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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.12 no.1 Assis jun. 2013

 

Artigo

 

Linhagens operantes e linhagens culturo-comportamentais: uma demonstração experimental

 

Operant lineages and culturo-behavior lineages : An experimental demonstration

 

 

Fábio Henrique BaiaI, Eduardo Mendonça de CarvalhoII, Saulo Mendonça SegantiniIII, Rafael Peres MacedoIV, Felipe Fernandes AzevedoV, Ellen Portilho de Souza VI

I, II, III, VI, V Universidade de Rio Verde

VI Pontifícia Universidade Católica de Goiás

 

 


Resumo

Este estudo investigou a possibilidade de demonstração em laboratório de linhagens operantes e linhagens culturo-comportamentais. Linhagem operante descreve que em uma dada classe de respostas algumas topografias de respostas tornam-se mais frequentes que as demais membros dessa classe. Já linhagens culturo-comportamentais são (1) comportamentos aprendidos socialmente que (2) continuam a ser replicados no repertório de novos organismos e, cujas (3) consequências produzidas são suficientes para manter sua recorrência além de (4) manter a relação de controle por parte dos eventos ambientais antecedentes similares aqueles que evocaram o operante original. Participaram do estudo seis universitários. A tarefa experimental envolveu a inserção de algarismos em uma tarefa matemática. Os participantes desempenharam a tarefa em dupla com permissão de interações verbais. Foram mensurados os algarismos inseridos pelos participantes como propriedades definidoras da topografia das respostas. Os resultados encontrados indicaram que, em geral, uma topografia de resposta tornou-se mais frequente dentro de um universo de cinco topografias possíveis para reforçamento. Também observou-se replicação dessas topografias por aprendizagem social. Conclui-se que foi possível observar em laboratório a ocorrência de linhagens operantes e linhagens culturo-comportamentais.

 

Palavras-chave: Topografia, Função; Classe de respostas; Linhagem operante; Linhagem culturo-comportamental.


Abstract

This study has investigated the possibility of laboratory demonstration of operative and cultural lineages. The operant lineage describes that in a certain class of responses some topographies of responses become more frequent than the other members of this class. The culturo-behavior lineages are (1) socially learned behaviors that (2) continue to be replicated in the repertoire of new organisms and whose (3) consequences produced are sufficient to maintain their recurrence besides (4) maintaining the control relationship by previous environmental events similar to those that evoked the original operative. Six university students took part of the study. The experimental task involved the insertion of numbers in a math task. The participants performed the task in pairs with permission of verbal interactions. We measured the digits entered by the participants as defining properties of the topography of the responses. The results indicated that, in general, response topography became more frequent inside a universe of five possible topographies for reinforcement. A replication of such topographies was also observed for social learning. It was concluded that it was possible to observe, in laboratory, the occurrence of operant and culturo-behavior lineage.

 

Keywords: Topography; function; class of response; operant lineage; culturo-behavior lineage.

 


 

 

A Análise do Comportamento é uma ciência que tem como objeto de estudo o comportamento humano. Skinner (1981) propôs a compreensão do comportamento por meio de pressões ambientais seletivas. Tal proposta tornou-se conhecida como seleção por consequências. Segundo Locey e Rachlin (2013) a proposta skinneriana pode ser classificada como uma explicação dos processos de seleção do comportamento como algo análogo ao processo de seleção natural de espécies. No caso do comportamento a variação e seleção se dão na interação com o ambiente (Todorov, 1989). A noção de seleção por consequências é, então, um modelo causal adotado pela ciência Análise do Comportamento (Laurent, 2006).

Chiesa (2006) alerta para o fato de que este modelo causal rejeita a explicação baseada na causalidade mecânica, isto é, na noção de causa e efeito. Em verdade, o Behaviorismo Radical – a filosofia da ciência – estabelece a noção de relações funcionais como modelo explicativo. Nesse modelo não se considera que haja uma força que causa o comportamento. Estabelece-se a relação estável entre mudanças no ambiente e mudanças no organismo como modelo explicativo (Todorov, 1989). Assim, a interação entre organismo e ambiente é definido não só como objeto de estudo mas, também, como caminho para explicação.

Lopes (2008) aponta que a compreensão de comportamento no Behaviorismo Radical exige a compreensão dos eventos comportamentais (eventos ambientais e eventos do organismos), estados comportamentais (a probabilidade do responder) e processos comportamentais (processos que alteram os estados, por exemplo, o reforçamento). É exatamente por utilizar como elementos explicativos os componentes presentes na definição de comportamento (interação organismo e ambiente) que define o termo Behaviorismo Radical. Já que Behaviorismo (do inglês behaviorism) advém da definição do comportamento como objeto de estudo e Radical palavra que se origina de Radix do latim, cujo significado é raiz. Assim, o Behaviorismo Radical é a filosofia da ciência Análise do Comportamento que define o comportamento como objeto de estudo e estabelece como limites para estudo do comportamento apenas os elementos presentes na definição de seu objeto, isto é, estuda o comportamento em sua raiz.

Dentre as vantagens de utilização das relações funcionais como modelo explicativo encontram-se (1) a noção de multideterminação do comportamento e, (2) a abstenção da topografia – forma física da resposta – como elemento definidor do comportamento (Moore, 2008). A multideterminação do comportamento permite ao Analista do Comportamento compreender que uma única variável ambiental afeta mais do que uma única resposta. Um alimento pode funcionar como SD para um comportamento e SR para outro comportamento de um mesmo organismo. Desse modo, elenca-se a função de um comportamento tendo primazia sobre a topografia. Tal destaque fica claro na definição do comportamento operante.

Um operante é uma relação ordenada no qual as contingências entre estímulos e respostas são recorrentemente observadas. Portanto, o operante é uma unidade em função de seu efeito comum ao ambiente (Baum, 1994). O conceito de classe de respostas torna a função ainda mais destacada. Classe de respostas envolve operantes de variadas topografias (isto é, formas físicas do comportamento) que possuem a mesma consequência reforçadora (Pierce & Cheney, 2008).

Apesar da função ser o elemento de destaque na definição do comportamento, a topografia também tem seu valor de importância. Beavers, Iwata e Lerman (2013) apontam que a definição de uma classe de resposta com apenas uma ou poucas topografias de resposta é uma variável que deve ser considerada para uma boa aplicação dos princípios comportamentais. Hull, Langaman e Glenn (2001) propuseram o conceito de linhagens operantes. O conceito descreve que dentro de uma classe de respostas algumas topografias tornam-se mais frequentes que as demais. A produção de uma linhagem operante ocorre com o passar do tempo. Assim, respostas de dada classe irão ao longo do tempo ser mais frequentes do que as demais, caso as consequências reforçadoras continuem a serem apresentadas de modo contingente.

Comportamentos agressivos, por exemplo, podem ter uma dada topografia aumentada ao longo do tempo apesar da disponibilidade de emissão de outras topografias que produzem atenção social. Se por exemplo, um garoto emite comportamentos agressivos que envolvem desde verbalizações até agressão física, e todas essas respostas são mantidas por atenção social, então é possível afirmar que todos são membros da mesma classe de respostas. Entretanto, é possível que ao longo do tempo algumas topografias como agressões verbais tornem-se mais frequentes do que as demais. É importante destacar que o aumento da frequência da resposta de agressão verbal não se deu devido a reforçamento diferencial. Assim, o aumento de frequência dessas respostas ocorre de modo não diretamente reforçado diferencialmente.

Locey e Rachlin (2013) investigaram o desenvolvimento de padrões comportamentais sem reforçamento diferencial. Foram utilizados oito pombos divididos em dois grupos: Incremental e Step-Change de quatro sujeitos. A tarefa foi composta por FR8 cujas respostas de bicar foram distribuídas em dois discos (E – esquerda e D – direita). As diferentes possibilidades de distribuição de respostas em uma sequência foram definidas em relação ao maior número de respostas alocadas após mudança entre discos. A quantidade de respostas emitidas no disco alternado após mudança definia o comprimento da sequência, assim haviam quatro sequências possíveis variando de 0 (sem nenhuma mudança) até 4 (após mudança de disco quatro respostas alocadas no novo disco). A depender da sequência diferentes magnitudes de reforços foram liberados. Assim, se todas respostas de uma sequência fossem alocadas exclusivamente em um disco (por exemplo, EEEEEEEE) nenhum reforço era liberado. Caso as respostas da sequência fossem distribuídas com apenas resposta em outro disco após alternância entre os discos (por exemplo, EEEDEEED) uma pelota de ração foi liberada. Duas respostas (por exemplo, EEDDEEDD) produziam duas pelotas. Três respostas consecutivas no novo disco (por exemplo, EEDDDEEE) produziam quatro pelotas. Por fim, quatro respostas ( por exemplo, EEEEDDDD) produziam oito pelotas. O Grupo Incremental foi exposto as condições: 1-2-4-8; 0-2-4-8; 0-0-4-8 e 0-0-0-8 e 1-2-4-8. Os algarismos definidores de cada condição são referência a magnitude do reforço programado. Por exemplo, na condição 1-2-4-8 apenas a alocação exclusivas de respostas não produzia pelotas. Já na condição 0-0-0-8 apenas a distribuição com quatro respostas em um disco seguida de quatro respostas em outro disco produziam reforços com magnitude de oito pelotas. O Grupo Step-Change foi exposto apenas a condição 0-0-0-8. Essa manipulação permitiu observar se um padrão complexo como EEEEDDDD poderia ser estabelecido sem modelagem.

Os resultados dos sujeitos do Grupo Incremental indicaram que a distribuição de respostas tende a aumentar a medida que a exigência ambiental torna-se mais apertada. Isto é, a distribuição das respostas obedecia ao critério de reforçamento de menor exigência. Quando a condição 0-0-0-8 esteve em vigor observou-se a distribuição de respostas com o maior comprimento de sequência exigida (isto é, EEEEDDDD). Os resultados dos sujeitos do Grupo Step-Change sugerem que a resposta de bicar foi extinto. Isto é, apesar de haver reforços programados a exigência foi excessivamente alta, o que produziu o extinguir do responder.

A conclusão do trabalho de Locey e Rachilin (2013) é que um padrão de respostas complexo pode ser estabelecidos sem que modelagem seja realizada. Entretanto, caso a exigência seja demasiada é possível que o responder cesse. O comprimento da sequência de respostas – uma resposta ou quatro após mudança de discos – foi selecionado por pressões seletivas do reforço. Portanto, uma dada topografia (quantidade de respostas em um dado disco) foi estabelecida sem reforçamento diferencial. Porém, não é possível afirmar no trabalho de Locey e Rachilin que a topografia da sequência ocorreu sem exigência específica já que a topografia da sequência foi critério para reforçamento. Assim, permanece em aberto a questão de se linhagens operantes (isto é, aumento de uma dada topografia dentro de uma classe) pode ocorrer sem que uma exigência para dada topografia tenha sido programada.

Portanto, ainda não se realizou um estudo que tenha investigado linhagens operantes em laboratório. Glenn (2003) pontuou ainda que os operantes presentes no repertório de um organismo podem ser replicados no repertório de outro organismo por meio da aprendizagem social. Segundo a autora essa replicação é responsável pela disseminação de uma prática cultural. O conceito cunhado pela autora para descrever tal disseminação são as linhagens culturo-comportamentais. Por linhagens culturo-comportamentais compreende-se (1) comportamentos aprendidos socialmente que (2) continuam a ser replicados no repertório de novos organismos e cujas (3) consequências produzidas são suficientes para manter sua recorrência além de (4) manter a relação de controle por parte dos eventos ambientais antecedentes similares aqueles que evocaram o operante original.

Glenn (2003) exemplifica linhagens culturo-comportamentais por meio do caso de uma gorila1 . Havia um grupo de gorilas que se alimentava de batatas em uma praia. Uma gorila deixou sua batata acidentalmente cair na areia. Como estava próximo do mar a gorila se dirigiu a água e lavou a batata. Ao fazer isso a batata provavelmente ficou não só livre da areia como também com o sabor salgado. O sabor da batata parece ter sido um evento reforçado já que essa gorila passou a emitir esse comportamento frequentemente. Observou-se posteriormente que outros gorilas observaram o comportamento daquela gorila e passaram a replicar tal operante. Após certo tempo os pesquisadores notaram que muitos membros daquele grupo emitiam tal comportamento. Esse é um caso linhagem cultural. O conceito de linhagens culturo-comportamentais têm sido utilizado por analistas do comportamento interessados em processos culturo-comportamentais na determinação do comportamento.

Alguns estudos que investigaram a seleção de culturantes por metacontingências descrevem a ocorrência de linhagens operantes. Caldas (2009) utilizou uma tarefa matemática na qual dois participantes inseriam números abaixo de algarismos apresentados pelo computador. Caso a soma resultasse em números impares em todas as quatro caselas apresentadas, pontos eram liberados. Erros em apenas uma das caselas já era suficiente para ser considerado como um erro na tentativa, ou seja, nenhum ponto era liberado. Além disso, como o trabalho investigou metacontingências foi utilizado como critério para produção de consequências culturo-comportamentais a emissão de contingências comportamentais entrelaçadas2 (CCEs) que resultavam em somas menores dos números inseridos pelo participante mais antigo do que a soma dos números inseridos pelo participante mais recente no estudo. Em caso de atendimento do critério bônus foram apresentados na tela de ambos os participantes e metade da magnitude da consequência cultural adicionado ao contador individual de bônus de cada participante. Ao que se refere a linhagem cultural, os resultados encontrados por Caldas (2009) indicam que os participantes tendiam, ao longo das gerações, a inserir o mesmo número diante de um determinado estímulo. Esse resultado, então, pode ser considerado como a ocorrência de linhagem cultural. Vale destacar que segundo o autor a ocorrência dessa linhagem não parece depender das consequências culturais, já que mesmo na ausência de consequências comportamentais (Experimento 4) observou-se a produção desse fenômeno.

Este trabalho investigou se o reforçamento não diferencial de uma classe de respostas poderia, ao longo do tempo, produzir maior frequência de uma dada topografia de resposta, ainda que nenhum critério específico da topografia tenha sido exigido. Além disso, também se investigou se haveria replicação de operantes no comportamento de outros organismos de modo a atender as características definidoras de linhagem operante.

Participantes universitários foram expostos a uma tarefa matemática na qual 10 respostas de diferentes topografias eram possíveis. Desse universo de respostas possíveis apenas cinco produziam consequências reforçadoras (pontos) que ao fim da participação eram trocados por fotocópias Em certo momento dois participantes desempenharam a tarefa experimental concomitantemente tendo acesso a tela do parceiro e com comunicação verbal permitida.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo seis universitários de ambos os sexos. Cada participante do estudo foi conduzido a uma sala na qual foi lido e assinado o termo de consentimento livre esclarecido (CEP Parecer 114/2010). Após a assinatura o participante realizou uma tarefa pré-experimental na qual resolveu operações matemáticas de adição e classificou o resultado como par ou ímpar. O objetivo dessa tarefa foi verificar se o participante era capaz de realizar operações matemáticas e definir os resultados em termos de par ou ímpar, já que esse desempenho foi exigido na tarefa. O critério para atendimento da tarefa pré-experimental foi ao menos 80% de acerto.

Material

Foram utilizados 3 notebooks, programa Meta3, filmadora e gravador digital. Além de 1 mesa e 3 cadeiras.

Procedimento

Na tela do computador foi apresentado o programa Meta3 como ilustrado na Figura 1. Cada quadrante referia-se a um participante. Somente o participante correspondente ao quadrante poderia manipulá-lo. Em ambos os quadrantes haviam quatro células com algarismos (chamados de S1, S2, S3 e S4) apresentados pelo computador. Abaixo dessas células havia quatro quadrados onde o participante inseria os números de sua escolha, as respostas do participante foram classificadas como R1, R2, R3 e R4. Cada resposta teve o nome em referência ao estímulo que se localizava na célula superior a resposta. Ao lado das células e quadrados haviam dois outros quadrados, em um deles foi exibida a soma dos números inseridos pelo participante. O outro quadrado foi o botão OK, cujo clique confirmava a escolha de números realizada pelo participante. Na parte inferior da tela foram apresentados os contadores de pontos individuais e de bônus.

Figura 1. Diagrama de descrição dos componentes da tarefa experimental.

Neste estudo foi utilizado o procedimento de tentativa discreta. No início de cada tentativa o computador apresentava os algarismos. Os participantes inseriam números nos quadrados e confirmavam suas escolhas ao clicar em OK. Após os participantes confirmarem suas escolhas foram apresentadas as consequências programadas. O acerto operante foi caracterizado quando a soma dos algarismos apresentados pelo computador e os números adicionados pelo participante resultava em impar. Para configurar um acerto foi necessário que todas as quatro somas fossem impares. Assim o critério para acerto pode ser notado da seguinte maneira; [(S1 + R1) = impar) + (S2 + R2 = impar) + (S3 + R3 = impar) + (S4 + R4 = impar)] = ACERTO. Em caso de acerto foi apresentado: (1) um som característico em conjunto com (2) estímulos visuais caracterizados pela apresentação +300 pontos e (3) adição desses pontos no contador individual. Foi estabelecido como erro, quando alguma das quatro somas resultou em par. Erros foram seguidos de apresentação de: (1) som característico em conjunto com (2) realce das bordas dos estímulos apresentados pelo computador em amarelo, além de (3) apresentação de -30 pontos e (4) a retirada desses pontos do contador individual.

A tentativa se encerrava quando o computador apresentava as consequências da tentativa. Ao final da tentativa foi realizado um intervalo entre tentativas (ITI) de 7s. Durante o ITI os quadrantes tiveram seus tamanhos diminuídos e o teclado do computador permaneceu inoperante. Após o ITI uma nova tentativa era iniciada. Se na tentativa anterior tivesse ocorrido acerto, o computador inseria novos algarismos em todos os quadrantes. Porém, se ocorresse erro, o computador reapresentava os algarismos (relacionados ao erro) nas mesmas células da tentativa anterior com as bordas dessas com realce amarelo. Nas células em que não houveram erro novos algarismos foram apresentados.

O primeiro participante desempenhava sozinho a tarefa. O contador de pontos iniciava com 300 pontos. O objetivo foi permitir que caso ocorressem erros, estes poderiam sofrer a punição negativa programada (retirada de pontos individuais). No início da participação instruções mínimas foram lidas. As instruções versavam sobre um desafio que poderia ser resolvido manipulando o teclado. Além disso, foi informado que um outro participante seria adicionado posteriormente e que ambos poderiam conversar durante a atividade.

Cada participante desempenhou a tarefa por duas vezes consecutivas. Cada uma das participações foi encerrada após o atendimento do critério de encerramento de: (1) no mínimo de 20 tentativas com índice de acerto de 80% nas 10 ultimas e 100% de acerto nas quatro últimas tentativas ou (2) após 50 tentativas sem que o critério 1 fosse atendido. Quando o critério de encerramento foi atendido o computador apresentava uma mensagem na tela indiciando ao participante que aquela etapa se encerrou.

Após o primeiro participante desempenhar sozinho e ter atendido um dos critérios de encerramento, um novo participante era adicionado a situação experimental. No momento da adição do novo participante, um experimentador apresentava o novo participante ao antigo e informava que ambos poderiam desempenhar a tarefa, além da permissão para conversar. Vale destacar que nesse momento não foram lidas instruções mínimas para os participantes. Toda a informação sobre a tarefa ao novo participante era fornecida pelo antigo participante.

A etapa se encerrava quando o critério de encerramento acima descrito fosse atendido. Nesse momento o experimentador agradecia ao participante mais antigo e informava que ele deveria deixar o experimento. Novamente um novo participante era adicionado a tarefa. Foram realizadas cinco substituições até que os seis participantes tivessem desempenhado. O ultimo participante desempenhou sozinho a tarefa após a saída de P5.

 

RESULTADOS

A Figura 2 apresenta a topografias de resposta emitida com maior probabilidade de ocorrência por cada participante em relação aos 10 estímulos discriminativos possíveis. Para construção da figura foram relacionados os algarismos apresentados pelo computador (SD) e o número inserido pelo participante (topografia da resposta) relacionado ao algarismo correspondente. É possível notar que P1 em sua primeira participação variou a topografia das respostas emitidas, entretanto o estímulo 1 (s1) foi o único em que a topografia da resposta teve probabilidade abaixo de 0.5. Já em sua segunda participação (quando entrou um novo participante) nota-se que o desempenho de P1 tornou-se ainda menos variável no que tange a topografia. Em nenhum dos estímulos a topografia da resposta foi inferior a 0.5.

O desempenho apresentado por P1 segunda participação, foi replicado nas duas participações por P2, P3, P6, além de P4 primeira participação e P5 segunda etapa de participação. A probabilidade chega a 1.0 para a maioria dos estímulos apresentados, cerca de sete dos 10 estímulos possíveis.

Apenas durante a segunda etapa de participação de P4 e P5 primeira participação observa-se desempenho abaixo de 0.5 para uma topografia. No caso de P4 o estímulo 2 nunca foi apresentado em sua segunda participação por isso a lacuna na figura. Quando se contabiliza as topografias abaixo de 0.5 nota-se que para P4 apenas duas atingiram este índice. Já para P5 apenas uma topografia teve probabilidade menor de que 0.5.

Figura 2 - clique para ampliar

Tabela 1 apresenta as respostas com maior probabilidade de serem emitidas em função do estímulo apresentado para todos os participantes deste estudo. Como os participantes desempenhavam duas vezes a tarefa, somou-se as frequências de ocorrência do estímulo e dividiu-se por frequência de resposta. É possível notar que os participantes tendiam a replicar a topografia de respostas de maior probabilidade dos demais membros. Dos dez estímulos apresentados em seis (S0, S1, S4, S5, S6, S9) os participantes mudaram a topografia replicada apenas uma vez. Destes casos, em S0 apenas P6 apresentou probabilidade de topografia distinta dos demais participantes. Em S9 apenas P5 apresentou topografia distinta da preferida pelos participantes anteriores. Em S9 observa-se que a mudança ocorre uma vez e torna-se estável. No outros três casos S1, S5 e S6 houve flutuação no responder.

Com relação aos outros quatro casos (S2, S3. S7, S8) de modo geral nota-se que houve uma única topografia de resposta alta probabilidade de ocorrência (acima de 0.69) para todos os participantes.

Tabela 1 - Respostas com maiores probabilidades de ocorrência dado o estímulo por participante

 

DISCUSSÃO

Os dados apresentados na Figura 2 sugerem que houve seleção de linhagens operantes. Das 10 possíveis topografias de resposta, cinco foram elegíveis para reforçamento. Isto é, havia cinco algarismos possíveis a serem utilizados para produzir somas ímpares que resultavam em reforços (pontos). Por um lado, caso o responder não estive sendo afetado pelos pontos, isto é, a inserção de números não estivesse sendo controlada por reforçamento, o índice de probabilidade seria próximo de 0.1. Por outro lado, caso a distribuição de topografias estivesse sobre controle do reforço porém sem preferência por uma dada topografia o índice de probabilidade próximo a 0.2. Entretanto, o desempenho observado foi probabilidade de resposta de uma única topografia acima de 0.5 para quase todos os estímulos apresentados. Esse resultado sugere que houve seleção de linhagens operantes.

Outra análise da Figura 2 que permite a conclusão de que houve seleção de linhagens operantes se dá quando observa-se que o desempenho dos participantes apresentam maior preferência por uma topografia em sua segunda participação. Todos os participantes aumentaram o índice de preferência para próximo de 1.0 para cerca de sete estímulos durante a segunda participação. Esse resultado é condizente com Skinner (1938), pois o autor afirmar que o processo de reforçamento produz ao longo do tempo estereotipia no responder.

A estereotipia comportamental vem sendo descrita por analistas do comportamento desde os primeiros trabalhos de Skinner (ver Skinner, 1938). Segundo Abreu-Rodrigues (2005) a estereotipia do comportamento pode ser definida por situações nas quais aspectos particulares do comportamento tornam-se frequentes, sem que se note variação nessas medidas da resposta. Desse modo, a linhagem operante descreve um processo de estereotipia. Entretanto, essa estereotipia é distinta daquela investigada no campo da variabilidade comportamental. Nos estudos de variabilidade tanto a variação quanto a estereotipia são produzidas em função de reforços contingentes a repetição ou variação das unidades (e não da topografia) do responder. Ressalta-se que no presente estudo, a estereotipia produzida não se deu a critérios ambientais de reforçamento que exigiam o responder estereotipado. Como já dito cinco das dez respostas possíveis geravam reforços. Porém, como se observa na Figura 2 em geral apenas uma topografia de resposta tornou-se predominante.

Portanto, houve seleção de linhagens operantes já que certas topografias membros de uma classe tornaram-se mais frequentes que as demais topografias sem que nenhum processo de reforçamento diferencial estivesse em vigor . Assim este resultado está de acordo com a proposta de Hull, Langman e Glenn (2001) descrita anteriormente.

Outro ponto a ser destacado neste trabalho envolve a importância para aplicação do conceito de linhagem operante. Como relatado anteriormente Beavers, Iwata e Lerman (2013) indicaram que a definição de uma classe de respostas com uma ou poucas topografia favorece o resultado de uma intervenção aplicada. Desse modo, o analista do comportamento na área aplicada pode se valer do conceito de linhagens operantes. Primeiro, pois pode compreender as variáveis do responder estereotipado mesmo quando não existem critérios específicos que exijam esse tipo de desempenho, como no caso da estereotipa observada em comportamentos de autistas. Segundo, pois permite ao aplicador definir quais respostas da classe deve se atentar, o que aumenta a capacidade de identificação dos comportamentos alvos da intervenção. Isso ocorre porquê como algumas topografias de respostas tornam-se mais comuns que as demais, o aplicador pode elencar apenas algumas respostas que são membros de uma classe como objeto de intervenção.

A terceira utilidade do conceito de linhagens operantes decorre do fato de que sendo a estereotipia da resposta observada em linhagens operantes não decorrer de reforços contingentes, o aplicador pode ao proceder a formulação comportamental ter subsídios para diferenciar entre comportamentos estereotipados produzidos por reforços contingentes (estereotipia) ou de reforços contingentes não contingentes (linhagem operante). Ou seja, o aplicador poderá reconhecer diferentes variáveis determinantes da estereotipia observada.

Outro objeto de estudo do presente trabalho foram as linhagens culturo-comportamentais. É possível afirmar que este fenômeno pode ser observado neste trabalho. Como relatado anteriormente, a Tabela 1 permite observar de modo geral os participantes tendiam a emitir no máximo duas topografias. As topografias emitidas são em geral as mesmas exibidas pelos participantes mais antigos no experimento. Foram raros os casos em que se observa que a topografia preferida por um participante é divergente da topografia exibida pelos participantes anteriores. Ainda assim, nos poucos casos em que se nota mudança de topografia, nota-se que os participantes subsequentes continuam a produzir a “nova” topografia.

O conceito de linhagem cultural é de grande valia para compreensão da emissão de práticas culturais. Práticas culturais são definidas como comportamentos recorrentes entre indivíduos de diferentes gerações (Glenn, 1986). Como apontado por Sampaio e Andery (2010) muitos fenômenos comportamentais se enquadram na definição de práticas culturais. Sendo assim é importante a utilização de diferentes conceitos para diferentes fenômenos. Além disso, Glenn (2003) aponta que as linhagens culturo-comportamentais podem ajudar a compreender como os comportamentos operantes são replicados por diferentes organismos. Desse modo, as linhagens culturo-comportamentais podem auxiliar a compreensão de processos mais simples de construção de uma prática cultural até que outros eventos ambientais mais complexos atuem, como no caso de consequências culturais.

Os resultados encontrados neste trabalho são de valor para a literatura ao apontar um procedimento para investigação de seleção de linhagens operantes e linhagens culturo-comportamentais em laboratório. Além disso, os resultados referentes a linhagens culturo-comportamentais são similares aqueles encontrados por Caldas (2009). Assim como no Experimento 4 de Caldas, foi possível observar a seleção de linhagens culturo-comportamentais. Entretanto, no presente trabalho as linhagens culturo-comportamentais foram produzidas sem que consequências culturais estivessem programadas. Essa observação pode auxiliar a compreender o porquê um dado comportamento é transmitido, já que antes de transmiti-lo o organismo precisa que primeiro que essa resposta tenha sido selecionada em seu repertório.

Outra contribuição se deve ao fato de que as linhagens operantes e culturo-comportamentais podem fornecer provas do papel seletivo exercido por reforços. Mayr (2001) argumenta que a similaridade morfológica é prova do papel seletivo do ambiente na seleção natural. Segundo o autor, a seleção natural é comprovada não são pela similaridade física dos organismos, mas também pela similaridade de seus comportamentos. Portanto, a similaridade topográfica encontra nos desempenhos dos participantes pode ser utilizada como um possível argumento da demonstração do papel selecionador do reforço.

Esse argumento não deve ser considerado como ênfase na topografia do comportamento. Como já mencionado anteriormente, a função tem primazia sobre a topografia na compreensão do comportamento. Porém, estudos como o presente trabalho podem ajudar a compreender processos que estabelecem topografias específicas do responder sem que existam critérios ambientais que exijam esse padrão de respostas. Em estudos futuros sugere-se investigações de variáveis determinantes das linhagens operantes e linhagens culturo-comportamentais.

 

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Recebido: 09 de agosto de 2013.
Aprovado: 16 de outubro de 2013.

 

 

Notas

1 O exemplo aqui mencionado é baseado no relato do trabalho de Kawamura (1959). A referência complete pode ser obtida no trabalho de Glenn.

2 O conceito de CCEs descreve que a consequência reforçadora de um comportamento, depende ao menos parcialmente da contingência de reforçamento de outro comportamento.