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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.2 Brasília Apr./June 2022

http://dx.doi.org/10.5935/rpot/2022.2.22485 

10.5935/rpot/2022.2.22485

 

Competências mapeadas e capacitações ofertadas em uma Universidade Federal Brasileira

 

Competences mapped and training offered at a Brazilian Federal University

 

Competencias mapeadas y formación ofrecida en una Universidad Federal Brasileña

 

 

César Augusto Barth; Elian de Sousa Costa; Izabelly de Oliveira Severino; Camila Carvalho Ramos; Romariz da Silva Barros

Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

Informações sobre os autores

 

 


RESUMO

O mapeamento de competências é um instrumento de diagnóstico em Treinamento, Desenvolvimento e Educação. Seus resultados devem orientar o planejamento de ações de capacitação. O presente estudo buscou descrever e analisar a coerência entre as competências mapeadas por uma universidade pública e o seu planejamento de capacitação. Para tanto, foram analisados os planos de Capacitação e os relatórios de mapeamento de competências dos três ciclos de mapeamento realizados entre os anos 2011 e 2018, a partir de três parâmetros: número de ações de capacitação ofertadas, número de servidores capacitados e a carga horária das ações. Nos resultados, foi identificado que a maioria das competências-alvo dos planos de capacitação haviam sido identificadas com gap médio ou baixo (52,88% e 84,09%, respectivamente) ou mesmo estavam fora do mapeamento de competências (24,03%). Esses dados podem tanto apontar para um desperdício de recurso público, como determinar a ineficiência do planejamento de capacitação.

Palavras-chave: gestão por competências, diagnóstico de competência, administração pública.


ABSTRACT

Competency mapping is a diagnostic tool in training, development and education. Its results should guide the planning of training actions. The present study sought to describe and analyze the coherence between the competences mapped by a public university and its training planning. To this end, the training plans and competency mapping reports of the three mapping cycles carried out between 2011 and 2018 were analyzed, based on three parameters: number of training actions offered, number of trained employees, and workload of actions. The results showed that most of the target competences of the training plans had been identified with medium or low gaps (52.88% and 84.09%, respectively) or were even outside the competence mapping (24.03%). These data can either point to a waste of public resources or determine the inefficiency of training planning.

Keywords: learning, organizational culture, test validity.


RESUMEN

El mapeo de competencias es una herramienta de diagnóstico en Formación, Desarrollo y Educación. Sus resultados deben orientar la planificación de las acciones formativas. El presente estudio buscó describir y analizar la coherencia entre las competencias mapeadas por una universidad pública y su planificación formativa. Para ello, se analizaron los Planes de formación y los informes de mapeo de competencias de los tres ciclos de mapeo realizados entre los años 2011 y 2018, en función de tres parámetros: número de acciones formativas ofertadas, número de empleados capacitados y carga horaria de las acciones. En los resultados se identificó que la mayoría de las competencias objetivo de los planes de formación se identificaron con brecha media o baja (52,88% y 84,09%, respectivamente) o incluso estaban fuera del mapeo de competencias (24,03%). Estos datos pueden indicar un desperdicio de recursos públicos, así como determinar la ineficiencia de la planificación de la formación.

Palabras clave: gestión por competencias, diagnóstico de competencias, administración pública.


 

 

A constante atualização das tecnologias, técnicas e métodos para desempenhar o trabalho nas organizações, tem exigido o constante desenvolvimento das competências dos colaboradores.Demanda que pode ser suprida por meio da contratação de novos colaboradores que já possuam as competências desejadas ou por meio da realização de ações de capacitação com os colaboradores que necessitam desenvolvê-las (Bohlouli et al., 2017). Para as duas situações, é imprescindível identificar claramente todas as competências que são necessárias para a execução das entregas da organização, bem como identificar as competências já presentes entre os colaboradores da organização. Somente após mapear todas as competênicas necessárias, elencando os gaps (lacunas) dessas competências é que poderão ser planejadas ações de captação e desenvolvimento de colaboradores com as competências desejadas (Brandão, 2017; Bohlouli et al., 2017).

O interesse em torno da gestão por competências (GC) na administração pública tem sido crescente (Montezano & Petry, 2020; Perseguino & Pedro, 2017; Silva, Bispo, & Ayres, 2019). Esse movimento parece ser uma forma de busca por mais eficiência na gestão em comparação com modelos vigentes, baseados em cargos (Andrade & Ckagnazaroff, 2018; Silva et al., 2019) e uma resposta à necessidade de adaptação da gestão de pessoas à crescente competitividade a que são submetidas as organizações (Andrade & Ckagnazaroff, 2018).

A GC se tornou mandatória na administração pública federal a partir da publicação do Decreto nº 5.707/2006, que estabeleceu a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP). Essa política representou uma consolidação de esforços para o alcance de uma maior efetividade no uso dos recursos destinados à capacitação. Ela foi instituída para atender às seguintes finalidades: 1) melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão; 2) desenvolvimento permanente do servidor público; 3) adequação das competências requeridas dos servidores aos objetivos das instituições, tendo como referência o plano plurianual; 4) divulgação e gerenciamento das ações de capacitação e 5) racionalização e efetividade dos gastos com capacitação (Brasil, 2006).

Dando continuidade ao esforço para aprimoramento da gestão pública, a PNPD foi reformulada por meio do Decreto 9.991/2019 que, entre outras coisas, reforçou a necessidade de uma cultura de planejamento e orientação de gestores quanto a ações de desenvolvimento de pessoal a partir do levantamento das necessidades de desenvolvimento relacionadas à consecução dos objetivos institucionais (Brasil, 2019). É, contudo, importante avaliar se há coerência entre as ações de capacitação implementadas pelas organizações e as prioridades de capacitação apontadas nesse modelo de gestão, o que constitui o objetivo deste estudo.

A denominação GC constitui um modelo de gestão centrado no conceito de "competência" (Brandão, 2012). Esse conceito é aqui entendido como um conjunto de comportamentos emitidos no ambiente de trabalho passíveis de observação e mensuração por gestores e pares e que contribuem para a consecução dos objetivos da organização (Ramos, Costa, Borba, & Barros, 2016). Esse conceito orienta diversos processos organizacionais da área de gestão de pessoas, com especial atenção à área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (TD&E) (Brandão, 2012; Chagas, Costa, & Ribeiro, 2019).

O TD&E está baseado em três elementos que guardam entre si uma relação de interdependência (Borges-Andrade, 2006), são eles: 1) avaliação ou diagnóstico de necessidades, 2) planejamento e 3) execução e avaliação. Nesse contexto, a avaliação ou diagnóstico de necessidades de TD&E, é definido, segundo Borges-Andrade, Zerbini, Abbad e Mourão (2013), como um processo sistemático de coleta, análise e interpretação de dados ligados às discrepâncias de competências nos níveis organizacional e individual, e a tarefas destinadas ao desenho, planejamento, execução e avaliação de cursos. De maneira geral, o processo de diagnóstico de necessidades de TD&E resulta na identificação de "o que", "onde" e "quem" precisa ser treinado na organização. Trata-se, portanto, da matriz de informações que subsidiará as demais etapas do sistema de treinamento que consistem em: avaliação de necessidades de treinamento, planejamento e execução e avaliação de treinamento.

Os métodos de diagnóstico de necessidades de TD&E buscam constatar ou prever déficits de competências dos indivíduos e assim subsidiar o planejamento de ações de aprendizagem (Ferreira & Abbad, 2013). Para Brown (2002), há quatro razões para conduzir um diagnóstico de necessidades de TD&E: 1) identificar problemas específicos de cada área; 2) obter apoio e confiança de dirigentes e gestores; 3) obter dados para avaliar os programas de treinamento e 4) determinar custos e benefícios de programas de treinamento.

Em se tratando de GC, o mapeamento de competências constitui o principal método de diagnóstico de necessidades de treinamento e é a etapa inicial do processo de implantação do modelo (Brandão, 2017; Saxena & Gujral, 2017). Ele se diferencia dos tradicionais métodos de avaliação de necessidades de treinamento (ANT) por ser uma base mais ampla e sólida de informações que pode subsidiar outros subsistemas de gestão de pessoas, como a seleção, a avaliação de desempenho, o dimensionamento da força de trabalho e a lotação ou realocação (Lima & Melo, 2017; Montezano & Silva, 2018).

A seleção e admissão para uma carreira no serviço público é feita por meio de concurso público, com o intuito de democratizar o processo de recrutamento. O mapeamento de competências pode contribuir para que a avaliação de candidatos enfoque as competências em déficit na organização, inclusive para cargos de livre nomeação e exoneração, conforme aponta o Acórdão 3023/2013 do Tribunal de Contas da União.

As competências mapeadas também poderão compor instrumentos de avaliação de desempenho, reduzindo a subjetividade e focando em fatores/comportamentos passíveis de observação e mensuração no ambiente de trabalho (Brandão, 2012; Pires et al., 2005).

Para subsidiar processos de lotação ou realocação de pessoal, as competências podem ser utilizadas para compatibilizar perfis elaborados pelos setores solicitantes de alocação com perfis de potenciais candidatos. Com isso, busca-se alocar os profissionais em espaços organizacionais mais compatíveis com o seu perfil profissional e com as necessidades da organização (Pires et al., 2005).

A Avaliação de Necessidades de Treinamento, com foco mais restrito ao treinamento, visa fundamentalmente subsidiar as ações de TD&E. Tanto a ANT quanto o mapeamento de competências se assemelham quando pressupõem a coleta e análise de informações nos diversos níveis organizacionais (organização como um todo, unidades organizacionais, equipes e indivíduos) e o alinhamento com a estratégia e os objetivos organizacionais. Além disso, remetem ao mesmo construto, o conceito de "competência" (Abbad & Mourão, 2012).

A identificação de necessidades de capacitação, por qualquer método, deve ser um processo sistemático de coleta, análise e interpretação dos gaps de competências que possibilite: diagnosticar ou prognosticar necessidades de TD&E; descrever o perfil do público-alvo e de seus contextos para o fim de desenvolvimento das estratégias instrucionais; definir, com clareza e precisão, quais competências precisam ser desenvolvidas nos participantes das ações educacionais (Abbad & Mourão, 2012); otimizar o uso dos recursos públicos destinados à capacitação (Montezano & Petry, 2020); direcionar as ações de aprendizagem que possam trazer melhores resultados para a organização; diminuir a discrepância entre o discurso estratégico e as ações de gestão de pessoas (Lacombe & Heilborn, 2001); o alinhamento das soluções de treinamento e desenvolvimento às necessidades e objetivos organizacionais (Montezano, Amaral Junior, & Isidro-Filho, 2017), ou seja, aproximar as ações de treinamento dos objetivos organizacionais (Meneses, Zerbini, & Abbad, 2010; Montezano, Medeiros, Isidro-Filho, & Petry, 2019; Montezano, Silva, Marques, & Isidro-Filho, 2019).

Embora o mapeamento possa ser feito por diferentes métodos, têm predominado procedimentos baseados em Brandão (2012), iniciando por análise documental, seguida de oficinas de mapeamento de competências com servidores representando cada subunidade da organização, para identificar as competências que são exercidas (e.g. Cardoso, 2017). A próxima fase do mapeamento consiste na avaliação das competências levantadas nas oficinas, na qual (por meio de autoavaliação e avaliação por gestor) se afere o grau necessidade de capacitação para cada competência e para cada servidor por meio de questionários. Com base nessas informações, é calculado o gap para cada competência (ver também Ramos et al., 2016; Ramos, Costa, & Feitosa, 2017). O cálculo de gap leva em consideração a importância da competência (I, que pode ser um número de 1 a 10, por exemplo, obtido na avaliação pelos funcionários-chave participantes das oficinas), a autoavaliação (AA) e avaliação do gestor (AG) que podem apontam um número de 1 a 10 ou 1 a 5, por exemplo, quantificando a necessidade de capacitação daquele servidor para aquela competência. O cálculo é feito considerando os valores obtidos nessas variáveis e pode gerar um valor de gap dentro de uma escala que, a depender da fórmula utilizada, pode variar, por exemplo, de 0 a 5, 0 a 50 ou 0 a 100. A título de exemplo, uma forma de calcular gap e gerar valores entre 0 e 100 seria a que segue: Gap = I x [(AA x AG)/10].

Além do gap de competências, Montezano et al. (2017) apresentam, em seu artigo, outras ferramentas de gestão que podem ser utilizadas para subsidiar a tomada de decisão em relação ao desenvolvimento de competências, como a matriz GUT e a Análise de Pareto. Outros critérios como o impacto da competência na eficiência institucional e sua aderência ao negócio da organização, também são apontados por esses autores.

O modelo de gestão por competências além de proporcionar o alinhamento entre a estratégia, o planejamento, as funções críticas, as competências essenciais e as competências das pessoas (Agnihotri, Sareen, & Sivakumar, 2018; Saxena & Gujral, 2017; Silva et al., 2019), também permite objetivamente (através de dados numéricos) identificar onde estão os maiores gaps de competências de forma a dar prioridade de investimento a estas demandas, resguardando, assim, a racionalização e efetividade dos gastos com capacitação.

Apesar de todos os elementos acima apontados quanto à importância da avaliação de necessidades de treinamento (ou mais especificamente o mapeamento de competências) para subsidiar decisões em treinamento, desenvolvimento e educação, processos assistemáticos, muitas vezes baseados em abordagens ad hoc (e.g. listas pré-estabelecidas ou em escolhas de treinamentos prontos, por dirigentes, gestores e outros profissionais), por tentativa e erro ou com base nos desejos e vontades pessoais (Ferreira, Abbad, Pagotto, & Meneses, 2009) têm sido frequentes nas organizações.

No contexto das instituições públicas são inúmeros e distintos os métodos de levantamento de necessidades de capacitação. Em estudo realizado por Montezano e Petry (2020), cujo objetivo foi diagnosticar as competências gerenciais favoráveis ao alcance das estratégias de uma organização pública federal, os autores aplicaram, na fase final do estudo, um questionário eletrônico com os servidores da organização estudada para diagnosticar o quanto eles demonstravam estas competências no trabalho. Os resultados do estudo mostraram que os gestores, em média, estão demonstrando no trabalho as competências gerenciais que são necessárias pela organização, indicando que não possuem lacunas de competências que precisem de ações de aprendizagem com urgência.

Outro estudo, que teve como objetivo identificar, com base na autoavaliação de gestores de unidades judiciárias, as competências gerenciais mais importantes (I) neste campo específico de trabalho, bem como o domínio (D) desses gestores em relação às competências apresentadas mostrou que: em relação à importância, os gestores entrevistados atribuíram à todas as competências, altos escores e em relação ao domínio, as médias atribuídas pelos gestores não foram elevadas ao mesmo nível conferido à importância de tais competências. Para calcular o gap de competências foi aplicada a fórmula N = I (4 -D). Com isso, obteve-se, enquanto prioridades de capacitação, ou seja, maiores gaps: compartilhar conhecimentos, trabalho em equipe e comunicação (Cassundé, Barbosa, & Souza, 2017).

Uma instituição pública de ensino superior, buscando implantar o modelo de gestão por competências, estabeleceu, enquanto procedimentos para definir seu planejamento de capacitação: em um primeiro momento, uma oficina de levantamento das necessidades de capacitação por competências, identificando a lacuna de competências que, aliadas à tabulação das sugestões de capacitação da chefia imediata, constantes no relatório de avaliação de desempenho, resultaram no quadro de levantamento de necessidade de capacitação disponível no PAC 2015-2016; no momento posterior, realizou-se, de forma detalhada, o levantamento da lacuna de competências e quais servidores demandaram ações de capacitação. Segundo os autores, esse procedimento possibilitou que os gestores avaliassem os servidores com base nas competências mapeadas na instituição e indicassem, baseados em uma relação pré-estabelecida de eventos sugerida pela coordenação de capacitação da universidade, quais servidores deveriam participar das ações de capacitação (PAC, 2017).

Ainda no contexto público, um estudo foi desenvolvido com o objetivo de identificar o alinhamento entre as diretrizes estratégicas e as ações de treinamento na Fundação Oswaldo Cruz da Bahia, na área da gestão organizacional. O estudo de caso foi realizado por meio de análise documental para análise do contexto interno e externo e para levantamento das capacitações realizadas; grupo focal e entrevistas, para identificar desafios, mudanças futuras e competências emergentes. Com o Grupo Focal foram identificadas as áreas onde estão lotados os servidores que necessitam desenvolver as competências já discorridas. Ao analisar as áreas contempladas com ações de TD&E durante os anos de 2010 e 2011 observou-se prevalência de ações voltadas ao atendimento à demanda dos servidores e/ou chefias imediatas. Estas demandas ocorrem pela percepção de deficiência no desempenho dos servidores na realização das tarefas, por mudança de setor ou mudanças referentes à legislação, ferramentas ou metodologias de trabalho. No que diz respeito à análise do nível de alinhamento entre TD&E e os planejamentos estratégicos, os dados demonstraram um alinhamento parcial entre estas ações e a estratégia da organização.

Ribeiro (2010) realizou um estudo cujo objetivo foi analisar as necessidades de capacitação para a carreira de especialistas em políticas públicas e gestão governamental - EPPGG. Em entrevista com a Secretaria de Gestão do órgão foi relatado que o processo de mapeamento de competências que foi realizado e está em fase de adequação vai introduzir importantes mudanças em relação à avaliação de temas prioritários e necessidades de capacitação. A entrevistada, representante da ENAP, outro ator importante na coordenação, elaboração e execução do processo de capacitação para a carreira de EPPGG, apontou que foram realizados diversos esforços para saber as necessidades dos EPPGG, como pesquisas com os próprios Gestores que participavam dos cursos; conversas com as chefias; avaliações escritas, observações em sala de aula, bem como avaliações orais ao final do curso.

Como pode ser visto, apesar da indicação do mapeamento de competências para fins de diagnóstico de capacitação, é ampla a variedade de estratégias informais (não baseadas em procedimentos consolidados) de levantamento de necessidades de capacitação relatadas na literatura. Além das já citadas, destacam-se: análise de documentos institucionais (planos anuais de capacitação, relatórios de execução de ações de capacitação, relatórios de gestão, relatórios institucionais e planos de desenvolvimento institucional), observação de participantes e entrevistas informais, formulários impressos encaminhados às unidades para definição dos cursos a serem oferecidos, análises de planos de capacitação anteriores não executados (Teixeira Filho, Almeida, & Almeida, 2017); entrevistas semiestruturadas, questionários, observação participante e pesquisa bibliográfica e documental, demandas de capacitações enviadas pelos setores por meio de formulários (Cardoso, 2017); definição de linhas de desenvolvimento (e.g. presencial, semipresencial, à distância), coleta de informações das avaliações de reação dos cursos anteriores, coleta de informações de estágio probatório, análise das demandas de capacitação, coleta de informações obtidas nas avaliações respondidas pelos ministrantes de cada curso e ação de gestão (Padilha, Lavarda, & Carvalho, 2017).

Os estudos acima citados levam a indagar se atualmente o diagnóstico de necessidades de treinamento vem sendo realizado, com frequência, de modo sistemático. Essa questão é particularmente crítica para instituições públicas federais no Brasil, considerando que o Decreto 5707/2006 (reformulado pelo Decreto 9.991/2019) determina a adoção de procedimentos sistemáticos e estruturados, como o Mapeamento de Competências.

Com a crescente adesão do setor público brasileiro ao modelo de GC, é necessário investigar o grau de coerência entre os dados de avaliação de necessidades e a efetiva oferta de ações de capacitação, inclusive naquelas organizações em que, pelo menos formalmente, foi instituída a gestão por competências e há relatos da sua utilização para fins de diagnóstico de competências (Ferreira & Abbad, 2013; Kriiger et al., 2018; Montezano & Petry, 2020; Montezano, Medeiros, Pinheiro, & Oliveira, 2019; Montezano & Silva, 2018; Ramos et al. 2016). A coerência é aqui entendida como a convergência entre os dados de mapeamento de competência apontando as prioridades de capacitação e as efetivas ações de capacitação desenvolvidas pela organização. A coerência será tão maior quanto mais o esforço institucional de capacitação (quantidade de ações de capacitação, quantidade de servidores capacitados, carga horária de capacitação) estiver concentrado em competências de maior gap.

Diante do exposto, o objetivo do estudo foi analisar a coerência entre os resultados do mapeamento de competências e o planejamento e execução de ações de capacitação promovidas por uma instituição pública federal de ensino superior. Trata-se de uma pesquisa descritiva sobre base documental que levantou dados sobre mapeamentos de competências e planos de ações de capacitação e verificou o grau de coerência entre ambos.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi conduzida em uma instituição federal de ensino superior. Trata-se de uma instituição pública de grande porte que possui natureza multicampi e conta com um quadro de servidores composto por 2.693 docentes (entre efetivos, substitutos, visitantes e temporários) das carreiras do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) e do Magistério Superior e de aproximadamente 2.375 servidores técnico-administrativos (entre efetivos e cedidos).

Instrumentos

Para organizar os dados-alvo da pesquisa foi elaborada uma planilha e dispostos os dados referentes às ações de capacitação e aos resultados do mapeamento de competências. Na coluna referente às ações de capacitação ofertadas (Planos Anuais de Capacitação 2013, 2014-2015 e 2017-2018), foram plotados dados como: títulos, ementas ou objetivos, carga-horária e número de servidores capacitados. Em relação ao mapeamento de competências (Relatórios de Mapeamento de Competências dos Ciclos 2011, 2013 e 2017), foram inseridos dados como: título da competência, sua lacuna e respectiva faixa (gap baixo, médio e alto).

Procedimento de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

A instituição participante havia realizado o mapeamento de competências pela primeira vez em 2011. Naturalmente, as necessidades de capacitação são dinâmicas e se faz necessário de tempos em tempos realizar novo mapeamento, de forma que se pode falar em ciclos de mapeamento. A instituição em questão havia realizado três ciclos. Para proceder a análise do primeiro ciclo de mapeamento, foi analisado o respectivo relatório referente ao ciclo conduzido no ano de 2011 e o PAC 2013, que foi o primeiro plano de capacitação elaborado após o mapeamento de 2011. Da mesma forma, para analisar os dados do segundo ciclo, foi analisado o respectivo relatório referente ao ciclo do ano de 2013 e o PAC 2014-2015. Por último, para analisar os dados do terceiro ciclo, foi analisado o relatório do ciclo de 2017 e o PAC 2017-2018.

Os procedimentos relativos ao mapeamento de competências não são parte do presente estudo (pois foram implementados previamente pela instituição e de forma desvinculada da pesquisa). Assim, a descrição dos procedimentos adotados nesta pesquisa se inicia por abordar a forma como os dados foram extraídos das fontes de informação: os Planos Anuais de Capacitação (PAC) e os relatórios de mapeamento de competências da instituição.

Extração de dados dos relatórios de mapeamento de competências. Os relatórios de mapeamento foram obtidos no website e são de acesso público. Os relatórios são produzidos sob a supervisão da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e reúnem as informações provenientes de um sistema informatizado através do qual foi feito o mapeamento de competências.

De cada relatório de ciclo de mapeamento de competências, foram extraídas as seguintes informações: lista completa de competências mapeadas e magnitude do gap aferido para cada competência (resultantes de autoavaliação e/ou avaliação do gestor imediato). Essa lista foi organizada em ordem crescente de valor de gap. Por haver alterações nas escalas de aferição dos gaps entre ciclos diferentes, foi observado que a amplitude da magnitude dos gaps variou de um ciclo para outro: de 0 a 5 para o Ciclo 1; de 0 a 5 para Ciclo 2 e de 0 a 50 para o Ciclo 3. Independentemente dessas diferenças, para efeito da presente pesquisa, a amplitude entre o menor e o maior valor de gap relatado foi dividida em três terços, de maneira a se obter uma faixa de gap baixo (primeiro terço), outra de gap médio (terço intermediário) e, por fim, uma de gap alto (último terço). Quanto maior o gap, maior a necessidade de capacitação, de acordo com a lógica do mapeamento.

Extração de dados dos Planos Anuais de Capacitação. Os PACs descrevem a política de capacitação da instituição e listam as ações de capacitação previstas para aquele ano, detalhando informações como ementa, objetivo e carga horária. Eles foram obtidos no website da instituição. Dos planos de capacitação, foram extraídos os seguintes dados: quantidade de ações de capacitação oferecidas; lista completa de ações de capacitação; ementas ou objetivos das ações de capacitação; quantidade de vagas oferecidas e carga horária de cada ação.

Vale destacar que, dos três PACs analisados, apenas o último fazia referência à competência a ser desenvolvida. Tanto o PAC 2013, quanto o 2014-2015 apenas indicavam a linha de desenvolvimento (competências organizacionais ou genéricas, competências específicas ou técnicas, competências gerenciais ou educação formal) a qual a ação de capacitação estava vinculada. Além disso, descrevia o conteúdo que seria apresentado aos aprendizes.

Para compor o PAC de 2013, foram utilizados diferentes métodos de levantamento de necessidades: capacitações por demandas das unidades; vinculação aos objetivos estratégicos; necessidades pessoais dos servidores para fins de progressão na carreira; resultados da avaliação desempenho, bem como imposição legal (PNDP).

Para a consolidação do PAC 2014-2015 foram levantadas as seguintes informações: as linhas de competências organizacionais, comportamentais e específicas, consolidação das demandas institucionais, resultado da avaliação de desempenho e parte das competências organizacionais mapeadas pela instituição. Para subsidiar o PAC 2017-2018 os gestores puderam avaliar os servidores sob sua tutela nas competências mapeadas na instituição e indicar, baseado em uma relação pré-estabelecida de eventos sugeridos pela coordenação responsável pela capacitação, de quais o servidor deveria participar.

Tanto os PAC's quanto os relatórios são documentos de acesso público. Mesmo assim, a instituição participante foi comunicada do andamento da pesquisa e manifestou interesse em apoiar sua execução.

Procedimentos de Análise de Dados

Para realizar a análise da Coerência entre os Mapeamentos de competências e as Ações de Capacitação foi realizada uma análise qualitativa da pertinência de cada uma das ações de capacitação em relação ao universo de competências mapeadas. Essa análise de pertinência foi baseada na análise semântica entre a descrição das competências e o título e ementa das ações de capacitação. Essa análise semântica foi realizada da forma descrita a seguir.

Um pesquisador procedia a leitura de título e ementa de uma ação presente no PAC ou relatório e buscava relação entre a descrição da capacitação e alguma das competências mapeadas no ciclo ao qual pertence o plano ou relatório. Quando o experimentador julgava que título ou a ementa de uma determinada ação de capacitação não eram relacionados a nenhuma das competências mapeadas, a ação era categorizada como "não relacionada ao mapeamento". Um exemplo desta categoria foi identificado ao analisar a ação de capacitação "Francês" e as competências mapeadas. Ao final da análise, constatou-se que nenhuma competência com referência a este termo foi descrita no ciclo de mapeamento de competências analisado. Portanto, constatou-se a ausência de relação entre a ação de capacitação promovida "Francês" e os gaps de competências analisados.

Quando, por outro lado, o pesquisador julgava que o título ou a ementa de uma determinada ação de capacitação guardavam relação semântica com o título ou descrição de uma competência mapeada, esta relação era assinalada na planilha de dados. Um exemplo desta categoria foi identificado por meio da análise semântica entre a ação de capacitação "Elaboração do plano de desenvolvimento da unidade (PDU)" e a competência "Planejamento organizacional". Ao analisar os dois elementos, título da ação de capacitação e competência, foi identificada uma relação semântica.

A integridade da análise semântica acima referida foi aferida por meio de acordo entre juízes independentes. Assim, um segundo experimentador procedeu a mesma análise de pertinência de forma independente para 30% do volume total de dados. A quantidade de concordâncias entre observadores foi dividida pela soma de concordâncias e discordâncias e o quociente foi multiplicado por 100. O grau de concordância obtido nesta análise foi de 93%. O cálculo de acordo pode ser assim expresso:

Considerando que as competências mapeadas já haviam sido categorizadas como em gap baixo, médio ou alto (ver item "extração de dados dos relatórios de mapeamento de competências"), essa análise semântica acabava por relacionar cada ação de capacitação a um determinado nível de gap (baixo, médio ou alto). Considerando o que foi descrito na etapa "Extração de dados dos Planos Anuais de Capacitação", esta mesma análise permitiu identificar a quantidade de servidores capacitados e a carga horária dedicada à capacitação em cada nível de gap.

 

Resultados e Discussão

Os resultados do estudo permitem analisar a relação entre a oferta de ações de capacitação pela instituição participante e os dados de três ciclos de mapeamento de competências. O conjunto e número de competências mapeadas nos três ciclos de mapeamento foi diferente e crescente. O primeiro ciclo englobou uma quantidade menor de competências com caráter mais genérico. Nos ciclos seguintes, esse número foi aumentando e as competências tornaram-se menos abrangentes e mais específicas. Os resultados obtidos pelo mapeamento de competências, identificando a magnitude dos gaps de competências mapeadas nos três ciclos de mapeamento de competências, são apresentados na Tabela 1.

Como pode ser visualizado na Tabela 1, no primeiro ciclo de mapeamento foram identificadas 31 competências com algum nível de gap. No segundo ciclo 136 e no terceiro ciclo 355 competências apresentaram gaps. Nos dois primeiros ciclos de mapeamento, a maior parte das competências mapeadas apresentaram gaps de magnitude média, já no terceiro ciclo, a maioria das competências obtiveram gaps baixos.

 

 

Para comparar a relação entre a oferta de ações de capacitação da instituição com os resultados dos mapeamentos de competências, foram tomados como base três fatores: 1) Número de ações de capacitação (Figura 1); 2) Carga horária das ações de capacitação (Figura 2) e; 3) O número de servidores capacitados (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

A Figura 1 permite analisar a coerência entre os dados do mapeamento de competências e o número de ações de capacitação ofertadas, para os três ciclos de mapeamento realizados pela instituição.

No primeiro ciclo de mapeamento (C1), apesar da maior parte das competências ter sido avaliada com gap médio, as ações de capacitação ofertadas estavam relacionadas, em sua grande maioria (n=37 ou 84,09%), às competências avaliadas com gap baixo (ou seja, baixa prioridade de capacitação). No segundo ciclo (C2), a maioria das ações de capacitação promovidas (n=55 ou 52,88%) estavam relacionadas a competências avaliadas com gap médio. A Figura 1 também mostra que 25 ações de capacitação (24,03%) não estavam relacionadas a qualquer competência mapeada. No último ciclo (C3), 100 ações de capacitação promovidas pela instituição (78,12%) estavam relacionadas a competências avaliadas com gap baixo, mesmo que 45,9% das competêncais mapeadas tenham sido avaliadas com gap médio ou alto. Esses dados permitem afirmar que não há elevada coerência entre o número de ações de capacitação ofertadas e os dados de mapeamento de competências, em especial no primeiro e terceiro ciclos nos quais foram priorizadas competências com gap baixo.

A Figura 2 apresenta dados que permitem a análise da coerência entre os dados de mapeamento de competências e a carga horária total das ações de capacitação ofertadas para os três ciclos de mapeamento realizados pela instituição.

Os dados confirmam o que foi obtido com a análise do número de ações de capacitação, acima mencionada: a maior parte da carga horária foi relacionada a competências com gap baixo ou médio. Predominou carga horária de capacitação relacionada a competências com gap baixo nos Ciclos 1 e 3, e com gap médio no Ciclo 2. Portanto, assim como o fator "quantidade de ações ofertadas", também o fator "carga horária", mostra que em nenhum dos ciclos foram priorizadas competências com gap alto, ou seja, maior prioridade de capacitação.

A Figura 3 apresenta dados relativos ao fator "quantidade de servidores capacitados". Essa análise foi realizada somente com relação aos ciclos C1 e C3 de mapeamento realizados pela instituição, porque não foram encontrados registros do número de servidores capacitados no Ciclo 2.

Os dados dos Ciclos 1 e 3 mostram que o maior número de servidores foi submetido a ações de capacitação relacionadas a competências com gap baixo. Os dados, portanto, convergem com as conclusões obtidas com os demais fatores acima mencionados.

Os dados referentes a este fator, entretanto, chamam a atenção em um aspecto particular: o número total de servidores capacitados no Ciclo 3 é quase o triplo (291% maior) que o número de servidores capacitados no Ciclo 1. Esse dado permite levantar a questão sobre se os esforços de capacitação da instituição estão focados no aumento da participação. Se isso for um foco central, é possível que a seleção de ações de capacitação para serem ofertadas esteja sendo influenciada mais por uma estimativa de grande adesão e menos por uma coerência com o mapeamento de competências.

De forma geral, a análise dos três ciclos de mapeamento de competências promovidos pela instituição participante indica que, em nenhum dos PAC's houve coerência entre os dados do mapeamento e o esforço institucional de capacitação. Essa coerência seria expressa pela concentração de capacitação em competências com alta necessidade de capacitação (ou seja, gap alto). Esses dados confirmam a suposição apontada na literatura quanto ao fato de que a decisão sobre como investir em capacitação pode ser guiada por critérios pouco alinhados com as reais necessidades de capacitação (Ferreira, Abbad, Pagotto, & Meneses, 2009; Cardoso, 2017; Padilha et al., 2017; Teixeira Filho et al., 2017).

A concentração de esforço institucional (recursos orçamentários, pessoal, espaço físico, equipamentos) na oferta de ações de capacitação que focam competências fora da faixa de gap alto pode determinar a ineficiência do planejamento de capacitação. Em outras palavras, a instituição deixa de alavancar competência com maior urgência de capacitação para consecução de seus objetivos estratégicos, ao mesmo tempo em que investe em competências com baixa urgência e, portanto, com baixo impacto no aumento da eficiência da organização (Abbad & Mourão, 2012; Lacombe & Heilborn, 2001; Meneses et al., 2010; Montezano, Amaral Junior, & Isidro-Filho, 2017; Montezano, Medeiros, Isidro-Filho, & Petry, 2019; Montezano & Petry, 2020; Montezano, Silva, Marques, & Isidro-Filho, 2019).

Apesar de o mapeamento de competências constituir metodologia reconhecida para o diagnóstico de necessidades de capacitação, ficou claro que, no caso da instituição pesquisada, outros critérios subsidiaram o planejamento e direcionamento das ações e recursos de capacitação. Entre esses critérios, já citados, estão: dados provenientes de avaliação de desempenho, levantamento de sugestões de servidores e gestores quanto a ações de capacitação de forma livre e/ou a partir de listas pré-estabelecidas, aproveitamento da disponibilidade de agentes capacitadores em temas específicos e necessidades pessoais para progressão na carreira.

Se, por um lado, a instituição participante, assim como outras instituições públicas brasileiras, tem procurado implantar o modelo de gestão por competências, conforme previsto nos Decretos 5.707/2006 e 9.991/2019 e na PNDP por eles instituída, de outro, os dados resultantes deste diagnóstico não têm direcionado o planejamento e a execução das ações de capacitação promovidas pela instituição. Portanto, no contexto da instituição analisada, o mapeamento de competências não tem sido utilizado para alguns dos seus principais objetivos: estabelecer prioridades de treinamento e alinhar os treinamentos oferecidos aos objetivos e competências estratégicas da organização (Agnihotri et al., 2018; Saxena & Gujral, 2017; Silva et al., 2019).

A PNPD, definida pelo Decreto 9.991/2019 (Brasil, 2019), e conforme seu Artigo 3º, estabelece que "cada órgão e entidade integrante do SIPEC (Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal) elaborará anualmente o respectivo PDP (Plano de Desenvolvimento de Pessoas), que vigorará no exercício seguinte, com a finalidade de elencar as ações de desenvolvimento necessárias à consecução de seus objetivos institucionais". No Parágrafo 2º. deste mesmo artigo, fica estabelecido que "a elaboração do PDP será precedida, preferencialmente, por diagnóstico de competências". Em seu Parágrafo 1º determina que o PDP deverá "nortear o planejamento das ações de desenvolvimento de acordo com os princípios da economicidade e da eficiência". Apesar destas determinações no sentido de se garantir maior efetividade no uso dos recursos destinados à capacitação, na instituição pesquisada, os dados resultantes do mapeamento de competências não têm sido priorizados no planejamento e na execução das ações de capacitação promovidas pela instituição.

Os dados aqui relatados confirmam (e estendem a uma instituição federal que já implantou o mapeamento de competências) que processos assistemáticos (já exemplificados anteriormente) de levantamentos de necessidades de capacitação tendem a prevalecer na determinação da oferta de capacitação (Ferreira, Abbad, Pagotto, & Meneses, 2009).

O diagnóstico de necessidades de treinamento tem sido realizado de modo pouco sistemático em ambientes organizacionais, mesmo naquelas em que pelo menos formalmente foi instituída a gestão por competências. Descrições claras e objetivas de necessidades de treinamento (gaps de competências) deveriam prevalecer como elemento norteador da elaboração dos planos de capacitação (Cardoso, 2017; Padilha et al., 2017; Teixeira Filho et al., 2017).

É possível que as informações presentes em documentos como os relatórios de mapeamento de competências, os PAC's, os relatórios de ações de capacitação de anos anteriores não sejam suficientemente claros para orientar a proposição de ações de capacitação na direção das maiores necessidades. De fato, é preciso fortalecer a formação em gestão por competências dentro dos setores dedicados à gestão de pessoas nas organizações públicas para que esses documentos sejam melhor elaborados e mais bem aproveitados. Para traçar um paralelo com a literatura da área de educação, há estudos sobre "objetivos de ensino" que sugerem que uma das variáveis críticas para que processos de ensino e aprendizagem sejam pouco efetivos consiste na pouca clareza dos comportamentos a serem desenvolvidos (Santos, Kienen, Viecili, Botomé, & Kubo, 2009).

 

Considerações Finais

A instituição do modelo de Gestão por Competências (GC) como referencial para a gestão de pessoas no serviço público federal representa um passo importante na direção da consolidação de esforços para o alcance de uma maior efetividade no uso dos recursos destinados à capacitação na administração pública federal. Esse movimento determinou que diversas instituições públicas, a exemplo a instituição pesquisada, buscassem implantar o novo modelo de gestão. Os dados aqui analisados mostram que há muito ainda a ser feito para se falar em efetiva mudança.

O mapeamento de competências deveria ser utilizado como instrumento para gerar informações e também instruções claras e objetivas quanto ao uso do diagnóstico de necessidades para desenvolvimento de ações de treinamento. No entanto, apesar dos esforços da instituição pesquisada, os dados aqui analisados mostraram que a proposição de ações de treinamento e desenvolvimento não tem levado em consideração o mapeamento de competências e os gaps do repertório dos servidores, resultando em pouca coerência entre os treinamentos oferecidos e a estratégia organizacional (Ferreira & Abbad, 2014).

Diante disso, iniciativas de descrever e analisar a coerência dos resultados do mapeamento de competências com o planejamento e execução das ações de capacitação promovidas pela instituição participante se mostram relevantes e deveriam ser incorporadas às rotinas de avaliação de impacto de gestão. Não basta realizar ciclos de mapeamento de competências, mas, complementarmente, é importante encontrar meios de dar centralidade às direções indicadas por este mapeamento. O estado atual da conjuntura do desenvolvimento de conhecimento e do ritmo de implantação do modelo de gestão por competências nas organizações públicas brasileiras (Montezano & Petry, 2020; Perseguino & Pedro, 2017; Silva et al., 2019) indicam a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre quais ações, subsequentes ao mapeamento de competências, devem ser desenvolvidas de forma sistemática nas organizações, de maneira a fomentar a coerência entre os dados de mapeamento e os planos de capacitação a serem elaborados a seguir.

Os objetivos aqui propostos foram alcançados à medida que se chegou a um diagnóstico evidenciando a predominância de ações de capacitação, carga horária e quantidade de servidores capacitados voltados ao desenvolvimento de competências com baixa necessidade de capacitação, ou seja, gap baixo. O uso de três fatores na análise teve como objetivo torná-la mais abrangente, na medida em que não era conhecido qual fator seria mais sensível à potencial incoerência entre os dados de mapeamento e as ações de capacitação. Os três fatores mostraram dados convergentes, uma vez que todos estavam relacionados, em sua maioria, a competências com baixo ou médio gaps. A maior parte das ações de capacitação promovidas, a maior carga horária e o maior número de servidores capacitados estavam relacionados às competências não prioritárias. Essa incoerência ficou ainda mais evidente no fator "carga horária".

Como contribuições da pesquisa tem-se a ampliação do conhecimento referente ao processo e aos impactos da implantação do modelo de GC, bem como da sua utilização para fins de diagnóstico e alocação de recurso público e para outras etapas/subetapas da GC.

A pesquisa possui limitações quanto à generalização dos dados, uma vez que focou em uma instituição específica. Além disso, baseou sua análise apenas em documentos institucionais (PACs e Relatórios) e utilizou uma amostra de 30% de concordância entre pesquisadores para a validação da análise. Futuros estudos poderão ampliar o número de instituições estudadas e os fatores analisados incluindo aspectos como orçamento destinado à capacitação.

 

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Informações sobre os autores
César Augusto Barth
E-mail: cesar.barth@gmail.com

Elian de Sousa Costa
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Izabelly de Oliveira Severino
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Camila Carvalho Ramos
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Romariz da Silva Barros
E-mail: romarizsb@gmail.com

Submissão: 19/04/2021
Primeira Decisão Editorial: 05/12/2021
Versão Final: 23/12/2021
Aceito em: 17/03/2022

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