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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.12 no.1 Assis jun. 2013

 

Resenha

 

Experiências brasileiras em Saúde Mental e Arte: contribuições singulares em um campo de pluralidade

 

 

Tânya Marques CardosoI, Elizabeth Maria Freire de Araújo Lima II

I, IIUniversidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências e Letras de Assis

 

 

Resenha: Saúde Mental e Arte: Práticas, Saberes e Debates, de Paulo Amarante e Fernanda Nocam (orgs.). São Paulo, Ed. Zagodoni, 2012. 224 p.

Dada as proporções entre as experimentações com artes nas práticas da Atenção Psicossocial e o que se tem publicado sobre este tema, pode-se dizer que há muito ainda a ser estudado e compartilhado. Porém, no III Congresso Brasileiro de Saúde Mental da Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME, ocorrido em 2012, em Fortaleza, o lançamento do livro “Saúde Mental e Arte: Práticas, saberes e debates” vem precisamente ao encontro dessa demanda, por teorizações específicas e diversificadas para este campo transdisciplinar.

Com o prefácio de Paulo Amarante, o campo sociocultural nos é apresentado como promissor para a Reforma Psiquiátrica brasileira, no que tange à sua produção artística perante o social, à invenção de vida a partir do “devir-artista” que toca à sensibilidade de modo singular. Na apresentação de Fernanda Nocam, conhecemos a história da produção do livro enquanto “literatura viva”, construída no encontro de ideias expostas no II Congresso promovido pela ABRASME no Rio de Janeiro em 2010, da reunião entre profissionais da saúde e teóricos que exploravam o tema arte-saúde mental. No primeiro capítulo, Reinheimer e Almeida apresentam a construção da capa do livro a partir da discussão sobre o papel do artesanato no modo cooperativo de trabalho com a Economia Solidária. A fotografia que ilustra a capa é das mãos de um artesão do Projeto “Efeito de papel”, do Instituto Franco Basaglia no Rio de Janeiro, imagem que condensa uma multiplicidade de sentidos entre arte, saúde e vida, que em consonância com a qualidade gráfica e de editoração do livro, agregam valor à edição.

Amarante, Freitas, Nabuco e Pande demonstram alguns resultados da coleta de dados sobre atividades artístico-culturais no período compreendido entre 2008 e 2009 em todos os estados brasileiros, e nos dão uma amostra da variedade de experiências existentes no país, no capítulo dois, identificando mais de 400 experiências artístico-culturais, que expõe uma lacuna entre a efusão da prática em detrimento do número de trabalhos publicados. Em seguida, Elizabeth Araújo Lima traça um histórico da relação entre arte, saúde mental e subjetividade mostrando alguns personagens importantes desse traçado, e ilustra a arte como possibilidade de construção de si, às “artes menores”, ligadas à potência de vida. No capítulo seguinte, Yasui e Dionísio dão um panorama de algumas oficinas ocorridas no primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil, o CAPS “Luis da Rocha Cerqueira”, para qualificar teórica e esteticamente a dimensão das práticas artísticas nos serviços Saúde Mental no que toca ao cuidado, expressão e invenção, contando um pouco da história dessas atividades pioneiras.

Domingues e Paravidini, no quinto capítulo, nos levam a refletir sobre o fazer artístico no processo de subjetivação, pelos elos e dissonâncias entre arte, psicanálise e loucura, estabelecendo analogias entre produção artística e produção de si e entre repetição, sintoma e psique. No sexto capítulo, Catunda e Pompermayer apresentam dispositivos para a promoção de expressões artísticas diversificadas, que visem subverter a clínica e o modo de lidar com a loucura, citando alguns de seus “experimentos em ação”, como a “Cineterapia da Caixa Preta” e a Oficina Experimental de Moda “DASDOIDA”. As autoras Zia, Ambrosio e Aiello-Vaisberg discutem o Teatro Espontâneo voltado ao atendimento psicoprofilático de professores envolvidos com a inclusão escolar, numa perspectiva winnicottiana da expressão subjetiva na criação “brincante” e da construção de um espaço cênico transicional diferenciado de comunicação. As autoras Nocam e Romera prosseguem na temática do teatro, em uma análise de sua experiência local com as Oficinas Terapêuticas de Teatro, apresentando alicerces teóricos que podem servir como aparato para as práticas de teatro no contexto da Saúde Mental Coletiva. Enriquecido por algumas cenas da Oficina, o capítulo transmite a importância de um “moto-contínuo” entre subjetivação e criação teatral. Já Buelau sensibiliza para a questão do corpo interagindo com a paisagem sonora, na formação de um coletivo e na produção da apropriação individual da “potência vital” do corpo. O autor Altieres Edemar Frei discorre sobre uma “Oficina de Expressão Sonora”, propondo uma ética da arte como potência humana, fazendo perguntas pertinentes que podem ser estendidas a toda ação artística em saúde mental: Como introduzir os usuários dos serviços em “um sistema coletivo de criação” artística, afinado “com os seus respectivos sintomas” e que possa produzir “produtos de relevância estética e histórica por sua importância cultural para além do seu aspecto terapêutico?” (id., p.142). Ainda no tema das artes musicais, Leonardi e Pedrão tratam do canto e da dança, articulando musicoterapia com dança circular, sob a perspectiva de Frankl, estabelecendo uma relação entre produção artística e de um “sentido para a vida”.

Algumas cenas da produção do vídeo “Coisa de Doido” em oficinas terapêuticas são exploradas por Schwartz, Nascimento, Nocam e Roza Júnior, que mostra uma rede de clínica ampliada em construção. O vídeo é uma materialização do percurso da relação entre a loucura e o espaço social: o aparecimento de práticas alternativas às da psiquiatria tradicional com as oficinas terapêuticas, que são vistas como clínica extensa, que reinventa o cotidiano da vida, do tratamento, do olhar e do saber sobre si. Do encontro entre um rapaz, escritor, poeta, lutador e professor de Kung Fu, inserido no Sistema de Saúde Mental de Uberlândia, e uma psicóloga com pretensões de iniciar um grupo de teatro, se produziu, dentre outras coisas, o capítulo treze deste livro. Bom-Tempo nos descreve os efeitos criadores e de ruptura desse encontro, e, deixa provocações: Toda arte serve como nau de salvação ao louco? Como se implicar nesse processo de produção e lidar com os imprevistos da arte e da vida com autonomia?

E magistralmente, Pereira conclui o livro com um capítulo que trata de Artaud, em suas correspondências enviadas em resposta à recusa do diretor da Nouvelle Revue Française, Jacques Rivière, em publicar o conjunto de poemas que Artaud lhe havia enviado. Ao falar de seu próprio processo criativo, Artaud autoavalia sua filosofia a respeito do pensamento, corpo e espírito, afirmando para si não somente o lugar de literato, mas de sujeito singular em seu direito irrestrito de sê-lo, escrevendo sobre o seu próprio sofrimento psíquico e se inscrevendo no campo da arte e da existência.

Um livro tão plural e, simultaneamente, tão singular quanto seus autores, abordagens teóricas, relatos e experiências não poderia tratar de um assunto que não fosse igualmente plural e singular: a Saúde Mental, em suas várias instituições, políticas, expressões e saberes. Somada à arte, em sua diversidade de sons, tons, cores, formas, valores, espetáculos, apresentações e exposições, a Saúde Mental Coletiva se potencializa. E essa soma, não ignorada por esta obra, leva a pluralidade às últimas consequências, para a nossa apreciação teórica e “estética”.

 

Bibliografia

Amarante, P., Nocam, F. (2012) Saúde Mental e Arte: Práticas, Saberes e Debates. São Paulo: Zagodoni.         [ Links ]

 

 

Recebido: 10 de maio de 2013.
Aprovado: 12 de outubro de 2013.