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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.2 Brasília abr./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.5935/rpot/2022.2.22049 

10.5935/rpot/2022.2.22049

 

Bases de poder e ambiente de trabalho para criatividade em agências de publicidade e propaganda

 

Bases of power and work environment for creativity in advertising and propaganda agencies

 

Bases de poder y ambiente de trabajo para la creatividad en las agencias de publicidad y propaganda

 

 

João Benício dos Santos Chequer CarvalhoI; Camila de Sousa Pereira-GuizzoI; Paulo Soares FigueiredoII

ICentro Universitário SENAI CIMATEC, Brasil
IIEscola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

Informações sobre os autores

 

 


RESUMO

Embora haja ampla literatura sobre criatividade em agências de publicidade e propaganda, muitos estudos focam com mais ênfase nas características do produto ou dos profissionais que atuam nesses setores do que no contexto dessas empresas. As práticas de gestão e poder desempenham papel importante na promoção de um ambiente de trabalho adequado para criatividade. Esse estudo analisou a relação entre bases de poder e fatores do ambiente de trabalho (KEYS®) para criatividade e as características do contexto em que estas variáveis são exercidas nessas empresas, por meio de entrevistas com 35 profissionais e dois supervisores. Os resultados indicam que Poder de Perícia foi o mais percebido, e que o Poder de Coerção obteve média baixa. Essas duas bases de poder foram as que mais apresentaram correlações com os KEYS®, sendo que a correlação do Poder de Coerção foi negativa. Discute-se o contexto em que bases de poder e ambiente de trabalho favorável à criatividade são percebidos nessas empresas.

Palavras-chave: bases de poder, criatividade, agências de publicidade e propaganda.


ABSTRACT

In spite of the fact that there is broad literature on the creativity in advertising and propaganda agencies, several studies concentrate on the features of the product or the professionals who work in these sectors rather than on the context of these businesses. Management and power practices have a relevant role in promoting a creativity-prone work environment. This study delved into the relationship between power bases and factors of the creative work environment and the characteristics of the context in which these variables are performed in these businesses, by interviewing 35 staff and two supervisors. Outcomes indicate that Power of Expertise was the most recurring, while Power of Coercion presented low mean values. These two power bases presented more correlations with the factors of the work environment, and Power of Coercion was negatively correlated with most factors. The context in which power bases and work environments favorable to creativity are perceived in these companies is discussed.

Keywords: power bases, creativity, advertising and propaganda agencies.


RESUMEN

Aunque existe una amplia literatura sobre la creatividad en la publicidad y las agencias de publicidad, muchos estudios se centran más en las características del producto o de los profesionales que trabajan en estos sectores que en el contexto de estas empresas. Las prácticas de gestión y de poder desempeñan un papel importante en la promoción de un ambiente de trabajo adecuado para la creatividad. Este estudio analizó la relación entre bases de poder y factores del ambiente de trabajo para la creatividad y las características del contexto en el que se ejercen estas variables en estas empresas, por medio de entrevistas hechas con 35 profesionales y dos supervisores. Los resultados indican que el Poder de Pericia fue el factor más percibido, mientras que el poder de coerción obtuvo una media más baja. Estas dos bases de poder fueron las que mostraron más correlación con los factores del ambiente de trabajo, siendo que el poder de coerción obtuvo una correlación negativa con la mayoría de los factores. Se discute el contexto probable en el que se perciben las bases de poder y el ambiente de trabajo favorables a la creatividad en estas empresas.

Palabras clave: bases de poder, creatividad, agencias de publicidad y propaganda.


 

 

As agências de publicidade e propaganda podem ser classificadas como setores criativos por desenvolverem atividades produtivas que necessitam da criatividade para gerar um produto, bem ou serviço (United Nations Conference on Trade and Development, 2008). Quando inserido em um contexto em que a criatividade é tida como insumo para a geração de negócio, entende-se que a responsabilidade do líder ou supervisor ganha notoriedade face ao poder que este possui de influenciar as pessoas e o ambiente de trabalho, bem como a cultura e o clima organizacional (Alapo, 2018; Chiu, Balkundi, & Weinberg, 2017; Muzzio, 2017; Raven, 2008; Veiga, Neiva, & Bruno-Faria, 2020).

O poder e seu uso nas organizações têm sido assunto de interesse dos pesquisadores (Erkutlu, Chafra, & Bumin, 2011; Martins, 2009; Martins & Guimarães, 2007). Poder pode ser entendido como a capacidade de uma pessoa influenciar outra em determinadas circunstâncias (French & Raven, 1959). Pode-se compreender a influência social como uma ação de mudança na crença, atitude ou comportamento de uma pessoa resultado da ação de outra pessoa. De acordo com French e Raven (1959), essa influência social pode ser sustentada por meio das bases de poder, isto é, insumos que geram dependências. Esses autores apresentaram uma taxionomia de cinco bases de poder: poder de coerção, poder de recompensa, poder legítimo, poder de perícia e poder de referência (French & Raven, 1959).

O poder coercitivo e de recompensa possuem aspectos relacionados a ameaças de punição ou promessas de recompensa (como ameaças de rebaixamento ou promessas de aumento de salário) (Pierro, Raven, Amato, & Bélanger, 2013). Bélanger, Pierro e Kruglanski (2015) apresentam o poder de recompensa como sendo algo que aumenta com a magnitude das recompensas que a pessoa percebe que o supervisor pode transmitir a ela. O poder de recompensa depende da capacidade do supervisor em gerir variáveis positivas ou de remover ou diminuir variáveis negativas para as pessoas (Martins, 2009). Já o poder coercitivo gera nos subordinados medo dos chefes e receio de desagradá-los (Mittal & Elias, 2016). O poder de coerção assemelha-se ao poder de recompensa na medida em que envolve também a capacidade do supervisor de manipular a obtenção de recursos (Bélanger et al., 2015).

O poder legítimo de um supervisor é definido como aquele poder oriundo de valores legítimos ou legais, que propiciam a este o direito legítimo de influenciar a pessoa e que a pessoa tem a obrigação de aceitar essa influência (Bélanger et al., 2015; Raven, 2008). O poder de referência tem sua base na empatia e identificação com o supervisor (Martins, 2009). Entende-se que pode haver um sentimento de idolatria, desejo de identidade ou comparação da pessoa com as atitudes, conhecimentos e personalidade do supervisor tido como referência (Martins, 2009). Por sua vez, o poder de perícia está associado à expertise e qualificações de um indivíduo social em relação a assuntos que são especializados (Martins, 2009). A força do poder de perícia varia com a extensão do conhecimento (Pierro, Kruglanski, & Raven, 2012) ou percepção que a pessoa atribui ao indivíduo em uma determinada área (Raven, 2008).

Em uma pesquisa com trabalhadores de empresas brasileiras, Guimarães e Martins (2008) verificaram que a base de poder de perícia do supervisor influenciou o comprometimento organizacional afetivo, enquanto no comprometimento afetivo com a equipe foi o poder de recompensa. Já a pesquisa de Resende, Martins e Siqueira (2010) não encontrou influência significativa do uso das bases de poder (legítimo, perícia, recompensa e coerção) no envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Todavia, os resultados do estudo de Resende et al. (2010) demonstraram o impacto das bases de poder legítimo e de perícia sobre a satisfação no trabalho. Em outro estudo com trabalhadores de empresas localizados na Malásia, Junaimah, See e Bashawir (2015) identificaram que as bases de poder de recompensa, referência e perícia foram positivamente relacionadas à satisfação do colaborador com a supervisão, já os poderes coercitivos e legítimos foram correlacionados negativamente à satisfação com a supervisão.

Estudos também apontam evidências de que o efeito da liderança na criatividade é mediado por aspectos da cultura e do clima (Junaimah et al., 2015; Mittal & Elias, 2016;). Erkutlu et al. (2011) discutem que a cultura organizacional pode ser um moderador do efeito das bases de poder nos colaboradores. Segundo Schein (2004), culturas podem ser consolidadas a partir das crenças, valores e suposições de fundadores de organizações e da aprendizagem das experiências dos membros do grupo à medida que sua organização evolui. Já o clima organizacional pode ser entendido como "fenômeno perceptual duradouro, construído com base na experiência, multi-dimensional e compartilhado pelos membros de uma unidade da organização" (Koys & DeCotiis, 1991, p.266). Entende-se que especialmente em empresas relacionadas a setores criativos, a atuação do supervisor/líder e os fatores do contexto organizacional devem ser foco de atenção na medida em que tais aspectos podem estimular ou inibir a criatividade dos colaboradores e a inovação de produtos (Alapo, 2018; Raven, 2008; Romeiro & Wood Junior, 2015).

Nesse sentido, a literatura apresenta diferentes compreensões sobre os conceitos criatividade e inovação (Nakano & Wechsler, 2018). É essa visão distinta desses construtos, ainda que complementares, que é adotada neste estudo. Para Amabile (2006, p.35) "um produto ou resposta será julgado como criativo na medida em que (a) é novo e apropriado, útil, correto ou de valor para a tarefa em questão, e (b) a tarefa é heurística e não algorítmica". Por sua vez Amabile, Conti, Coon, Lazenby e Herron (1996) compreendem inovação como sendo a implementação de ideias novas e bem-sucedidas dentro de uma organização, buscando intencionalmente o benefício econômico de um processo, produto ou serviço.

Há diferentes teorias que investigam a criatividade (Neves-Pereira & Fleith, 2020). A Teoria Componencial de Criatividade, que fundamenta o instrumento KEYS® usado nesta pesquisa, é um modelo proposto por Amabile que busca explicar a influência de fatores cognitivos, motivacionais, sociais e de personalidade sobre a criatividade e o processo criativo (Amabile, 1983, 1996, 2012). Amabile incialmente buscava entender se os motivadores extrínsecos e as restrições no ambiente social podiam reduzir a motivação intrínseca e prejudicar a criatividade. As descobertas iniciais apoiaram a hipótese de que motivação intrínseca conduz à criatividade e a motivação extrínseca é prejudicial à criatividade. Entretanto, em estudos posteriores, Amabile verificou que a motivação extrínseca e as recompensas, sob certas condições, podem apoiar motivação intrínseca e criatividade (Amabile, 1983, 1996, 2012, 2019). Por exemplo, quando condições externas confirmam o senso de competência ou apoiam o engajamento do indivíduo na atividade, a criatividade pode ser favorecida, especialmente quando a motivação intrínseca é alta (Amabile, 2019). Assim, a Teoria Componencial de Criatividade indica que a criatividade necessita da convergência de quatro componentes: habilidades de domínio (expertise), habilidades criativas relevantes, motivação e ambiente (Amabile, 2012; Amabile, & Pratt, 2016). Amabile (2012) apresenta que motivação intrínseca, expertise e habilidades criativas relevantes estão diretamente ligados ao indivíduo, enquanto o ambiente de trabalho é compreendido pelo contexto organizacional em que o indivíduo se encontra.

Amabile et al. (1996) enfatizam que o ambiente de trabalho para criatividade deve contemplar as seguintes dimensões: (a) práticas de gestão (incentivo por parte da gestão, liberdade, trabalho desafiante, suporte do grupo de trabalho); (b) motivação organizacional (incentivo organizacional, falta de impedimentos organizacionais); (c) recursos necessários (recursos adequados, pressões de trabalho realistas); e (d) percepção dos resultados do trabalho desenvolvidos na organização (criatividade e produtividade).

Ensor, Cottan e Band (2001) entrevistaram gerentes seniores de agências de publicidade do Reino Unido a fim de identificar fatores que promovem um ambiente de trabalho criativo como estabelecido por Amabile et al. (1996). A pesquisa qualitativa identificou os fatores propostos por Amabile et al. (1996): incentivo organizacional, incentivo por parte da gestão, suporte do grupo de trabalho, liberdade, recursos adequados, trabalho desafiador, falta de impedimentos organizacionais e pressões de trabalho realistas. A criatividade era um componente integral da cultura organizacional e os empregados assumiam que fazia parte de suas atribuições. Os autores notaram que criatividade foi fortemente apoiada por uma estrutura organizacional com menos níveis de hierarquia do que muitas outras indústrias, projetos baseados em equipe e participação ativa dos gerentes seniores orientando pessoas e equipes. Posteriormente, Ensor, Pirrie e Band (2006) aplicaram o instrumento KEYS® para análise das percepções de colaboradores de duas agências de publicidade sediadas em Londres e identificaram fortemente três fatores do ambiente de trabalho favoráveis à criatividade: suporte de grupo de trabalho, falta de impedimentos organizacionais e incentivo organizacional.

Em outro estudo, Braga, Fleith, Alencar e Formiga Sobrinho (2018) investigaram como publicitários da área de criação de agências de propaganda de grande porte, de quatro capitais que se destacam no cenário da publicidade brasileira, percebem e caracterizam o seu processo criativo. Como fatores motivadores, os autores notaram que o desejo de criar e de ver as ideias no papel (motivação intrínseca) interagiram com a busca por premiações, altos salários, reconhecimento (motivação extrínseca). Todavia, a pesquisa evidenciou a importância da motivação intrínseca no processo de criação. Por outro lado, como fatores desmotivadores, o estudo destacou o longo processo de aprovação das peças, jornadas extenuantes ou prazos curtos, excesso de regras para criar, baixa tolerância ao erro e desvalorização do profissional criativo.

Assim, ao longo dos anos, a Teoria Componencial de Criatividade foi sendo aplicada, aprofundada e revisada, contribuindo, ainda na atualidade, com a investigação de muitos pesquisadores e beneficiando profissionais e instituições (Amabile, & Pratt, 2016; Amabile, 2019). Contudo, embora haja uma vasta literatura sobre criatividade nas organizações, há a necessidade de mais estudos examinando a percepção de profissionais de setores criativos sobre o poder exercido por seus supervisores e fatores do ambiente de trabalho (Bérubé & Demers, 2019; Ensor et al., 2006; Mittal & Elias, 2016; Romeiro & Wood Junior, 2015. No contexto das organizações, é notório que cada vez mais supervisores ou líderes de equipe desempenhem um papel fundamental na promoção de um ambiente de trabalho adequado para criatividade (Amabile, 2019; Bérubé & Demers, 2019; Ensor et al., 2006; Mittal & Elias, 2016; Muzzio, 2017). Ressalta-se ainda que não há estudos suficientes da aplicação do KEYS® com amostra de profissionais de empresas e, particularmente, de agências de publicidade e propaganda, localizadas no cenário brasileiro. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre bases de poder e fatores do ambiente de trabalho para criatividade em agências de publicidade e propaganda e as características do contexto organizacional em que estas variáveis são exercidas nessas empresas. A presente pesquisa é baseada no estudo de duas agências de publicidade no estado da Bahia, no nordeste do Brasil.

 

Método

Como abordagem de pesquisa, foi adotada a metodologia quali-quantitativa. Esse método envolve a coleta de dados quantitativos e qualitativos, possibilitando aprofundar certos fatores que envolvem o objeto de estudo e que nem sempre são possíveis na pesquisa quantitativa (Bryman, 2016). Destaca-se que essa investigação não tem uma relação causal, indicando apenas a existência de associação entre as variáveis investigadas, inferência obtida por meio da pesquisa correlacional (Cozby, 2003; Sigelmann, 1984).

Participantes

A pesquisa foi realizada nos setores de criação e produção de duas agências de publicidade situadas no Estado da Bahia e que possuem demandas com uso de mídia de massa (televisão, rádio e outdoor), além de demais formatos de comunicação utilizados no mercado publicitário. As agências são privadas e com fins lucrativos. As agências estão localizadas em ambientes geograficamente distintos e não possuem vínculos ou parcerias no que tange ao modelo de negócio. Todavia, trata-se de uma amostragem por conveniência.

Os critérios utilizados para a seleção dos participantes desta pesquisa foram: (a) possuir vínculo empregatício com uma agência de publicidade e propaganda; (b) colaboradores que pertenciam ao setor de criação e produção da agência e seus supervisores. Dessa forma, participaram do estudo 35 profissionais de agências de publicidade e propaganda, sendo 42,9% do sexo feminino e 57,1% do sexo masculino. A maioria desses participantes (82,9%) possuía até cinco anos de trabalho na organização, sendo a minoria com tempo de serviço entre seis e 10 anos.

O número de profissionais que trabalham nas áreas de criação e produção da "Agência A" é de 15 colaboradores, sendo que foram entrevistados todos os 15. A "Agência A" é caracterizada como de médio porte (cerca de 60 colaboradores), com 23 anos de existência. Dispõe de uma carteira de clientes com atuação em segmentos de varejo, telecomunicação, órgãos públicos, educação superior e industrial. A agência possui um único escritório e está subdividida nos setores de atendimento, criação, mídia, produção e mídia digital, além de possuir departamentos administrativos.

Na "Agência B", o número de profissionais que trabalham nas áreas de criação e produção é de 22 colaboradores, sendo que foram entrevistados 20. A "Agência B" é caracterizada como de grande porte (cerca de 250 colaboradores), possui 52 anos de presença no mercado publicitário e detém uma carteira de clientes como multinacionais, estatais, setores governamentais, Ministérios, Prefeituras e Governos de Estado. A "Agência B" tem os setores de atendimento, criação, mídia, produção (gráfica e audiovisual) e mídia digital.

Participaram ainda do estudo dois supervisores de equipe, vinculados a cada agência. O supervisor da "Agência A" é sócio da empresa, dispondo hoje sob sua tutela profissional toda a equipe de criação e planejamento da agência de publicidade. O entrevistado na "Agência B" possui função de gestão e dispõe de equipe específica vinculada a área de produção publicitária. Ambos os supervisores possuem mais de 35 anos de idade e mais de 10 anos desempenhando função de supervisão em agências de publicidade e propaganda.

Instrumentos

Escala de Base de Poder do Supervisor - EBPS. O EBPS é um instrumento de autorrelato, que tem como objetivo medir a base de poder de um supervisor. O instrumento EBPS foi adaptado e validado para o Brasil por Martins e Guimarães (2007). O instrumento é composto por 15 questões e com cinco opções de resposta em escala Likert: discordo totalmente, discordo, nem concordo nem discordo, concordo e concordo totalmente. Conforme Martins (2009, p. 21), o instrumento avalia quatro fatores: Poder Legítimo - "baseado na percepção da pessoa que o supervisor tem o direito legitimado de orientar e direcionar comportamentos para ele"; Poder de Perícia - "percepção de que o supervisor possui expertise comprovada ou conhecimento específico em determinado assunto"; Poder de Coerção - "conforme a percepção da pessoa que o supervisor tem a capacidade de promover castigos ou punições para ele"; Poder de Recompensa - "com base na percepção da pessoa que o supervisor tem a capacidade de promover ou gerar recompensas para ele". A escala brasileira avalia quatro das cinco bases de poder propostas por French e Raven (1959). Interessante frisar que não foi possível identificar nos trabalhadores que participaram do estudo de adaptação e validação para o Brasil a Base de Poder de Referência, que consta na escala original, entretanto, a sua ausência não interfere na capacidade do instrumento em medir o constructo bases de poder (Martins & Guimarães, 2007).

KEYS®. Instrumento criado e validado por Amabile para avaliar o ambiente de trabalho para a criatividade na percepção dos colaboradores (Amabile, 1995; Amabile et al.,1996). A Teoria Componencial de Criatividade é a base conceitual da Escala KEYS® (Amabile, 1995; Amabile et al.,1996). Seu uso nesta pesquisa foi feito com a permissão de Teresa M. Amabile Ph.D. (Harvard Business Scholl, Massachusetts, Estados Unidos) e do Center For Creative Leadership (Carolina do Norte, Estados Unidos), atual detentor da licença. Os autores realizaram a tradução do KEYS® da língua inglesa para o português e, posteriormente, conduziram um estudo de validação semântica com juízes, verificando a compreensão e clareza dos itens. O KEYS® possui 78 itens, que devem ser respondidos em uma escala Likert, compondo 10 fatores: Incentivo Organizacional - encorajamento que é dado ao indivíduo em seu ambiente de trabalho, de modo a transmitir percepções a respeito do que está sendo pensado no processo criativo; Incentivo por Parte da Gestão - relação do supervisor com os participantes de sua equipe, no que tange a clareza na definição de objetivos para ação criativa, interações e comprometimento deste com o grupo; Suporte do Grupo de Trabalho - encorajamento da criatividade, podendo surgir em virtude da liberdade e abertura a novas ideias, heterogeneidade de uma equipe de trabalho, desafio em equipe e compromisso compartilhado; Liberdade - possibilidade que o indivíduo tem de controlar suas ações criativas no ambiente organizacional; Recursos Adequados - requisitos necessários e em conformidade com as atividades desempenhadas pelos indivíduos, vinculados ao desafio trabalhado e ao nível de criatividade esperado; Trabalho Desafiador - aspecto aglutinador da motivação intrínseca, visto que o grupo ou indivíduo é provocado a realizar com êxito o desafio que está encarando; Falta de Impedimentos Organizacionais - ambiente que não cria impedimentos à criatividade em virtude de questões políticas, burocráticas, competições internas de caráter destrutivo ou críticas severas as ideias que são apresentadas; Pressões de Trabalho Realistas - fator que pode ter influência positiva para a criatividade, uma vez que esta pode ser apresentada em caráter desafiador e estimulante ao grupo ou indivíduo; Criatividade - as pessoas acreditam que realmente produzem trabalho criativo; Produtividade - compreendido como uma organização ou setor eficiente, eficaz e produtivo. Cada resposta possui uma pontuação sendo N/A=0, Nunca=1, Às vezes=2, Frequentemente=3 e Sempre=4. Os valores obtidos, com o somatório das respostas do instrumento, são classificados em níveis onde pontuações maiores que 61 pontos são classificados como Muito Alto, entre 56 e 60 pontos como Alto, entre 46 e 55 pontos como Médio, entre 41 e 45 como Baixo e abaixo de 40 pontos como Muito Baixo (Amabile, Burnside, & Gryskiewicz, 1999).

Roteiro de questões para entrevista semiestruturada. Esse roteiro objetivou responder às seguintes questões relativas às características das empresas, bem como às práticas de gestão, do ponto de vista dos gestores: Como é a estrutura organizacional da agência? Como pode ser descrito o incentivo da organização com as equipes de criação e produção? Como pode ser caracterizado o incentivo por parte da gestão? Como se dão as pressões de trabalho?

Procedimento de Coleta e Cuidados Éticos

Após a autorização das agências de publicidade e propaganda e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos participantes (estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos - Número do Parecer: 1.533.915), os instrumentos EBPS e o KEYS® foram aplicados. Com os supervisores das equipes pesquisadas, adotou-se como procedimento a entrevista semiestruturada por meio de um roteiro de questões. As entrevistas, agendadas previamente com os supervisores responsáveis pelas equipes, foram individualmente realizadas, nas respectivas agências de publicidade e propaganda. Para cada supervisor entrevistado foi obtida previamente a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As respostas, durante a entrevista realizada, foram gravadas a fim de possibilitar uma transcrição e análise posterior do conteúdo

Procedimento de Análise dos Dados

As respostas obtidas neste estudo foram tabuladas quantitativamente em escores e analisadas por meio de estatística descritiva (moda, média e desvio padrão) e inferencial. Para correlacionar os resultados dos fatores do EBPS com os fatores do KEYS® foi usado o teste de Spearman, considerando o tamanho pequeno da amostra e a distribuição assimétrica dos resultados (Dancey & Reidy, 2006). Adotou-se o nível de significância estatística (p) menor ou igual a 0,05. Foram extraídos os relatos que sugeriam conteúdos que poderiam complementar as interpretações dos fatores do EBPS e os fatores do KEYS® a fim de entender características do contexto dessas agências.

 

Resultados

Análise Descritiva

A Tabela 1 apresenta a análise descritiva dos resultados da pesquisa com o EBPS, que aponta a percepção dos colaboradores sobre as bases de poder do supervisor. Os resultados apontam que o fator Poder de Perícia obteve destaque nas duas agências tanto no valor da média quanto no valor da moda. Nesse sentido, pode-se levar em consideração de que o perfil do supervisor presente nas agências pesquisadas é tecnicamente reconhecido, considerando a elevada percepção de expertise ou conhecimento específico (Martins, 2009).

 

 

Ainda na Tabela 1, nota-se que em ambas as agências, o Poder de Coerção obteve média mais baixa. Isso mostra a baixa percepção da amostra acerca do uso de castigos ou punições na relação entre superviores e equipe (Martins, 2009).

A Figura 1 apresenta os resultados do somatório das respostas ao KEYS®, por fator, permitindo ainda observar as diferenças entre as agências pesquisadas de acordo com a classificação do instrumento (Amabile et al., 1999).

Como mostra a Figura 1, o fator Produtividade, em ambas as agências, alcança um patamar expressivo de pontuação, levando ao entendimento de que os participantes percebem a organização ou setor eficiente, eficaz e produtivo (Amabile et al., 1996). Por outro lado, o fator com menor pontuação, para ambas as agências, foi Liberdade para controlar suas ações criativas no ambiente organizacional (Amabile et al., 1996). Em geral, nota-se por meio da Figura 1 que a "Agência A" quando comparada à "Agência B" se destacou na pontuação mais elevada dos fatores do ambiente de trabalho favoráveis à criatividade.

Análise da Correlação

A Tabela 2 mostra os resultados da correlação entre os fatores do KEYS® e da EBPS. Os fatores Poder de Perícia e Poder de Coerção, segundo os participantes da pesquisa, foram os que mais obtiveram correlação significativa com os fatores do KEYS®.

Como mostra a Tabela 2, o Poder de Perícia obteve correlação significativa e positiva com sete (de um total de 10) fatores do KEYS®, ou seja, resultados elevados desta base de poder de perícia associaram-se com melhores pontuações nos fatores do ambiente de trabalho para criatividade (com exceção dos fatores que não obtiveram correlação significativa: Liberdade, Recursos Adequados e Falta de impedimentos organizacionais). Já o Poder de Coerção obteve correlação significativa e negativa com oito (de um total de 10) fatores do KEYS®. O sinal negativo da correlação significa que as variáveis variam em sentido oposto, isto é, resultados mais elevados de uma variável estão associados a resultados mais baixos da outra variável (Astivia & Zumbo, 2017).

Observa-se que o Poder de Recompensa obteve correlação significativa e positiva com apenas três fatores do KEYS®: Incentivo por parte da gestão, Suporte do grupo de trabalho e Produtividade. Poder Legítimo não obteve correlação significativa com nenhum dos fatores do KEYS®.

Análise das Entrevistas

As entrevistas permitiram, inicialmente, selecionar algumas características das agências. A "Agência A" apresenta um formato criativo em seus trabalhos que posiciona aspectos regionais, valorizando características locais a fim de gerar empatia com o público de seus respectivos clientes. Trata-se de uma agência que tem um perfil jovem de colaboradores, tendo em seu quadro de funcionários um significativo número de recém-formados em cursos superiores e um grupo de gestores composto por profissionais que tiveram experiências em grandes agências de publicidade e propaganda do país.

A "Agência B" tem um perfil de colaboradores sêniores e que já atuaram em outras agências de grande porte do país, como também no exterior. A estrutura apresenta setores bem demarcados, especialmente por conta do porte grande. Uma característica marcante da "Agência B" é flexibilidade na montagem de equipes específicas para a participação de processos de concorrência por clientes e participação em eventos de premiação do setor da publicidade e propaganda. Possui muitas premiações em eventos do setor: Prêmio Abril, Profissionais do Ano da Rede Globo, Colunistas e Fiap, além de finalista nos festivais de Londres, Cannes Lions, Clio e El Ojo.

Em ambas as agências, observa-se um ambiente de trabalho que opera entre aspectos formais e informais. Há a necessidade de seguir os modelos tradicionais de uma organização face à necessidade de geração de receita. Entretanto, há uma preocupação em quebrar esses padrões a fim de estimular a criatividade. Essa percepção é identificada em alguns relatos:

[...] Por que tem que ter regra para apresentar uma campanha já que nosso trabalho é 'fugir da regra'? [...]As campanhas são sempre abertas aqui. Há um estímulo a equipe para o desenvolvimento criativo dessas campanhas [...] a depender da demanda, nós temos uma tendência em fazer em grupo. Existem grupos de Brainstorming - Até pelo meu perfil - sou um cara que gosta de trabalhar em grupo, de conversar e discutir ideias. Até a forma de me estimular criativamente é trocando essas ideias. (Supervisor da "Agência A").

Toda vez que a criação abre a demanda para as demais áreas, tudo fica mais produtivo, tudo fica mais fluido e mais criativo. Na equipe de produção tentamos dar leveza nas ações para que as coisas fluam melhor [...]. (Supervisor da "Agência B").

Melhorar processos para diminuir os processos [...] gostaria de um dia da semana para que o pessoal trabalhasse em casa, assim o profissional pode ter um dia para criar o que quiser e como quiser [...] além de uma diminuição de custo e otimização das ideias criativas (Supervisor da "Agência A").

Considerando os fatores definidos no instrumento KEYS® (Amabile, 1995; Amabile et al., 1996), percebe-se que os relatos anteriores, assim como os que são apresentados a seguir, sugerem tanto o incentivo organizacional como por parte da gestão em encorajar e apoiar o colaborador em seu ambiente de trabalho, de modo a transmitir percepções a respeito do que está sendo pensado no processo criativo, mostrando ainda o comprometimento do supervisor com a equipe.

[...] a gente está no meio da equipe, estamos no 'chão da fábrica', (Supervisor da "Agência A").

Alguns departamentos, como o de produção, planejamento, administrativo e mídia, possuem um diálogo de igual pra igual, entre líderes e liderados [...]. (Supervisor da "Agência B").

Há um vínculo forte em aspectos do incentivo por parte da gestão e por parte da organização [...] no formato da Agência, os sócios não têm sala, as portas estão abertas [...] os sócios estão participando ativamente de todos processos da agência em todo o momento (Supervisor da "Agência A").

A "Agência A" tem como característica predominante a proximidade da gestão com os colaboradores e a não formalidade na condução nos processos internos. Essa característica é importante principalmente quando se observa que a agência é composta por um perfil de colaboradores jovens e recém-formado.

Nem todo o profissional entende a liberdade que é dada [...] não há trabalho por horário, mas sim por demanda [...] trabalho por necessidade de demanda [...] há liberdade de vir vestido como deseja [...] quando se limita muito, acaba impactando [...] mas o profissional precisa ter maturidade para se enquadrar (Supervisor da "Agência A").

[...] Liberdade é importante pois a pessoa se sente em casa [...] Há uma liberdade, diferente das outras agências, a agência não estende muito os horários [...] Se fosse um lugar sisudo e restrito o clima seria outro [...] isso é um fator importante para a pessoa que está aqui dentro (Supervisor da "Agência A").

Os resultados da entrevista também sugerem que há uma percepção na "Agência B" de controle do supervisor, sócios e responsáveis legais nas ações das equipes. Coerentemente, houve uma pontuação mais baixa no fator Liberdade (medido pelo instrumento KEYS®) de acordo com os colaboradores da "Agência B" do que da "Agência A". O trecho a seguir apresenta esse contexto:

Como a 'criação' é o coração da agência [...] eles não deixam sair nada sem que o líder dê o aval ou que o líder concorde [...] existe um crivo que está atrelado aos gestores, aos diretores e aos presidentes, pincipalmente que estão vinculados ao departamento de criação. (Supervisor da "Agência B").

Percebe-se também que há uma preocupação do supervisor em transmitir o conhecimento e bagagem técnica para as equipes de ambas as agências. Esse processo pode acarretar numa percepção mais aguçada a respeito do uso do poder de perícia atrelado à gestão. Nota-se também uma percepção sobre a qualidade na escolha dos profissionais que conduzirão as equipes. Os relatos a seguir podem sustentar tais constatações:

Eu estimulo a equipe que deixe de fazer o trivial, mas sim que inove e que busque outras formas de conseguir entregar o trabalho [...] antigamente, para a gente tirar uma foto, tinha que sair com câmera. Saíamos atrás do resultado, minha formação foi essa [...]. (Supervisor da "Agência A").

[...] os líderes são bem definidos e as equipes são bem definidas no departamento de criação. (Supervisor da "Agência B").

Durante as entrevistas, também foi possível identificar outros fatores do ambiente de trabalho que promovem a criatividade, como falta de impedimentos organizacionais, ou seja, ambiente que não cria impedimentos à criatividade em virtude de questões políticas, burocráticas, competições internas de caráter destrutiva ou críticas severas às ideias que são apresentadas (Amabile, 1995; Amabile et al. 1996). Alguns relatos sustentam essa percepção:

A gente tenta, aqui dentro, quebrar as amarras criativas que existem [...] a busca para quebrar as amarras do processo criativo é feita de várias formas, desde gerar a liberdade para chegar ou sair do local de trabalho em horário conveniente a jogar videogames ou fazer música [...] tudo foi pensado para que houvesse a diminuição das amarras criativas. (Supervisor da "Agência B").

Não há uma regra de comunicação definida [...] existem diversos canais de comunicação e até a própria agência, por ser aberta e sem paredes [...] existem processos, em virtude de atendimento a clientes que necessitam de processos definidos. (Supervisor da "Agência A").

Os processos não são engessados, são até fluidos [...] quando eu cheguei na agência ninguém usava sistema [...] fui tentar buscar histórico e não existia. [...] Comecei a exigir isso da equipe e dos setores parceiros [...] com o tempo isso começou a funcionar, pois não era burocracia, mas sim informação para respaldar novas ações [...] o sistema funciona, não é impeditivo e não burocrático (Supervisor da "Agência B").

Verifica-se ainda relatos dos supervisores sugerindo o uso do poder de recompensa na medida em que fornecem à equipe prêmios ou outros tipos de benefícios pelo desempenho. Pode-se notar esse tipo de ação por meio dos relatos:

Nós temos uma grande campanha e com um prazo maior, eu juntei a equipe e disse: 'Galera, quem tiver uma ideia legal aqui vai ganhar um dia de folga' [...] é um estímulo, uma brincadeira para que a equipe tenha um pouco mais de motivação para ter um insight para essa campanha. (Supervisor da "Agência B").

[...] a criação sente-se na obrigatoriedade de trazer prêmio para a agência. Não interessa entregar somente um bom trabalho, tem que tornar a agência mais conhecida [...] existem gestores que de fato incentivam isso. (Supervisor da "Agência B").

As agências pesquisadas, especialmente a "Agência B", participam de eventos que premiam campanhas publicitárias, tais como, Prêmio Abril de Publicidade, Cannes Lions (grande celebração da criatividade na comunicação), Bahia Recall e El Ojo (considerado importante prêmio da publicidade ibero-americana). Tais participações são importantes no mercado publicitário.

 

Discussão

Este estudo mostrou a relação entre bases de poder do supervisor e fatores do ambiente de trabalho para criatividade em agências de publicidade e propaganda. Das quatro bases de poder medidas pelo EBPS, três tipos (perícia, recompensa e coerção) apresentaram correlações significativas com os fatores do KEYS®. O Poder de Perícia se destacou na amostra investigada, uma vez que se relacionou positivamente com sete dos 10 fatores do ambiente de trabalho para criatividade. Notou-se que quando a equipe percebe que o supervisor possui expertise ou conhecimento em determinado assunto, há a percepção de existir um ambiente de trabalho favorável em fatores como: incentivo organizacional, incentivo por parte da gestão, suporte do grupo de trabalho, trabalho desafiador, pressões de trabalho realistas, criatividade e produtividade. Considerando as características específicas do contexto de agências de publicidade e propaganda (como estruturas mais enxutas, empresas de pequeno ou médio porte), evidencia-se a importância do supervisor ou gerente ser especialista na área para influenciar e orientar de perto os colaboradores e equipes, como mostrou também o estudo de Ensor et al. (2001). De fato, estudos verificaram que quando o subordinado percebe que o supervisor possui conhecimento ou experiência que ele respeita, isso influencia positivamente o vínculo que ele estabelece com a organização (Guimarães & Martins, 2008) e a satisfação dele com o trabalho (Resende et al., 2010).

Os resultados ainda mostraram que quando o profissional percebe que o supervisor tem a capacidade de recompensá-lo ou de retirar punições destinadas a ele, há também a percepção de uma organização ou setor eficiente, eficaz e produtivo, com suporte do grupo de trabalho e incentivo por parte da gestão. Possivelmente, a clareza das tarefas e os desafios relacionados à produção e à criação, juntamente com a participação constante em competições entre as agências de publicidade e propaganda e a busca por premiações e reconhecimento, fortalecem o sentimento de equipe e o compromisso com o compartilhamento de metas e alcance de resultados. Sustentando esses achados, outras pesquisas também verificaram que o uso do poder de recompensa pelo supervisor favoreceu a percepção de suporte e comprometimento com a equipe de trabalho (Bishop, Scott, Goldsby, & Cropanzano, 2005; Guimarães & Martins, 2008) e satisfação com a supervisão (Junaimah et al., 2015). Braga et al. (2018) também identificaram em estudo com publicitários brasileiros que a busca por premiações, altos salários e reconhecimento atuaram como fatores motivadores (motivação extrínseca) juntamente com a motivação intrínseca no processo criativo.

Outro resultado encontrado nesta pesquisa que é sustentado pela literatura refere-se ao Poder de Coerção. O Poder de Coerção foi inversamente relacionado com o ambiente de trabalho para criatividade em praticamente todos os fatores avaliados pelo KEYS®. Em outras palavras, infere-se que quando o profissional percebe que o supervisor tem a capacidade de promover castigos ou punições para ele, há uma percepção desfavorável do ambiente de trabalho. Esse resultado corrobora outros estudos que mostraram que o medo, a baixa tolerância ao erro e as ações punitivas de supervisores, bem como o receio de desagradá-los, podem resultar em ressentimento e insatisfação dos colaboradores com a supervisão e com o ambiente de trabalho, acarretando barreiras para a criatividade e a produtividade (Amabile et al., 1996; Braga et al., 2018; Ensor et al., 2001, 2006; Junaimah et al., 2015; Mittal & Elias, 2016).

Ensor et al. (2001) discutem que a combinação entre a cultura "sem culpa" (permitindo aos indivíduos a liberdade de não se conformar com os padrões de pensamento estabelecidos) e a disponibilidade de gerentes seniores para orientar indivíduos e equipes de trabalho promovem um ambiente de trabalho altamente propício para a criatividade em agências de publicidade e propaganda. Essa constatação da literatura vai ao encontro com os resultados da análise de correlação deste estudo, uma vez que as bases de poder de perícia (relação positiva) e coerção (relação negativa) estiveram associadas com a maioria dos fatores do ambiente de trabalho (KEYS®).

Os resultados descritivos do KEYS® também mostraram que a "Agência A" se destacou na pontuação mais elevada dos fatores do ambiente de trabalho para criatividade. Esse resultado pode estar associado ao fato da "Agência A" ser menos hierarquizada e ter aspectos de informalidade atrelados a condução das atividades e na relação supervisor e equipe, já que tais informações concedidas nas entrevistas foram semelhantes àquelas encontradas no estudo de Ensor et al. (2001). Além disso, parte dos resultados descritos dos fatores do KEYS® desta pesquisa para a "Agência A" foi também sustentada pelo estudo de Ensor et al. (2006) com o mesmo instrumento, destacando a importância do suporte de grupo de trabalho, da falta de impedimentos organizacionais e do incentivo organizacional na promoção de um ambiente de trabalho favorável à criatividade em agências de publicidade. Estudos sobre agências de publicidade sugerem que os supervisores devem promover uma cultura mais participativa e de estrutura mais simples, com menos hierarquia e mais trabalho cooperativo (Ensor et al., 2001; Romeiro & Wood Junior, 2015). Girdauskienė e Savanevičienė (2012) recomendam que em uma organização com profissionais criativos, a facilidade de aquisição de conhecimento e o compartilhamento do mesmo são facilitados face a informalidade da condução dos processos.

Para o baixo escore do fator Liberdade em ambas as agências, medido pelo KEYS®, uma possível explicação pode estar associada aos limites dos colaboradores em relação à definição de linha criativa, redação ou direção de arte, uma vez que as ideias sugeridas por estes, em sua maior parte, podem estar em desacordo com o desejo do cliente exigindo ajustes constantes. Esse resultado é apoiado pelo estudo de Ensor et al. (2001) que discute que no contexto de agências de publicidade e propaganda os funcionários devem ter autonomia e serem encorajados a sugerir ideias, desde que sejam ajustadas e supervisionadas conforme necessidade do cliente. Para reforçar os limites que podem restringir a liberdade, Romeiro e Wood Junior (2015) comentam as barreiras impostas às ações dos profissionais devido aos prazos, orçamentos e demandas de negócios e clientes inerentes ao contexto de agências.

Em relação aos fatores do KEYS® que medem a percepção dos resultados da organização (Criatividade e Produtividade), o fator Produtividade obteve pontuações mais elevadas do que Criatividade em ambas as agências (Figura 1). Esse resultado chama a atenção para alguns pontos importantes em relação às práticas de gestão do trabalho criativo. Como agências de publicidade e propaganda são caracterizadas pela tensão entre criatividade e negócios/receita, Bérubé e Demers (2019) destacam a atuação dos gestores a fim de evitar a redução da criatividade dos produtos e da motivação dos colaboradores por conta da dificuldade de lidar com essa tensão. Possíveis conflitos podem minar os resultados, já que a entrega do trabalho está condicionada à pressão do tempo e da tensão entre originalidade e necessidade de aceitação, como discutido também por Romeiro e Wood Junior (2015). Nesse sentido, as práticas de gestão devem permitir que o colaborador use suas competências, opine sobre as formas de fazer o trabalho e se sinta capaz, apoiado e motivado para realizar um trabalho criativo (Vieira et al., 2020), já que os longos processos de aprovação das peças, jornadas extenuantes ou prazos curtos e excesso de regras são percebidos como inibidores da criatividade pelos publicitários (Braga et al. 2018).

Os resultados aqui colhidos fornecem indícios de que, em empresas de publicidade e propaganda, nas quais a criatividade é essencial ao desempenho do negócio, a gestão das equipes deve evitar o uso do poder com base em punições pelo descumprimento de tarefas ou objetivos. Por outro lado, há evidências sugerindo que o poder de perícia, baseado em altos níveis de conhecimento e habilidade do supervisor, está associado a um ambiente favorável para a criatividade. Além disso, a gestão trabalhando a recompensa de forma justa, transparente e com retorno para todos pode ser vista como estímulo para a criatividade. As competências e os recursos dos líderes/supervisores e aqueles vinculados a sua gestão deveriam ser, portanto, desenvolvidos nesse sentido, buscando uma estrutura compatível com as necessidades da equipe e a capacidade de diferenciação de um trabalho criativo, o que pode resultar em melhores produtos, que satisfaçam o mercado.

É necessário fazer a ressalva de que este estudo compreende uma amostra restrita a duas empresas e por isso possui baixa validade externa. Ressalta-se ainda que na pesquisa correlacional as mudanças nos valores de uma variável estão relacionadas a mudanças nos valores da outra, não podendo determinar causalidade (Cozby, 2003; Sigelmann, 1984). Estudos futuros, a serem realizados em ampla amostra de empresas desse setor, poderiam contribuir para uma confirmação dos resultados quantitativos aqui apresentados. Aliado a isso, a realização de entrevistas em profundidade numa amostra maior de gestores possibilitaria uma análise qualitativa mais contundente associada às bases de poder e ambiente de trabalho existentes nas agências de publicidade, trazendo mais luz às questões discutidas. Novas pesquisas poderiam investigar ainda o impacto da pandemia de COVID-19 nas práticas de gestão e nas condições de trabalho promotoras ou inibidoras da criatividade.

 

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Informações sobre os autores
João Benício dos Santos Chequer Carvalho
E-mail: joaochequer@gmail.com

Camila de Sousa Pereira-Guizzo
E-mail: camilarsp@hotmail.com

Paulo Soares Figueiredo
E-mail: paulo_s_figueiredo@hotmail.com

Submissão: 23/12/2020
Primeira Decisão Editorial: 28/03/2022
Versão Final: 20/04/2022
Aceito em: 26/04/2022

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