apresentarem, muita das vezes, faces perversas e individualizantes, descartam a importância desse processo enquanto inclusão social e identificação dos sujeitos.

Dessa maneira, a Psicodinâmica do Trabalho se enquadra como uma crítica fundamental ao papel essencial do gerencialismo neoliberal (Dashtipour & Vidaillet, 2017). Nesse modelo de gestão moderna, frequentemente os impulsos desse sujeito acabam sendo canalizados de maneira potencialmente prejudicial, gerando sofrimento ao transferir responsabilidade ao trabalhador individual. Dashtipour e Vidaillet (2017) apontam que o investimento dos trabalhadores no trabalho e sua preocupação em fazer o trabalho não podem, portanto, ser reduzidos ao controle de gestão. Diante disso, dependendo da gestão, o trabalho pode promover saúde ou adoecer.

Apesar de o gestor ter a responsabilidade pelas práticas que são adotadas para com a sua equipe, ele também é sujeito que sofre e tem prazer a partir de suas vivências de trabalho. Sendo assim, a realidade a respeito de prazer, sofrimento no trabalho e adoecimento decorrente das vivências do contexto laboral não são exclusivas de trabalhadores que não exercem nenhuma função gerencial na organização (Dejours, 2017).

A partir disso, em busca de artigos que tratassem de revisões sistemáticas da literatura na área da psicodinâmica do trabalho, foram encontradas revisões que abarcaram as produções de uma forma ampla (Giongo, Monteiro, & Sobrosa, 2015; Merlo & Mendes, 2009; Ramos & Mendes, 2013;). Conforme revisão da literatura realizada por Giongo et al. (2015) de trabalhos realizados entre 2007 e 2013 que utilizaram a teoria e/ou o método da psicodinâmica do trabalho, 73 estudos analisados referiam-se a trabalhadores da área da saúde, trabalhadores sociais, artistas, entre outros. Em outra revisão da literatura realizada do período de 2001 a 2012, entre 100 trabalhos em psicodinâmica do trabalho (teses, dissertações e artigos científicos) selecionados, apenas três tratavam de gestão e/ou de gestores (Ramos, 2013; Ramos & Mendes, 2013).

A partir do cenário descrito de produção na área da psicodinâmica do trabalho, percebe-se, no período estudado (2001 a 2013), que são poucos os estudos que possuem como participantes gestores ou que abordam de forma central as práticas de gestão. Para tanto, o objetivo desta presente revisão sistemática de literatura é descrever as publicações que adotam como referencial teórico e/ou metodológico a psicodinâmica do trabalho e que têm como objeto de estudo a gestão e/ou as vivências de trabalhadores que ocupam cargos de gestão. Posto isso, a pergunta de pesquisa que esta revisão sistemática visa responder é de que forma a Psicodinâmica do Trabalho tem estudado a temática gestão e as vivências de trabalho de pessoas que ocupam cargos de gestão nas organizações, e quais os principais resultados e conclusões encontrados?

Com este trabalho, espera-se proporcionar uma contribuição teórica por meio de uma descrição de como o tema gestão e como as vivências de trabalhadores que ocupam cargos de gestão têm sido estudados pela psicodinâmica do trabalho, identificando lacunas na literatura que inspiraram a proposição de uma agenda de pesquisa. Objetiva-se também contribuir para o aprimoramento da organização do trabalho do gestor, a fim de que esta seja promotora de saúde e não de adoecimento. E almeja-se proporcionar apontamentos de práticas de gestão que auxiliem os gestores nas ações para com as suas equipes, a fim de que essas não visem apenas à produtividade, mas prioritariamente promovam bem-estar e qualidade de vida.

 

Método

O protocolo adotado para a realização desta revisão sistemática de literatura foi o proposto por Galvão, Sawada e Trevizan (2004). Eles descrevem os seguintes componentes do protocolo: a pergunta da revisão; os critérios de inclusão e exclusão; as estratégias para buscar as pesquisas; a forma como as pesquisas serão avaliadas criticamente; a coleta; e a síntese dos dados. A partir disso, este trabalho foi organizado em duas fases. Primeiramente, a fase de seleção inicial dos artigos e, posteriormente, a de avaliação crítica dos estudos.

Primeira Fase - Seleção Inicial

Foi realizada uma revisão da literatura nacional e internacional de artigos publicados em periódicos científicos, que ocorreu durante o mês de setembro de 2020. Para a revisão nacional, foi utilizada a base de dados Portal de Periódicos da Capes, por reunir os principais periódicos científicos nacionais, além de ser de livre acesso. E para a revisão internacional, foi utilizada a base de dados Web of Science, pois abarca um grande número de revistas científicas, revisadas por pares e de alta qualidade. No Portal de Periódicos da Capes, utilizou-se a "busca avançada" e foi alterado apenas o "tipo de material", sendo escolhida a opção "artigos". Foram utilizadas as seguintes palavras chave (entre aspas), juntamente com o operador lógico booleano AND: "psicodinâmica do trabalho" AND "liderança"; "psicodinâmica do trabalho" AND "gestão"; "psicodinâmica do trabalho" AND "gerente". Foi escolhida a opção "apenas artigos revisados por pares", como critério de qualidade e cientificidade.

No Web of Science, a "pesquisa avançada" também foi utilizada. Três descrições foram utilizadas: ALL=(psychodynamic of work AND leader*); ALL=(psychodynamic of work AND manager*); ALL=(Christophe Dejours). Em relação à escolha do idioma, foi escolhida a opção "all languager" e a respeito dos tipos de documento, foi selecionada a opção "article". E na opção concernente ao tempo estipulado, foi selecionado "todos os anos (1945 - 2020)".

Nesta fase, foram adotados os seguintes critérios de inclusão dos artigos: artigos empíricos ou teóricos; a psicodinâmica do trabalho, de Christophe Dejours, como teoria adotada no estudo; se essa não fosse a única teoria, ela deveria ser utilizada de maneira significativa; abordar a temática gestão/liderança e/ou vivências de trabalhadores que ocupassem tal função dentro de uma organização. Sendo assim, nos artigos empíricos, a teoria precisaria ter norteado o método e a análise dos resultados da pesquisa. E, nos artigos teóricos, precisaria ter sido abordada de forma substancial, não apenas tendo sido citada em alguns momentos, de forma pontual, mas deveria fazer parte do arcabouço teórico do artigo.

A respeito do período de tempo dos trabalhos, esse limite não foi estabelecido. Essa escolha foi feita uma vez que a temática gestão não é demasiadamente explorada nos estudos da psicodinâmica do trabalho, proposta por Christophe Dejours (Giongo et al., 2015; Ramos, 2013; Ramos & Mendes, 2013).

Para avaliar se os critérios estabelecidos estavam presentes, foi realizada a leitura do título, do resumo e das palavras chave do trabalho. Em alguns artigos, foi necessário ler as referências e o texto completo para verificar se o trabalho abarcava os critérios estabelecidos.

No primeiro momento da busca, quando apenas foram digitadas as informações mencionadas acima, foram encontrados 103 artigos no Portal de Periódicos da Capes e 89 no Web of Science. No segundo momento, após a leitura do título, do resumo e das palavras-chave e aplicação dos critérios de inclusão, apenas 18 artigos foram selecionados na revisão nacional e oito artigos na revisão internacional.

Segunda Fase - Avaliação Crítica dos Estudos

Foi realizada uma leitura minuciosa de todos os trabalhos, os quais também foram avaliados com rigor metodológico. Para isso, foram analisados principalmente o método e os resultados para saber se eram suficientemente válidos para serem considerados, conforme apontado por Galvão et al. (2004).

Nesta fase, nos artigos selecionados no Portal de Periódicos da Capes, dos 18 artigos avaliados criticamente, quatro trabalhos foram excluídos por não contemplarem especificamente os critérios determinados para esta revisão, ficando então 14 artigos. Enquanto que, entre os oito artigos selecionados no Web of Science, um foi excluído. Sendo assim, compuseram o corpus da pesquisa 21 artigos, sendo 14 provenientes da revisão nacional e sete da revisão internacional.

A síntese dos filtros da presente revisão nacional é ilustrada na Tabela 1, e da revisão internacional na Tabela 2.

 

 

 

 

Resultados

Para responder à pergunta de pesquisa estabelecida para esta revisão sistemática da literatura, os resultados serão apresentados de duas formas. Em um primeiro momento, será apresentada uma análise bibliométrica dos resultados encontrados. Posteriormente, serão analisadas as questões ligadas ao conteúdo dos artigos selecionados.

Em relação ao período de tempo dos artigos selecionados, na revisão sistemática de literatura nacional, foram encontrados artigos a partir de 2007 até 2019. Os anos que mais apresentaram produções foram 2011, 2014 e 2015. Na revisão sistemática de literatura internacional, dos sete artigos selecionados, três eram de 2018, um de 2019 e três artigos do ano de 2020. A Tabela 3 organiza o ano de publicação dos trabalhos selecionados, tanto na revisão nacional, quanto na internacional.

 

 

Percebe-se que os trabalhos selecionados surgiram a partir do ano de 2007, apontando que o estudo da temática gestão/liderança, a partir da psicodinâmica do trabalho, ainda é recente. Nota-se também que, apesar de alguns anos apresentarem maior publicação de trabalhos, não há uma evolução constante na quantidade de publicações envolvendo o tema. Isso pode apontar para um possível maior interesse em estudos de prazer e sofrimento vivenciados por trabalhadores do âmbito operacional.

Conforme apresentado, foram pouquíssimos os artigos encontrados na revisão de literatura internacional. O primeiro motivo para isso provavelmente tenha sido pela busca ter sido muito específica: vivências de trabalhadores que ocupassem cargo de gestão ou práticas de gestão adotadas por trabalhadores que ocupassem tal função na organização. O segundo motivo relaciona-se com a afirmativa de Dashtipour e Vidaillet (2017). Segundo as autoras, a teoria psicodinâmica de Christophe Dejours ainda não é conhecida nos estudos organizacionais de língua inglesa.

Em relação à quantidade de trabalhos teóricos e teórico-empíricos, na revisão nacional, apesar de haver mais trabalhos teórico-empíricos que teóricos, encontrou-se um equilíbrio, pois dos 14 artigos selecionados, oito eram teórico-empíricos e seis teóricos. Dos oito artigos teórico-empíricos, todos haviam adotado métodos qualitativos de pesquisa. Isso pode ser explicado por conta da natureza do objeto de estudo, envolvendo a psicodinâmica do trabalho como paradigma. Segundo Dejours (2017), a pesquisa em psicodinâmica do trabalho está ligada à clínica do trabalho, que consiste em um processo de revelação e tradução dos aspectos visíveis e invisíveis do trabalho, por meio da fala e da escuta. Já na revisão sistemática de literatura internacional, do total de sete artigos selecionados, cinco eram teóricos e apenas dois eram teórico-empíricos, sendo um com método qualitativo e o segundo com um método misto (qualitativo-quantitativo).

A respeito de outras teorias usadas em conjunto com a psicodinâmica do trabalho, conforme menção explícita no texto do artigo, dos 14 trabalhos selecionados na revisão nacional, apenas sete (50%) fizeram uso de outras teorias. Enquanto que, na revisão internacional, dos sete artigos escolhidos, apenas dois (28%) fizeram seu estudo a partir da psicodinâmica do trabalho juntamente com outra teoria (estudos organizacionais de gestão de desempenho, teorias críticas de gestão, como a Teoria do Processo de Trabalho e Teorias Foucaultianas, a Teoria de Reconhecimento de Honneth e teorias relacionadas ao Estresse e ao Coping).

A Tabela 4 detalha quais foram as outras teorias utilizadas, nos artigos provenientes da revisão nacional, e quantos deles utilizaram cada uma das teorias.

 

 

Em relação à abordagem da temática da gestão ou à vivência de trabalho dos gestores, na revisão sistemática de literatura nacional, dos 14 estudos selecionados, apenas dois artigos (14%) se debruçaram a estudar exclusivamente as vivências de trabalho dos gestores e dois artigos (14%) abordaram tanto a temática da gestão do trabalho, quanto as vivências de trabalho dos gestores. Sendo assim, a maioria dos artigos (dez trabalhos - 72%) abordou a temática da gestão do trabalho nas organizações de maneira geral. Na revisão de literatura internacional, dos sete artigos selecionados, apenas um abordou a vivência de trabalho dos gestores. Todos os outros seis discorreram a respeito das práticas de gestão adotadas na atualidade.

A respeito dos termos utilizados para tratar da gestão, a Figura 1, uma nuvem de palavras, mostra quais foram os mais utilizados na revisão nacional. As palavras em fontes maiores mostram as mais utilizadas nos artigos e as menores correspondem às que menos apareceram nos artigos.

Dos 37 temas referentes à gestão encontrados nos 14 artigos selecionados na revisão nacional, três se destacaram, quais sejam, gestão (citado em 11 artigos), modelo de gestão (citado em oito artigos) e práticas de gestão (citado em sete artigos). Os demais termos foram citados em até três artigos. A partir disso, torna-se importante abordar esses dois temas (modelo de gestão e práticas de gestão), descrevendo como foram tratados nos artigos.

O termo "modelo de gestão" apresenta um conceito mais amplo, envolvendo a organização como um todo, uma vez que, conforme Campos e David (2011), modelos de gestão impactam o conteúdo, a natureza e o significado do trabalho. Muitos artigos utilizaram outros termos conjuntamente, como: modelo de gestão da qualidade total (Nogueira & Marin, 2013); modelo de gestão taylorista/fordista (Campos & David, 2011; Merlo & Lapis, 2007); modelo de gestão toyotista (Merlo & Lapis, 2007); modelo de gestão pública patrimonialista (Aguiar & Santos, 2017); modelo de gestão pública burocrático (Aguiar & Santos, 2017); modelo de gestão pública da Nova Gestão Pública (Aguiar & Santos, 2017).

Depreendeu-se dos trabalhos selecionados, na revisão nacional, que o termo "práticas de gestão" refere-se a ações específicas. Galperin et al. (2015) citam como práticas de gestão de pessoas as ações de seleção, treinamento e avaliação de desempenho. Pontuam também que são os gestores "os agentes das práticas de gestão utilizadas pela empresa" (Galperin, Ferraz, & Soboll, 2015, p. 86). Por sua vez, Linhares e Siqueira (2014) apontaram como exemplo de práticas de gestão o feedback.

Além dos termos citados na Figura 1, outros também apareceram em alguns artigos da revisão nacional, como gerencialismo e liderança. Em seu trabalho, Linhares (2014) traz duas definições para o gerencialismo. Na primeira, ele cita Enriquez (2006): "conjunto de práticas de gestão que se voltam exclusivamente para a produção da mais-valia, sem se preocupar com o quadro de precarização do próprio trabalho, além de também fomentar a reificação dos trabalhadores" (Linhares, 2014, p. 716). Para a segunda definição, ele cita Gaulejac (2007): "constitui-se ideologia que se põe a serviço do capital e traduz as atividades humanas em resultados e indicadores" (Linhares, 2014, p. 717). Já Aguiar e Santos (2017) apresentaram a Nova Gestão Pública como termo correspondente ao gerencialismo.

Em relação à liderança, Bastos, Tupinambá e Pitombeira (2014) apontam que "liderança é influência" (p. 363) e que a função do líder é conduzir sua equipe rumo aos resultados. Os autores fazem uma distinção entre líder e gerente, ao afirmar que "talvez essa maneira de nomear os líderes da organização, cobrando-lhes um papel de liderança em dimensão tão limitada, termine por lhes imprimir mais um exercício de função gerencial do que aquele atribuído à liderança" (p. 364).

Na revisão internacional, entre os sete artigos selecionados, sendo três de língua francesa, dois de língua portuguesa e dois de língua inglesa, o termo "tournant gestionnaire" foi utilizado por quatro artigos. O termo refere-se à mudança que ocorreu a partir dos anos 1990, em quem estruturava a organização do trabalho, passando do engenheiro, de um especialista para o gestor (Dejours & Duarte, 2018; Duarte & Dejours, 2019; Ganem & Rebeyrat, 2020; Marks, 2020). Em dois artigos houve referência ao termo "néolibéralisme gestionnaire"/ "neoliberal managerialism", para fazer referência à atual gestão do individualismo, da quantificação, de alto grau de investimento subjetivo (Dejours & Duarte, 2018; Marks, 2020). Foi feito também referência a "nouvelles méthodes de management" / "novos métodos de gestão", como as avaliações de desempenho individualizadas (Areosa, 2018; Dejours & Duarte, 2018; Duarte & Dejours, 2019). Segundo Dejours e Duarte (2018), os novos métodos de gestão ligados ao "tournant gestionnaire" promovem a quebra dos laços de cooperação, de convivência e de solidariedade entre os trabalhadores. E conforme exposto por Duarte e Dejours (2019), há uma relação entre os métodos de direção ou de gestão e a saúde mental dos trabalhadores.

Todos os trabalhos levantados tinham em comum o fato de apresentarem críticas à forma como a gestão é desenvolvida nas organizações na atualidade. A seguir serão apresentadas nove críticas presentes nos artigos da revisão nacional.

A primeira crítica à gestão diz respeito à desconsideração para com o trabalhador enquanto pessoa, por meio da negligência das demandas psicológicas, como o reconhecimento, a autonomia e o status social (Linhares, 2014). A segunda crítica refere-se à prática da gestão por medo, que diz respeito à utilização do medo para garantir a cooperação (Nogueira & Marin, 2013). Faz parte também dessa gestão, as relações de trabalho precárias, por meio de ameaças constantes, pressão e competição exacerbada e a prática de discriminação e ridicularização de trabalhadores adoecidos (Carvalho & Moraes, 2011).

A terceira crítica relaciona-se à excessiva cobrança por produtividade (Nogueira & Marin, 2013) e por qualidade (Carvalho & Moraes, 2011). Isso corrobora a ocorrência da quantofrenia, que consiste em querer utilizar números para avaliar questões que não são percebidas por meios quantitativos (Linhares, 2014; Galperin et al., 2015). No que se refere à cobrança por qualidade, a prática da gestão pela qualidade total proporciona um maior distanciamento entre o trabalho prescrito e o real, pois os controles operacionais são mais rígidos, mais obsessivos e mais focados em alcançar o inalcançável (Carvalho & Moraes, 2011). Essa cobrança por produtividade impõe um cenário de competição (Linhares, 2014). Fonseca e Sá (2015) apontam para o problema da cobrança da excelência pela organização. Segundo as autoras, a excelência requerida não está pautada nas condições reais de trabalho, mas na ideologia da excelência.

A quarta crítica aborda o distanciamento entre as exigências da gestão e o trabalho real. Na área da saúde, há um descompasso entre as exigências da gestão (foco nos resultados e na diminuição dos custos) e a "produção do cuidado dos usuários com integralidade e humanização" (Aciole & Pedro, 2019, p. 199). E, conforme exposto por Fonseca e Sá (2015), os atuais métodos de gestão não levam em consideração a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real.

A quinta crítica aponta para o uso de técnicas de manipulação gerencial que capturam os valores dos trabalhadores, suas crenças, sua interioridade e sua personalidade (Nogueira & Marin, 2013; Galperin et al., 2015). A partir dessa manipulação, ocorre a gestão por sedução que consiste em uma estratégia que visa fazer com que o trabalhador trate como seus os objetivos da organização (Pereira, 2011). Com isso há uma rendição da reflexão crítica à eficácia; abdicação da subjetividade por parte dos trabalhadores (Linhares, 2014). O indivíduo "é instado a ser autônomo e criativo, mas a gestão é estruturalmente coercitiva e quer levar o sujeito a submeter-se, voluntariamente e com toda a liberdade, às amarras do sistema" (Mattos & Schlindwein, 2015, p. 327).

A sexta crítica refere-se às práticas de gestão hostis que estão sendo cometidas dentro das organizações, assim como a banalização das mesmas (Linhares & Siqueira, 2014). A sétima crítica diz respeito à postura narcísica de gestão. Linhares (2014) aponta que "muitos gestores, reféns da ilusão da ubiquidade, da onisciência e da onipotência, refletidas somente por seu espelho, sequestram a fala, condição necessária para o exercício do diálogo, do autoconhecimento, do conhecimento e do reconhecimento do outro" (p. 729).

A oitava crítica aponta para o modelo de gestão pública. De acordo com Mattos e Schlindwein (2015), o governo, visando trazer eficiência para o serviço público, tem importado modelos gerenciais, oriundos da iniciativa privada, que não atendem às especificidades da esfera pública, não levando em consideração a sua finalidade (que difere da iniciativa privada que é o lucro) e a sua importância social.

A nova e última crítica reporta-se à divisão do trabalho, referindo-se às atividades fragmentadas e individualizadas. Elas impossibilitam a construção de um significado coletivo de trabalho (Mattos & Schlindwein, 2015) e a separação entre concepção e execução do trabalho, instituída pelos modelos de gestão taylorista e fordista (Merlo & Lapis, 2007).

Os artigos provenientes da revisão internacional também fazem críticas às práticas de gestão. Segundo Areosa (2018), as "novas" técnicas de gestão, impostas pela hierarquia superior da organização, são perversas, desestruturantes e promovem a dissolução dos elos sociais. Marks (2020) aponta para os efeitos produzidos pelo gerencialismo. Entre eles, podem ser citados os seguintes: estado generalizado de insegurança; efeitos desorientadores causados pelas constantes mudanças; sensação de falta de sentido no trabalho desenvolvido; sentimento de não reconhecimento do esforço despendido para a realização do trabalho; quebra da proteção proporcionada pela formação dos coletivos; alto investimento subjetivo e de identificação; redução da capacidade do trabalhador de negociar e de construir o significado do seu trabalho. Segundo Marks (2020), "para a psicodinâmica, não é tanto o caso de os funcionários internalizarem os desejos da empresa, mas sim que o efeito do gerencialismo é frequentemente canalizar os impulsos do sujeito de trabalho de maneiras potencialmente prejudiciais e autodestrutivas" (p. 294, tradução livre).

A governança por números também aparece como temática criticada. Duarte e Dejours (2019) apontam para o perigo que há no uso de indicadores apenas quantitativos para medir o trabalho das equipes, pois isso pode se tornar um "pretexto para o assédio e um instrumento de manipulação" (Duarte & Dejours, 2019, p. 340, tradução livre). Essa governança por números é proveniente da avaliação de desempenho individualizada, da implantação da qualidade total, da padronização dos métodos operacionais e da precariedade do emprego.

A respeito da gestão e da avaliação de desempenho, de acordo com Tweedie, Wild, Rhodes e Martinov-Bennie (2019), a gestão do desempenho é tratada como um instrumento muito utilizado para atender aos interesses da organização, e, mesmo ao demonstrar interesse no bem-estar do trabalhador, esse interesse é apenas um meio para que os objetivos organizacionais sejam alcançados. Em relação à avaliação de desempenho, Areosa (2018) expõe que há uma diferença entre o trabalho realizado e o resultado do trabalho e que dificilmente o primeiro pode ser medido. Sendo assim, a avaliação de desempenho só consegue captar o resultado do trabalho. O autor ainda aponta que o empenho dispendido pelo trabalhador para a realização de sua atividade não é o único fator responsável pelo resultado obtido, pois há outras variáveis que interferem nesse resultado final. Além disso, é ilusão achar que o avaliador (o gestor) estabelece uma relação isenta e neutra com o sujeito avaliado (o trabalhador). Dejours e Duarte (2018) apontam para algumas consequências dessa avaliação como a solidão, o medo e a desconfiança entre os trabalhadores.

Em relação ao uso dos princípios da qualidade total, reflete-se que a exigência de um processo de trabalho que não ocorra alguma falha, algum tipo de acidente ou algum defeito é uma utopia, é irreal (Areosa, 2018; Dejours & Duarte, 2018). E as consequências de se exigir um trabalho utópico das pessoas é que isso leva os trabalhadores a mentir em seus relatórios de atividade (Dejours & Duarte, 2018), a não falar das dificuldades enfrentadas no trabalho real, as falhas são encobertas, há um sofrimento ético e uma limitação da autonomia do trabalhador (Areosa, 2018). Ainda de acordo com este último autor, "obviamente que a 'qualidade total' oferece diversas vantagens, o problema coloca-se quando estes sistemas de gestão são desvirtuados" (Areosa, 2018, p. 92).

No tocante à padronização de serviços, o problema reside justamente no fato de que a qualidade do serviço prestado requer a não uniformização, uma vez que se faz necessária a adaptação de cada serviço às especificidades de quem é atendido. Quando há uma padronização, as nuanças do trabalho são perdidas. O estabelecimento de uma regra geral para todos os tipos de situações, embasada em resultados quantitativos, desconsidera as especificidades desses contextos (Dejours & Duarte, 2018; Duarte & Dejours, 2019).

E quanto à precariedade do emprego, esta promove insegurança vivenciada pelos trabalhadores por conta do enfraquecimento das formas de contratação trabalhista (Dejours & Duarte, 2018). Outra consequência é apontada por Areosa (2018), mais especificamente sobre a terceirização ou sobre políticas de outsourcing. Segundo o autor:

Quando as pessoas não se conhecem, porque, por exemplo, trabalham em empresas diferentes, é mais difícil construir relações de confiança e criar redes de solidariedade no trabalho. A integração ou coesão dos grupos de trabalho entre trabalhadores de empresas diferentes tende a ser bastante mais fragilizada. Este é um dos grandes problemas decorrentes da subcontratação. (pp. 92-93)

Além das críticas feitas, alguns trabalhos apontaram alternativas que podem auxiliar a reformulação das práticas de gestão, a fim de que essas sejam promotoras de saúde e bem-estar. Segundo Sá e Azevedo (2010), é necessário: reconhecer os processos intersubjetivos/inconscientes presentes no modo como se realiza o trabalho de gestão; propor e/ou fortalecer oportunidades (seja na organização do trabalho ou nos processos de gestão) que favoreçam, gestores e trabalhadores, o "acesso a sua própria subjetividade - ao (re)conhecimento das fontes de seu sofrimento e prazer no trabalho, dos vínculos imaginários/afetivos que os ligam ao trabalho, às organizações, ao outro (profissional, usuário) e do sentido do trabalho em suas vidas" (p. 2351). São sugeridos também espaços nos ambientes organizacionais que facilitam esse reconhecimento, como: colegiados de gestão, comissões, grupos de trabalho, supervisões/discussões de casos, oficinas de planejamento, entre outros.

De acordo com Linhares e Siqueira (2014), o uso do feedback como uma boa prática de gestão pode proporcionar aproximação das relações instituídas entre superiores e subordinados. Apontam também para o resgate da sociedade do ser, por meio da ocupação do papel central pelo trabalhador no universo corporativo; o resgate da solidariedade e do espaço social; diálogo entre os termos econômicos e sociais e "entre os interesses individuais e coletivos, os quais, quando em conflito, devem ser intermediados por um bom processo de governança" (Linhares & Siqueira, 2014, p. 737). É imprescindível também estabelecer limites para a concentração do poder, por meio da instituição da pluralidade de centros de decisão, de regras de convivência e de ascensão profissional. Deve haver o que é ofertado pela democracia, como: "autonomia, benefício da dúvida e do contraditório, ordem, segurança, equidade e transparência" (Linhares & Siqueira, 2014, p. 738).

Linhares (2014) sugere ações de promoção do reconhecimento, citando as seguintes terminologias: racionalidade subjetiva (que valoriza o subjetivo e não os números e a quantificação); cultura da solidariedade; ética do reconhecimento; imaginário motor; homem consciente; homem heterogêneo; trabalho patogênico; trabalho vivo; desempenho inteligente; fala libertação (fala que permite apropriar-se do trabalho); liberdade consciência (com a desalienação e compreensão da realidade). Além disso, também aponta para a prática da autoridade alteritária, que, diferentemente da autoridade líquida e da narcísica, "reconhece a importância do deslocamento do eu de seu centro narcísico para o "outro", de forma a viabilizar-se o exercício da empatia" (p. 729).

Fonseca e Sá (2015) elaboram perguntas para auxiliar as reflexões necessárias à gestão, a fim de questionar os métodos de gestão atuais e torná-los mais adequados às nuanças do trabalho. São elas: "O que esse tipo de trabalho demanda de seus trabalhadores? O que é visível e o que é invisível no trabalho de saúde? Esse trabalho seria plenamente passível de captura e mensuração pelos métodos disponíveis de gestão que se tem hoje? Como se expressa o vínculo entre trabalhador e organização/trabalho? Que elementos condicionam tal vínculo e quais os efeitos deste para a qualidade do cuidado em saúde?" (p. 299).

Aciole e Pedro (2019) sugerem a adoção da política de Educação Permanente em Saúde, a fim de resgatar a sensibilização subjetiva e a produção de consciência crítico-reflexiva do trabalhador e do gestor. Além disso, a organização precisa oferecer condições para que o trabalhador desenvolva a mobilização de inteligência prática, o espaço público de discussão e de cooperação, a fim de que ele tenha prazer no trabalho. E que ocorra a gestão compartilhada, em que o trabalhador possa participar das decisões e de espaços institucionais.

No trabalho realizado por Areosa (2018), recomenda-se o uso da "qualidade total" como um referencial, uma direção, tendo a compreensão clara de que esse ideal não pode ser alcançado plenamente.

A respeito da prevenção ao assédio moral, Duarte e Dejours (2019) apontam para a necessidade de promover ações que visem realizar mudanças na organização do trabalho, corrigindo, assim, práticas que foram introduzidas pelo "tournant gestionnaire". Além disso, mencionam a importância de haver reestruturação da gestão baseada no conhecimento do trabalho real e reconstrução da cooperação.

E, por fim, Tweedie et al. (2019) não oferecem uma alternativa para mudanças nas práticas de gestão. Todavia, sugerem que a teoria do reconhecimento, a partir do que foi abordado por Honneth e por Dejours, que oferecerem um caso normativo-ético, pode auxiliar gestores a implementarem uma gestão de desempenho que leve em consideração seu potencial dano à saúde do trabalhador.

Um segundo objetivo deste trabalho foi identificar quais as vivências de trabalho dos gestores apontadas nos artigos selecionados. Sendo assim, os artigos que abordaram tal temática, na revisão nacional, revelaram que o gestor pratica aquilo que ele vivencia. Ele vivencia a submissão, dessa forma, ele também irá reproduzir para com a sua equipe a submissão (Galperin et al., 2015). O gestor traz como objetivo pessoal os objetivos da organização (Galperin et al., 2015). O prêmio para quem trabalha bem é receber mais trabalho (Galperin et al., 2015).

Atualmente, o que antes era realidade apenas dos trabalhos subalternos, também faz parte das vivências de trabalho dos gestores (Pereira, 2011). E, para lidar com a pressão do trabalho, o autor aponta a frequência de uso de de substâncias ilícitas por trabalhadores que ocupam cargos de gestão nas organizações. "A vida acelerada do executivo não pode ser explicada pelos excessos da vida contemporânea, mas, pelo contrário, ela é marcada pela falta de qualidade" (Pereira, 2011, p. 83). Além desse impacto na vida do trabalhador, são apontadas consequências para a gestão. Bastos et al. (2014), observa que "o predomínio da vivência de sofrimento na realidade de trabalho dos líderes tem um efeito negativo na eficácia da sua liderança, bem como em sua capacidade produtiva como um todo" (p. 372).

Na revisão internacional, o único artigo que abordou a vivência de trabalho de gestores visava estudar o estresse vivenciado por enfermeiras-líderes. As gestoras apontaram que o estresse vivenciado é proveniente de "demandas, atribuições laborais, aspectos relacionados à sobrecarga, conflitos entre equipe, cobranças, como também questões relativas absenteísmo" (Reis et al., 2020, p. 4). E para lidar com isso eram utilizadas tanto estratégias defensivas individuais quanto coletivas, como "busca de autocontrole, resolubilidade, utilização de comunicação horizontal e espiritualidade" (p. 4).

Um dos motivos que possa talvez explicar o porquê de as vivências de trabalho de trabalhadores que ocupem cargos de gestão serem ainda tão pouco exploradas é o fato de o gestor ser apontado como sendo um servo zeloso, que usa a sua inteligência em prol de pensar e criar formas mais eficazes de exercer o poder nas organizações (Dejours & Duarte, 2018).

 

Discussão

A partir dos artigos analisados nesta revisão sistemática da literatura, identificaram-se lacunas que lançam luz a uma agenda de pesquisa a respeito da temática. Nos artigos oriundos da revisão de literatura nacional, alguns trabalhos fizeram os seguintes apontamentos.

Segundo Sá e Azevedo (2010, p. 2352), há uma "necessidade da ampliação dos níveis de análise e de intervenção nos processos organizacionais". Segundo as autoras, a análise a respeito das práticas de gestão atuais pode trazer para a organização e para os gestores um desconforto, uma vez que os trabalhos não apresentam prescrições, normativos quanto ao que poderia ser feito para modificar a gestão praticada nas organizações, apenas algumas estratégias. A partir dessa fala, recomenda-se, enquanto agenda de pesquisas futuras, estudos que proporcionem uma análise mais minuciosa dessas estratégias, a fim de que organizações e gestores consigam visualizar a implantação dessas estratégias em seus contextos de trabalho.

Outra necessidade de estudo é apontada por Pereira (2011). Segundo o autor, é necessária a realização de estudos epidemiológicos, acompanhados por pesquisa qualitativa, que visem investigar se há relação entre o uso abusivo de substância ilícitas, ou outras substâncias entorpecentes, e o aumento das pressões vivenciadas por gestores nas áreas da média e alta administração das organizações.

Bastos et al. (2014) descrevem a necessidade de estudos que abarquem dimensões mais representativas e que unam metodologias qualitativas e quantitativas. Segundo eles, isso contribuirá para o aprofundamento e a ampliação das pesquisas com foco na saúde do trabalhador.

Por seu turno, em seu trabalho, Linhares (2014) sugere como alternativa às práticas de gestão que têm sido adotadas, a prática do reconhecimento. Dessa forma, o autor sugere a realização de estudos teórico-empíricos que tenham como objetivo "demonstrar os impactos da dinâmica do reconhecimento na saúde, bem como sua relação com o advento de doenças mentais no trabalho, a exemplo da depressão" (p. 732).

Aciole e Pedro (2019), em seu trabalho na área da saúde, propõem o aprofundamento do "diálogo entre as práticas de produção do cuidado e as práticas de gestão dos trabalhadores, na perspectiva de compreender e analisar a constitutividade que subsuma agentes e pacientes na produção de saúde" (p. 199). Os autores também mencionam a necessidade de esses estudos proporcionarem oportunidade para se pensar em como:

Dispositivos de 'humanização' e 'educação permanente' têm funcionado, de forma a permitir a participação dos trabalhadores. O quanto existe de participação efetiva e real do trabalhador de saúde que atua em contato direto com o usuário na criação e na inovação desses modelos e propostas? Outros aportes teórico-conceituais podem operar sinergicamente na direção da desalienação e do resgate humanista pretendido. (p. 199).

A respeito do uso de modelos de gestão oriundas da iniciativa privada no contexto do serviço público, Aguiar e Santos (2017) defendem a contribuição que estudos interdisciplinares podem proporcionar para o avanço, por exemplo, de investigações a respeito da reflexão quanto à pertinência ou não da aplicação dos princípios da gestão privada na esfera do serviço público. Eles também colocam a seguinte pergunta que pode ser respondida a partir da psicodinâmica do trabalho: o que se diferencia, nesses dois contextos, no que toca à relação intersubjetiva e psicoafetiva do homem com o seu trabalho?

Na revisão internacional, Reis et al. (2020) apontaram para a necessidade de se realizar "mais investigações para melhor compreensão quanto ao acometimento e possíveis repercussões" do estresse no ambiente laboral. E Tweedie et al. (2019) indicam que conceitos teóricos de reconhecimento de núcleo precisam ser desenvolvidos e se faz necessário postular critérios adicionais que o reconhecimento genuíno deve atender. Os autores elaboram algumas perguntas: O que constitui o reconhecimento legítimo? Como esse reconhecimento pode ser exigido ou oferecido de forma diferente em contextos concretos? Como o reconhecimento e o poder se cruzam na prática? Como o reconhecimento incorreto afeta os trabalhadores? Para responder a essas perguntas, eles sugerem o desenvolvimento de pesquisas qualitativas em locais de trabalho para elucidar melhor essa demanda e pesquisas quantitativas para trazer distinções conceituais refinadas.

A respeito das sugestões apresentadas pelos trabalhos, o único assunto abordado em dois artigos (uma da revisão nacional e outro da internacional) diz respeito à necessidade de estudos envolvendo o reconhecimento (Linhares, 2014; Tweedie et al., 2019). Os demais apontamentos foram variados e abarcam sugestões de novas temáticas de estudo, a ampliação dos participantes e o uso de diferentes métodos.

Além do que foi proposto nos artigos selecionados, faz-se necessário, também, estudos que analisem as vivências de trabalho dos gestores, uma vez que foram poucos os estudos que abordaram essa temática, lacuna esta que norteou a presente revisão. É necessário que haja trabalhos com essa temática, uma vez que eles trazem contribuições não apenas do ponto de vista teórico, mas também prático. Prático porque quando os gestores são ouvidos e participam de espaços de fala, eles têm a oportunidade de acessar a sua subjetividade e, com isso, repensar a sua vivência de trabalho e as suas práticas de gestão (Sá & Azevedo, 2010).

Em suma, as revisões da literatura nacional e internacional puderam trazer sua contribuição teórica por meio de uma descrição de como o tema gestão e como as vivências de trabalhadores que ocupam cargos de gestão têm sido estudadas pela psicodinâmica do trabalho, identificando itinerários da pesquisa, lacunas na literatura e apontando proposições de uma agenda para futuras investigações.

Este trabalho apresenta algumas limitações como o fato de ter realizado a sua pesquisa em apenas duas bases de dados, de modo que a revisão está longe de ser esgotada. Sendo assim, sugere-se que novas revisões sistemáticas da literatura tratando a temática da gestão a partir da psicodinâmica do trabalho sejam realizadas, envolvendo outras bases de dados.

 

Conclusões

O objetivo desta presente revisão sistemática a literatura foi descrever os trabalhos que têm sido realizados tendo como referencial teórico e/ou metodológico a Psicodinâmica do Trabalho e que tenham como objeto de estudo a gestão e/ou as vivências de trabalhadores que ocupam cargos de gestão. A partir disso, pode-se afirmar que o objetivo proposto foi cumprido, uma vez que foram apresentados os indicadores bibliométricos das pesquisas encontradas, além dos principais pontos abordados por esses trabalhos, avançando para uma análise de seu conteúdo.

Acredita-se, por fim, que os apontamentos feitos poderão contribuir para o aprimoramento da organização do trabalho, para que ambientes mais saudáveis sejam preconizados. Espera-se, então, que o conteúdo sobre gestão elencado auxilie as organizações e seus gestores na elaboração e subsequente implementação de ações para com sua equipe que visem não apenas à produtividade, mas preliminarmente foquem na saúde, na qualidade de vida e no bem-estar dos atores organizacionais.

 

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Informações sobre os autores:
Lorena Fernandes
Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: lorenafernandes599@gmail.com

Ana Clara Di Coimbra Oliveira
E-mail: anaclara.dco@gmail.com

Emílio Peres Facas
E-mail: emiliopf@gmail.com

Gisela Demo
E-mail: giselademo@unb.br

Submissão: 04/03/2021
Primeira Decisão Editorial: 07/12/2021
Versão Final: 06/03/2022
Aceito em: 10/03/2022

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